Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all 5548 articles
Browse latest View live

4 POEMAS DE ANDREI RIBAS

$
0
0










Teu corpo é um campo de batalha


teu corpo é um campo de batalha

eu perco

ganho

no final

incontáveis

empates





Haicai nacional do desastre


quando eu tomo café na cama
e acabo derrubando tudo
é aí que vejo o drama
de não ter criado-mudo




Escritura


em verdade vos digo
algumas mulheres servem só pra trepar
não relacionamento não envolvimento
não conversas sobre trivialidade pré e pós coito
nada de opiniões a considerar
e o mesmo elas querem de nós
não pensem que o privilégio de satisfação é tão-só
do que se liquidifica ao procriar
entre o cortejo a conquista e o ato
se desenha um rito, um artigo manufaturado
que se quebra depois do gozo em caras e jeitos
incomodados
mas aos que insistem ainda no romantismo, acima
disse que algumas mulheres devem ter tal trato
outras a gente se junta e brinca de família
até os filhos crescerem e, aborrecidos
somamo-nos àquela pilha
se capazes, de fato




Commedia dell’arte


mato um leão por dia ponto Todos matam vírgula afinal ponto Desenho as constelações abre parênteses na minha concepção vírgulatem uma fera em cada estrela fecha parêntesesvírgula viro expectador ponto Uns preferem a quantidade do que a qualidade vírgulacomo eu ponto Existirá vírgula nos temperamentos rancorosos aposentados vírgula uma região intocada vírgula humilde vírgula coberta pela gramática incorreta dos maus escritores pontoAs ninfas lésbicas namoram à sombra dos holandeses gigantes vírgula uma aragem vem lenta vírgula como o entendimento dum Salmo ponto Paralelos e pecados vírgula falas mal interpretadas numa comédia ditada por um cavalo




*    *    *





Andrei Ribas, formado em Direito em 2003, foi conciliador judicial, advogou e, desde 2008, é servidor público estadual. É autor de O Monstro, lançado em 2007 pela All Print (São Paulo) e, em 2013, Animais loucos, suspeitos ou lascivos, pela Multifoco (Rio de Janeiro). Escreve regularmente no site Homo Literatus. E-mailRede social.














7 poemas de Silvana Mendes

$
0
0















FRAGMENTOS

Cacos
Estilhaços
Revoada de pétalas:
O perfume....

O ardume do lembrar detalhes
passados num traço de memória

Batendo asas
Alinhavo um roteiro migratório
Enquanto vôo
Enquanto verto lágrimas
Sobre a rota do mar!



ESTALO

Em segundos
Permeia o feio
Redunda o fio
da palavra abrupta
na ponta da língua

Rançosa
Perigosa
Amuada

A caneta suspensa
enroscada na letra nua
perde o ponto do verso
Desandou um poema

No papel em branco
um pingo ilhado
cercado do desconhecido

Improviso
um mantra de aniquilamento...

Finalmente
esvaziada



RAPINA

Voo alto
Vasto
em corpo de ave
Presságio

Pio e pena
Adágio de um rapto



PERDURA

Fissuras enredam passagens
Trincas e frestas
de tempo passado

Um olhar demorado
alinha o imaginário
Como ontem
Como agora



CIRRUS

Precipita
Desfeita
Falível
Consumada

Estado cíclico da alma
Em flor
Perpetuada

Lágrimas e cristais
quedam ao acaso da chuva



ESTIO

Adejo
Desejo

Um querer
de posse

O silêncio
de um grito

Estio
chão batido
peito trincado...
embotado

Adeus
embora vou
embora sendo
Amor!



GEMA

Algo me diz:
É dentro
Tudo se esconde fora
do alcance das mãos
Insiste:
Somente ao olhar
a magia dos olhos...

Entre
a casa é sua!





Silvana Mendes, nascida em Minas Gerais, mineira de Maria da Fé.
Morou em São Paulo grande parte de sua vida onde trabalhou e estudou enquanto lá residia. Formada em Administração de Empresas  e Gestão Ambiental, também passou por Letras, Turismo e Tradutor e Intérprete.
De volta para Minas criou “Manifesto Poético”, jornal aperiódico de poetas de sua terra natal.
Desde de 2004 é comprometida com a Associação de produtores de Agricultura Natural do seu Município, como incentivadora, divulgadora e prestadora de serviços.

Ilustração: escultura de plástico reciclável de Sayaka Ganz

TURN AWAY: Um conto de Diego Moraes

$
0
0




























TURN AWAY

Ficamos juntinhos ali sentados na beira do flutuante. Nossos pés na água. Submersos feito submarinos de pele e osso. Botos saltavam, barcos azulados passavam, um cão latia atrás de nós, de frente para o bar onde serpentes descansavam dentro de garrafas de pinga.

—Você precisa escutar Beck, Beatriz.

—Já escutei. É lindo, né?

—Morning Phase. É capaz de curar sua gastrite.

Não tive a intenção de instalar o silêncio naquele momento de paisagem de filme do Sérgio Andrade. Sabe deus como estava o estômago dela. O fígado, a cabeça, o útero, os ex-namorados suicidas junto com a alma devastada pelo câncer.

—Você não precisa ser eufemista comigo, Diego. Não é gastrite. É câncer.

—Sei, mas não gosto de repetir esta palavra. Ela corroí até o sol.

Lembrei-me do dia que tomamos sorvete num lugar lindo e depois passeamos num Monza prata do pai dela pela estrada do aeroporto com os braços tatuados, cheio de versos de um poeta húngaro que esqueci o nome, deixamos a brisa lamber nossos rostos ingênuos num sábado como se fôssemos crianças que aprendem a se equilibrar em bicicletas sem três rodinhas.

—Não quero que deixe nada escrito pra mim. Não quero ter um pedaço de mim num livro que quase ninguém irá ler. Tenho pavor de prateleiras empoeiradas de sebos do centro de Manaus.

—Bobagem. Você não pode regular quem entra ou sai da poesia. Não existe arte mais livre. É uma forma de alugar pedalinho no rio da tua saudade. Mesmo que você não queira um livro dedicado, vou saber que foi escrito pra você. E não existe solidão maior que a musa obscura de um artista que quase ninguém prestigia.

—Tá bom. Espera eu morrer. Não quero me emocionar mais que a luta contra essa desgraça que vai me comendo por dentro.

Beatriz tosse. O cão late mais alto. Pássaro que devora pássaro no deserto. Mistérios que damos o nome de mistérios. Ela vomita patacas de sangue no Rio Negro. Piranhas mordem nossas pernas. Tropeçamos rindo, correndo com as pernas em carne viva. Entre as vigas do porto flutuante, peixes nadavam com raiva querendo devorar a doença terminal do meu primeiro amor.



Diego Moraes nasceu em Manaus - Amazonas. É autor dos livros “A fotografia do meu antigo amor dançando tango” e “A solidão é um deus bêbado dando ré num trator”, Editora Bartlebee.



Ilustração: fotografia de Haruhiko Kawaguchi

Folias - Thereza Christina Rocque da Motta

$
0
0




O AUSENTE

És mais belo
imóvel
mas se te moves
exalas
teu odor de carne.
Fremes
e tua mão toca
o longo corpo da noite.
Logo a manhã irrompe
as tênues faces
que te distanciam
como verbo
ausente e dócil.
Nada se move
e só tu respiras.



DORES DAS NOITES
para Tavinho Teixeira

I

Teu repente me atravessa o verso
lança foice espada cutelo.

Em teu verso se espalha
o mel que fabricas no escuro
favos de lua precipitada sobre os lagos.

Mordes os lábios e me dizes
teus prazeres, teus deleites,
as dores perdidas nas noites,
tua voz que grita,
sussurro de tua fala,
olhos imóveis,
te esqueces ao relento,
porejando o orvalho
de teus jardins maravilhados.

II

Desces ao inferno de Dante,
Beatriz não te acompanha. Estás só.

Teu descaminho te ocupa as entranhas,
o labirinto de Minos,
cabelos de serpentes,
o olhar no espelho, petrificado.


