o mundo não estaca na frente do armário
para escolher as roupas pela manhã
o mundo já acorda resolvido
penteado
valsando em torno de si
o mundo é organizado pra cacete
se ocupando
da produção do próprio mundo
o mundo
manda e o mundo
obedece
o mundo cospe na via láctea
chicletes de bola sem gosto
o mundo tem as pupilas dilatadas
o mundo tem o hálito quente de cigarro
o mundo curte assistir sex tapes
em conveses
de ogivas nucleares
o mundo é sacana
e organizado
(mais sacana que organizado).
o mundo é um tenor que canta uma nota só
o mundo vomita dos parapeitos dos edifícios
o mundo só trabalha sob pressão
e – pelo que tudo indica-
cochila no sofá durante o turno
o mundo não vale nada
o mundo é o que menos importa
o mundo dança
sobre uma nuvem em chamas
pra depois recolher os pés debaixo do cobertor
o mundo é vagabundo por vocação
o mundo tem pressa
o mundo sente dor nos olhos
o mundo só aceita cartão
o mundo lambe as costas
dos selos
das cartas furtivas de amor
o mundo foge do padrão
o mundo é figura pública
o mundo anota frases de efeito em guardanapos molhados
o mundo não dá margem
ele apenas sugere
interpretações suspensas
o mundo abafa as rachaduras
que permitem entrever
os diabos mil
o mundo não quer nem saber
o mundo vai direto ao assunto
o mundo não perde a oportunidade
o mundo já está totalmente
perdido
o mundo caiu do cavalo
e nunca mais
quis levantar
para escolher as roupas pela manhã
o mundo já acorda resolvido
penteado
valsando em torno de si
o mundo é organizado pra cacete
se ocupando
da produção do próprio mundo
o mundo
manda e o mundo
obedece
o mundo cospe na via láctea
chicletes de bola sem gosto
o mundo tem as pupilas dilatadas
o mundo tem o hálito quente de cigarro
o mundo curte assistir sex tapes
em conveses
de ogivas nucleares
o mundo é sacana
e organizado
(mais sacana que organizado).
o mundo é um tenor que canta uma nota só
o mundo vomita dos parapeitos dos edifícios
o mundo só trabalha sob pressão
e – pelo que tudo indica-
cochila no sofá durante o turno
o mundo não vale nada
o mundo é o que menos importa
o mundo dança
sobre uma nuvem em chamas
pra depois recolher os pés debaixo do cobertor
o mundo é vagabundo por vocação
o mundo tem pressa
o mundo sente dor nos olhos
o mundo só aceita cartão
o mundo lambe as costas
dos selos
das cartas furtivas de amor
o mundo foge do padrão
o mundo é figura pública
o mundo anota frases de efeito em guardanapos molhados
o mundo não dá margem
ele apenas sugere
interpretações suspensas
o mundo abafa as rachaduras
que permitem entrever
os diabos mil
o mundo não quer nem saber
o mundo vai direto ao assunto
o mundo não perde a oportunidade
o mundo já está totalmente
perdido
o mundo caiu do cavalo
e nunca mais
quis levantar
***
eu sou pecador, confesso
um pecador cristão que esconde os chinelos
debaixo da cama
e o litro de bourbon na geladeira
meu pecado maior, pra você ver, cristo não lavou
nem a chuva
nem a peste
nem os beijos sangrentos
de vinho tinto
nada-nada disso daqui
nem daquilo outro
dei volta
corri pelo mundo, pelos canteiros
pelo trambique
pelo terremoto
dei pernada dupla
pra me rebentar
nessa condição
de cachorro ilhado
a vigiar fragatas
de papel
cauterizando os rabos
dos diabos
da minha cabeça
concordei que tinha duas opções: era o trapézio
ou a lona.
sei que meu destino é a lona.
um pecador cristão que esconde os chinelos
debaixo da cama
e o litro de bourbon na geladeira
meu pecado maior, pra você ver, cristo não lavou
nem a chuva
nem a peste
nem os beijos sangrentos
de vinho tinto
nada-nada disso daqui
nem daquilo outro
dei volta
corri pelo mundo, pelos canteiros
pelo trambique
pelo terremoto
dei pernada dupla
pra me rebentar
nessa condição
de cachorro ilhado
a vigiar fragatas
de papel
cauterizando os rabos
dos diabos
da minha cabeça
concordei que tinha duas opções: era o trapézio
ou a lona.
sei que meu destino é a lona.
mas ainda não caí.
***
Língua preta e fumaça
Diz que é envolvida com sagitarianismo e outros problemas
e que morde os lóbulos das árvores
enquanto assiste a superlua
Diz que esculpe os silêncios das encostas
e que vive lavando as calcinhas
na máquina de chope
Diz que roga pragas com voz de locutor AM
condenando ao dilúvio
todas as baias castradoras
do telemarketing existencial
Diz que evitou o bacanal pq tava com cólica naquele dia
e que ao invés disso tentou o suicídio
num carrinho de churros
Diz que travou uma briga com o próprio capital
- de capa, chifres e rabo -
quando trabalhou na Renner no último verão
Diz que da próxima vez que o pau dele não subir
vai assobiar um hino triste do Rent
se equilibrando no meio-fio
sem olhar pra trás
Diz que se afetou com o cheiro da chuva que
a lembrava de tempos que não vão mais existir
pelo menos não
essa semana
Diz que se arrependeu de ter jogado fora
algumas camisetas de bandas em extinção
alguns flyers com telefones anotados em caligrafia tremida
alguns cupons de desconto na loja de depilação
Diz que esse lance
esse jeito
esse tchans
de falar bagarai
é só mais um jeito de descartar
todos os pensamentos que nunca mais poderão
ser considerados inéditos
e que morde os lóbulos das árvores
enquanto assiste a superlua
Diz que esculpe os silêncios das encostas
e que vive lavando as calcinhas
na máquina de chope
Diz que roga pragas com voz de locutor AM
condenando ao dilúvio
todas as baias castradoras
do telemarketing existencial
Diz que evitou o bacanal pq tava com cólica naquele dia
e que ao invés disso tentou o suicídio
num carrinho de churros
Diz que travou uma briga com o próprio capital
- de capa, chifres e rabo -
quando trabalhou na Renner no último verão
Diz que da próxima vez que o pau dele não subir
vai assobiar um hino triste do Rent
se equilibrando no meio-fio
sem olhar pra trás
Diz que se afetou com o cheiro da chuva que
a lembrava de tempos que não vão mais existir
pelo menos não
essa semana
Diz que se arrependeu de ter jogado fora
algumas camisetas de bandas em extinção
alguns flyers com telefones anotados em caligrafia tremida
alguns cupons de desconto na loja de depilação
Diz que esse lance
esse jeito
esse tchans
de falar bagarai
é só mais um jeito de descartar
todos os pensamentos que nunca mais poderão
ser considerados inéditos
Felipe Bustamante é zineiro. Vende suas publicações na rua. Ou simplesmente dá de graça, se for com a cara da pessoa. Por sorte, não costuma ir muito com a cara de ninguém. Também aceita bicos como ator, diretor de teatro, garçom, animador de festa infantil e outros muitos trambiques. Criou o selo editorial Bílis Negra, por onde lançou a cartonera de poemas "Ricochete", em 2015. É dramaturgo do Carranca Coletivo, grupo de teatro do Rio de Janeiro.
Ilustração: Kurutta ippêji (1926)