Bagagem (poema)
Bagage
viens
donne-moi tes lèvres
et ses moussons d’été
pour assouvir mes soifs
viens
ramène accoudés à ton visage
tes empires de salive
en jus nucléaire de pulsions
viens
emmène ta rose
ta carte sans cartographie
portière ouverte à mes attaques
de naufragé
Bagagem
vem
traz tua boca
e nela as monções de verão
para minhas sedes
vem
traz junto ao rosto
teus impérios salivares
em molho nuclear de pulsões
vem
traz tua rosa
mapa sem cartografia
portinhola para meus ataques
de náufrago
Aquelas febres (poema)
Ces fièvres-là
ces fièvres aux goûts âcres
et gorges opérées en semi-voyelles
qui n’osent pas quitter les bouches
ni pour l’extrême-onction
ces fièvres aux corps dormants
si chaudes dans la distance
et l’imaginaire qui raccourcit pour être et voir
ce qui se cache
ces fièvres de feu
qui nous transforment en bêtes
et nous impriment des empreintes
d’âmes sans silences
ces fièvres miennes et tiennes
l’aube des aliments combustibles
qui font éclore l’ébullition
des muscles qui pulsent encore
Aquelas febres
aquelas febres de travos
e gargantas operadas em glides
que não saíram das bocas
nem por extrema unção
aquelas febres de corpos dormentes
e quentes na distância que o imaginar
se encurta para ser e ver
o que se esconde
aquelas febres nada pálidas
que nos alteram em bichos
a nos imprimir lavagens
de almas sem silêncios
aquelas febres minhas e tuas
alvorecer dos alimentos combustíveis
que fazem eclodir o saldo ebulitivo
dos músculos ainda pulsos
Emboscada no coração do amanhã (poema)
Une embuscade en plein cœur du devenir
j’ai visité des labyrinthes
au moment où tu as accosté à ce fort
(au milieu du jardin bleuje ne voyais que les mâts
des navires dans tes yeux)
fatigué de m’étayer par les coins
je suis allé te joindre, mon refuge
dans mes rêves tu entres dans ma bulle
- et le vent se charge du reste
obéissant à un ordre inconnu
mes pieds m’on offert leurs pas
je ne pouvais pas imaginer
qu’ils seraient autant, à ce point-là
pour te sauver de la planche
je me prenais par Ahab en fureur contre le cachalot blanc
(l’amour est le plus grand des mammifères)
en transmutant les peurs d’autrefois
j’ai banni les axes des centres sans équateur
Emboscada no coração do amanhã
estive a visitar labirintos
na hora que você aportou no forte
(o jardim alto só me deixava ver o mastro
das embarcações de seus olhos)
cansado de me escorar pelos cantos
indo ao teu encontro busquei abrigo
na imaginação fiz você entrar na bolha
- o vento do resto se encarregaria
como que me pedissem uma ordem
meus pés me cobriram de passos
e eu nem suspeitava que fossem
extras e tantos
para livrar você da tábua
fiz-me de Ahab em fúria pelo cachalote branco
(o amor é o maior dos mamíferos)
invertendo os medos de outrora
bani dos eixos os centros sem equador
A piscina (poema)
La piscine
tu entres
délicatement
dans l’eau
(il y a en cela une redondance voulue)
le cœur aquatique
floral, humide
sous le maillot
ce n’est ni toi
ni le tissu
c’est le bleu qui se mouille
A piscina
você entra
delicadamente dentro
d'água
(há redundância proposital)
coração aquático
em floral úmido
sob o maiô
não é você
nem a malha
é o azul que se molha
O primeiro poema do ano (poema)
Le premier poème de l’année
dans le premier poème de l’année
se blottira, dans une fausse tourmente de paix
dans une âme ivre d’un danseur
une femme étourdie qui offrira
des fléaux d’absence sur d’étranges baisers
(étranges, car ornés de confettis)
le ciel explosera alors
et lancera aux ténèbres une lumière fabriquée
les sourires confus et confondus cinglés au passage
du temps feront périr les sinistres engins des heures
dans une voix d’évolution inventée
(et tout nous retournera à l’aube qui s’étale)
Mais tout sera recyclé
les prêtres, les artificiers
les marchants et vendeurs ambulants de racines dans les foires
- seront-ils libres ?
(tout pourra être guéri car les jours seront neufs)
dans ce premier poème de l’année
le cri sera obligé et officiel
glissé dans toutes nos brousses, nos secrets
comme un artefact sauveur
l’armée criera
les vendeurs et les aveugles
les poètes et les choristes enlacés
ne feront plus qu’un unique corps
dans le cœur du centre qui se nourrit des files d’attente
tout se blottira dans le poème qui durera le temps qu’il faut
qui donnera lieu à la nouvelle prière
de rédemption pour les âmes égarées
en plein carnaval au milieu de senzalas modernes
(tout se blottira, y compris une bande sur les yeux
qui annulera tout ce qui est affreux ou répugnant)
tout aura lieu dans ce premier poème de l’année
la prière de la lavandière
la mort de l’indien
la rébellion des victimes d’injustice
l’odeur puant des fortunes illicites
l’impunité qui vit dans les vers sans douleur
dans le premier poème de l’année
la nature du verbe se servira de l’émotion
dont elle demeure le seul miroir
(des monuments d’eau seront érigés
en hommage aux vanités et à l’orgueil)
et rien (absolument rien)
ne sera épargné, rien ne sera oublié.
O primeiro poema do ano
no primeiro poema do ano
caberá uma tormenta falsa de paz
na alma bêbada do dançarino
uma mulher aturdida que descontará
flagelos de vazio aos beijos estranhos
(com o estranho pintado em confetes)
o céu estourará
lançará ao breu a luz fabricada
os sorrisos confusos singrados ao passar
do tempo farão perecer os engenhos sinistros
das horas num timbre de evolução inventada
(tudo regressará num nascer que se espalha)
mas tudo será costurado
sacerdotes e fogueteiros
marchantes e vendedores de raízes nas feiras
- livres?
(tudo poderá ser curado, pois serão dias novos)
no primeiro poema do ano
oficialmente estipular-se-á o berro
entreposto aos sertões de nós-todos
como artefato da salvação
tropeiros gritarão
caixeiros e ceguinhos
poetas e coristas enlaçados
sendo um só corpo
no coração do centro que consome filas de espera
tudo caberá no poema que durará um tempo inteiro
que inaugurará a nova oração
redentora para as almas já perdidas
em meios aos canaviais e senzalas modernos
(tudo caberá, inclusive a venda de nossos olhos
para não ver nada que seja feio ou asqueroso)
caberá no primeiro poema do ano
a reza da engomadeira
a morte do índio
o levante do injustiçado
o cheiro das fortunas ilícítas
a impunidade que há num verso sem dor
no primeiro poema do ano
a natureza do verbo desfrutará a comoção
do que é espelho
(monumentos de água serão erguidos
em prol de predileções e vaidades)
e nada (absolutamente nada)
irá sobrar ou ser esquecido
Foto: Nir Arieli.
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Germano Viana Xavier, 30, é mestrando em Letras pela Universidade de Pernambuco - UPE e pós-graduando em Ensino da Língua Portuguesa pela FAFICA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - PE. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB e em Letras/Português e suas Literaturas pela Universidade de Pernambuco - UPE.Blog do autor.