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MALLARTRANSVERS - a poesia de Inês Dias traduzida por Josep Domènech Ponsatí

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NOSTALGHIA

Ouvia-te falar e sentia
as chamas retomarem
as paredes do teu coração
de igreja abandonada.
O céu, nessa tarde,
era um leque de lantejoulas
ao rés do teu sorriso
e dos meus olhos encandeados.
Doía-me esse excesso de luz
que te fazia toda sombra,
o crepitar morno da pele
antes do incêndio consumado.

Sempre que dizias o seu nome,
riscavas outro fosforo ―
ele avançava dentro de ti,
nas mãos uma vela prestes a cair.
Amo demasiado o fogo
para a suster. Prefiro
redesenhar as nossas cicatrizes,
ser depois a memória da pedra
fria em pleno verão.



NOSTALGHIA

Et sentia parlar i notava
com les flames reprenien
les parets del teu cor
d’església abandonada.
El cel, aquella tarda,
era un ventall de lluentons
arran del teu somriure
i dels meus ulls enlluernats.
Em feia mal aquest excés de llum
que et feia tota ombra,
el petarrelleig tebi de la pell
abans de l’incendi consumat.

Sempre que deien el seu nom,
encenies un altre llumí
―ell avançava dintre teu,
a les mans una espelma a punt de caure.
L’estimo massa, el foc,
per aguantar-la. M’estimo més
redissenyar les nostres cicatrius,
ser després la memòria de la pedra
freda en ple estiu.







LOT

Ninguém conhece melhor a tristeza
do que eu. Não uma melancolia
branda de algodão doce,
nem a chamada no sangue
de uma janela, mas as veias
com o mar inteiro lá dentro
e os ossos ainda tão fundo.

A tristeza como uma crosta
de mármore colada à pele.
E sobre as pálpebras
o cinzel dos passos
que não quiseram esquecer,
que já não me seguem,
batendo sempre.



LOT

Ningú coneix millor la tristesa
que jo. No una melangia
flonja de cotó de sucre,
ni la crida a la sang
d’una finestra, sinó les venes
amb el mar sencer allà a dins
i els ossos encara tan fondo.

La tristesa com una crosta
de marbre enganxada a la pell.
I damunt les parpelles
el cisell dels passos
que no han volgut oblidar,
que ja no em segueixen,
i que bateguen sempre.







ÁGATA

Foi amor à primeira vista.
 Ela tinha nome de pedra preciosa
 e, na literalidade dos meus cinco anos,
 cabelo em forma de pássaro – negro
 asa de corvo.
 Era o tempo em que ainda
 aprendia com o corpo todo:
 uma fractura exposta para entender
 o significado de maioria, uma pneumonia
 para descobrir a solidão.
 Quando ela me cravou um lápis
 sob o olho esquerdo, pressenti que a escrita,
 grafite fria à flor do sangue,
 deixaria marcas para sempre.
 Nunca mais nos separámos.
 Eu e as palavras,
 a Ágata mudou de escola.



ÀGATA

Va ser amor a primera vista.
 Ella tenia nom de pedra preciosa
 i, dins la literalitat dels meus cinc anys,
 cabells en forma d’ocell ―negre
 ala de corb.
 Era el temps en què encara
 aprenia amb el cos sencer:
 una fractura al descobert per entendre
 el significat de la majoria, una pneumonia
 per descobrir la solitud.
 Quan ella em va clavar un llapis
 a sota l’ull esquerre, vaig intuir que l’escriptura,
 gèlid grafit a la massa de la sang,
 deixaria marques per sempre.

No ens hem separat mai més.
 Les paraules i jo,
 l’Àgata va canviar de col·legi.







 Poemas do livro Ponto-sombra. São Paulo: Corsário-Satã, 2018


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                                           A AUTORA
Inês Diasé poeta, professora e tradutora portuguesa, vive em Lisboa com as suas duas gatas e Manuel de Freitas, com quem dirige a editora Averno desde 2002. Tem cinco livros de poemas publicados – Em caso de tempestade este jardim será encerrado (Tea For One, 2011), In situ (Língua Morta, 2012), Um raio ardente e paredes frias (Averno, 2013), Da Capo (Averno, 2014) e Sítio(Volta D’Mar, 2016), o último dos quais com Manuel de Freitas. Colabora com o espaço Paralelo W, em Lisboa.

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                                    O TRADUTOR

Josep Domènech Ponsatí (Sant Feliu de Guíxols, 1966), poeta, tradutor e livreiro, publicou até agora Cap un un dic secDesdiments, Apropiacions degudes & Cia.El Càcol  e Preqüela. Com seu quarto livro de poesia, El Càcol, ganhou o prêmio de poesia Sant Cugat em memória de Gabriel Ferrtaer (2014). El Càcol é uma proposta radical em mais de um sentido: por um lado, porque o autor está empenhado em lidar com questões que os poetas costumam deixar de fora de seus versos (aspectos nus e egoístas, aparentemente tão prosaicos quanto pode ser o uso de pornografia); por outro lado, porque cada poema é o resultado do jogo mais respeitoso com a genuinidade das palavras. Assim, El Càcol é ao mesmo tempo um livro requintado e refinado, cheio de poesia de alta voltagem.

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