ÉDIPO MENINO

Sem o colo de tua mãe,
vives a apascentar ovelhas,
refúgio de tua alma.
Sem oráculos que te amedrontem,
vês teu rosto no lago,
flutuando na superfície do sonho.
Sem estradas que te levem,
ficas à espera do reino,
tua casa, côncavo desespero,
vigília de tua sombra, esteio.
Antes não se cumprisse o destino.



MUITO CEDO
para José Mário

Tua medida
é o olho.
Tua sombra,
escolha.
Tudo que te faz
é medo,
tudo que te sobra
é cedo.
Ergue tua mão
e não tardes.
Fere a palavra
que deixas.
És a dor de não seres
outro
por mais que te sobrem
verdades.
És este.
E, tudo mais,
vaidade.



In “Folias”, Ibis Libris, 2014.
Foto: “Hibisco”, de Fabio Giorgio, para a capa de “Folias”.




Thereza Christina Rocque da Motta nasceu em 1957, é poeta, editora e tradutora. Publicou Joio & trigo (1982, 1983, 2004), Areal (1995), Sabbath (1998), Alba (2001), Chiaroscuro – Poems in the dark (2002), Lilacs/Lilases (2003), Rios (2003), Marco Polo e a Princesa Azul (2008), O mais puro amor de Abelardo e Heloísa (2009), Futebol e mais nada: Um time de poemas (2010), A vida dos livros (2010), Odysseus & O livro de Pandora (2012), Breve anunciação (poema dramático, 2013), As liras de Marília (poema histórico, 2013), Capitu (2014), Folias e Horizontes (2014). Traduziu Marley & Eu, de John Grogan (Ediouro, 2006), A dança dos sonhos, de Michael Jackson (2011), 44 Sonetos escolhidos (2006) e 154 Sonetos (2009), de William Shakespeare e O corvo, de Edgar Allan Poe (2013). É membro da Academia Brasileira de Poesia e do PEN Clube do Brasil. Fundou a Ibis Libris em 2000. 

Primeira parte do poema DO NASCIMENTO de Marcelo Ariel

$
0
0


DO NASCIMENTO

Poema-emanação  em torno da obra de Milton Nascimento


Para José Aparecido dos Santos


TUDO O QUE VOCÊ PODIA SER / ENCONTROS E DESPEDIDAS/NASCENTE/O QUE FOI FEITO DEVERA/O QUE FOI FEITO DE VERA

o mundo
existe
se for sonhado

com o vôo do pássaro
dentro do corpo
caminhamos
por  estradas selvagens

como rosas
com o olhar
do cavalo
do boi

das sensações

abrindo clareiras
para este ser

( morrer )

Nossa casa
um sopro de energias

se movendo
“ como um espelho “

 para o tempo

 somos tocados por todos
 os lados

 e essa simultaneidade
 de instantes
 sempre foi

 a eternidade


O desejo
do rio
que somos
é que este Sol
entre com ele
no oceano

( cantando)

O ângelus-pergunta
Não, no véu-paisagem
mas no sereno ininteligível
a voz que é também olhar
que apenas observava
de dentro dos ossos

agora é
uma luz que mesmo apagada
não se cala

Marcelo Ariel

Lançamento em Curitiba de O Galope de Ulisses - José Inácio Vieira de Melo

$
0
0
José Inácio Vieira de Melo vai lançar sua antologia poética “O Galope de Ulisses” em Curitiba nos dias 10 e 11 de março.No dia 10 será no Vox urbe, as 21 h, Rua Trajano Reis 326 – São Francisco. No dia 11 vai ser na Biblioteca Pública do Paraná, às 16 h, Rua Cândido Lopes, 133, Centro. Durante o evento José Inácio fará o recital “Ulisses galopa em minhas veias”.








PARÁBOLAS



I

É da natureza do poeta
sonhar a essência do vento
e soprar na harpa os outros nomes
da pedra e da água.

A grande mãe se inclina
e oferece o vinho santo do seu corpo,
semente e bênção do ventre úmido.

Só tua boca pode receber este mel
e conhecer as liturgias das areias
e saborear o sangue das origens
no cálice que transborda nesta mesa.


II

O espanto dos homens sussurra rapsódias.
As campânulas de fogo se agitam
e deixam apenas vestígios de cinzas
que as chuvas desmancham e apagam.

Há tantos seres numa pessoa.
Um argonauta pode estar
na sombra de um titã.

A lira vai do raio ao rei.
O outro delira.


III

Um homem vaga por abismos.
Sua sombra borda contornos
no espelho do lago da ambição.

O sexo de cristal se move,
graça dos nervos da síntese,
e amamenta os sonhos da amiga
que ascende na colheita dos espinhos.

Do sexo, uma criança brota:
guerreiro das palavras estrangeiras
a oferecer toda sua safra.

Oculta-se na busca do Santo Graal
que repousa no vestíbulo da noite
onde manadas de estrelas
viajam e vagam e morrem.


IV

Enquanto a sombra se enraíza nos rebanhos,
papoulas de fogo fervem no sangue de Dioniso
e uma candeia de narcisos sobe à cabeça
para celebrar os réquiens do adeus.

Incrustadas por brasas aflitas
as fêmeas se enlaçam aos machos
e afloram gerações e gerações
para desfolhar as pedras de Deus.


***




O Galope de Ulisses, antologia poética de José Inácio Vieira de Melo, é a mais nova publicação da Editora Patuá. Para fazer a seleção, organização e prefácio, a Patuá convidou o poeta e ensaísta carioca Igor Fagundes, que escolheu setenta poemas, dos seis livros de JIVM, para comporem a paisagem poética da antologia.

No prefácio, Igor Faz um alentado estudo sobre a obra de JIVM, para o qual deu o título “O cacto das musas”, e dividiu o livro em quatro partes: “Galopar na infância é a minha metafísica”, “No sertão, o princípio do enigma, o galope para dentro de redemoinho”, “Quando o homem chega dentro da criança, o infinito cai e a casa começa” e “Pois a verdade – a verdade verdadeira – é escutar no canto a imensidão”, que são versos retirados de alguns poemas que estão no livro.

            Na contracapa, Igor, em um texto síntese, dá a medida certa de O galope de Ulisses: “Reunida a obra de José Inácio Vieira de Melo em um único-múltiplo itinerário, percorremos com o poeta uma viagem de renúncia dos seus lugares prévios de identificação e acomodação; de suspensão do conhecido e familiar, em nome da escuta do desconhecido e silente, de um perigoso canto advindo das sereias sertanejas, rumo ao sem-lugar – sertão – em que o humano se perde e se ganha em meio ao cacto das musas. De uma cronológica a uma ontológica infância, a poesia-vida aí se firma como um bem da terra, uma cultura possível da imensidão, onde cada um conquista a solidão de sua diferença”.

          Igor Fagundes é também professor de Filosofia, Estética e Dança na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor de sete livros, coautor de trinta, e organizador de outros três. Doutor em Poética com a tese A incorporação – Poética na encruzilhada, na qual a obra de José Inácio Vieira de Melo comparece como parte de uma dramaturgia mítico-filosófica em que Maria Bethânia, transformada em par do poeta, o conduz a uma saga por exus, pombogiras, erês e orixás, no sentido de desconstruir os discursos metafísicos vigentes em torno do sagrado, levando ao transe poético as interpretações oficiais do pensamento grego e bíblico e, em última instância, o próprio Ocidente.

         A obra de José Inácio tem merecido a atenção de grandes nomes da literatura de língua portuguesa – como Ronaldo Correia de Brito, Gonçalo M. Tavares e Salgado Maranhão – e já alcançou considerável reconhecimento de público. E é por conta da sua popularidade, aliada a qualidade de sua poesia, toda perpassada por uma seiva telúrica, que a Patuá publica O galope de Ulisses, sua segunda antologia. A primeira foi publicada em 2011, pelas Edições Galo Branco, inserida na coleção 50 poemas escolhidos pelo autor e contou com apresentação de Affonso Romano de Sant’Anna, André Seffrin e Marco Lucchesi.

          



José Inácio Vieira de Melo (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural. Publicou os livros Códigos do silêncio (2000), Decifração de abismos (2002), A terceira romaria (2005), A infância do Centauro (2007), Roseiral (2010), Pedra Só (2012) e a antologia 50 poemas escolhidos pelo autor (2011).

Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004), Sangue Novo – 21 poetas baianos do século XXI (2011) e as agendas Retratos Poéticos do Brasil 2010 (2009) e Retratos Poéticos do Brasil 2013 (2012). Publicou também o livrete Luzeiro (2003) e os cds de poemas A casa dos meus quarenta anos (2008) e Pedra Só (2013).





Participa das antologias Pórtico Antologia Poética I (2003), Sete Cantares de Amigos (2003) e Roteiro da poesia brasileira – Anos 2000 (2009). No exterior, participa das antologias Voix croisées: Brésil-France (Marselha, 2006),  Impressioni d’Italia – Piccola antologia di poesia in portoghese con traduzione a fronte (Napoli, 2011), En la otra orilla del silencio – Antologia de poetas brasileños contemporáneos  (Cidade do México, 2012), Traversée d’océans – Voix poétiques de Bretagne et de Bahia (Paris, 2012), A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua (Maputo, 2013) e Mini-Anthology of Brazilian Poetry (Placitas, 2013).

Coordenador e curador de vários eventos literários, como o Porto da Poesia, na 7ª Bienal do Livro da Bahia (2005), a Praça de Poesia e Cordel, na 9ª, 10ª e 11ª  Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011, 2013), em Salvador, e o Cabaré Literário, na I Feira Literária Ler Amado, em Ilhéus (2012), assim como os projetos A Voz do Poeta (2001) e Poesia na Boca da Noite (2004 a 2007), ambos em Salvador, e Travessia das Palavras (2009 e 2010), em Jequié. Desde 2009 é curador do projeto Uma Prosa Sobre Versos, na cidade de Maracás, no Vale do Jiquiriçá. Tem poemas traduzidos para os seguintes idiomas: espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano. Foi coeditor da revista de arte, crítica e literatura Iararana, de 2004 a 2008. 


Fotografia: Ricardo Prado



[as guerras búdicas: budismo & suicídio] por alexandre guarnieri - parte 15

$
0
0





(ou o martírio íntimo da autoimolação pela chama)



no couro as agruras do mundo lhe cravaram garras inarredáveis

e toda carne já ardia - brasa interna - muito antes do óleo diesel /

na véspera teria decidido "é amanhã meu futuro interrompido" /

e dormiu um sono resoluto, véspera da absoluta renúncia /

sonhou com monges em guerra, mestres rebelados entre si /

confrades vitimados em combates árduos, assassinatos sem fim /  

acordado, esperou a noite vir / o ancião da vila o ajudaria

na liturgia do ritual antigo / quando os convidados chegaram

portavam chamas acesas desde suas casas arruinadas /

das guerras não havia sobrado muito, um arremedo de vilarejo /

os exatos mantras entoados, todos sentados em lótus, cada qual

uma única pétala reunida ao miolo de uma flor maior, comunitária /

os cantos seguiram por horas até quase à exaustão / todos

obedecendo a orientação do ancião / a reunião lançada ao transe

de uma só oração, pulsando na noite densa o único coração /

até que param, e num gesto unitário, atiram incenso aceso / 

em seu corpo as mandíbulas do incêndio afundam pele adentro /

ossos nervos olhos o próprio nome nublado pelo fogo largo /

toda carne já queima em labaredas, antes mesmo da primeira

centelha, a faísca inicial esteve dentro da boca, na ponta

da língua / era a primeira palavra proferida, dita pela mãe

para a tia, e só revelada a ele na abadia, ao fim do primeiro dia /

há séculos é assim que se inicia a vida útil de qualquer agente

infiltrado cujo único propósito virá a ser, um dia, o mais

absoluto aniquilamento pelo calor que esplende desde sempre

de toda a desilusão que ronda esta alta aposta que é deixar o ventre


*





















*    *    *



ACOMPANHE A SÉRIE!


PARTE 1

PARTE 2














*    *    *




Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online (no issuu.com). Publicou poemas em revistas e jornais, dentre eles o Panorama da Palavra, Urbana, O Carioca, Suplemento Literário de Minas Gerais, dEsEnrEdoS, RelevO, Eutomia, Zunái, Musa Rara, Acrobata e Germina. Em 2014, participou das antologias Essas águas (Org. Vagner Muniz, 2014 [ebook]), Hiperconexões: realidade expandida, volume 2 (poemas sobre o pós-humano; Org. Luiz Bras, Patuá) e Outras ruminações (75 poetas e a poesia de Donizete Galvão; Org. Reynaldo Damazio, Ruy Proença e Tarso de Melo, Dobra). Seu mais recente livro é Corpo de Festim (Confraria do Vento, 2014).







O sonhador que colhe berinjelas na terra das flores murchas - Bellé Junior

$
0
0
Ilustração: Michael Cheval




O suicida ao homicida

Era uma vez...
o sonhador que colhe
berinjelas
na terra das flores murchas

onde vossa miséria é ourives do mundo
então, enquanto a rosa colora de roxo todo ouro impune
lá no alto, no píncaro dos pícaros, onde língua é afiada a facão
lê-se em violetas gigantescas:

ESQUECEU QUE PARA UM SONHO DE VERDADE
SE PERDE A VIDA INTEIRA?

e no instante em que dos olhos desaparece a cor desaparecida nos olhares
a orquídea rega a beleza com o sonho esquecido

é a alma procurando-se entre os destroços
entre a carne, entre os ossos
entre a obscura pálpebra do coração em que a bromélia vasculha os desejos

pois é no útero estéril da ignorância
que se ilumina a grande fertilidade dos tolos
junto da líquida papoula que voa
o seu maldito e delicioso disparo de enganos

assim o lírio oficial chora uma última assinatura
uma última mentira de envelope em seu envelope de mentiras

e ainda persiste este incômodo sinônimo de dor que é a vida
e prospera o transeunte girassol em seu magma púrpura
cortejando a lua num lamaçal de estrelas  




Augusta

caminhando pela augusta puta linda e absurda quando a lua infla
no céu é o céu anestesiado da boca na boca
e o canino amortece e o pó é só o pó branco dos olhos ruivos e ruivos demais
no samba da fumaça nos alvéolos e as cervejas rolam
e os compadres mambos e a augusta nossa la bossa baby
a calçada pequena de gente feliz e bêbada e feliz e feliz
e toda noite te moo no dichavador do meu coração
e enrolo teu glamour decadente em três guardanapos vagabundos
pra tragar fundo a tua aura inteira e teu meio fio
com os compadres chapados enlouquecidos lindos geniais e mais e muito mais
augusta sua puta nossa bruma intensa de pecado e redenção
teu chão pisoteio pisoteamos pistoleiros loucos da madrugada
e vamos porque é inebriante que deve ser
e é
e antes era deles amante e glória
agora é nossa e assim e assim
é nossa
augusta cósmica



Ilustração: Michael Cheval



Haverá um depois depois de nós

nascemos estrela e morreremos buraco negro
e então
já bastante humano
ele confundirá gravidade com egoísmo
e solitário esfriará conosco
no maior de todos os invernos




IBIS REDIBIS NON PERIBIS IN ARMIS

algo de errado está errado em nalgum lugar estranho
em todas as partes                        em todos os mitos
as espadas cruzam                          as pedras partem
 marés                                                           em gritos

os olhares se cruzam              como lanças no escuro
dementes rogam                                diferentes lutos
o sangue se espalha                        a mente se engaja
tribulam-se almas                             em neblina e sal
surpresas esperam                       presentes rotineiros
bocas aflitas                            emudecem ainda mais
a dor aloja-se                        nas gerações com medo
talvez sonhos                              ainda busquem cais
procurando farelos                              entre migalhas
desvendado                                    cinzas queimadas
           e o que foi nada                                                 um dia          
de repente                                                   corrompeu

tateio nos passos                                        do deserto
entre tantos batalhões                                e exércitos
os vestígios                                   do que ainda resta
das estátuas                                               deportadas
à força                                                       esculpidas
em carne                                                            e osso
movimentos perdidos                                       alertam
    há um presente                                              que chega

de longe


***




no nosso peito bate um órgão muito falso
e no nosso corpo
a defesa
é muito frágil

pele corada mas doentia
sorriso mordo mas rotina
rosto e fadiga já se completam
é tal a distância em seu olhar

o infinito é só uma esperança
que de tão estúpida chega a nos confortar




Ilustração: Michael Cheval



Teoria Antropocêntrica das Imagens Enluaradas 

bocas movidas à pilha
esperanças queimando em velas de sétimo dia
espirros de suor e peitos de aço
cartas em latim arcaico
sobre castelos de papel líquido
e seus filósofos analfabetos
para-raios no chão e espelhos em espadas
o ar sente-se livre embriagado
a venda de indulgências está novamente na moda
mas agora com passaporte e carimbo
a democracia burguesa é a nova simonia da plebe
sempre foi assim
poeira e deserto flutuando no concreto
religiões complexas e seus lençóis de histeria
estaca aberta no braço
alcança
arde e repudia
está no pântano
no pântano de estranhos
e também na arca
na arca incendiada
parece câncer crescendo em prantos
parece unha calejada
está chorando
vê!
mas não sente nada
enlouquece!
segue lenta e embalsamada
a alma em sua nau
que enfim
ateu em retirada




