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The art of breaking biscuits in Basilea

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Quando eu nasci, ouvi um som
Que depois nunca mais
E não guardei nem lembrança
(só esperança)
Que algum sentido faça fazer som.

Devia ser um ostinato, calcado
Em glissandos ousados.
Devia bafejar seu mosteiro,
Exalando meditação
Pelos oxigenados monges. 

Se o universo não fosse mesmo
Esse imenso mistério,
Poderíamos assumir para a vida
As regras dos jogos de salão



Correr o risco de bancar o implicante
só pelo prazer de notar as menores coisas



Ao invés, buracos negros 
Pulam de órbitas injetadas
Ao ensejo de desejos antes enjaulados
- Tava demorando, Chico Juca!
E o mar de lama humano 
Nos desestabelece.

Espremido na revolta coletiva atroz
Fazendo o que os antenados mandam
Todos concatenados, uma pândega rota
Encolhida aqui nesta casca de noz.

Se você não vai à festa
Eles nem te dão bola
Gente chata da mulesta,
Te desejo um EBOLA!

Agora, paladino da esmeralda
pai dos trocentos que te elegeram
VÊ SE ACORDA
E bota nessa merda um nome foda

3 poemas de Marcos Siscar

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Ilustração: Ula Kapala


JUNHO


alguns voltam às ruas outros saíram agora
cada um se esfrega como pode
mas as bandeiras antes portais da situação
hoje são pedágios que não queremos mais pagar
o rei morreu viva o transporte! o transporte é livre!
revolutions are going to be easier to start google said
but harder to finish a todos doravante
a carona do coletivo a cada um entretanto
o estorvo de guardar o próprio assento




CAUSA PERDIDA

I.

Um inseto queimado de tanta luz se move na lápide branca da sacada. Observo seus gestos, tão lentos, tão brancos. Passo meus dias a observá-lo. O sol da manhã nos ilumina, tudo em torno está banhado de fosforescência tépida. Nenhum suor, nenhum vento, nenhuma ameaça de tempestade. Só o inseto se contorce, frágil, insignificante, sobre o piso. Alguém me chama, de longe. A panela está no fogo, mas a urgência se perdeu. O caminho até aqui é longo, só o inseto agoniza, sem drama, sem fome, sem símbolo, protegido pela minha atenção e pela minha diligência. Olho para o inseto indefinidamente. Não há desespero, nem esperança. Apenas sua agonia nos mantém vivos. O rastro de suas entranhas fosforescentes. Sua lenta mumificação solar. Quando a gata, predadora de causas perdidas, perigosamente se aproxima, encaro-a com faíscas, cheio de alegria, arrepiado por uma mal contida feracidade.



II.

Um inseto agoniza ao lado de minha mesa. Eu mesmo o envenenei por legítima defesa, por precaução ou talvez por hábito. Não quero encará-lo, agora, enquanto agita as asas, em decúbito dorsal. Há algo de infinitamente indecente na morte. Desvio o rosto e, se fumasse, acenderia um cigarro afetando indiferença. Mas ele se agita desesperadamente. Qual a dose certa de veneno para nossa tranquilidade? Tento virar a página de um livro, procurar um objeto perdido no outro canto da sala, mas do meio do silêncio, de tempos em tempos, ele vibra as asas velozmente. Como se me chamasse. Seguramente me chama, usando o estertor da sua espécie. Talvez sofra. A morte do outro demora, mas me chamando já está, bem aqui, onde eu mesmo moro. Observo seus gestos escuros. Hesito entre a comunhão das espécies e o indulto da indenidade. Chego mais perto, fico agitado. O sol da tarde nos castiga, o ar está parado, minha cabeça lateja inalando um resto de veneno. O inseto movimenta suas patas, suas asas, duas a duas. O dia não termina nunca. Nu como ele, em sua piscina de sol, vou me queimando de tanta luz.



MARCOS SISCARé poeta, tradutor e ensaísta. Publicou, entre outros, os livros de poesia Metade da Arte (2003), O Roubo do Silêncio(2006), Interior via Satélite (2010) e Cadê uma Coisa (2012). Tem livros traduzidos e publicados na Argentina, na França e na Espanha. Participa de antologias nacionais e internacionais (Argentina, EUA, Portugal, França, Espanha, Bélgica, Alemanha, Hungria). Traduziu autores como Michel Deguy e Jacques Roubaud. É professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp, tendo publicado, entre outros, Poesia e Crise (2010) e Jacques Derrida : literatura, política e tradução (2013).

A poesia criativa e profunda de Marcílio Godoi

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a moça que veio


ela estava contente
com o porta-retratos
que ganhara de aniversário. 

tanto que o colocara
na sala de visitas,
sobre a mesinha de centro.

por que a senhora não põe
uma foto da senhora aí,
perguntei sem receio.

ela disse, ah, meu filho,
deixa assim, tá tão bonita
essa moça que veio.



aula prática de geometria


circunferência é a medida
do círculo em metros
redondos,

diâmetro é o raio
que o parta.


alice


dentro do espelho
tem uma menina
que se parece comigo
que me aparece sempre.

no vidro
juntas esprememos
umas espinhas,
choramos.

às vezes me assustam
os seus segredos
às vezes rio,
rimos.

eu a chamo lili
e morro de curiosidade
de saber o nome
que ela me deu.


desprezo


a palavra é como abelha
tem o mel e o ferrão
o silêncio é a centelha
que incendeia a escuridão.

assim cantava o velho
repetiu a vida toda
palavra nos olhos
coração na boca
palavra na boca
tatuando a pele
palavra na pele
tapeando, tapando o ouvido
palavra no ouvido
picotando a carne
palavra na carne
a poça de sangue
a página aberta
na página certa
da verdade,
resposta de olvido.

silêncio navalha
palavra desossada

desossando, desossando
palavra dissecada

lâmina seca
retalhando em grandes postas

o corpo do meu irmão.


fogo-pagou


eu tinha um passarinho
desses que piam dormindo
morou comigo branco e vermelho
nove luas novas e meia

depois foi e morreu
mas ainda pia dele
fundo nos meus fundos
toda lua cheia.


 a lhama
  

a lhama foi domesticada
pelos incas
no século quinze.

a lhama é tipo uma ovelha
camelo da cordilheira
dos andes.

a lhama é irritável que só ela
e costuma cuspir
em quem lhe aborrece.

jamais compreenderá
a lhama
quem nunca lhamou.


