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Kyle Thompson |
1
Guardo teu silêncio
está entre meus dedos, mordendo-os, está
entre minhas pernas, em meio a tantos focos de incêndio,
está debaixo da minha língua
confabulando um mudo definitivo
pelos pavilhões da saliva
está ávido, as mãos rondando meu pescoço,
víbora convulsa
[quando eu engasgar
com meus olhos dentro dos teus...] e sim e sim,
as paisagens abertas com violência
pousadas epilepticamente nesta falta de ar
imbuídas de cachaças & transes & escória
comigo caído
contíguo à minha boca cheia de feridas
com a perna dobrada sobre a minha
com os mamilos modelando o movediço
dos esgostos
teu silêncio tão importante para mim
teu silêncio silêncio silêncio
mastigo forte
aperto forte
entre meus dedos
eu vacilo
com todas essas farpas debaixo das unhas
com todas essas guaridas escombradas de súbito
e depois que passa
matilha que uiva contra constelários
gatilhos marcialmente acionados
“crash! crash! crash!”
eis exultante explosão de miolos
expostos sorrateiramente em milk shakes
quando o último jornal anuncia:
“trata-se de um coração-iceberg que ama playgrounds”
passe, passe o tempo
zig-zagueando pelo único brinquedo disponível:
um Triturador Industrial Shredder 19-3405-3420
- são estas tuas paisagens mais bonitas.
2
Te amo à distância
com quatro cães rosnando a 2 cm
uma execução marcial a 7 m
150 km de congestionamento
a 30 cm da caneta que escorregou por entre os dedos
À distância
admito o olhar embaçado
forçando a vista através dos óculos vencidos
e com bastante tempo para tropeçar
fazer lanche
ficar distraído
e seguir firme em tua direção
Desde que todas as rotas foram apagadas
que as pontes desabaram
que estradas de terra foram soterradas
que colapsos aéreos e marítimos
estamparam as chamadas dos jornais
e desde que tudo conflui para o blefe da bússola
enfeitiçada por tua imapealidade
desde então
sangro
singro
sigo em tua direção
Te acho distante
telescopicamente impossível
empilho medições por sobre a mesa
testo leopardos e policilindradas
simulo minha chegada
à tua ausência.
Perto do teu chakra, dos dedos estalados,
dos chicletes e cartas sem destino lindamente assinadas
perto da xícara nunca me servida de café
perto do último livro que me disse que estava lendo
- sem marcador de página -
perto do montante de areia
em que se afundou
por horas
onde fez tudo desaparecer
e quando chegou a noite
enquanto as marés subiam
você mesma desapareceu
Há um desvio até você
como se um arqueiro
tivesse mirado por muito tempo um alvo
e atingido a si mesmo
como se o anti-horário
trapaceasse todos os meus eus
e minha regressão fosse súbita
nenhum símio tivesse me dado consciência
nenhum Deus tivesse me soprado a carne
e não existisse
nada de mim por aqui -
e enfim,
eu a encontrasse.
3
Tu te concentras na minha escuridão.
Puxas uma cadeira e te pões, firmemente, dentro.
Esperas me vê ou um gesto descarnado
algum silêncio flagrante como o de uma chuva imóvel.
Vês minhas raízes crescendo, selvagens.
Sentes o vento soprando forte
para todos os lados.
Nutre-te do trêmulo e do grito
- origens de minhas entranhas acotoveladas -
ainda que se incomodem os hóspedes voláteis
que emigram de mim incessantemente
ainda que à sombra de tão duro olhar
eu ausculte tua ternura
ou o que a desata e circunda o coração
e se ensaie neste deserto
com pele de tapeçaria oriental
o amor.
4
Poema para tentar lembrar
I
Depois
você lembra
deste poema,
desta boca
dos ferrolhos
dos muitos muitos dentes?
A carne se abria
uma revoada
uma hemorragia
circulava livremente.
Depois
lembra
de como dentro
esvoaçava,
chacoalhava as gengivas,
lembra?
E que
a contravento
o calígrafo / poeta / elefante
redigia erratas
como quem afinava a escuta
ou cutucava um corpo
(de costume torto)
com um inconsequente cotonete
fuça & fuça
rasgadura por rasgadura
com a esperança de
ficar um trapo
bem cuidado
mesmo que reste
sempre
pelas quinas e cantos
as irremovíveis lascas de susto?
II
Depois lembra
que me nasceu
um nada
espontâneo
na boca,
um tufo um bolor
tonalidade mais mumificada
da dor?
Ah, não não,
fiz um trator
e desviei
todo o fluxo interior
mais à urgência
dos arrepios
mais à esquerda, mais à esquerda,
por favor.
Desafoguei
toda a rota de
gases e alma,
com isto
ganhei tempo
para segurar por mais algum tempo a arma
contra a cabeça.
III
Então
nada ainda se quebrou
intraoficialmente?
Acordei com tua íris mutante
teus pelos desgrenhados
abraçando Onetti e Trakl.
Acordei sendo você.
Sou o moço de nariz amassado
e rosto esburacado
estou amolecido
no alto do penhasco.
Vem me buscar?
IV
Lembra
de como eu dizia
no teu ouvido
e você no meu
o poema
até o caroço?
Lembra deste poema
que caia
sem parar
pelo nosso pescoço?
Lembra de como
este poema
todos os poemas
são bumerangues indomáveis
à altura de nossas cabeças?
5
Hora de cuspir sangue
- ao sabor de atávicas porradas -
Chame-a para dançar
à distância
ao sul das afônicas mordidas
no coração.
Coloque-a no alto
isenta
das corrosivas dilatações dos olhos
em movimento
(Não me deixe te olhar!).
A pujança do sangue
é coligir ventanias
numa arena de leões.
Ou com dedos nevrálgicos
- há pouco afundados no coração -
acender um cigarro
adoçar o café
e não dizer quase nada
sobre esses ossos
quebrados.
*todos os poemas aqui coligidos são dedicados a poeta Nina Rizzi
Biografia: Kleber Lima. Bibliotecário. Natural de Teresina (1984).