Nascido no sudoeste do Paraná, Bellé Junior  publicou em 2010, de maneira independente, “O sonhador que colhe berinjelas na terra das flores murchas”, com não mais que 300 cópias, as quais vendeu por aí, nas ruas e botecos, para amigos e inimigos. Seu segundo livro, “Trato de Levante” foi publicado pela Editora Patuá em 2014

2 contos de Cinthia Kriemler

$
0
0
Ilustração: Daniblast



Sutiã de renda
A idade só se aplica às pessoas vulgares
            Hermann Hesse

Comprou o sutiã preto de renda com a respiração suspensa. Finalmente. Tinha esperado o mês inteiro pelo dinheiro mirrado da aposentadoria para poder satisfazer aquele desejo. Passava todos os dias em frente à loja, em suas caminhadas para esticar as pernas, rezando para que a peça ainda estivesse lá quando pudesse comprá-la. Agora, abraçando a sacola decorada com a foto de um passarinho, não economizava o sorriso. Naquele mês, teria que optar entre o remédio de pressão e o do diabetes, mas ninguém precisava saber disso. Nem os filhos que nunca a visitavam, nem o médico ao qual só iria dali a um mês. Talvez fosse ao posto de saúde para pegar uma cartela daqueles remédios fracos que mal faziam efeito. Melhor que nada. Mas iria depois.Andava se sentindo muito bem para se preocupar com isso.
Apressando o passo, esqueceu as doenças e o dinheiro gasto, e chegou ao pequeno apartamento de quarto e sala em cima da padaria. A escada cansou-a um pouco e ela tomou um copo d'água gelado. Deixando sobre uma cadeira a sacola de passarinho, abriu o armário acanhado, retirando de lá um vestido preto com decote em V, que depositou sobre a cama. Voltou ao armário, pegando, dessa vez, uma caixa branca quadrada, que colocou sobre uma poltrona. Pegando toalha e roupão no varal, entrou no banheiro. Demorou o dobro do tempo sob a água morna do chuveiro. No mês seguinte a luz viria mais cara, mas ela não se importaria com a cara feia dos filhos, que insistiam em lhe pagar o aluguel e a bendita luz. E eles repetiriam tudo o que ela já sabia. Que uma senhora de 74 anos não devia morar sozinha. Que num espaço de conveniência para idosos haveria alguém para cuidar dela, e pessoas com quem conversar. Ela não queria conversar. Se quisesse falar com gente velha, conversaria sozinha. Gente velha é só lembranças tristes. Pessoas que já morreram, sonhos que já morreram, lugares e coisas que não existem mais. Gente velha é mórbida, antecipando o inevitável com os olhos marejados, com uma resignação doentia. Morrendo antes da morte. Ela, não. Ela ainda estava viva, bem viva. Por isso, nada de abrigos disfarçados por nomes bonitos. Preferia o quartoesala reduzido, de onde via os carros e as pessoas na rua, dia e noite, e de onde ouvia o entra e sai da padaria. O cheiro do pão fresco sendo feito de manhã bem cedo a estimulava a sair da cama para viver. Viver o que fosse, o que desse, sem presságios ou receios.
Logo que aquele aroma delicioso começava o dia, Jussara, a mocinha que trabalhava no balcão da padaria, tocava a campainha para lhe entregar dois pãezinhos de sal. Antes mesmo de atender os primeiros clientes. Perguntavam uma à outra um como vai sincero, os pães eram pagos e as duas se despediam. Até que o fim de tarde chegava e um outro encontro se repetia, nos mesmos moldes. 
No início, assim que Jussara se ofereceu para ajudá-la, ela a convidou a acompanhá-la no café. A jovem agradeceu e recusou. Na padaria, tinha de graça não somente o café e o pão, mas bolos, biscoitos, queijos e outros frios que o patrão liberava para todos os funcionários. Demorou um tempo para ela descobrir como retribuir a gentileza dos pães em domicílio. Mas, uma tarde, abriu a porta com as agulhas de tricô na mão; um suéter que terminava para um neto, mesmo sabendo que ele não o usaria. Jussara não tinha um suéter feito à mão. E ela soube o que dar àquela quase menina de rosto redondo. Quanta luz nos olhos que abriram o presente. Uma surpresa honesta, um meu Deus, que lindo vindo de algum lugar sincero entre a alma e os lábios. Ficaram amigas.
Saindo do banho prolongado, secou e penteou os cabelos lentamente. Pegou um par de meias finas e uma cinta-liga na segunda gaveta do criado mudo, em meio a umas poucas peças de lingerie. Nunca conseguira usar meias-calças. Muito ásperas. Colocou a cinta-liga com a destreza das mulheres experientes e esticou cada pé de meia até que as pernas lhe pareceram bem lisas. Fechou o sutiã novo, regulou as alças e ajeitou os seios dentro dos bojos de renda, feliz com o resultado. Vestiu-se. Em seguida, retirou da caixa branca um par de sapatos pretos de bico fino e salto médio, uma caixa de joias de madeira, forrada com cetim lavrado, e uma máquina de retratos pequena e moderna, presente de Natal dos filhos. Tirando da caixa de joias colar e brincos de pérola, colocou-os. Calçou os sapatos, admirando-os por uns segundos. Passou um batom vermelho e massageou as mãos com um pouco de creme. Três borrifadas longas de um antigo Shocking de Schiaparelli no corpo, e uma rápida nos cabelos. Por fim, examinou-se demoradamente no espelho grande que mandara instalar atrás da porta do quarto. Sorriu. 
Às 19h 30, como sempre, Jussara tocou a campainha. A seu pedido, a mocinha arrumou rapidamente a mesa de jantar solitária, deixando sobre a pia da cozinha a ceia de Ano Novo antecipada em um dia. No dia seguinte seria 31 de dezembro, e ela teria que cumprir a obrigação de ir para a casa de um dos filhos. Mas, antes da obrigação, o prazer. Despediram-se com uma troca de beijos nas bochechas. As de Jussara, cheirando a frituras e pães. As dela, cheirosas com o perfume importado.
Assim que ficou sozinha, buscou no armário da cozinha mais um prato, mais um jogo de talheres e duas taças de cristal insuspeitamente escondidas ao fundo.  Quando a mesa ficou a gosto, fotografou tudo. Depois, esticou o braço, ajeitou o corpo e tirou várias fotos de si mesma. Selfies,  ensinara-lhe o neto metido. Então, a campainha tocou novamente. Ela respirou, ajeitou o vestido no corpo e abriu a porta para uma daquelas noites arrebatadoras que vinha tendo fazia mais de um ano. Olhando o parceiro daquela noite estourar o champanha que trouxera consigo, ela pensou no sutiã de renda. E sentiu o tanto que ainda estava viva. Bem viva.



Ilustração: Daniblast



Uni, duni, te...