 
Marcílio Godoi é arquiteto e jornalista, mestre em Crítica Literária pela PUCSP, autor de São Paulo, Cidade Invisível; A Pequena Carta; A Inacreditável História do Diminuto Senhor Minúsculo, entre outros livros. Nunca publicou um livro de poesia.


Fotografia de Horácio Guzmam

3 poemas de Ricardo Escudeiro

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Ilustração: Marin Suslic



carvão e água

possessão
algumas vezes sinto

pontadas de
saudades de

nanquins

vidas

que não se passam
em mim




quinta diminuta

por conta de um “Sub-verso”, de Charles Marlon

há trastes
desoitavados
cravados em meu braço
doutro corpo extensão
diminutos intervalos e traços
desgastados
partilhados instrumentos
dissonantes de tempo
conflitantes de espaço
violadores dum mesmo compasso
agulhas órfãs duma mesma vitrola
tensão e soma
de forma profana
duas vozes
precipitando fora
notas numa mesma ranhura
num par de cordas três tons
inteiros
tem até quem diz que aí
no meio
tem nota do diabo

sabem de nada
do que passa
dentro duma tessitura




take de comédia romântica

em ocasião do “Gravando”, de Aline Rocha

tanto amor anseio

corta

tem coração alheio que é capaz
de fazer a gente ouvir bater o nosso próprio como liberto
da clausura do peito

gravando

e tem coração que é só
alheio




Ricardo Escudeiro nasceu em Santo André-SP, em 1984. É autor do livro de poemas tempo espaço re tratos (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP. Possui publicações em mídias digitais e impressas: site da Revista CULT, Mallarmargens-revista de poesia e arte contemporânea, Revista Nefelibata, Revista Gente de Palavra, Revista SAMIZDAT, 7faces caderno-revista de poesia, Revista Soletras (Moçambique). Participou do Espaço Literatura da 13ª Feira Cultural Preta. Em 2013 juntou-se ao Coletivo Tantas Letras, de São Bernardo do Campo, onde publica poemas no Zine Lapada Poética.

5 poemas de Wladimir Saldanha

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Ilustração: Hengki Koentjoro



SONETO DO OURIÇO


O mundo, por um,
por um orifício,
parece difícil.
Melhor o debrum...

Não vê: toda a vida
se vai no serviço
do ouro, do ouriço,
que entanto oxida.

Se julgam preguiça,
ou só avareza
(embora a certeza

que assim ele enguiça
no seu mecanismo!)
− o mar é cinismo.

 Lume Cardume Chama (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014):



MADRUGADA: SARDINHA


A lata de sardinha é um mar podre, um mar estreito, um mar oleoso.
Empesta a cozinha quando, à noite, abrimos-lhe o bucho no intervalo do filme.
Os peixes se partem. São peixes.
A conserva não os fez dúcteis. A madrugada
não os fez banquete.

Mas a sardinha é sardônica: ri-se do solteiro, do separado de corpos,
do divorciado. Ri-se, com sua cabeça omitida.
E cai no chão. Outras vezes, é a mão que se fere

na lâmina. E recomeça o filme. E não se acha o pão.

 Lume Cardume Chama (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014):



Ilustração: Hengki Koentjoro



A POÇA


Com pressa de comício reformaram
a praça: com declives e lombadas
e bancos naufragados no concreto.
Inauguraram, festa. Vieram chuvas.

E mais chuvas, e mais chuvas. A poça,
a já grande... – faça um V: Que vitória!
Eu que o era, mais os outros, os meninos,
zarpamos e singramos: barcos, mares

− a poça: a Grande Poça. Êia, lágrima
navegável, tal qual  primeiro beijo:
o Mar... Ou Lago Ness, mas tão alheia

a monstros, a promessas, a gravatas!
Folhas caídas boiam... − maravilha:
de manilhas entupidas brota a Ilha.

Culpe o vento (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014)



O VALOR REAL DO TRABALHO


O pedreiro achou um cemitério de pombos no forro do teto:
recuou apavorado ante o zelo de ossinhos e plumas
ali onde os pombos se recolhiam para o último voo estático
em silêncio e sem fome os cacos de bicos os
chumaços de asas.

Pois o pedreiro teve de contar ao dono da casa
e este exigiu limpasse tudo e vedasse entradas.
E o pedreiro, apesar de suas grossas mãos, preferiu demitir-se
com isso provocando risos e raiva inexplicável
até se achar alguém disposto a limpar o pombal funesto
alguém que soubesse o valor real do trabalho

alguém sem assombros, alguém que dá de ombros
e que limpa indiferente a poeira de pombos.

Culpe o vento (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014)



AS VÍRGULAS DE ADONIAS


Estrada e mata: aqui as vírgulas
de Adonias, sobre Cajango.
O ódio que avança em pausas:
pausas que são soluços.

Estrada e mata: andar, três passos;
descalços, no chão, os pés.
Um staccato constante
olhando pra dentro: marés

de estrada invadindo a mata
invadida pelo roçado.
Mas quem vai vingar Cajango?
A vírgula aqui faz alvo.

Como sacara Adonias
que vírgula pudesse tanto?
Correndo fazenda? Parando
aqui e ali, pra ver as crias

do cacau, mas tenso: facão
na cinta, pro bicho-quando...
Adonias ergue a mão:
Pode matar Cajango.

Cacau inventado (Ilhéus: Mondrongo, 2015; no prelo.)




WLADIMIR SALDANHA nasceu em 1977, em Salvador, cidade onde reside. Estreou com As culpas do poema (Scortecci, 2012), livro distinguido com o Prêmio Literá­rio Asabeça para a Região Nordeste, categoria poesia. Esse primeiro título seria incorporado ao volume Culpe o vento (7Letras, 2014). Lançou ainda Lume Cardume Chama (7Letras, 2014) − obra selecionada para publicação pela Fundação Cultural da Bahia. Participou das antologias portuguesas Poetas na surrealidade em Es­tremoz (2007) e DiVersos – Poesia e Tradução (2008). Recebeu menção honrosa do Prê­mio SESC de Literatura 2011-2012, categoria livro de contos. Possui formação jurídica, sendo também mestre e doutor em letras pela UFBA. Seu próximo título de poesia, Cacau inventado, será lançado em 2015, pela editora Mondrongo, de Ilhéus

5 poemas de Thalita Pacini

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Ilustração: Mateusz Strelau



Inquisição 

Por mais que tapem os ouvidos, 
Que cuspam nos escritos 
Ou arranquem minhas mãos. 
Eu me deleito a cada espasmo... 
O meu silêncio é Poesia, 
O meu poema: Heresia 
E a fogueira o meu Orgasmo!



