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"GOJIRA REDIVIVO", POR ALEXANDRE GUARNIERI [POEMA DO LIVRO INÉDITO "O SAL DO LEVIATÃ"]

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Gojira redivivo (credo para Godzilla)


venha, submersa fera,
egressa do obscuro fundo
de tudo o quanto se pode
conhecer longe da luz

remexe de súbito teu
bucho bruto e profundo
e engole de uma só vez,
sujo, esse nosso mundo

trôpego monstro capaz de atro
cidades, destrua-nos a todos nós
dia após dia, nas mais populosas
metrópoles, entre outras aldeias menores

mata sua fome em nossa morte,
bebe nosso sangue em sua sede,
sê benevolente, mete de uma vez
os dentes e mastiga, inteira, a nossa dor

quimera marinha, banhada pelo lacrimoso
halo de toda nossa mais crua agrura,
rebola teu hálito de peixe gorduroso
por sobre nossa suposta bravura

com sua truculenta lenda, inunda de receio
nosso mantra: sê benigno conosco em nossa
altivez terminal, lança-nos o último tsunami
enquanto o apocalipse bíblico via oceano pacífico

venha a nós, arauto da fúria divina ou demoníaca,
mostra-nos atrás da bocarra tuas amígdalas,
socorre e recolhe nossa sombra moribunda
com tua saliva, acode-nos da insípida sina

malogra todo o orgulho megalômano do Homem
com teu nodoso e salobro vômito, ronda as ilhas,
assusta as tribos, são lâminas tuas barbatanas de iguana,
da úmida penumbra escuta nossas súplicas inconclusas

com teus enormes olhos dalguma cobra ancestral das mitologias
espreita as pequenas vilas, são repositórios de vítimas, saboreia
os cadáveres crocantes de tantas crianças, banqueteia-te de nós
a céu aberto, temos deliciosos ossos, são órgãos nosso recheio

gigante submerso, tenebroso e sombrio, mil cascatas frias
fazem-te escorrer pelas costas tamanho visgo, mosaico
de suores, licores sobre o negro macramê de escamas,
mergulha na lama do mar salgado toda palavra fraca, vã

repele a humanidade absoluta como o único e detestável
verme, cura nossa febre, nosso ego severo, atroz é nosso cérebro,
revela em nós todo demérito enquanto espécie sobre a face da Terra,
parte estes exércitos ao meio com teu semblante velho e austero

com tua baforada de fogo e enxofre, como a dos dragões,
ergue nossos navios de guerra, aniquila as ridículas marinhas,
os arsenais em terra, as esquadras navais e aéreas, que não
nos servirão mais quaisquer armadas... revela-nos o juízo final,
                                                          enfim,
           
                                                          Godzilla!


*   *   *

O presente poema integra o livro inédito O SAL DO LEVIATÃ [no prelo/ Penalux].



*   *   *




Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Integra o corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens. Lançou Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) [disponível gratuitamente AQUI], Corpo de Festim [livro ganhador do 57o Jabuti/ 2a Edição pela Penalux/ disponível gratuitamente AQUI] e Gravidade Zero (Penalux, 2016) [disponível gratuitamente AQUI]. Em 2016, publicou pela Patuá a antologia Escriptonita (poemas tematizando super-heróis), do qual foi um dos organizadores. 

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