Maíra Espíndola - Mandratana
1
Maíra foi vista chorando em ruas movimentadas e desertas,
em monumentos, escadas rolantes, metrôs e elevadores.
Julgava que era necessário pra sua cura.
Agia com precisão deixando todo seu corpo doer.
Permitindo sentir toda a culpa pra então se redimir.
Perdoar-se por não ter conseguido suportar.
E suportou.
Então Maíra foi vista dançando e rindo em ruas movimentadas e desertas,
em monumentos, escadas rolantes, metrôs e elevadores.
Julgava que isso era necessário pra cura do mundo.
Agia com precisão deixando todo seu corpo mover o éter, deslizar.
Sentindo toda a ternura que emana de fora pra dentro, de dentro pra fora.
Transbordando de amor por tudo de maneira contínua.
Ininterrupta.
Maíra Espíndola - Sem título
2
Depois de tomar inúmeros comprimidos pra dormir,
entre lágrimas, risadas, filmes ruins e roteiros que não saem de 3 páginas,
shows grudentos, amanhecer na rua sozinha, visitas inesperadas e assustadoras,
sonhos lúcidos, santo daime, alucinações com meu erê
que chamo pela delicada alcunha de pequena tartaruga,
mudanças intempestivas, dor e prazer, acidentes e objetos cortantes,
viagens curtas e sem sentido, euforia, exorcismo de fantasmas,
tinta óleo e pernas sujas, paixões eruptivas, amor extremo, novos amigos,
bate-boca e abraço coletivo na família, estou de volta.
Foi rápido, porém doloroso
como whisky ruim e brincadeiras com armas de pressão.
Uma cigarra que sai depois de 17 anos da terra, grita um dia inteiro e morre.
Câmbio
Na escuta
Maíra Espíndola - Caá Abequar
3
Creio na matemática, resultado único,
fórmula errática da duração do tempo.
Em um Uno que consente a Soma,
Dois corpos que habitam todas as moradas.
Retos, côncavos, indecentes.
Foram carregados por partículas atômicas,
estuprados, desmembrados.
Puseram-se a reter líquido para vingar a sede.
E no traseiro tatuaram: - Te quiero!
Números sublimes, rendidos na divina conta.
Creio na máscara,
Na força do acaso,
Na pele e no sol,
Em báskara,
Em boca de piranha e dedo no chão,
na morte
e na vida eterna.
Por que não?
Maíra Espíndola - Sem título
4
Senão na boca em qualquer parte da pele.
Ele chegou a beijar meu joelho.
E nem te digo em que lugar nos espremíamos.
Ele chegou a beijar meu coração, meio sem saber onde colocava os lábios.
Deixava-me toda disponível pra ele.
Tudo em mim florescia na direção daquele falo.
Pingava umidade pelos poros.
Feromônios e saliva.
Na cabeça um sonho de princesa exilada,
sentada na janela do castelo, esperando
uma nave espacial, um príncipe, um unicórnio, um beijo, um telefonema.
Maíra Espíndola – Sem título
5
Atrás do quadro, no quarto 202 do Hotel Internacional,
está escrito: Júlia calculou os dias.
Os anos empunham escudos de bronze.
Perguntou pro tarô se obteria seu celular de volta ainda naquele dia.
O i ching foi mais preciso ao responder com linhas que diziam ser A ESPERA.
O tempo não se calcula.
O tempo exorbita em nossas cabeças.
Passa por nossos corpos, celulares. Passa por tudo. Atravessa.
O tarô e o i ching estão cansados de saber.
Maíra Espíndola - Sem título
6
A esta hora inútil da vida eu deveria ter superado o ego e prestado mais favores a mim mesma.
Mas vá lá que nossos tempos andam loucos e ainda é permitido amar os covardes
ou fingir que todos são por pura complacência.
Digo isso de coração aberto, pois quem vem atrás tem o pau ereto
e provavelmente vai me foder na fila.
Ficar me presenteando com autoaplausos só me coloca mesmo numa posição difícil.
