tempo I
eram as folhas verdes das bananeiras contra o céu azul. e
eram as folhas e os caules encurvados das muitas variedades de palmeiras contra o céu azul e as nuvens. e,
lá embaixo, era a espuma branca criada pelo choque das ondas azul-esverdeadas contra as pedras da costeira. das
manhãs às noites, iam transcorrendo assim os dias.
então numa certa noite bateram na janela de casa, acordando meu pai. um velho caiçara, morador da ponta grossa, havia morrido. o homem vivera da pesca e das roças de mandioca e banana. sabia caçar, remava com habilidade a canoa e remendava redes. e agora estava morto.
meu pai, junto com três companheiros, foi na mesma hora para a ponta grossa, subindo e descendo as trilhas dos morros, e de lá trouxeram, sobre uma tábua, no meio da noite, o corpo do morto, para ser velado na capela do itaguá.
meu pai contava que aquela foi uma noite estrelada e clara, da qual ele jamais se esqueceu.
tempo II
havia muitas coisas, um turbilhão delas, tantas
que nelas nos perdíamos, jovens,
indo e vindo, sem nos deter em nada, tudo
tão possível, o infinito diante de nós.
[e então, o tempo]
que nelas nos perdíamos, jovens,
indo e vindo, sem nos deter em nada, tudo
tão possível, o infinito diante de nós.
[e então, o tempo]
o vento balançando as copas das árvores
na praça em frente à minha janela, fazendo
viajar as nuvens por cima dos edifícios
é tudo o que importa agora.
na praça em frente à minha janela, fazendo
viajar as nuvens por cima dos edifícios
é tudo o que importa agora.
tempo III
sentados nesta varanda, noite estrelada e sem lua, fria,
aquecidos por uma manta compartilhada e por
duas taças de vinho, olhando o céu. bem diante de nós,
uma estrela cadente passa no horizonte, queimando-se,
ardendo contra o oxigênio da estratosfera terrestre.
linda, não?, você me diz. e no escuro da noite, mãos
dadas, eu concordo.
aquecidos por uma manta compartilhada e por
duas taças de vinho, olhando o céu. bem diante de nós,
uma estrela cadente passa no horizonte, queimando-se,
ardendo contra o oxigênio da estratosfera terrestre.
linda, não?, você me diz. e no escuro da noite, mãos
dadas, eu concordo.
mas não consigo deixar de pensar que,
por mais infinito que seja, a cada estrela cadente que risca o céu
o universo fica um pouco menor.
por mais infinito que seja, a cada estrela cadente que risca o céu
o universo fica um pouco menor.
Imagem: foto do autor
* * *
André Caramuru Aubert nasceu em São Paulo em 1961. É editor, tradutor e escritor. Já colaborou com publicações como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Atualmente é colunista da revista Trip e colaborador do jornal Rascunho, para o qual mensalmente seleciona e traduz algum poeta estrangeiro. Publicou, pela editora Patuá, os livros de poemas Outubro/Dezembro e As cores refletidas nas lentes dos seus óculos escuros. E pela editora Descaminhos os romances A Vida nas Montanhas, A Cultura dos Sambaquis, Cemitérios e Só uma estranha luz como pensamento.