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6 poemas de Marcelo Pierotti

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A última vaca do mundo
pasta na santíssima paz
do que já não existe.

Goteja leite sobre a grama
porque agora nada germina –
o que está está,
nenhum avião vai cruzar
o tão estreito braço de céu
entre duas bordas de pasto
que amadureceu para universo.

No meio, calada,
a última vaca do mundo.

Agora dura para sempre
este naco de capim
anterior ou próximo.

Agora dura para sempre,
“tudo que morreu, morre
ou ainda vai morrer”,
rumina a última vaca

do mundo.



DUAS COMPOSIÇÕES DESOLADAS


I.

De onde venho trago
costume de escavar nas
tripas da vontade quando
calha de ser brusca queda
meu dia prisioneiro de
maré baixa no impossível
rochoso do aqui termina
tudo, pelo menos você
tentou, eticétera, é triste.

O desejo nasce do estômago
para jazer sempre famélico,
fedendo na consciência.

II.

Olham-se por tempo
demais direto nos
olhos tão sem querer
que silenciam gesto
palavra mundo tudo
só no longo mirar.

Olham-se tão sem
querer tão sem amor
sem saber que não se
notam que ninguém
mesmo nem liga e

soa um trovão.
Começa a chover.



ELOGIO À DERROTA
(a um hamster caolho, há muito defunto)

I.
Muito do Hagakure,
meu amigo,
acabou datado como os cabelos
e a honra daqueles senhores
orgulhosos demais
para serem seus vizinhos
em Sorocaba, Tatuí,
São Paulo, Presidente Prudente
ou qualquer município
minimamente decente
nas últimas semanas
deste verão perdido.

O que tento dizer é
(dois-pontos)
ponha uma pedra
para sempre sobre
tsujigiri mas
lembre-se da morte,
porque tem coisa que
sai de moda mas
você para sempre vai
transcender a consciência
direto pro todo domínio
de coisa nenhuma.

II.
Pense na morte porque
do parto ou do café
que esfriou é um pulo,
de sua mãe não restou
nada desde a mudança
e daí para trás é apenas
suposição desnecessária.

Pense na morte durante
sua cagada matinal –
após o primeiro cigarro
antes do pão com manteiga –
enquanto é tudo suspenso
sobre o dia e sobre a louça.

O dia não existe,
aliás,
e sentido não passa de
superstição besta
(dois-pontos)
pense na morte porque
qualquer caminho é o caminho.

(pontuar para além seria preconceito)

III.
Pense nela
agora que não quero mais palco –
após a comunicação falhar
toda palavra é só passatempo.

O que tento dizer é que
Sal Buscema e Dostoiéviski,
Vincent Price ou Baudelaire,
urgente se faz que
dê tudo na mesma.

IV.
Só pense na morte
chegada faz tanto
agora que você partiu
há pelo menos dez anos.

Você estava correto quando
fugia da gaiola na madrugada
pelo simples querer o lado de fora.

V.
Ultimamente só desenho retratos
que acabam sempre, todos, no lixo.

Mas não me arrependo.

Abraços e recomendações carinhosas,
não deixe nunca de não ser.




EU E VOCÊ

Quando acontecer
e vai acontecer,
tão certo quanto
é certo que aquela estrela
já foi para o saco
enquanto dinossauros
ainda cagavam seus cocôs
que agora são coprólitos,

de tudo sobre o solo
sob nossos quatro pés
queimar como se
o porvir fosse piada
de criança um pouco lenta

e depois restarmos ossos
egoístas porque tão secos
de carne sonho e sangue,
de toda possibilidade, portanto,
espalhados sobre a vasta
fritadeira incogniscível
do fim de tudo,

quando Hélio soprar aquela pluma
(ou vai saber qual acidente mais grave
e tão mais definitivo nos abaterá),
a minha coisa alguma
e a sua coisa alguma
entralaçadas por todo o nunca
é tudo que posso prometer.