Disseram-lhe, à exaustão, que mulher tem que ser independente. Que ela devia fazer como sua mãe que era chefe de família, bom salário, sempre viajando, estudando, se divertindo, mandando no próprio nariz. Que podia seguir o exemplo da tia, física de renome internacional, premiada, das que dão palestra em dólar e entrevista no jornal, solteira por opção, apartamento chique em bairro rico da cidade.  Ou ainda da outra tia, viúva, que administrava sozinha as fazendas da família. Sem filhos, as duas. Sem hora, sem freios, sem satisfações a dar.
Disseram-lhe mais — e repetidamente: que mulher não tem medo da vida. Que seu corpo só pertencia a ela mesma. Que ela não precisava de homem para ser feliz, nem para pagar as contas nem para se sentir segura. Para o sexo, sim. E que homem sabia menos, aguentava menos, valia nada.
Repetiram tanto que ela teve medo. Medo daquelas vontades que sentia no quarto, no escondido das madrugadas sem sono. De querer beijos prolongados e arrepios pelo corpo. De sonhar com o homem alto, moreno, encantador que falaria com ela na exposição de quadros, escolhendo-a entre todas as outras. O homem com quem começaria a se encontrar com frequência e com o qual faria amor num quarto de motel impessoal, depois de um jantar francês regado a vinho bom. Seguiriam se vendo, teriam algumas brigas bobas, por ciúme, e se casariam no verão, em cerimônia para muita gente. Filhos bem paridos, casa confortável, viagem em família todos os anos. Muitos jantares preparados pela empregada cara,no fogão caro equipado com grille timer. Mesas com velas, banheiras com pétalas de rosa, camas com lençóis de cetim — que só depois ela descobriria que escorregavam. Presentes caros, dois, três por ano, para celebrar o Natal, o aniversário e alguma outra coisa. Ela recebendo joias lindas, viagens inesquecíveis. Ele ganhando ternos, pastas de couro, sapatos importados, festas inesquecíveis. Tudo pago com o dinheiro dele. Porque ela não trabalharia mais, assim quese casasse. Seria o que sempre quisera ser: dona de casa. Com orgulho de si mesma; com pena de quem não podia ser. E cuidariados empregados, dos professores particulares dos filhos, da decoração, do cabelo, das unhas, da sobrancelha, das recepções enpetit comitépara o pessoal do trabalho, da vida alheia.
Fariam bodas — de todas as coisas. Conversariam. Cada vez menos. Porque ele ia querer falar de política, de economia. Ela teria sempre como tema os filhos, as viagens e os divórcios das amigas. As amantes, ele as teria sem fazer alarde. Muitas. Mais gostosas, mais fogosas, mais objetos do que ela. Ela, claro, nunca saberia de nada. Sabendo ou não. Um drinque à tarde, com as amigas. Outro mais à noite, para esperar o marido. E vários quando ele esquecesse os teatros, os cinemas, as exposições, a cor dos olhos dela. Tudo cessaria quando estivessem na cama. Com o hálito dela cheirando a pasta de dentes, café, canela, qualquer coisa para afastar do nariz dele o bafo entranhado de álcool. Sim, tudo se resolveria na cama, onde ela o deixaria fazer o que quisesse, boneca de pano imitando orgasmos de mulher liberada. Esquecida de como ainda queria ouvir sussurros no ouvido repetindo “te amo”.
Quando o cansaço chegasse, já seria tempo de pôr do sol. E ela corromperia as próprias dúvidas confrontando-as e lhes perguntando o que poderia fazer se e caso partisse. Retórica. Triste retórica. Ela que só havia desejado ser a mulher de alguém, a mãe de alguém, ter uma casa bonita. Que não quisera ser a cópia da mãe, da tia, da outra tia.
Amada. Erao que ela quisera ser. Amar-se. Devia ter escolhido isso.





Autora, pela Editora Patuá, dos livros Do todo que me cerca (2012) e Sob os escombros (2014), Cinthia Kriemler é contista, cronista e poeta. Carioca, mora em Brasília há mais de 40 anos. Graduada e pós-graduada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de Brasília, é Analista Legislativo da Câmara dos Deputados. Membro da Academia de Letras do Brasil, ALB/DF, Seccional Brasília, cadeira nº 32. Membro da Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA e do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal — Sindescritores. É também autora dos livros Para enfim me deitar na minha alma, projeto aprovado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (2010) e da novela policial Atos e omissões, ambos reeditado em e-book pela Amazon Brasil (2013). Tem publicações em diversos periódicos impressos e virtuais, além de atuar como colunista, com colaborações fixas na Revista Samizdat e naRevista Biografia.


Como quem dança no coreto pós-guerra - Bárbara Lia

$
0
0
Fotografia; Hellen Levitt



Os meninos e eu

Os meninos empinavam pipas;
eu, pássaros
Os meninos folheavam revistas
de garotas nuas;
eu, assistia ao namoro dos sapos
Os meninos iam ao cine;
eu, atravessava a pé
o igarapé
Os meninos desenhavam piratas
tesouros, navios;
eu, a escafandrista solitária
Agora
solidão nos devora
em negros prédios
meio à elite ignara
Os meninos vestem
negro/desencanto
seguem com cifras
nas pupilas vítreas
Tão tristes os meninos,
reclusos, bebendo
o índice Dow Jones
com café
.
Trocando de amantes
a cada inverno.
A alma pesada os faz andar
em cadência de elefante
Eu, pinto gravuras
em tons rosa chá
teço minhas roupas
danço minhas músicas
Não atravesso
o vidro frio do templo
moderno
– shopping center –

Não atravesso
a porta de cedro
do antigo templo
.
 (enquanto o Vaticano
não doar aos pobres
todo ouro seu) 
Vivo nas esferas
desço ao chão
para pisar águas
dos igarapés
Adormeço
no berço-arraia
que me embalazul
no "mar/
belo mar selvagem” 
                                                                     In Chá para as borboletas (21 gramas)


***


Somos incompletos. Se uma mulher esconde o sangue e a lágrima e se até mesmo o sorriso acaba por ser flor rara no deserto de sal, é por saber que nada no mundo é inteiro: Nem o homem, nem os anjos, nem a flor.



“Uma migalha de mim”
Emily Dickinson



Teço
Um ego/vidraça
Para que enxergues
Meu Eu


Teço
Uma nuvem lassa
Cortina que qualquer mão
Atravessa


Teço
Um hímen de fumaça
Sobre a virgem essência
- tudo o que sou Eu

In A flor dentro da árvore (2011)




Bárbara Lia. Poeta e Escritora. Publicou dez livros (de poesia, conto e romance). Destaque nos prêmios SESC, UFES, Helena Kolody e Newton Sampaio, entre outros. Antologias: O que é poesia? (Confraria do Vento), O melhor da festa - 3 (Festipoa) e Amar, verbo atemporal (Rocco), entre outras. Vive em Curitiba.

LANÇAMENTO CORPO DE FESTIM [POEMAS] - 18/03 - CCJF (RJ)

$
0
0



*    *    *


CONHEÇA O LIVRO POR:













*    *    *


Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online (no issuu.com). Publicou poemas em revistas e jornais, dentre eles o Panorama da Palavra, Urbana, O Carioca, Suplemento Literário de Minas Gerais, dEsEnrEdoS, RelevO, Eutomia, Zunái, Musa Rara, Acrobata e Germina. Em 2014, participou das antologias Essas águas (Org. Vagner Muniz, 2014 [ebook]), Hiperconexões: realidade expandida, volume 2 (poemas sobre o pós-humano; Org. Luiz Bras, Patuá) e Outras ruminações (75 poetas e a poesia de Donizete Galvão; Org. Reynaldo Damazio, Ruy Proença e Tarso de Melo, Dobra). Seu livro mais recente é Corpo de Festim (Confraria do Vento, 2014).



CAFÉ EM VERSO E PROSA [EVENTO COM AMADOR RIBEIRO NETO E CONVIDADOS]

$
0
0



Café Empório
Rua Coração de Jesus, 144
Tambaú - JOÃO PESSOA- PB
Fone: 3247-0110

LEIA POEMAS DO LIVRO



*    *    *




Amador Ribeiro Neto nasceu em Caconde (SP), em 1953. Autor de uma dissertação e uma tese de doutorado sobre a criação lítero-musical de Caetano Veloso, recebendo os títulos de mestre em Teoria Literária pela USP e doutor em Semiótica pela PUC/SP. Está incluído na antologia "Na Virada do Século", organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa. Atualmente vive em João Pessoa, onde leciona na UFPB.  Durante muitos anos, escreveu regularmente crítica literária em diversos jornais de São Paulo.  A presente seleta foi extraída de "Barrocidade" (Landy Editora, 2003). Em 2013, participou da antologia "Poemas que escolhi para as crianças", organizada por Ruth Rocha. O autor escreve periodicamente na zona da palavra e em augustapoesia.