Terapêutica

Piso um passo inteiro.
Que de volta, não há promessa.
Desvio apenas de um canteiro
E o todo da sensação me interessa.
Talvez seja eu, um bicho do submundo
Que respira e engole tudo o que me invade.
Caminho como se todo o mundo
Coubesse nesta cidade.
Colori o mar de vermelho
Da bruta tempestade que me atravessa
Ponho os calcanhares na via expressa,
Sinto o prazer do mundo que me acessa.
Me instauro num sentindo tão profundo
Onde ninguém me leve a privacidade...
Comigo, apenas, me inundo.
Nas avenidas da minha unidade
Provo de tudo que me tenha o gosto oriundo
Esqueci a porta aberta e a vaidade.
Pois sou eu mesma a parte avulsa,
A minha mesma metade, larga e convulsa.
Meu caminhar já não regressa.
Não sei se é morte ou loucura que me expulsa
Ou a cítrica dor que se expressa...
Mas a existência pulsa.



Manufatura

De mão em mão
A poesia enche
O teto:
Se ergue do asfalto.

De mão em mão
A poesia enche
O tato:
Exibe quadril esbelto.

De mão em mão
A poesia enche
A teta:
Para o bicho solto.

De mão em mão
A poesia enche
A cisma:
Na busca do aflito.

De mão em mão
A poesia enche
O papo, enche o saco
E só não enche o bolso do poeta.



 Corpo e Sangue 

Introduz delicada e gentilmente 
A benção suprema em riste
Eis tão suave e pequenina rodela
Consagrada de hóstia. 
Embebe-na em sangue da criação: 
Vinho, vinho, vinho! 
Que és tu, que nunca me deixa triste? 

Ainda constam lá dentro os dedos rotos 
Segurando o cálido corpúsculo em dupla. 

Singelo círculo sagrado de tão macio 
Suga toda a secreção em réstia... 
Assim se purifica toda a culpa 
De um mundo hostil, 
Lenta e sem solidária modéstia 
Graças a troca entre tais corpos no cio.



Analisada 

A garota nacional 
Só de fio dental 
Dá cambalhota na TV 
Faz de tudo pra você 
Nunca mude de canal 
Análoga não dialoga 
Mas sai um arsenal 
Da sua bunda intelectual 
Dispositivo silico-funcional 
Ir pra escola não era legal 
Semianalfabeta, ela ora 
E decora, sem demora 
Como é que se rebola 
Não analise que ela cora 
Não alise que ela cobra 
Paga a conta e mostra o pau 
Que ela é sensacional...


Poemas de Blasfêmea, editora Patuá.




Autora do livro BlasfêmeaThalita Pacini é paulistana do miolo da Avenida Paulista, foi feita no Rio de Janeiro, mas poderia ter nascido na Bahia ou em Curitiba, só pra variar um pouco. Fez um ano de Direito, um semestre de Gestão Ambiental, é formada em Letras e pós-graduada em Comunicação e Marketing pela Universidade Castelo Branco. Vive se apaixonando pelos saberes, crença só tem em crianças, no amor, em desenho animado, nos sonhos, no teor eletroquímico do pensamento e em interdisciplinaridade (já fez cursos de extensão em Assessoria de Imprensa, Psicanálise, Animação, Direitos Humanos). É viciada em seriados de investigação criminal, em cotonetes, compra livros novos sem ter lido alguns antigos, tem o paladar mais exótico do que de avestruz (e se orgulha disso). Já teve vários subempregos, foi assistente em revista científica, faz revisão de textos para agências de publicidade, documentação técnica, identidade visual, vídeos e textos corporativos. É autora do livro infantil Meu Grande Avô, publicado pela Editora Uirapuru. Possui outros projetos de livros infantis, ensaia ilustrações e tem artigos de opinião, contos e poesias publicados em revistas eletrônicas e sites. Ativista em grupo Pró-Direitos Humanos, também é colunista no Programa Território Animal. No momento se encontra perdidamente encantada por Neurociências e tem vontade de produzir textos para Cinemawww.programaterritorioanimal.com.br | www.laboratoriodathali.blogspot.com

"XICO MOTOBOY", POEMA DE ALEXANDRE GUARNIERI

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no corpo de bruços, recluso,
entretanto ao relento, jogado
no parque do estado, em são paulo,
já incham os pulsos atados
ao arame sujo onde enferrujam,
gêmeas, duas algemas.

os braços presos a galhos,
no gramado, a lama espúria,
diariamente, a pura repulsa
na tortura de penetrar o ânus
com objetos pontiagudos: lâminas,
cabo anatômico, algo redondo entre
cacos grossos de vidro, mal moídos.





um corpo feminino, lindo, de menina,
inaugura a temporada de caça,
a vagina reservada à última ceia
sob o frio patrocínio do maníaco,
de um único e ininterrupto estupro
que dura dias, semanas, a quinzena;

e ao tê-la sem entraves, deveras,
a tal desejo perverso se entrega
a tal exílio de um prazer avesso, que,
elevado aos céus (ou a zero, do paraíso
ao inferno), ele próprio (francisco), renega;
sob o martírio da primeira vítima, - tímida & virgem -
enxágua com sangue os últimos escrúpulos
antes que amanheça o esperado feriado nacional;







dela, quase nada resta, já inerte, serena
a caminho do inferno, só a cálida lembrança
das horas na grama: a chama do amor tão mortífero,
do romance intenso entre essa boneca de louça
- frágil, bibelô tão delicado - e o monstro
- porcelana branca sangra? - cujos pecados
atirou aos valões de uma desilusão insana;
amar amar amá-las: apenas para armar-se
contra o mundo, contra todos, contra tudo.


destruiu elisângela silva, patrícia marinho,
foram mortas a sangue frio: selma queiroz,
raquel mota; primeiro preso, depois julgado:
ocultação de cadáver, estupro, atentado, 
homicídio duplamente qualificado; hoje do cárcere,
diz ter sido possuído por alguma força maligna,
converteu-se ao islamismo, casou com sílvia,
troca cartas; ela é formada em história e geografia.








Imagens: esculturas de porcelana de Jessica Harrison.





