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jorra mas jorra contido - doze poemas de Leandro Rafael Perez

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Screenshot The Neon Demon





pensa nas estruturas de carbono
que do seu corpo continuarão
a viver, a sustentar

pensa na cor do sangue
pequenininho

a morte é um tangram
vermelho


___


Deus croupier de folga
não se faz de rogado ao sorrir a banguela
se espraia pelo céu da boca leporino
alcança o crânio acéfalo jamais natimorto:

imita a paisagem externa, sua única vaidade



___



caboto que é caboto
prova na terra a proximidade do rio.

Teme,
mas teme o que não existe.

um marginal a se guiar por fronteiras,

horizontes viciados pelo que não está.

Teme,
mas leva nos braços um buquê de músculos.

O grotesco de um náufrago de lagoa,
mas nunca mais a graça de um Baudelaire.





Screenshot Aguirre





ali repousa noutra retina
uma imagem dentro

dói imitar os detalhes da fécula,
reforçar as pontes quando esfria



___



estas aulas de como
manobrar o desvio

esfolam a mão
& tentam criar a reta

míope
viado
desempregado
irrisório

em vão.



___



arrancar as unhas
embora tortura
eficiente

se mostrou, por fim,
impraticável

— De que nos serve
a verdade,

se as taças estão sujas?

— É saber comum
que lavar direito
privada ou escumadeira
requer unhas, prefiro

louça limpa
a confissão.



___



peito glabro (largo)
com a legenda passivo

sem mais detalhes
além de querer local

as orelhas fugindo do rosto,
os lábios tão parecidos

o de baixo com o de cima,
bigode incipiente

pescoço curto,
nome bíblico:

motel labareda,
consolo de bronze.



___



eu
rastejo pelo único
mármore feio do mundo
de apoio os cotovelos e joelhos

me arremessam moedas vencidas
(aqui não chegam restos)

"aranha", me elogiam
não ganharão minha simpatia
pintaram de azul todas as grades
e gozam nuvens

empino a bunda intacta
dos que não precisam trabalhar
é preciso que se deitem

(quase não babo mais)

tenho uma joenete na bochecha esquerda,
a outra mantenho tão lisa quanta a bunda
te esperando fazer festinha

o mundo é cônjuge de ninguém:
você sabe onde me encontrar.



___



caxumba na alma, ele disse

Na alma?

Sim.

que raro

Sinto que às vezes sobe

Pra cabeça?

Não, pro pau

mas ela fica nos pés?

Ela?

A caxumba.

A alma.



___



não importa o quanto eu bata no cinzeiro
o quanto mire, o quanto pare a leitura
e me concentre

o quarto novo está cheio de cinzas



___



há miniaturas demais
sobre o móvel funcional

digamos ursinhos de pelúcia
sobre esta escrivaninha

ou bitucas onde carece incêndio



___


cutelo hecatombe
jorra mais do que tinha

cutelinho hemorragia
um pouco mais do que tinha

deve dar
pro gasto

deve dar
pro desgaste
de viver

pro desgaste
de ter vivido

será?

o truque é não merecer
o tapete púrpura

o resto é encomenda,
pagamento prévio






________________________________________________________________




Leandro Rafael Perez cresceu na divisa com Diadema, São Paulo, e hoje mora no centro. Fez linguística na USP, mas não ganha dinheiro com a área. Aliás, quem ganha? Mede 1m57. Tem 3 livros pela Editora Patuá, nesta ordem: lança além do real só, turnê a meio mastro e pau mole (prelo, 2017). Um poema seu consta na terceira edição impressa da Modo de Usar e fez uma série inédita para a sempre incrível revista online Geni, saudades. Email: perezlrp@gmail.com

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