Constituição Brasileira de Brincadeirinha

$
0
0
Art. 0°: Aves nas suas ilhas estão ficando emotivas
Com a procela que se aproxima
Não sei mais o que eu faço:
Colapso hídrico e congresso relapso

Art. 1°: Um país inteiro naufragando como navio pirata
No fundo azul-marinho, revolto como lousa
Dum primata
Porque assim se fazem as coisas.

Art. 2°: Adensam tanto, por encanto, os ventos da borrasca
Que viraram a mão em seu rosto no asfalto
Se sobrevivesse, pavimentaria avenidas de pasmo
Expectoraria pombos na capa como o Erasmo



Escólio: (Volta e meia, quando sou visita em seu sofá
Noto umas asas com garras nas pregas
Espetáculo hediondo, mas quem decide sobre a vida
Do animal alheio, saído contudo de si?)

Art. 3°: Sua lógica não sigo; o veredito
Partiu de competente magistrado
Profissional altamente qualificado
Que por grito ou brado se havia anunciado.

Art. 4°: Mas, cacimbas, derribou logo um shake vermelhoso
Na transferência gósmica de destinos
Por meio das pernas, quando passou
Tirando um fino do meu lado.

Art. 5°: Mas agora que está nas últimas, todos suspiram
Lembrando como era bom quando ainda havia tido
Tudo o que ninguém se preocupou em lembrar
Pra propor na assembleia pra existir depois,

Art. 6°: Quando, sem nos preparar,
Deus terá dito que existe, mas só pra desistir
Do cargo em nosso favor - formamos comissão
Agora, pra menor polinização ou gota de orvalho

Art. 7°: Tem comanda em três vias, requerimento,
Concorrência, legalizar a aquisição por fisiologismo
Do que vai estando bom pra ambas as partes:
Estava escrito na estrela... o PMDB.

A Segunda Vinda

$
0
0


por Daniel Feltrin


“Oh não senhor, não podemos...
Ela me pediu para concordar com tudo.”
Me olha de cabo a rabo pensando no meu que:
“Às vezes essa métrica enjoa.”

Sou um acrobata preguiçoso.

Nada importa quando os olhos sugam o resto de tudo:
“O tempo é impermeável, sua energia cobrada de nós.”
Te vi certa vez em 1992, mas você ainda não tinha nascido.
Gastei meus zeros naquele dia inevitável.

Já cansei de morrer, mas vivo mesmo assim.

“Oh não senhor, não podemos...

Ela sabe que ainda virá qualquer dia...”





Imagem: Still de "Les Yeux Sans Visage" de Georges Franju.

2 contos de Natalia Borges Polesso

$
0
0
Ilustração: Christian Schloe



Memória

Eu não lembro mais de como era a voz dela, nem de como ela me chamava cedo pela manhã. Eu não lembro mais de como as mãos dela escorregavam pelas minhas costas e também não lembro onde iam parar. Eu já não lembro do cheiro dela. Eu não lembro como minhas mãos afundavam nos seus cabelos e nem da cara de assustada que ela fazia quando eu falava da gente. Eu não lembro das coisas velhas, nem das coisas que ainda seriam recentes. Eu não lembro se tinha pés feios ou pequenos. Eu não lembro se tinha a boca grande. Eu não lembro se falava manso. Eu não lembro se gostava de bergamotas e nem se assistia televisão antes de dormir. Eu não lembro se falava outra língua. Eu não lembro se gostava de cachorros ou se já tivera um gato. Eu não lembro mais de como era o cabelo dela quando molhado. Eu não lembro mais de como escrevia. Eu não lembro mais dos livros que ela queria ler, nem daqueles que já tinha lido. Eu não sei se caminhava normalmente ou se pendia levemente para o lado esquerdo. Eu não lembro mais se lavava a louça direito. Eu não sei se gostava de pop art. Eu não sei se ela viajou para a Europa, nem se foi ao Japão. Eu não lembro se gostava de trens. Eu não sei se tocava violão ou piano, ou nenhum dos dois. Eu não lembro mais se tinha a pele lisa. Eu não sei se brincava de bonecos ou andava de pernas de pau. Eu não sei se comia areia e também não lembro se algum dia ela reclamou da comida. Eu não lembro se gostava de branco ou preto ou laranja, nem se já tinha visto Laranja Mecânica. Eu não sei se tinha as mãos quentes e as unhas bem feitas. Eu não sei se patinava ou andava a cavalo. Eu não sei se tinha pai ou mãe ou irmão mais velho. Eu não lembro se tinha parentes. Eu não lembro se tomava limonada suíça às sextas-feiras ou se começava o fim de semana com mimosas de goiaba. Eu não lembro se teve um caso, uma casa, se comprou uma bicicleta ou se pediu a minha mão em casamento. Eu não lembro se reclamava por ter que separar o lixo ou se era ativista e militava contra o uso de garrafas pet, talvez fizesse compostagem no nosso apartamento, mas eu não lembro. Não lembro se decorou a casa com quadros ou se não ligava pro marrom descascado das persianas. Eu não lembro se tinha a voz fina e gostava de Carmen Miranda. Não lembro se passava batom, se comprava maquiagem de revistinha ou na farmácia.  Não lembro se detestava calendários ou gostava de entregar as coisas fora do prazo. Não lembro dos ombros, nem dos pelos, nem do formato dos seios, não lembro do hálito, nem se babava no travesseiro. Não lembro se usava chinelos. Não lembro que foi embora. Não lembro se esqueceu da chave. Não lembro se levou os livros. Não lembro se lavou a louça, se quebrou os pratos, se sujou a blusa, se algum dia deu com a cara numa porta. Não lembro o tamanho, nem a altura, nem o peso ou se quando me abraçava eu me sentia protegida.  Não lembro de nada, nem da textura dos lábios, se ficavam machucados no inverno ou queimados no verão. De tudo, sobrou só uma foto. Mas eu não lembro onde guardei.




Valsa


Às vezes tu é uma pessoa estranha, ela me disse enquanto todas as cabeças se voltavam para coisas alheias. A minha acompanhou o fogo que dançava no meu ventre esmorecer. Eu quis dizer que, às vezes, eu era mesmo uma pessoa estranha, mas mais a mim do que a ela. Quis dizer que não me reconhecia toda vez que minha intensidade corria apenas dentro do meu coração, provocando aquelas arritmias. Uma, duas, falha, uma duas, falha. Minha boca se abriu para dar conta da resposta, mas ela não veio. Ficou lá dentro – onde quer que as respostas se construam – ficou sem contorno e sem preenchimento. Apenas ar que se arrepiava entre minha pélvis e meu pescoço. No início era mais doce, perto do plexo, a coisa se alastrava pelo couro e endurecia, apertando minhas veias contra músculos e ossos, para no fim não sair de mim. E voltar em uma, duas, falha, uma duas falha cardioeletrofisiológica.


Natalia Borges Polesso é escritora, professora e doutoranda em Teoria da Literatura na PUCRS. É autora deRecortes para álbum de fotografia sem gente, obra vencedora do Prêmio Açorianos 2013 na categoria contos, e também da tirinha tosca A Escritora Incompreendida, publicada via facebook. Os poemas acima são do seu segundo livro Coração a corda, de 2015.

5 poemas de Adri Aleixo

$
0
0
Doze girassóis numa jarra, Vicent van Gogh, 1888





Franciscana


Juntei
meus pedaços
para a última
 travessia

 refiz
a velha túnica
guardada
entre as pétalas
daquele girassol

Não tenho
sandálias
reservas
ou hora

apenas sementes de renascer.



Dínamo


Coisa de ser gente e morte
Nasci lavradoura
Mas sempre quis ser
terra

Batida
Sulcada



Ciclos


Umas coisinhas
lesmas, aleluias, zinco
sons de criança
a velha porta
contornada de avencas
que me atravessa
emergindo fracassos.



