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Missão/Missões (Como construir catedrais), de Cildo Meireles, de 1987 (detalhe) |
Idea Vilariño
Limpeza geral
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UNO SIEMPRE ESTÁ SOLO
Uno siempre está solo
pero
a veces
está más solo.
A GENTE SEMPRE ESTÁ SOZINHA
A gente sempre está sozinha
mas
às vezes
está mais sozinha.
HASTA CUÁNDO
Hasta cuándo los gestos
las señas las palabras
la sabida comedia
la mascarada atroz
esta triste aventura
de ser cálido y fuerte
y andar entre las cosas
inanimadas frías
a cuyo estado un día
llegaremos sin duda.
ATÉ QUANDO
Até quando os gestos
os sinais as palavras
a sabida comédia
a mascarada atroz
esta triste aventura
de ser cálido e forte
e andar entre as coisas
inanimadas frias
a cujo estado um dia
chegaremos sem dúvida.
DECIR NO
Decir no
decir no
atarme al mástil
pero
deseando que el viento lo voltee
que la sirena suba y con los dientes
corte las cuerdas y me arrastre al fondo
diciendo no no no
pero siguiéndola.
DIZER NÃO
Dizer não
dizer não
atar-me ao mastro
mas
desejando que o vento o volteie
que a sereia suba e com os dentes
corte as cordas e me arraste até o fundo
dizendo não não não
mas seguindo-a.
EL MISTERIOSO ABISMO
Alzar los ojos
al misterio abismal de las estrellas
que será a no dudarlo
algo tan sucio
tan mezquino y tan sucio
como esto.
O MISTERIOSO ABISMO
Erguer os olhos
para o mistério abismal das estrelas
que será com certeza
algo tão sujo
tão mesquinho e tão sujo
quanto isto.
BUSCAMOS
Buscamos
cada noche
con esfuerzo
entre tierras pesadas y asfixiantes
ese liviano pájaro de luz
que arde y se nos escapa
en un gemido.
PROCURAMOS
Procuramos
cada noite
com esforço
entre terras pesadas e asfixiantes
esse ligeiro pássaro de luz
que arde e foge de nós
num gemido.
ESCRIBO PIENSO LEO
Escribo
pienso
leo
traduzco veinte páginas
escucho las noticias
escribo
escribo
leo.
Dónde estás
dónde estás
ESCREVO PENSO LEIO
Escrevo
penso
leio
traduzo vinte páginas
escuto as notícias
escrevo
escrevo
leio.
Cadê você
cadê você.
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Missão/Missões (Como construir catedrais), de Cildo Meireles, de 1987 |
Y QUÉ
Tomo tu amor
y qué
te doy mi amor
y qué
tendremos tardes noches
embriagueces
veranos
todo el placer
toda la dicha
toda la ternura.
Y qué.
Sempre estará faltando
la honda mentira
el siempre.
E DAÍ
Pego seu amor
e daí
eu te dou meu amor
e daí
vamos ter tardes noites
embriaguezes
verões
todo o prazer
todo o regozijo
toda a ternura.
E daí.
Sempre ficará faltando
a funda mentira
o sempre.
SI
Si te murieras tú
y se murieran ellos
y me muriera yo
y el perro
qué limpieza.
SE
Se você morresse
e morressem eles
e eu morresse
e o cachorro
que limpeza geral.
SI MURIERA ESTA NOCHE
Si muriera esta noche
si pudiera morir
si me muriera
si este coito feroz
interminable
peleado y sin clemencia
abrazo sin piedad
beso sin tregua
alcanzara su colmo y se aflojara
si ahora mismo
si ahora
entornando los ojos me muriera
sintiera que ya está
que ya el afán cesó
y la luz ya no fuera un haz de espadas
y el aire ya no fuera un haz de espadas
y el dolor de los otros y el amor y vivir
y todo ya no fuera un haz de espadas
y acabara conmigo
para mí
para siempre
y que ya no doliera
y que ya no doliera.
SE EU MORRESSE ESTA NOITE
Se eu morresse esta noite
se pudesse morrer
se eu morresse
se este coito feroz
interminável
lutado e sem clemência
abraço sem piedade
beijo sem treva
atingisse seu ápice e se afrouxara
se agora mesmo
se agora
revirando os olhos eu morresse
sentisse que já acabou
que o afão já cessou
e a luz não fosse mais um feixe de espadas
e o ar não fosse mais um feixe de espadas
e a dor dos outros e o amor e viver
e tudo não fosse mais um feixe de espadas
e acabasse comigo
para mim
para sempre
e que não doesse mais
e que não doesse mais.
ES NEGRO
Es negro para siempre.
Las estrellas
los soles y las lunas
y pingajos de luz diversos
son pequeños errores
siuciedad pasajera
en la negrura espléndida
sin tiempo
silenciosa.
É PRETO
É preto para sempre.
As estrelas
os sóis e as luas
e farrapos de luz diversos
são pequenos erros
imundície passageira
na negrume esplêndida
sem tempo
silenciosa.
LA ÚLTIMA PALABRA
Que no me importa
digo repito explico
que no me importa
grito
que no me importa.
No me importa
no quiero
diré otra vez que no
retraeré la mano
no volveré a aceptar.
Digo que no me importa
y aunque me desdijera
seguiria siendo esa
la única verdad
la última palabra.
A ÚLTIMA PALAVRA
Que não me importa
digo repito explico
que não me importa
grito
que não me importa.
Não me importa
não quero
vou dizer mais uma vez que não
retrairei a mão
não aceitairei de novo.
Digo que não me importa
e mesmo se eu me desdizer
continuaria sendo essa
a única verdade
a última palavra.
A AUTORA
Idea Vilariño (Montevidéu, 1920 - 2009) Poeta uruguaia. Sua poesia recebe um impulso duplo e complementar da criação: a morte de um lado e o amor do outro. Com Cielo, cielo (1947) se lançou em uma experimentação próxima à estética de vanguarda, com um maior hermetismo e ruptura da sintaxe. Da sua obra destacam La suplicante (1945), Paraíso perdido (1949) e Nocturnos (1955, edição aumentada em 1976). Depois de sua coletânea Poesía (1970), publicou, com um prólogo de Mario Benedetti, Poesías de amor (1972). De seu trabalho crítico destaca-se Las letras de tango (1965).
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O TRADUTOR
Josep Domènech Ponsatí (Sant Feliu de Guíxols, 1966), poeta, tradutor e livreiro, publicou até agora Cap un un dic sec, Desdiments, Apropiacions degudes & Cia., El Càcol e Preqüela. Com seu quarto livro de poesia, El Càcol, ganhou o prêmio de poesia Sant Cugat em memória de Gabriel Ferrtaer (2014). El Càcol é uma proposta radical em mais de um sentido: por um lado, porque o autor está empenhado em lidar com questões que os poetas costumam deixar de fora de seus versos (aspectos nus e egoístas, aparentemente tão prosaicos quanto pode ser o uso de pornografia); por outro lado, porque cada poema é o resultado do jogo mais respeitoso com a genuinidade das palavras. Assim, El Càcol é ao mesmo tempo um livro requintado e refinado, cheio de poesia de alta voltagem.