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Ilustração: Hord Beniamin |
o suco de um coração moído não embeberá a poesia
a razão em sóis diluídos não a clareará
o poeta morrerá sem que o poema:
expurgue uma só emoção
arranhe qualquer questão
coce dois ou três dilemas
(nenhum verso poderá salvar a alma do poeta ...)
imprestável, descartável,
o poema é adereço inútil em sua sombra,
uma droga anti-analgésica que lhe consome
como um jeito doce do amargo saborear
(e não o salvará ...)
o que nasce da sua vontade de libertação
é opacidade na representação do dia -
do ritmo,
do belo,
da própria alma da poesia
(e nunca o salvará ...)
o poema é um espectro fosforescente numa noite escura
o poeta, de binóculos, só enxerga o que não vê
na varanda onde o poema dorme sem textura
um dedo o tateia em braile, mas não lê
(e jamais o salvará ...)
surgirá como uma azia sutil
qual célula gorda e cabeluda
no pé da garganta, que abriu
uma fenda entre o cérebro e a bunda,
e não
nunca
jamais o salvará,
ainda que o mundo possa revelar
no espontâneo assombro que o eleva,
tal como um ponto de luz pode tornar
evidente o poço sem fim das trevas
Willian Delarte