Plumagem


Todo aquele momento
num feixe de lembranças
Apenas

Minha várzea revisitada
como brisa levitando 
Tanto



Beija-flor


à tarde, ele me invade
em brisas e equinócios.
Delgado momento de amor.




Adri Aleixo é  poeta e professora de Linguagens. Publicou, em 2014, Des.caminhos pela editora Patuá.

Poesia Ímpar II - Paulo Vallim

$
0
0

Ilustração: Carl Spitzweg


quem escreve
para seus pares,
escreve para
seus pares.

o poeta ímpar
escreve
para qualquer
um.



*
o homem mais alto do mundo
tinha os pés no chão
e a cabeça nas nuvens.



*
o lobo lobo
olha a Lua
de olho na lebre
e na loba boa.

o lobo bobo,
esse não toma jeito:
vive mesmo
é no mundo da lua.



*
o pássaro
precisa de um par
de asas.

à trapezista,
um par de cordas
basta.

um par de cordas
também basta
ao voo da cantora.

ao ouvinte,
resta apenas
um par de mãos.



*
o primeiro a ter
a cabeça nas nuvens
viu a Lua branca,
ideia tornada folclore.

outro inquieto
quis ir além,
mas voltou as costas
e viu a Terra, azul.

a História preferiu
um terceiro,
que teve os pés
no chão da Lua.


*
a teia da aranha
ficou

às moscas.



*
um grilinho verde
do outro lado
do vidro canelado.

um peteleco no vidro
e.... upa!

a sorte é fugidia.



*
da zoeira do dial de ondas curtas
emerge a Truta,
de Schubert.



*
apressado pro trabalho
os carros me impedem
preciso atravessar a rua

um saxofonista na calçada
música gospel, talvez

o saxofone na calçada
os carros inda lutam na rua

forças acima de mim
de minha pressa pro trabalho



*
morto no ônibus
sem lugar para sentar

o peso do sono nos olhos

o balanço-lentidão da viagem

a criança alegre no assento
corre com a pipoca
pula grita ri
volta para o assento

o lugar é dela

morto nos olhos
os joelhos
recusam a dobrar-se



*
no guichê,
a fala da cliente
lembrou-me uma canção
do milton nascimento

outro dia,
a máquina de lavar
cantando over the rainbow

a freada do ônibus
tocou um acorde
da sagração, do stravisnky

como é mesmo
que se dá o total

nessa bendita autenticadora?



Paulo Roberto Pereira Vallim nasceu em 1962 em Curitiba-PR, onde vive até hoje (passou parte da infância em Cornélio Procópio-PR e aos 40 anos morou por 10 meses em Itanhaém-SP). Começou a escrever poemas por influência do ambiente universitário, quando estava já com 25 anos de idade. No início dos anos 90 frequentou a Feira do Poeta. Possui poemas publicados em antologias coletivas e nos jornais Correio de Notícias e Folha de S. Paulo. A maior parte da produção está concentrada nos anos de 1991 e de 2014, ano este que marca o reencontro com o poeta, animador cultural e editor Geraldo Magela Cardoso, que o encorajou a voltar a escrever e a lançar o primeiro livro, cujo nome deverá ser POESIA ÍMPAR. Atualmente é servidor público e nas horas de folga cuida de sua mãe

7 POEMAS DE ALBERTO ELOY

$
0
0







Des-conexão


Desplumada lua
alegoriza
e desvirtua
minha complacência

Estrangeiro fogo
redime a paleta
dos erros daqueles
de passos caídos

Salvo uma montanha
Prometeu em êxodo
morde tenazmente
o próprio fígado

Enquanto isso só
a festa pró-segue
e a lua pestaneja risos
para o louco ser curar





Imposto ontológico


Quanto pagas de impostos para que possas Existir?
Qual o saldo de tua vendida liberdade concedida como coisa e lixo aos vis e pútridos poderes políticos?
Tua angústia está inflacionada?
Teu medo, é matéria de capa nos jornais de todos os dias?
E o alimento que pagas para na mesa estar antes que os ratos o comam, quanto dele ainda não traz o vírus da gosma purulenta dos algozes sedentos de sangue?
De quantos algozes precisas para dar a chancela de tua altiva sordidez humana?
Qual o custo de teu oceânico orgulho e insignificância perante o Cosmos?
A custo de que planteias uma participação no Estado, e no estado geral das coisas e do Homem, corroídos por infinitas mil atrocidades e barbáries?

E, ao final do fim, por fim pergunto-te: quantas commodities equivalem-se aos inextrincáveis rincões e redutos de teu Ser?




Pontiaguda ascese
Florilégio do anguloso devir
Atemporal disritmia humana
Poliglota quadrimensionalidade
Equilátera gagueira do espanto
Hiato convulsivamente plácido
Supernova estalando neurônios
Labirintico chão dos quereres




Da Solidão


minha amiamável solipão
solstício criadouradorado
de primaveracidades e
angulogos quadrifusos
metágora do coracanção
leitossatura melifluindo
da sala do estâmago
ao meioveio
do transmundo
mundanoso
porém
protoprenhe de
infiniluzes




Prima pagina


Mergulho no palimpsesto branco deste mar profundo
Cardumes de silencio passam e correntes tergiversam as naus do inaudito
Enquanto isso
ruborizando takes azuis
soa o jazz dilatando mil loas
nesta incipiente alvura
cujo mar amar
sou maré-moto




Tertúlia (ou do que se quer)


Um diz isso
outro diz aquilo
aqueloutro diz
outra coisa

Um diz este
aquele diz outro
fulano diz nem
uma coisa nem outra

Um quer isto
outro quer aquilo
e dois outros
não querem nada

Aquele não cala
esses não falam
já o de antes
nada ouve

Esse nada não vê
já aquele vê tudo
e não diz nada e o que
diz diz pela metade

E ninguém diz
nada mas todos
querem chafurdar
no sol do prazer

- No sol do prazer
ou de um dizer
que somente
compete ao poder?

E todos entre si
vão falando querendo
e se impondo
como mestres e algozes

Ate que irrompe um
entre este e aquele
outro maior que decide
finalmente o que se é!



 Dos perfeitos artistas
 (pequeno poema inútil)

Ó novos criadores e construtores do eterno novo
e inabalável panteão das nove Musas;
Vós – Voz? Tendes voz? – que inebriais e encheis
de Felicidade os corações dos apreciadores e espectadores;
Vós que, junto a eles quereis eternizar vosso nome e gênio,
vossa arte imprescindível às auréolas, bravatas e gravatas do Tempo;
Vós que ousais passar, ou melhor, transpassar
por dentro mas ainda por cima dos filões eleitos
da propaganda última e absoluta do dito e inaudito,
divino, mercado cultural;
Vós que sois os arautos intocáveis
da perfeita realização artística e humana;
Vós que sois os intrépidos feitores
da “gramática” da boa e autêntica realização;
Vós que sois os ganhadores dos prêmios
e editais por onde vossa arte alcança o povo,
o tempo, e os altos céus do orgulho, digo,
do auto-orgulho, pois sois Musos, ou Musas,
e, como tal, dignos de excelsas reverências!

Ó artistas! Sois o que há de perfeito
e intocável na Vida e na natureza!
Diante de vós não há quem não medre
e se sinta como uma nada por não instituir verdades,
digo, criar, fazer arte, fazer-se obra de arte...enfim!
Criar! Esse é vosso credo e vosso pão!
Mas criar apenas, para vocês, não basta!
É preciso abocanhar as mentes e os corações...
É preciso ser comentado, citado, absorvido, bebido
por todos, pelas melhores e piores mentes,
se é que isso se pode dizer.
É preciso, necessário e fundamental ter a aprovação
e a chancela do deus-capital, do deus-mídia, do deus-mercado...
cujos critérios e juízos são o que há de mais certo , nobre e elevado;
critérios irrevogáveis e extemporâneos, além de toda e qualquer
corrente estética de qualquer pensador ou tempo!

