Aquele dia atingia todos como a ânsia de eternizar um beijo roubado. Era um dia único; singular como todos os dias. Encontro marcado: pensamentos a esmo, tudo no devido lugar. A melhor lingerie e o olhar perdido, demoradamente no espelho.
A noite desnuda os sentimentos mais entranhados no âmago. Ninguém sai ileso de si mesmo. À noite. As intenções... Atrás de um olhar humano existe sempre uma intensa intenção. Desejos presos, insaciáveis... Loucas sensações encravadas nos poros, nos olhos, na alma. A carne tensa, púrpura maciez à espera do toque – arrepio necessário –, pronta para a voluptuosa degustação recíproca, num ritual onírico de imensurável prazer tântrico.
O universo conspira a favor dos dois Seres, que se olham nus; que se sentem nus na imensidão dos próprios sentidos. São atraídos como ímã, cio, inexplicável força primal, Eros e Psiquê. Nada os detêm. Nada pode deter a trajetória dos astros em direção ao Absoluto. Seres irrevogáveis. Os corpos aproximam-se, lentamente, experimentam o cheiro, o calor um do outro, numa tentativa instintiva de identificação cósmica. Cheiram. Cheiram... A mão de Eros passeia pausadamente na face de Psiquê, deslizando para a nuca. Nunca havia sentido tamanha maciez e deleite ao tocar um corpo desejado. Psiquê, no afago dos toques de Eros, fita cada movimento dos dedos e sente o aconchego na quentura do abraço-acalanto. Suspiros, sussurros, silêncios mútuos... As mãos de ambos falam, conversam com a pele; entre si. A leveza de Psiquê, na insustentável libido insaciável, revela-se puramente entregue ao prazer: boca entreaberta, olhos fechados, temperatura elevada... Eros em flecha, em direção ao abismo-vida, sem pressa, atinge o alvo: com a ponta da minguante língua, em círculos, acaricia os intumescidos mamilos – lindos botões lisos, num passeio interminável pelos macios seios rijos. Eros continua garimpando a textura corpórea de Psiquê, beijando o pescoço e, subitamente, carícias labiais no umbigo. Sussurros, gemidos... A língua não cessa. A cabeça de Eros entre as coxas de Psiquê dita o rumo horizontal do infinito. O cheiro. Ah, o cheiro... Aquele cheiro de sexo... As narinas embevecidas de libidinosos aromas líquidos. Ah, o cheiro... Vão volumoso numa visão única... Contemplar aquela rejuvenescedora Vênus em fúria... A língua estendida, leves e suaves lambidas nos pequenos, grandes aveludados lábios, pulsante rubi e períneo... A saliva mistura-se à doce espuma energética que surge entre as pétalas da vulcânica vulva. Psiquê, entre gemidos, sente e absolve o golpe molhado-molusco de Eros, ainda com a língua, em seu olho-de-hórus, numa tentativa profANAL de penetrá-la escatologicamente. Demasiados gemidos... Ecos ecoando em suspiros... Sussurros... Abissais espasmos dos músculos... Internas contrações involuntárias da vagina... Aaaaaahhhhhhhhhhh... Aromas, cores, sons, sabores...
O orvalho da rosa, lustroso néctar, escorre languidamente entre as pernas, enquanto Eros, o colibri, delicia-se com a petite mort transcendental de Psiquê.
Desenho : Francisco Gomes
Francisco Gomes (cor)rompeu a existência em 1982 no arcaico município de Campo Maior (PI), mas fixou raízes na provinciana Teresina (PI), onde habita desde os sete anos de idade. Iniciou as faculdades de História e Letras/português, abandonou ambas. Publicou os livros Poemas Cuaze Sobre Poezias (FCMC - 2011), Aos Ossos do Ofício o Ócio (Penalux - 2014) e Face a Face ao Combate de Dentro (Kazuá - 2016). É autor/editor do blog PULSO POESIA(www.franciscogomespoiesis.worpress.com). Tem poemas publicados em revistas, coletâneas nacionais, jornais, blogs, sites, muros etc. Admira a carência orgulhosa dos gatos e a tranquilidade dos jabutis. Adora fígado acebolado.