*

Irrefreável,
minha senhora,
carcomido pela noite
passada em plena estrada –
noite longa sem foda
nem sono e muito
menos cama nossa
sob teto de um quarto

Irrefreável,
caralho,
carcomido pela noite
quente roída por
sobressaltos e relâmpagos –
noite dura seca morta
gritada feito um soco
por semanas de fome
daquilo que não era
direto no peito deste
que humildemente assola
seu passeio tranquilo pela
vida impoluta dos que
não são tão proscritos

Irrefreável,
chuchuzinho,
carcomido entre os olhos
por dentro e pelo fundo
com uma talvez fúria
com talvez um desespero
que afago em meu bolso
entre bom-dia e como-vai



NIHIL

no pênis humano falta um osso
se levarmos em conta a maioria
dos mamíferos e dos primatas e dos símios
(nunca superiores porque não há nada de
superior num cóccix que não haveria
numa cauda nem no córtex
que depois de mergulhado na
água quente com talvez algum azeite
 é só proteína e gordura
e tostado é carbono
e fragmentado até
a última partícula
não é nada além
de todo o resto)

no pênis humano falta um osso
e  o que sobra é o pênis humano
pedaço de pirâmide auto referida
bloco de sentido numa pilha
de blocos de sentido que montamos
porque se não há sentido
não há homem não há
equação apenas universo mudo
sem nome bater de palmas
que zune no vazio
energia que esmurra energia
matéria não é nada que
não energia condensada
só energia sem pênis ou
osso ou um macho que
nomeie o mundo para
afirmar o pênis ou o dono do pênis
dá tudo na mesma sem
aliás afirmação alguma

o pênis humano pouco importa
segurem suas calças senhores
o pênis humano é um naco
de carne que pende de
um naco de carne que
confraterniza com outros
nacos de
segurem suas calças senhores
carne quase sempre com pênis
pendurados em cascata
quase infinita de
pêndulos minúsculos
segurem suas calças senhores
tão minúsculos aquém ou além
de seu domínio inventado que

agora segurem muito bem
segurem suas calças agora

aproximados contra o cosmo
e contra todo esse nada
são tudo menos
homem calça e pênis
muito menos
que merda nenhuma


Galeria: Hermin Abramovitch



Marcelo Pierotti nasceu em Tatuí e vive em Sorocaba, cidade que escolheu como sua. Já morou em outros aglomerados humanos no interior e por algum tempo em São Paulo, de onde fugiu com o filho pequeno há pouco. É autor de poemas espalhados por revistas como Raimundo e Escamandr, do livro Domingo no Matadouro (publicado na primeira Coleção Patuscada, da Editora Patuá) e de mais alguns outros volumes que podem (ou não) ser publicados logo mais. Gosta de algumas coisas e desgosta de tantas outras como, por exemplo, falar de si. 

Mallarvoz - letras mastigadas - #15 Sérgio de Castro Pinto

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SÉRGIO DE CASTRO PINTO

Livro: Folha Corrida
Poema: Sobre o medo
Ano: 2017
Editora: Escrituras


Link direto: https://youtu.be/EKt_GjCM_Dk

Mallarvoz:
Sander Brown (sannbrownn@gmail.com)

centauros fortalecem o closed caption

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fábio tesser barzagali

 imagemFábio Tesser  


                                               entre chaves e ancas, entre centigrado escarrando lama, entre a

   terra e a grama, entre outras leituras dinâmicas... essa osmose-escama em fotografias e

   doses cúmplices de jack daniels- 

                                                honey ... crush.

  lenhadores em centauros fortalecem o closed caption... 

   e a tarde passa entre um bodybuilder, a larva migrans e o canis ...enquanto ele, o outro,
                                                                   
                                                                                             diz: - ... gostei de você!

       palavras    
     
adriana zapparoli                                                                                                                                                                       
   
     adriana zapparoli é escritora, tradutora, editora e                                                                                    videoartista. 

       
                                        
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   









La Garçonnière 13ª. Edição

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Na 13ª. Edição da melhor festa da Paulicéia para ouvir a poesia da música e a música da poesia o poeta e editor Vanderley Mendonça e o artista Luciano CortaRuas De Lâmina recebem os poetas:

Claudio Willer,
Jessyca Pacheco,
Cide Piquet,
Lubi Prates,
Grace Kelli Pereira,
Elisa Andrade Buzzo
Wagner Merije.
A banda ABC Love encerra a noite.

