![]() |
Horácio, por Giacomo Di Chirico (alterada) |
Vicent Andrés Estellés
Cinco horacianas da hora
Tradução de Josep Domènech Ponsatí
IV
veniu, oh vosaltres, dubtosament donzelles.
veniu a veure el vell poeta.
amablement us ha de rebre.
és vell, és massa vell, el vell poeta,
però, ah, és una glòria, per més que encara estrictament local.
podeu tocar-lo fins i tot, no mossega.
aneu, però, amb cura, no us arruixe de semen.
IV
venham, oh vocês, dubiamente donzelas.
venham ver o velho poeta.
afavelmente deve receber vocês.
é velho, é velho demais, o velho poeta,
mas, ah, é uma glória, embora ainda estritamente local.
vocês podem até tocar nele, não morde.
vão, porém, com cuidado, não esporra em vocês.
XVII
bon dia, grapat d’aigua,
escarpidor, gillette, sabó, dentífric.
bon dia, normalitat o hostilitat de l’oratge,
volum de merda que he amollat i mire.
oh, bon dia, veïna, que tornes del mercat.
aquesta bona merda, assaonada i fràgil,
dóna ganes
d’invitar a sucar-hi el veïnat.
com la merda s’esmuny en estirar la cadena,
així són de fugissers els plaers
que la vida ens depara, els amor, tot això.
ens van parir amb merda i altres amenitats semblants,
i el nostre darrer acte o darrera voluntat
serà també una cagada gratuïta, uns orins.
XVII
bom dia, punhado d’água,
pente, gilete, sabão, pasta-de-dente.
bom dia, normalidade ou hostilidade da brisa,
volume de bosta que soltei e fico olhando
oh, bom dia, vizinha que volta da feira.
essa boa bosta, caprichada e frágil,
dá vontade
de convidar a vizinhança para molhar o pão nela.
como a bosta desliza ao dar descarga,
assim são de efêmeros os prazeres
que a vida põe à nossa disposição, os amores, tudo isso.
nos pariram com bosta e outros divertimentos parecidos.
e o nosso ato final ou última vontade
será também uma cagada gratuíta, uma mijada.
XXIII
et veig gastat, flàccid, llançat,
condó,
sense dignitat en la teua derrota,
tirat de qualsevol manera,
com un peixot
impotent, incapaç de redreçar-te, cansadament humà,
i això que tens el semen que a mi em manca
i encara alenes
llefiscós i bellugadís
com jo mateix, però d’una altra manera,
després del brusc combat feroç.
XXIII
vejo-te gasta, flácida, jogada,
camisinha,
sem dignidade na tua derrota,
arremessada de qualquer jeito,
que nem peixão
impotente, incapaç de endireitar-te, cansadamente humana,
e isso que você tem o esperma que eu careço
e ainda respira,
pegajosa e buliçosa
como eu mesmo, mas de outra maneira,
após a brusca peleja feroz.
XLII
m’he estimat molt la vida,
no com a plenitud, cosa total,
sinó, posem per cas, com m’agrada la taula,
ara un pessic d’aquesta salsa,
oh, i aquest ravenet, aquell all tendre,
què dieu d’aquest lluç,
és sorprenent el fet d’una cirera.
m’agrada així la vida,
aquest got d’aigua,
una jove que passa pel carrer
aquest verd
aquest pètal
allò
una parella que s’agafa les mans i es mira els ulls,
i tot amb el seu nom petit sempre en minúscula,
com aquest passerell,
aquell melic,
com la primera dent d’un infant.
XLII
eu amei muito a vida,
não como plenitude, coisa total,
mas, por exemplo, como eu gosto da comida,
agora um tiquinho desse molho,
oh, e esse rabanete, aquela cebolinha,
o que vocês me dizem dessa pescada,
é surpreendente o fato de uma cereja.
eu gosto assim da vida,
esse copo d’água,
uma jovem que passa na rua
esse verde
essa pétala
aquilo
um casal de mãos dadas e olhos nos olhos,
e tudo com seu nome pequeno sempre em minúscula,
como esse pintarroxo,
aquele umbigo,
como o primeiro dente de uma criança.
XLIV
he fet avui una merda despreciable,
una d’aquelles merdes aigualides,
sense cohesió ni consistència,
com l’allioli que no lliga i li afegeixen aigua.
he sentit una amarga compassió de mi,
una pobra nostàlgia.
vaig passar la nit bevent
i aquest n’ha estat avui el resultat.
com una lloca aniria amollant
fragments, micapanets esfilegats.
a això, al meu poble, les mares diuen fer “suquero”.
és un castellanisme problemàtic.
al voltant, a l’aguait, hi havia l’avidesa de les mosques.
XLIV
hoje fiz uma bosta desprezível,
uma daquelas bostas aguadas,
sem coesão nem consistência,
feito aioli que fica líquido e lhe acrescentam água.
eu senti uma amarga pena de mim,
uma pobre saudade.
virei a noite bebendo
e essa foi hoje a conseqüência.
feito uma galinha choca eu iria soltando
pedaços, papas esfiapadas.
isso, na minha terra, as mães chamam de “deu um piriri”.
é uma gíria engraçada.
ao redor, à espreita, havia a avidez das varejeiras.
Todos os poemas são do livro Horacianes, in Obra completa IV. València: 3i4, 2017.
_______________________________
O AUTOR
Vicent Andrés Estellés(Burjassot, 1924 ― València, 1993): um dos poetas valencianos mais importantes do século XX. Ele tem uma obra diversa e muito extensa. Publicou, entre outros, La nit (1956), Donzell amarg (1958), L’inventari clement (1971), La clau que obri tots els panys (1971), Llibre de meravelles (1971), Horacianes (1974), Versos per a Jackeley (1983) e Sonata d’Isabel (1990).
________________________________
O TRADUTOR
Josep Domènech Ponsatí(Sant Feliu de Guíxols, 1966), poeta e livreiro, publicou até agora Cap un un dic sec, Desdiments e Apropiacions degudes & Cia. Com seu quarto livro de poesia, El Càcol, ganhou o prêmio de poesia Sant Cugat em memória de Gabriel Ferrtaer (2014). Càcolé uma proposta radical em mais de um sentido: por um lado, porque o autor está empenhado em lidar com questões que os poetas costumam deixar de fora de seus versos (aspectos nus e egoístas, aparentemente tão prosaicos quanto pode ser o uso de pornografia); por outro lado, porque cada poema é o resultado do jogo mais respeitoso com a genuinidade das palavras. Assim, El Càcolé ao mesmo tempo um livro requintado e refinado, cheio de poesia de alta voltagem.