Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

6 POEMAS DO LIVRO "EXÍLIO", DE MARCELO ADIFA

$
0
0







Exílio


I.

Eu quase sorri
durante a noite
quando as paredes
de outro quarto gemiam

Minha cama
maiores as pernas
que estico sobre
o esmaecer das
madrugadas
           dá sinais de desconforto

Entre as traças há rodizio
Ora atacam minha pele
noutra são lembranças
E desgosto,
                 entre os lençóis
o que me causam

Às vezes o homem se exila
e o corpo o abandona, grita
a matéria viva que nele reside
alma, faísca, sopro divino

Nada importa
enquanto
a dor for a mesma


II.

Entre as horas que abraçam a madrugada
três ou quatro são as piores, pois nem sonho
nem acordo, sonâmbulo sem sono, dando
voltas dentro de mim, como quem se perde

e a estrada é cheia de curvas,
as lembranças se debruçam
entre o que vivi e o que se quis

Espero pelo sol, vejo as flores da varanda
Não cresceram nada desde que as reguei
cinco minutos antes

Estavam ali na outra noite?
                   Como coisas que achamos
entre remendos de memória
deito as costas sobre o peso do tempo


III.

O Sol se agacha entre as primeiras nuvens
meus olhos sofrem imersos em dúvidas
sobre o que fazer nas próximas horas

Olhos abertos procurando o centro
das imagens, sombras, pessoas,

Quando não se dorme
                              a porta
que divide os mundos se abre
espíritos amorfos vagueiam
vacilantes entre o aparecer
num segundo e o sumir no espaço

Aperto os olhos, o bolso
o estômago me aperta
estrangeiro de mim mesmo
                                  Levanto
É tempo de buscar a fé
meu alimento



  
Segredaria


Durante a noite
o sol se esconde
No peito dos homens
aquece o sangue
expande a alma

Mas continua
            segredo
da madrugada



  
Beijo de luz


Descubro
longe de casa
que o Sol não é igual
àquele que reside
nas fundas memórias
da minha infância

O beijo de luz,
passado a limpo,
queima mais do que
aquece
  


  
Engrenagem


I.

Levanta-se
e num giro
põe-se ao banho
que dura menos
que o cair da água

escova os dentes
enquanto come
não tem tempo
a perder
e corre,
            antes que passe
o ônibus – se vier lotado
não é novidade
            
crachá, macacão, os óculos
ligar a máquina e fazer parte
da engrenagem


II.

a máquina consome o dia
a fábrica dilacera o homem
as peças se copiam numa
                   iníqua igualdade
o suor que
percorre o corpo
não paga o sangue
que pinga
em lágrimas que se perdem

hora extra
as contas pedem
o chefe exige
quem não quiser
o caminho
              é sabido
sua humanidade escorre

chega em casa
todos dormem
banho, a cama gelada
o sono que o consome
mas nada de descansar a alma



  
A máquina


Pensa em sabotar a máquina
afrouxar seus parafusos,
romper as correias que unem
as partes,
            estourar engrenagens

Mas no caminho o pegam
                       (ou pagam?)
logo aparece nas assembleias,
quer ser deputado, presidente
forma sua claque,
                 conta votos como
quem separa garrafas

Eleito,
não esquece da máquina
agora a opera
impedindo que outros
queiram-na por fim



  
Quando estiver preparado


Exila-se longe do corpo
a alma que busca consolo
fugindo das dores, saltando
por sobre o abismo de cores
que o devolvem ao passado

Exila-se, não somente da cidade
e do povo que o fizeram homem
mas das sombras que o perseguem
                   e assaltam sua memória,
ferindo-o mais que a própria morte

Exila-se
e quando estiver pronto
voltará a vestir suas roupas
será chamado pelo nome
com que foi registrado,

morará entre os seus
novamente

terá voz, será corpo
que se move à sua vontade





*    *    *






Marcelo Adifa nasceu em Sorocaba, interior paulista, em 1979. Como engenheiro é especialista em gestão de processos e segurança do trabalho, além de ser dos autores mais publicados no Brasil em sua área de atuação. Paralelamente à carreira de engenheiro é letrista e músico, com parcerias com diversos ícones da MPB, e também, poeta e romancista. Foi ganhador do Mapa Cultural Paulista, um dos principais prêmios artísticos do Brasil, em três ocasiões, um em literatura e duas em música. Os poemas publicados nessa edição fazem parte do livro Exílio, lançado pela Editora Penalux em janeiro de 2015.












Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548