*    *    *





Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online (no issuu.com). Publicou poemas em revistas e jornais, dentre eles o Panorama da Palavra, Urbana, O Carioca, Suplemento Literário de Minas Gerais, dEsEnrEdoS, RelevO, Eutomia, Zunái, Musa Rara, Acrobata e Germina. Em 2014, participou das antologias Essas águas (Org. Vagner Muniz, 2014 [ebook]), Hiperconexões: realidade expandida, volume 2 (poemas sobre o pós-humano; Org. Luiz Bras, Patuá) e Outras ruminações (75 poetas e a poesia de Donizete Galvão; Org. Reynaldo Damazio, Ruy Proença e Tarso de Melo, Dobra). Seu mais recente livro Corpo de Festim (Confraria do Vento) será lançado em breve.




A poesia "cáustica" de Kleber Lima

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Kyle Thompson


1

Guardo teu silêncio
está entre meus dedos, mordendo-os, está
entre minhas pernas, em meio a tantos focos de incêndio,
está debaixo da minha  língua
confabulando um mudo definitivo
pelos pavilhões da saliva
está ávido, as mãos rondando meu pescoço,
víbora convulsa
[quando eu engasgar
com meus olhos dentro dos teus...] e sim e sim,
as paisagens abertas com violência
pousadas epilepticamente nesta falta de ar
imbuídas de cachaças & transes & escória
comigo caído
contíguo à minha boca cheia de feridas
com a perna dobrada sobre a minha
com os mamilos modelando o movediço
dos esgostos
teu silêncio tão importante para mim
teu silêncio silêncio silêncio
mastigo forte
aperto forte
entre meus dedos
eu vacilo
com todas essas farpas debaixo das unhas
com todas essas guaridas escombradas de súbito
e depois que passa
matilha que uiva contra constelários
gatilhos marcialmente acionados
“crash! crash! crash!” 
eis exultante explosão de miolos
expostos sorrateiramente em milk shakes
 quando o último jornal anuncia:
“trata-se de um coração-iceberg que ama playgrounds”
passe, passe o tempo
zig-zagueando pelo único brinquedo disponível:
um Triturador Industrial Shredder 19-3405-3420 
- são estas tuas paisagens mais bonitas.


2

Te amo à distância
com quatro cães rosnando a 2 cm
uma execução marcial a 7 m
150 km de congestionamento
a 30 cm da caneta que escorregou por entre os dedos

À distância
admito o olhar embaçado
forçando a vista através dos óculos vencidos
e com bastante tempo para tropeçar
fazer lanche
ficar distraído
e seguir firme em tua direção

Desde que todas as rotas foram apagadas
que as pontes desabaram
que estradas de terra foram soterradas
que colapsos aéreos e marítimos
estamparam as chamadas dos jornais
e desde que tudo conflui para o blefe da bússola
enfeitiçada por tua imapealidade
desde então
sangro
singro
sigo em tua direção

Te acho distante
telescopicamente impossível 
empilho medições por sobre a mesa
testo leopardos e policilindradas
simulo minha chegada
à tua ausência.
Perto do teu chakra, dos dedos estalados,
dos chicletes e cartas sem destino lindamente assinadas 
perto da xícara nunca me servida de café
perto do último livro que me disse que estava lendo
- sem marcador de página -
perto do montante de areia
em que se afundou
por horas
onde fez tudo desaparecer
e quando chegou a noite
enquanto as marés subiam
você mesma desapareceu

Há um desvio até você
como se um arqueiro
tivesse mirado por muito tempo um alvo
e atingido a si mesmo
como se o anti-horário
trapaceasse todos os meus eus
e minha regressão fosse súbita
nenhum símio tivesse me dado consciência
nenhum Deus tivesse me soprado a carne
e não existisse
nada de mim por aqui -
e enfim,
eu a encontrasse.


3

Tu te concentras na minha escuridão.
Puxas uma cadeira e te pões, firmemente, dentro.
Esperas me vê ou um gesto descarnado
algum silêncio flagrante como o de uma chuva imóvel.
Vês minhas raízes crescendo, selvagens.
Sentes o vento soprando forte
para todos os lados.
Nutre-te do trêmulo e do grito
- origens de minhas entranhas acotoveladas -
ainda que se incomodem os hóspedes voláteis
que emigram de mim incessantemente
ainda que à sombra de tão duro olhar
eu ausculte tua ternura
ou o que a desata e circunda o coração
e se ensaie neste deserto 
com pele de tapeçaria oriental
o amor. 

4

Poema para tentar lembrar

I

Depois
você lembra
deste poema,
desta boca
dos ferrolhos
dos muitos muitos dentes?
 A carne se abria
 uma revoada
uma hemorragia
circulava livremente.
Depois
lembra
de como dentro
esvoaçava,
chacoalhava as gengivas,
lembra?
E que
a contravento
o calígrafo / poeta / elefante
redigia erratas
como quem afinava a escuta
ou cutucava um corpo
(de costume torto)
com um inconsequente cotonete
fuça & fuça
rasgadura por rasgadura
com a esperança de
ficar um trapo
bem cuidado
mesmo que reste
sempre
pelas quinas e cantos
as irremovíveis lascas de susto?

II

Depois lembra
que me nasceu
um nada
espontâneo
na boca,
um tufo um bolor
tonalidade mais mumificada 
da dor?
Ah, não não,
fiz um trator
e desviei 
todo o fluxo interior
mais à urgência
dos arrepios
mais à esquerda, mais à esquerda,
por favor.
Desafoguei
toda a rota de
gases e alma,
com isto
ganhei tempo
para segurar por mais algum tempo a arma
contra a cabeça.

III

Então
nada ainda se quebrou
intraoficialmente?
Acordei com tua íris mutante
teus pelos desgrenhados
abraçando Onetti e Trakl.
Acordei sendo você.
Sou o moço de nariz amassado
e rosto esburacado
estou amolecido
no alto do penhasco.
Vem me buscar?

IV

Lembra
de como eu dizia
no teu ouvido
e você no meu
 o poema
até o caroço?
Lembra deste poema
que caia
 sem parar
pelo nosso pescoço?
Lembra de como
este poema
todos os poemas
são bumerangues indomáveis
à altura de nossas cabeças?

5

Hora de cuspir sangue
- ao sabor de atávicas porradas -

Chame-a para dançar
à distância
ao sul das afônicas mordidas
no coração.

