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5 poemas de Camillo José

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Ilustração: Orestes Buzon



“you’re the first and last of your kind” *


virá como a paz vem do pus, como o mel vem
da vespa, como a manga vem do fiapo, como um
deus vem do barro, como uma mãe vem de outra
mãe. virá de além-mar para sabe-se lá onde, do caos
para o cais, de antártida para atlântida, de hiroshima
para o himalaia, de babel para a babilônia, do hall
para a rua, do samba para o blues. virá do antebraço
e da antimatéria, das ancas de eva e de letícia,
dos calendários de alceu e de caetano, do vermelho
e do vermute, do vento e do vulto, da aurora e da
arritmia. virá e terá asas policromáticas, lava
temperada entre as coxas, nadadeiras fabricadas
na zona franca de manaus, um pacto com cortázar,
um caso com o valete de ouros, círculos polares em torno
das feridas e arquipélagos na hipotenusa dos seios. virá
e dirá palavras abissais, tratados acerca da vida útil
dos minerais, cartas extraviadas para alzira, diários
de cisco e de susto. virá como vêm as coisas que aparam
pontas para amparar pontes, e pousará no meio do
meio do quintal de vovó graça, e eu outra vez calçarei
meus sapatos azul-madrugada - e lhe darei então
meus melhores brinquedos e minhas sementes de sol.




“the sound of someone you love who's going away and it doesn't matter” **


quando ela passa aço em brasa nas minhas
assaduras feito manteiga, quando seus cacos
grudam na nata da minha casca, quando topa
suas quinas no meu mindinho, quando seu
rabo-flor me beija as anteras, quando sua voz
de escaleta me vara os poros à vera, quando sem
pressa ela destampa minhas artérias de pressão,
quando o último domingo do ano vira sargaço
embaixo de suas unhas, quando amola os caninos
na pedra-pomes do meu desespero, quando suas
tetas me disparam jatos de ayahuasca, quando
enfia suas massas nos meus talheres, quando
alimenta meus prisioneiros de guerra, quando
leva meus fetiches pra passear, quando pede um
pedaço da minha hóstia, quando morre na minha
primeira página, quando engole meus elétrons,
quando confisca as fichas da minha jukebox,
quando me manda embora como se com as
próprias trompas costurasse a boca de um peixe.


  

“um caça norte-americano sobrevoando um canarinho” ***


afrodite dançando afrobeat nos terraços suspensos de el dorado
gangue de amazonas vegetarianas cavalgando búfalos e bicicletas
família de tartarugas alpinistas tatuadas no muro de berlim
coração de manga-espada bombeando néctar pelas torrentes do corpo
caroço de magma germinado no útero sonoro de todas as coisas
zarabatana solar disparando nuvens contra as vísceras do tempo
revolver apontado para a estátua estéril da monotonia
rocambole de ervas silvestres servido vivo nos ritos de passagem
lasanha de brócolis ao molho branco refogada à beira do etna
pena de pavão pousada na ponta do nariz da palavra equilíbrio
beija-flor colonizando flores de maracujá com cerveja artesanal
jardim de cactos infiltrado nos pulmões da mona lisa
floresta de cogumelos dourados bordada na jaqueta de kerouac
a origem das espécies em post-its na geladeira de charles darwin
antologia de haicais escritos na cúpula principal do taj mahal
astronautas traficando orquídeas na superfície de marte
escafandristas cultivando baobás no triângulo das bermudas
transeunte mascarado à espera do último trem para mais além
criança cigana dando corda no carrossel do planeta
concha fluorescente parindo um oceano no umbigo de buda
casulo latino-americano grávido de uma galáxia irregular




“eu vejo um museu de grandes novidades” ****


um piano de cauda em chamas entre os escombros do carandiru
sete canibais chupando as cartilagens de sete bonecas infláveis
um filhote de porco rezando o pai-nosso na fila do matadouro
uma mãe solteira amamentando num campo de concentração
penélope grudando chiclete de hortelã nos sapatos de ulisses
você de pijama novo passando as férias na minha visão periférica
nossos amigos caolhos assaltando puteiros com pistolas d’água
freud torturando pederastas nos calabouços da pirâmide de quéops
formigas promovendo orgias sobre a carcaça incorrupta de peter pan
um casal de idosos perdendo a virgindade na seção de enlatados
tua tia gozando em frente ao espelho ao som de house of the rising sun
tua cachorra morta por intoxicação alimentar ou depressão pós-parto
santos dumont aos dezessete anos brincando sozinho na gangorra
napoleão bonaparte chorando escondido no banheiro da escola
alguém prestes a tirar a roupa e transar com um desconhecido
alguém prestes a tirar a roupa e se afogar no rio capibaribe
gotas de mijo brotando da cueca de lorca minutos antes da morte 
pequenas manchas de milk shake na túnica de judas iscariotes
billie holiday vomitando a bile nos moicanos de uma roda punk
bukoswki se masturbando durante um espetáculo do cirque du soleil
uma perna mecânica omitida pelo vestido branco de marilyn monroe
um pedido de desculpas coletivo censurado no velho testamento
jesus cristo à paisana comprando analgésicos no sábado de aleluia
e nós dois beliscando o primeiro pedaço de bolo de um anjo suicida




doppelgänger


tu também beijaste aquela enfermeira nova-
iorquina em 14 de agosto de 1945 no meio da times square
tu também te achavas sozinha em casa quando
os telejornais anunciaram a queda de constantinopla
tu também apostavas nas relações poliamorosas
como o grande emblema da nossa geração
tu também planejas refazer a rota de forrest gump com o teu amigo beat
tu também anseias por ser o amigo beat de alguém
tu também eras sempre o Joaquim nas leituras d’os três mal-amados
tu também te iludes a dizer por aí que já não há mais coração
tu também tentaste mapear todos os parques e praias de tua infância
tu também acreditavas na origem lendária das baleias-jubarte
tu também brincavas de atravessar portais à sombra do jenipapeiro
tu também ficaste presa em mykonos naquele memorioso verão de 78
tu também lacrimejas ao ouvir solitude, mon petit & outras palavras azuis
tu também escreveste teu nome no cimento fresco da rodoviária de são brás
tu também abrirás uma confeitaria no próximo dia dos namorados
tu também estarás em stonehenge quando vier o vigésimo segundo sol
tu também terás cavalos-marinhos tatuados abaixo do peito esquerdo
tu também pousarás tua bike amarela sobre a cerca-viva do roseiral
tu também te deitarás sobre a relva do terceiro domingo de novembro
tu também desenharás elefantes brancos nos travesseiros de deus



* título retirado da música “every other freckle” da banda alt-j, álbum: “this is all yours” (2014)
** título retirado de música homônima da banda penguin cafe orchestra, álbum: music from the penguin cafe (1976)
***  título retirado do poema “poema sem título n°7” de biagio pecorelli, in: vários ovários – edith (2014)
**** título retirado da música “o tempo não pára” de cazuza, álbum: o tempo não pára (1988)





Camillo Joséda safra de 93, autor de chave de espadas (Ed. Patuá – 2013), reside na região metropolitana do Recife e é graduando do curso de letras da UFPE. participou da antologia “vinagre – uma antologia de poetas neobarracos”, já teve poemas publicados no jornal relevO, nos fanzines nauvoadora, telégrafo da noite e nas revistas virtuais mallarmargens, ellenismos e pluriversos.  é paranoico, gosta de brócolis, música experimental e nutre um curioso fascínio por palavras polissílabas, búfalos americanos e baleias jubarte.

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