Vós, os únicos e inexoráveis criadores, se acham no direito
de dar diretrizes para o elaborar do trigo e do barro da Vida!
Par tudo que não corresponda a vossa tão sublime
e auratizada ourivesaria, vocês logo dizem: “Ó, não são artistas!
São como velhos fracos e banguelas, acomodados no côvado cômodo
de suas preguiças!
Ó, quão distantes da glória! Da glória do reconhecimento!
Quão distantes da suprema alegria de ser visto e ouvido, lido e respeitado,
ou, ao contrário, odiado por todos...” mas, desde que se se esteja no “panteão da arte”,
da fama, da fama de se sentir a própria Musa, ou Muso, tudo é válido,
ainda que vossa arte seja de fato arte e não guloseima a serviço de uma boca podre
e sem dentes que diz: “Tens de ser querido, absorvido, glorificado e eternizado
por toda tua vida, tu e tua arte!”

Ó artistas! Ó artistas! Quanto de vossa arte não é ainda um odre vazio,
uma ânfora vazia mas cheia do ar mais orgulhoso e pretensioso da vida!



*    *    *



Alberto Eloy: 35 anos, ator, poeta e “músico”. Paraibano (desterritorializado por vontade própria) de Campina Grande. Estudou Letras na Universidade Estadual da Paraíba por 2 anos e Filosofia na Universidade Federal da Paraíba também por 2 anos, esta em João Pessoa. Antes destas, já havia se embrenhado pela moda aos 13 anos e aos 17 (quando também começa a rabiscar os primeiros versos) entrou no furacão sagrado e epifânico do teatro e desde então não saiu mais. Aos 22 anos vai morar no Rio de Janeiro, onde ganha uma bolsa de estudos na Escola de Teatro do Tablado; faz oficina na Casa da Gávea com Gilberto Gawronski e logo depois começa a ensaiar uma coreografia de dança contemporânea com atores e bailarinos do Nós do Morro. Não se passam nem 3 meses e é aprovado numa audição para montagens de textos de Fernando Arrabal com a Companhia de Teatro Epigenia Arte Contemporânea, onde atuou por 6 anos – “O cemitério de automóveis”, “Fando e Lis”, “Oração”, “Ariano” etc. Nesta Cia. Também atuou fazendo pesquisa e tocando trompete, uma vez que estudou por 8 meses no Conservatório de Música do Rio de Janeiro com o professor/músico Paulo Mendonça. Fez vários espetáculos na UniRio, “Os gigantes da Montanha” etc . e na UFRJ, “Crônica de uma morte anunciada”, “Os sapatinhos vermelhos”, “Aquele que diz sim, aquele que diz não” etc. Em 2010 participa da montagem de uma ópera na reinuaguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sob direção de Bia Lessa e regência de Sílvio Viegas. Eloy também fez várias campanhas publicitárias no Rio, na Paraíba e em Pernambuco. Trabalhou como modelo vivo na EBA – UFRJ e no Parque Lage, neste, posando para  aulas de desenho do professor/pintor Gianguido Bonfanti além de ter posado para aulas do ilustrador Renato Alarcão. Há 3 anos quase reside me São Paulo, onde já passou pelo grupo de pesquisa em performance, Desvio Coletivo, atuou e tocou na Cia. Quimeras e fez sua primeira campanha publicitária em terras paulistanas além de ter publicado 5 poemas no site da Revista Cult.


Penumbras - Luis Roberto Amabile

$
0
0
Virginia Woolf National Portrait Gallery Gay Icons


1. As pedras no bolso de V.

Podemos imaginar que às vezes ela caminhava pelas margens do rio Ouse, no norte da Inglaterra, e de quando em vez olhava as pedras.
Podemos dizer que às vezes, muitas vezes, o mundo lhe pesava, caía sobre ela; a vida era uma grande pedra.
No último bilhete – em 28 de março de 1941 –, agradeceu ao marido por todo o amor que lhe dedicara. Porém tinha certeza de estar ficando louca novamente. Sentia que não conseguiriam passar por novos tempos difíceis. E não queria revivê-los. Começava a escutar vozes e não conseguia se concentrar. Portanto, estava fazendo o que parecia ser o melhor a se fazer. Então vestiu um casaco, cujos bolsos encheu com pedra. Caminhou até a margem do rio. Entrou na água (o casaco não a protegeria do frio das águas sempre geladas) e se deixou afundar.
Virginia Woolf tinha 59 anos. Era casada desde 1912 com Leonard Woolf, com quem fundou a pequena porém importante editora Hogarth Press. Além de contos, resenhas e críticas literárias, tinha escrito nove romances, entre eles Mrs. Dalloway, lançado em 1925, com o qual se afirmou como a grande mentora do movimento modernista e inovadora no uso da técnica do fluxo de consciência.
Por fim, devemos (mas talvez não possamos) evitar pensar naquele corpo carregado do peso da vida e vagando morto pelo rio. O corpo que vagou por mais de três semanas até ser encontrado em 20 de abril.




2. A luz e a escuridão de John Cheever

O norte-americano John Cheever (1912-1982) ficou famoso pelos contos publicados originalmente na revista The New Yorker. Pela elegância e sutileza de sua prosa, ele recebeu designações como “arauto da beleza e da luz”, "o Tchecov americano", “autor de textos aconchegantes”. Em 1978, a coletânea de suas histórias ganhou o prêmio Pulitzer – algumas delas foram reunidas em 28 Contos de John Cheever.
Mas seu estilo ficcional e a imagem pública que ele fazia questão de manter, a de um feliz pai de família, não correspondem em nada ao seu cotidiano. Segundo Blake Bailey, autor da premiada biografia Cheever: A Life, a zona de segurança do escritor era a sua imaginação – “esse universo alternativo de onde provinham as suas histórias". Já no mundo real...
O diário de Cheever, que veio a público pela primeira vez nos anos 1990 na The New Yorker e depois saiu em livro, é um marco do gênero. Algumas passagens saíram na revista Piauí em 2011 e estão disponíveis on-line. Considerado do mesmo nível estético (e às vezes até melhor) que a ficção do autor, o diário difere nos temas e nas formas. Segue um tom soturno. Revela um homem sofrido, cheio de raiva e segredos. E que na vida particular acabou derrotado pela escuridão que trazia dentro de si.


Author Ernest Hemingway

3. Qual o maior perigo para um escritor-caçador?

Ernest Hemingway (1999-1961) adorava caçar. Na infância, eram os peixes, num grande e generoso rio, ou lago, no recanto de férias de sua família.
Foi na adolescência que se interessou pela árdua caça às palavras. Sofria para encontrá-las e depois encaixar umas nas outras. Às vezes, pareciam na mira, mas escapavam. Ele persistia. Com o tempo, tornou-se um caçador exímio. Tanto que ganhou troféus como o Nobel e o Pulitzer.
Ainda jovem, decidiu perseguir também conflitos bélicos. Alistou-se de motorista de ambulância na Primeira Guerra. Engajou-se na Guerra Civil Espanhola e na Segunda Guerra como correspondente jornalístico. Viveu intensamente algumas batalhas.
Viveu intensamente, não há como negar.
Aventurava-se em safáris na África. “Os animais morrem de forma digna”, dizia. “Feito um touro na arena”. Sim, também era apaixonado por touradas, e, como todas as suas paixões, essa apareceu em seus livros.
Abatia garrafas. Bebendo-as até o fim. E mulheres. Seu charme rude capturou quatro esposas. A última delas fez tudo para que ele não sucumbisse ao maior perigo que enfrenta um escritor-caçador. Mas na manhã de 2 de julho de 1961 – após meses internado numa clínica psiquiátrica, onde chegou a receber eletrochoques –, Hemingway acordou antes de todos em seu rancho nas montanhas de Ketchum, Idaho. Então foi até a dispensa, pegou uma de suas espingardas, encontrou a munição, carregou. E caçou a si mesmo.



Luís Roberto Amabile (Assis, 1977) cursou mestrado em Escrita Criativa e agora se doutora em Teoria da Literatura. Teve contos e peças incluídos em antologias no Brasil, em Portugal e na Espanha. É autor de O amor é um lugar estranho (Grua, 2012, finalista do Prêmio Açorianos na categoria contos) e O livro dos cachorros (Patuá, 2015). Em 2014 foi contemplado com a Bolsa de Incentivo à Criação do ProAC/SP.

BRÁULIO TAVARES LÊ "O TROVADOR" (RECORD)

Viewing all 5548 articles
Browse latest View live