Coloque-a no alto
isenta
das corrosivas dilatações dos olhos
em movimento
(Não me deixe te olhar!).

A pujança do sangue
é coligir ventanias
numa arena de leões.
Ou com dedos nevrálgicos
- há pouco afundados no coração -
acender um cigarro
adoçar o café
e não dizer quase nada
sobre esses ossos
quebrados.





*todos os poemas aqui coligidos são dedicados a poeta Nina Rizzi



Biografia:  Kleber Lima. Bibliotecário. Natural de Teresina (1984).





(...) ou reticênciasentreparênteses - Leonardo MAthias (lançamento e trailer book)

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Conheça alguns poemas e imagens do livro: http://issuu.com/leonardomathias/docs/trailer__..._



 
Autor de (...) ou reticênciasentreparêntesesleonardo MAthias atua em artes visuais, literatura e design. No setor editorial ilustrou e assinou projetos gráficos de mais de cem títulos, a maioria em parceria com a Editora Patuá. Publicou o livro de poemas de pé, em 2011, reeditado em 2014, pela mesma editoraColaborou para veículos como os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo; e também para revistas como ZUPI e InPrint MagazineParticipou de diversas mostras coletivas (Salão de Abril;SARP;Salon d’Automne, entre outros).Em 2012, realizou sua primeira exposição individual,As Janelas de Rilke, premiada pelo ProAC- Artes Visuais (Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo). Em 2014 apresentou, na Arte&Fato Galeria, sua individual Vazios Volúveis.




GABRIEL RESENDE SANTOS POR GERMANO XAVIER

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A poesia do ascensorista


Literatura é um engajar-se, Sartre vociferava. Convenhamos: há algo de verdadeiro nisso. Mas até quando seria possível manter o punho da voz firme ao sentir que “o fracasso é que a língua perde/ritmo”, como escreve o Gabriel Resende Santos, nascido num Rio de Janeiro em maio de 1994. E se o ritmo está alquebrado, a vida inteira se desmonta. Destarte, acreditar em Rimbaud e Whitman pode ser mesmo uma solução. O menino que questiona “quantos minutos tem a pétala”, é o mesmo que não conta segredos para nenhuma fúria e que sabe que todo “entendimento é um jogo de morte”.

A poesia presente em ELEVADOR tem o corpo sem acomodação, a alma sem afetações e gasta seu tempo e seu espaço tentando gritar alguma coisa no meio deste mundo de inaudíveis - habitado por um gentio estranho, muito estranho. Por tentar tal feito, já deixa a simplicidade de ser mera anotação em papel barato e ganha o status daquelas decididas palavras que nos emocionam por ou em determinado momento de nossas vidas. A poesia do garoto sobe e desce, eleva-se e se revela, releva e desvela a pessoa entrada no cubículo dos sentidos.

O efeito poético que se vê na respectiva obra brota de um ritmo aparentemente sólido e por demais amarrado. O autor trabalha o poema, não parece ser um amontoado de versos sem passado. Há sim um dito com elementos simples e modificações de forma um tanto já corriqueiras neste universo, mas talhada como escultura por mãos de quem realmente emprestou sofrimento à palavra. Como pregavam os gregos, o texto poético é aquele que cria alguma coisa, indefinida, mas alguma coisa. Eis a mais simplória definição da poiesis, conceito ao qual Gabriel se enamora em ELEVADOR.

Como não existe uma definição perfeita para a boa ou para a má poesia, os aspectos essenciais de uma obra ficam mesmo nas garras dos olhos-tempo do leitor, ser quase sempre ensimesmado que irá confrontar as estrofes lidas enquanto complementa o vago possível dos eixos em verbo com a ideia mais precisa do instante. A poesia de ELEVADOR acredita na grande beleza plástica que a palavra pode exprimir, mas não se deixa morrer neste detalhe.


Fala-se muito em mistério quando o ser enunciado é a poesia. Dá-se margem a rios de águas que correm por este mundo. Emoção demais, dizem, pode nublar a vista real das notáveis importâncias. Todavia, escrever é um passo para se sair dos labirintos – ou para se adentrar ainda mais por eles. E escrever poesia num mundo tão surdo-mudo quanto este em que vivemos soa como uma necessidade digna de aplausos. Portanto, uma salva de palmas para o ascensorista.



LEIA POEMAS DO LIVRO





Foto: Robert Frank



*    *    *




Autor do livro Elevador (Patuá, 2014), Gabriel Resende Santos é mallarmago e nasceu no Rio de Janeiro em maio de 1994. Acredita em Rimbaud e Whitman, mesmo sem assumir religião. Já apareceu em antologias e revistas, mas ninguém o reconhece na rua por isso. Escreve no blog Occam, big bangs & outras explosões. Traduz de vez em quando.









Germano Viana Xavier, 30, é mestrando em Letras pela Universidade de Pernambuco - UPE e pós-graduando em Ensino da Língua Portuguesa pela FAFICA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - PE. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB e em Letras/Português e suas Literaturas pela Universidade de Pernambuco - UPE.Blog do autor.














8 POEMAS DE ANA FARRAH

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Zuckerberg não gosta de peitinhos, nem de nudez
Zuckerberg tem problemas com sua mãe
Freud falou que era fase oral
mal resolvida...
Mas Zuckerberg não cede, não tenta, não experimenta...
Depois vai lá e me arranca
todas as peladinhas
levando junto meus escritos.
Zuckerberg é mau.
Zuckerberg tem problemas.


*


Não lembro nem o nome
lembro que ele usava um
sobretudo bege e morava
num desses apartamentos
de cohab
também não lembro como
fui parar lá e no meio
da noite sentir vontade
de ir no banheiro
mas lembro que o inverno
carcomia grosso
e eu enrolada naquele
sobretudo bege
quentinho
lembro que fiz xixi
ali mesmo
não lembro como saí
só sei que de uma
hora pra outra eu já
estava fora dali
me vi descendo do carro
(meio que empurrada)
nem beijinho...
ele nunca ligou
eu nunca lembrei o nome dele...


*


Me diz que tem um poema no gatilho.
Escreve, escreve, homem.
mas não escuto nada, não me diz nada.
Desculpa, amor. I'm very very busy,
tic tac, ocupadíssima lendo e lendo
e te recortando e tentando ainda fazer
essa escrita entrar na minha linha.
Não deu, não dá. Não orna.


*


Alguém coerente disse que isso aqui
é uma grande competição
para ver quem é mais feliz.