Principalmente com Narciso, aquele sacana.
O amar covardes faz parte do riscado. Afinal, cada qual com suas pedras.
Seguiria também dizendo dos tapinhas nas costas, mas já ando com a paciência em linha.
Provavelmente todos nós aqui (sem exceção) mimamos as escolhas, toleramos
os fetiches da personalidade e (repito: sem exceção) transigimos
do excesso para um exuberante egoísmo, para uma psique vazia e permissiva.
Chacoalha, indolente! Deixemos cair os objetos pontiagudos.
Não dá mais pra fingir que estamos desavisados nesse baile de máscaras.
Maíra Espíndola - Amerê Nitió
7
Indo de encontro a um instinto de sobrevivência atávico
o homem perde a capacidade de se reproduzir.
Talvez até como resultado de princípios lançados pela própria terra.
E em suas verduras o homem vai ingerir seu castro.
Eu não sei se é possível. O que precisaria acontecer pra ser possível?
O louco é ser concretizável.
Nesse mundo projetado eu nem consigo usar meus olhos, pensar direito.
Plantar sementes no oco do planeta, mijar e marcar territórios na História? Se multiplicar?
Seria como se o suicídio, que é exceção, fosse a regra.
Uma regra impingida pelas nossas células cansadas desse pastiche.
E o nascimento - objeto de tanta adoração –
perderia sua motivação e não existiria mais.
Nunca mais.
Maíra Espíndola - Nheengatu Y
8
Um tímido comunicado roía aquela sala.
Embrulhado em silêncio de celofane mudo.
Eu não podia falar mais palavra.
Já esgotara o ouvido e humor alheio na tentativa desesperada de comunicar meu amor.
Obviamente equivocada.
Talvez triplamente. Sendo que:
1) o amor não se comunica com o verbo;
2) o receptor mal conhece do assunto;
3) imagino que seja cedo demais pra abordar a essência absoluta da existência.
Só tomávamos um café.
Mocaccino além das expectativas. Fazia o silêncio derreter nossas línguas.
Claro como um fruto do cacau
derramando sementes cheiíssimas de tegumento: não era nada recíproco.
Nem o tempo, nem o amor, nem o mocaccino.
Sendo que:
1) mocaccinoé feito com café na mesma proporção que o leite espumante, chocolate ou calda de chocolate, e eventualmente coberto com canela;
2) o receptor mal conhece do assunto;
3) creio que seja tarde demais pra abordar as delicadezas do pensamento de uma cozinheira.
Só silenciávamos sobre o amor.
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Maíra Espíndola - Graduada em Rádio e Tv e pós-graduada em Imagem e Som, trabalha na área de criação e produção cultural desde 2000, utilizando diversas técnicas e matérias. Compôs equipes de produção de curtas metragens, programas de tv, assinou design's, publicou zines e textos, poemas e prosas, produziu cenografias de shows, espetáculos de teatro e dança, projetos de iluminação, performances e exposições. Tudo isso ainda com o microfone nas mãos no palco da banda Dimitri Pellz, rock sujo e vermelho produzido em Campo Grande/MS. Realizou sua primeira exposição solo como artista plástica em 2010: Queime o castelo! Contos de fadas reeleitos e colagens digitais, no MARCO (Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul). Em agosto de 2011, a segunda exposição solo: 10 mandamentos, que foi montada no SESC horto, também na cidade de Campo Grande/MS. Assinou a cenografia do espetáculo de dança Me=morar (2009), contemplado com o prêmio Klaus Viana, e do espetáculo dirigido por Nill Amaral: A serpente (2010), que circulou pelo SESC Amazonas das Artes em 2012. Em 2013 morou na cidade de Belém no Pará e lá encapsulou ideias que geraram mais uma exposição: OM - obra colética, assinada em conjunto com mais 4 artistas de distintas áreas de atuação. Como inquieta mente pensante nunca para de criar e num futuro próximo pretende ser astronauta.
Site: http://www.mairaespindola.com/.