Ganha quem aparecer montado num unicórnio,
voando entre Júpiter e Saturno.


*


Ainda preciso escrever
sobre o fato de ele ser
tão low profile
e estar sempre tão por dentro
de tudo
sobre uma outra vista
essa, dos backstages
da vida
eu acho lindo
de ver e ser
sem ser visto
é de quem não busca
nem precisa


*


Ela diz ser ela mesma.
Ninguém acredita mais.

Acordou, se olhou no espelho
e percebeu-se de ser ela,
sem surpresas.

Mas aconteceu de ninguém mais lhe acreditar.

E já nem os documentos lhe creditam identidade.
Perdeu-se.

Sabe de si. Sabe bem quem é,
de onde veio, de quê se alimenta.
Os outros é que duvidam...

Em crise de identidade, questionou
as próprias
digitais.


*


Madrecita já te disse, que meu homem,
se não for esse vai ser outro
igualzinho
de barba e cabelo em desgrenho nítido
uma cara assim, mal lavada,
um olho de milênio e pouca vontade de (a)mar
gosto assim, desse olhar blasé 
que não só já viu quase tudo mas acha tudo tão déjà vu
mesmo antes de ver

Eu gosto é do gasto.


*


eu te cego, tu me esticas a mão,
iremos juntos, mancos, até o olho mais próximo,
então tu me cegas. e eu te estico a mão.

De dentro do olho daremos tiros de chumbinho para o alto,
em alvoroço e comemoração frenética.

A loucura já não nos basta.




*    *    *




Ana Farrahé gaúcha, da leva de 81. Ano do galo. Mora em Floripa. Uma vez mandou poemas pra editora da TRIBO. Publicaram dois. Fez o "Curso para Formação de Escritores", pelo SESC. Garimpeira do Pinterest. Mexe bem no Picture manager do Office. Gosta de inventar que é astróloga, taróloga, que vê o futuro. É leitora voraz de bulas de remédio. Percorreu quatro cursos universitários, até virar Esteticista, na quinta chance do universo. Faz poesia no banho. E atende à domicílio. Cobra bem. Lê e escreve entre uma massagem e outra.



POÉTICA DESCONFORTÁVEL: Roberto Bozzetti

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Ensor

POÉTICA DESCONFORTÁVEL

 

                Da capo:

 

Vem sempre alguma coisa
suja

cuja pregnância  a olhos
alheios some

come a terra a inter-
-rogação, a súplica

fica sobrando
uma

dúvida, só uma
o bastante

para derruir o poema
- enquanto tal –
num instante

o instante em que me pedem:
limpe
o instante em que me dou conta
perdi

o compasso
o esquadro
a conta

fica sobrando o que seria
substância?
prenhez?
a impotência do gesto
 
sem  lâmina
fio desencapado
sem da capo

           Repetição ad libitum:
 
o que me cabe é
caco

Like a Hell

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Poema visual de Marcelo Ariel do livro inédito ' Com o Daimon no contrafluxo'

Poesia Ímpar - Paulo Roberto Pereira Vallim

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Ilustração: Hord beniamin



quem escreve
para seus pares,
escreve para
seus pares.

o poeta ímpar
escreve
para qualquer
um.



VIOLONCELO

contemplo
a ausência
das árvores
no quintal.

o muro.

restam outras,
longe.



*
fui ao quintal
sentir o verde
e os passarinhos, mas...
olha a chuva!

me conformei
com a janela.



JANELA

o voo da pedra
atravessa a vidraça
e quebra meninos.



*
debaixo
do meu guarda-chuva,
olhei
pra cima
e vi
a coisa preta.



*
os atores pelados
pouco se importam com as pulgas
do cine pornô.



*
uma janela nos trai
quando passamos o dedo
em sujeira que se esconde
do outro lado do vidro.
por isto, as pessoas dizem
que as transparências enganam.



Ilustração: Evgenija


*
ouça um conselho dos sábios
quem com palavras se exprime:
repita o poema nos lábios,
mil vezes, se necessário.
a partir do dito acima,
quem tem boca vai à Rima.



*
os fantasmas
quando despem seus lençóis
são almas peladas.



*
num calmo instante,
contemplo o mesmo quintal
com olhos inéditos



*
mas como conseguem
passarinhos tão gorduchos
voar desse jeito?



*
tarde de domingo
reflexos poças eus



*
amanheceu.
o dia claro
ofusca as estrelas.
o papel em branco
ofusca letras.



*
as letras em preto,
vaga imitação da noite.
peneira a tapar o sol.



*
quem fala,
muda o mundo.
desde
que o mundo é mudo.



*
adão e eva
brincavam de pegar.
eva mordeu
a maçã
e caiu,
leve como a neve.

adão
comeu os pomos
da macieira
e pegou
no sono.



*
olhando as estrelas,
posso ver o futuro:
geada à vista.



*
o livro amareleceu.
as letras
ainda pretas.




Paulo Roberto Pereira Vallim nasceu em 1962 em Curitiba-PR, onde vive até hoje (passou parte da infância em Cornélio Procópio-PR e aos 40 anos morou por 10 meses em Itanhaém-SP).Começou a escrever poemas por influência do ambiente universitário, quando estava já com 25 anos de idade. No início dos anos 90 frequentou a Feira do Poeta. Possui poemas publicados em antologias coletivas e nos jornais Correio de Notícias e Folha de S. Paulo. A maior parte da produção está concentrada nos anos de 1991 e de 2014, ano este que marca o reencontro com o poeta, animador cultural e editor Geraldo Magela Cardoso, que o encorajou a voltar a escrever e a lançar o primeiro livro, cujo nome deverá ser  POESIA ÍMPAR .Atualmente é servidor público e nas horas de folga cuida de sua mãe.

A ilha, o voo e o albatroz em Franck Santos

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Convite

O chá e os bolinhos de chuva
assim como o seu convite de casamento
(que não pude aceitar)
ainda esperam, você me diz,
enquanto olha a chuva e as janelas vizinhas
coloca seus sapatos para secar
e pensa:
(será que lá são infelizes?).
Leio Sylvia Plath ao sol da tarde
e digo:
(a única decisão que posso tomar é a disposição dos quadros).



O Albatroz

O albatroz solitário fez ninho sobre o convés abandonado do navio
e pôs um ovo.
Na cidade, um menino estudava trompete
a princípio uma música descosida  e qualquer
mas o albatroz, sensível, tomou para si este canto sem dono e inútil
e disse: será o canto do seu primeiro entardecer, filho
quando as aves estiram longamente suas asas
limpam suas penas e adormecem sem desassossego.
Mas os dias se passaram e o ovo não vingava sobre o casco progressivamente mais longe do céu
e o albatroz não procurou mais uma canção
inaugurando os momentos de seu pequenino como o natal e seus presentes
um a um.
O albatroz ficou em silêncio e as minhocas e insetos
ressequiram-se
ou desapareceram do convés.
A lua ia alta no céu quando a água umedeceu-lhe as patas
como num doce aviso ignorado.
O ninho se desfez ao nascer do dia.
O menino não tocou mais trompete
nem nenhum instrumento
cresceu.
Tornou-se um grande financista e dedicou-se à caça aos pombos.



Cena de cinema

Entre nossos olhares havia uma cumplicidade de mar e marinheiro...



Paisagem

Na manhã, pipas ensaiam asas e a moça na janela espera notícias trazidas pelo  vento. À tarde o visitante contempla o painel  de conchas acima do sofá, enquanto as gaivotas cantam canções de pedra, para retinas sem paisagem. Minhas mãos choram lamentos de lavadeiras, mas ouço o barulho do mar em búzios. Anoitece e um garoto de patins desce a ladeira, na varanda uma velha tem voos rasantes de memória... Mas olhamos para nenhum crepúsculo! 



 Ilha

Sobre a mesa
havia uma bandeja de louças brancas e café com leite
bolo de maracujá
e um continente, separando nós dois.
Sobre a mesa havia também
livros de poesias
e na noite que começava havia uma varanda com um jardim
um blues que não ouvíamos
e um continente, separando nós dois.
Bastaria estendermos às mãos, sobre aquela mesa
deslocaríamos placas tectônicas
faríamos abalos sísmicos
e qualquer país.
Minhas noites nunca mais foram as mesmas
desde aquele continente, separando nós dois
e na ilha que me fiz.



Colisão

Os gritos ecoam nos olhos dos pássaros
tanto azul nas tardes e nenhum voo.
A casa transpira. A cidade ferve.
As flores em frangalhos despetalam.
Minha alma portuguesa quer fado
tricotar tecidos e tapetes perfeitos para voar
além mar.
Mas nas tardes de tanto azul
meu grito é seco, ecoa nos olhos dos pássaros
nos fios dos postes
feito violoncelo
seta
alvo
colisão.



Os voos

Não tentei
mas sei
nós, aves, morremos dos voos
que não os demos.
(A serena possibilidade do abismo)





Biografia: Franck Santos é um homem comum, ilhado em São Luís, cidade esta que tem mar, porto, sol e céu azul o ano inteiro, mas prefere dias nublados e chuvosos, uma casa no campo, vinho e blues.
Publicou Fogo Fátuo (2011) e Quando o azul não desbotava (2014), ambos de prosa poética. 
Fotografia de Dimas Gianuca


Videoteca: "Cuidado: inflamável" de Isabela Penov

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Um poema-notícia, um poema-manifesto, um poema-resposta. 









Resposta ao deputado Jair Messias Bolsonaro (PP), que no último mês declarou em plenária que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT) porque ela "não merece". Resposta à opressão sofrida cotidianamente por todas as mulheres sob um sistema social patriarcal e machista - dentro das casas, nas ruas, nos transportes, nas páginas, nas telas, nas bocas. Resposta a todos aqueles que supõem que tais violências são "merecidas" por qualquer que seja o motivo. 

NENHUMA MULHER MERECE SER ESTUPRADA.
NENHUMA MULHER MERECE SER ESTUPRADA.
NENHUMA MULHER MERECE SER ESTUPRADA.



* palavras de Isabel Penov








Isabela Penové poeta, atriz, slammer, professora de arte, aprendiz de fotógrafa, cantora de chuveiro e mãe da Nina. Dedica-se à poesia falada, escrita, lida e vivida. Para compartilhar isso tudo mantém um blog, o Semeaduras.


Solos para flauta doce - Léo Prudêncio

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Ilustração: Wladimir Kush



1.

A palavra
- guia mestra do poeta -
segue seu caminho
sinuoso pela folha
rasurando o silêncio
do não-lugar.

A palavra é
a descruzadora de sentidos
a formadora de colunas
e a âncora do navio da alma


2.

o meu amor
é bandolim
afinado em ré
e o que sou
quando junto dela:
uma valsa
tocada em si bemol

(não falo de amor:
toque-desejo-posse.
falo de harmonia:
acordes que se completam)

3.

solidão cercada
por cimento, concreto e asfalto
acima e nos lados
piramides modernas
erguidas e esculpidas
por escravos
a concretude da vida
está guardada em mim

solidão
sólida
soerguida
por ninguém

sem dor e sofrimento
abaixo de mim
apenas o chão de concreto
sou o além-chão,
sou o lado sólido da palavra

eu sou um poema erguido
como se erguem paredes
sólido
medido
e
estruturado


Ilustração: Wladimir Kush


4.

eu sou o não-ser
o princípio do precipício
o amigo do louco
o ser etéreo

sem som
sem voz e notas agudas
sou ainda a voz inaudível
sou aquilo que se escreve e que não se concretiza
sou o fundo do mar
o início do fim da via láctea

aquilo que se diz
e não se ouve
o que se come
e não se nutre

ainda serei
mas não posso vir a ser
se já não sou


5.

o passado pulsa em meu sangue
poderia afirmar que é o motor do meu corpo
ou a força que move o meu caminhar
o passado está em mim
me vigiando e me acompanhando
aonde eu vou o passado irá comigo


6.

a
intensidade
das
pequenas
coisas
faz
falta
no
dia
a
dia


7.

a palavra semente
germinará
no campo branco da página
florescerá
em quem a lê
e
murchará
no esquecimento
volúvel dos dias


8.

sigo calmamente
o vai vem
da folha seca
que dança agarrada
ao vento
flutuando
no ar


9.

após descompassadas notas
o aplauso, o silêncio e a solidão


fim do espetáculo
morte
e fim
de mim

(a vida não é um disco com faixa bônus)




Léo Prudêncio  nasceu em São Paulo (1990). É graduado em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA). Publicou em 2014 o livro de poemas Baladas para violão de cinco cordas, pela editora Penalux. Atualmente reside em Goiânia.

3 poemas de Charles Marlon

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Ilustração: Gilad Benari



2 segundos


O jogo, ou num
termo mais amplo, (e

por isso, mais vazio), a
vida. Ausência de

manual ou instrução,
aquele em que apenas

pras contas é certo
que vençam ao fim

ou ao meio. Não ignoro,
mas não me peça que acostume.

só a caveira conforma, conforme
fica comprovado numa tese que

por desleixo e ignorância
não cheguei a ler. Sei dos

ofícios e dos ossos, matéria
dura e que se encaixa não

sem muito custo, não
sem dor alguma. Mas

quero tardar um pouco
mais aqui fora ao

sereno, pela simples
gratuidade de nada

querer ser, saber ou produzir
- por dois, que seja, segundos-

e tentar reaprender uma verdade
esquecida da sujeira do

copo puído posto
-anônimo- num bal-

cão de fórmica azul; verdade
que cristal nenhum con-

tem.




A queda


Atravessar: tarefa difícil,
e falo de rua; da vida
não digo, não sei, é coisa

que suspeito que está, pois
estou. Estouro, a parte
mais frágil na queda:

partícula que se rompe
e que espaça a pele,
desligada de si sem

alterar o real, aquilo que
tem concretude e contunde.
Anjos não digo, mas a queda

existe como sabemos, nós, que
ainda seguimos para o outro lado
da mesma rua buscando sabe-se

lá se mais caminho,
sombra ou outro golpe
de ar.




Abat-jour


Entardece e desce
a pálpebra inteiriça
na janela em frente,

quase que um espelho
do outro lado da rua; a-
vizinhado já agora a

vaguidão
de uma hora
in-

certa na qual, dentro, os móveis
se trocam sem se tocarem - sequer-
deixando além do ruído a ecoar, ranhuras

no chão comum que nos leva
ao dia seguinte e ao próximo
equívoco disfarçado em sabe-

dor-
ia e coisa que a valha
ou quase, ou nada; a vala

por onde passa a luz,
abafada, máquina de
gerar vultos e vestígios

de corpos, penumbra
engatilhada, a mira mais
precisa:

o dia, a-
tingido em
pleno

pouso.



Charles Marlon Porfirio de Sousa é poeta e mestrando em Literatura Portuguesa – poesia contemporânea - pela Universidade de São Paulo- USP. Em julho de 2012, publicou seu livro de estreia, Poesia Ltda., pela editora Patuá e em junho de 2014 seu segundo livro, Sub-verso, também pela Patuá

Carlos Moreira: a arquitetura poética que filosofa

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    Górgias, Espinosa, Nietzsche

    *
    inventar o velho: de que serve
    a galinha rebotar o ovo
    o corvo gralhar de novo e sempre
    Nunca Mais como se fosse um cuco?

    desde o big bang é tudo assim:
    o mundo muda dentro de um segundo
    não há certeza: tudo é quase ou se:
    logo se transforma em ar o chumbo

    tudo se perde tudo se deforma
    só o nada além de nós reside
    somos o caos que do acaso aflora
    a lama podre em que o lótus vive

    o que sabemos dentro desta hora? 
    que tudo é fora e só o nada existe
    *
    um sol aqui trancado neste quarto
    e o escuro pelo mundo inteiro
    espinho e rosa e cristal de quartzo
    descansa a mão ao lado do tinteiro

    é um deus de merda e flor essa natura
    pandora louca de pernas abertas
    de fora adentro seu olhar devora
    o que é espinho rosa deus e merda

    acerta a lente sobre o olho esquerdo
    acende a vela sobre o mar do medo
    tudo está quieto agora aqui por dentro
    no quarto um sol decifra seu segredo

    descansa agora contra o mundo inteiro
    espinho e merda rosa deus tinteiro
    *
    como pode ser tão velho
    o tempo que nasceu agora?
    nasceu com ele esse medo
    do sol que brilha aqui fora?

    medo do acontecimento
    de nada acontecer na hora
    de nada acontecer a tempo
    de nada desfazer a trama?

    o mundo começou há pouco
    seu grande corpo transborda
    todos os vinhos do mundo
    todas as formas da forma

    como pode ser tão tarde
    a festa começada agora?                                                                                                                        

    Carlos Moreira: autor do livro Corpo aberto (Patuá, 2014), e Cardume (editora Valer, 2013), é poeta e compositor. Publicou também Evangelho Segundo Ninguém e Duas Palavras pela Edufro; Tetralogia do Nada pelo Clube dos Autores, Viagem de Cores e Sonhos, comemorando uma década de Festcineamazônia. Teve poemas seus publicados nas Revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Revista GerminaRevista Expressões e Revista Blecaute. É autor de roteiros poéticos para filmes com Jurandir Costa e Fernanda Kopanakis, entre eles os premiadosNada é Longe e Quilombage”. Esteve á frente do grupo Klan de performance poética e dos grupos musicais Odisseia e Caixa de Silêncio. É parceiro também dos músicos Júlio Rangel e André Maria no projeto Idílio Moderno.                                                              Fotografia: NASA

Caligrafia - Líria Porto

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lágrima

despi-me de tudo
só o manto do olhar ainda me veste
desta bruma eu não posso me livrar



troco

quão fora eu sem recato
sem timidez atrevida

atirar-me em teus braços
melhor nem tivesse ido

cobriste com tua pele
meu velho corpo ferido

de ti fiquei tatuada
como se fosse um tecido

depois partiste e eu sem nada
vivi invernos seguidos



profissão de ferro

malhar o insuportável
o que deveria ter outra forma
outra fórmula
:
forjar-nos noutra bigorna



madrugada

afora a luz do poste e as estrelas
que parecem piscar
nenhum movimento
as árvores não se mexem 
e não há ninguém na rua 

chego a ouvir o coração da terra
tumtumtum





alívio

o vento seca-me os olhos
o vento sopra minha dor
o vento faz-me esquecer
que a morte
é questão de tempo

a vida é para os fortes
sussurra-me
o vento



à coroa do rei

das nossas montanhas
foi-se o miolo de ferro de ouro
de amantes

sobrou-nos a casca e nós
os bobos da corte



caligrafia

escrevo torto
por linhas certas


Ilustrações; Frederico Zarco




Líria Porto - professora, poeta, natural de araguari – mg – autora dos livros borboleta desfolhada de lua, publicados em portugal – 2009 – e garimpo asa de passarinho, publicados no brasil pela editora lê – 2014.
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