E os lançamentos:

Gravuras Japonesas/Japanese Prints
de John Gould Fletcher
Tradução: Anderson Lucarezi e Lucas Zaparolli de Agustini,
Ed. Editora Benfazeja)
Cântico de Orge,
de Bertolt Brecht
Trad.: Matheus Guménin Barreto
Selo Demônio Negro
Dito ao Amanhecer
de Ingeborg Bachmann
Trad.: Matheus Guménin Barreto
Selo Demônio Negro

ESTÚDIO LÂMINA
Sábado, 16 de setembro, no Estúdio Lâmina.
Av. São João, 108 – 4º. Andar.
Das 20h às 24 h

6 poemas de Marven Junius Franklin

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CATRAIAS DE PEDRA

I

desando a lamentar
[abancado na soleira da porta]
os letíficos pores do sol
ao fim de tardes mudas

(as tardes que me levaram cativo
a bordo de catraias de pedra)

II

desando a mirar
[debruçado em vidraças de tédio]
as mesmas calçadas regeladas
ao fim das estações gris

(estações que anteviam o caminhar lento
de pessoas mornas e fúnebres)

III

Desando a temer
[imergido sob o manto acortinado de nuvens cianóticas]
as mesmas carruagens  anegrejadas
ao fim do ocaso

(carruagens que arrebataram de mim
o lado paterno da existência)

IV

Ah, meu pai!
Inda deves navegar nesse meu rio de sombras
tal qual as almas dos antepassados
que como um anjo decaído
adeja em desarrumação
pela beirada assombrada
do Cemitério Municipal


TARDES CÁLIDAS

Em tardes cálidas
[quando o pôr do sol ateava fogo no rio]
vi os vermes
que se moviam doentios
pela lua morta
a alastrar fés prolixas
pelo trapiche

Entenda, irmão!
Que navegando a esmo
pelas alamedas gris de Oiapoque
escutei a vozearia que emanava
dos mortos
em garimpos longínquos...
[mortos adornados de paralelepípedos
e fisionomia aterrorizada
de tempestade]




EU QUE NUNCA FALEI DE AMOR

Para Natalina Ribeiro

Quando te conheci
ouvia fridayi'm in love
e fazia um frio dilacerante
em frente à plataforma de embarque

Quando te conheci
andava feito saltimbanco
por ruas e luas imaginárias

(estava visivelmente abatido
dentro de meu guarda-roupa de sombras)

Meus olhos buscavam o tempo que passou
[e já passava das dezenove horas]
sempre imerso em meu castelo de pedra

As verdades eram o que os meus mortos diziam
e a claridade - falsa incandescência - me ofuscava
quando escurecia lá pras bandas da Casa da Mistura

Ah, ao te conhecer beirava o suicídio!
E quando você chegou [adornada de girassóis]
as flores renasceram em meu horto de mentira
(e agora [as horas] são sonetos de Pessoa que ouço em transe!)

Ah! Quando você chegou
eu renasci vestido de bruma!



CÂNTICO DE ANTECEDÊNCIA

essa luta que travo [constantemente] todos os dias
versus meus medos não tão imaginários assim

(temor que me toma...que me leva às imediações
das mais altas torres do fim do mundo)

esse choramingar profuso
que flui de meus receios tediosos

(vontade de Ícaro
cobiçando alcançar as auroras boreais)

será que esse medo patológico
irá comigo até chegar o negror
de meus derradeiros dias?

acho que por ora – mesmo com as tsunamis constantes –
devo seguir firme
a esperar que girassóis brotem
no asfalto quente!

(… Oiapoque amanheceu enevoado
eu esperarei pelos próximos temporais!)



[CERTO] VENTO FRIO

Um rio intermitente escorre
entre meus olhos e o teu alpendre

(um calor imenso
invade-me a alma dilacerada e insana
alcançando as tênues vitrines
de minha ante vida)

Formas berrantes
– dejetos humanos estacionados na beira do rio –
materializam-se em anjos de luz

(vozes que vem e vão
muito além de meu juízo pseudocrístão)

Ah! Meu receio é da dimensão de um iceberg
estacionado na Praça EcildoCrescêncio

(certo vento frio
congelando-me a alma
puída e improfícua)

Vinte e duas horas!
A solidão corrói minha alma em frente à Marripá Tour
e metade das minhas quimeras se volatiliza
na lidas insanas das idolatrias perdidas

(atormentado então
anseio pelo singelo adeus
ouvindo os bramidos da paixão desmesurada)


CREPÚSCULO DEFRONTE AO RIO

em Oiapoque
o crepúsculo tem semiesferas de girassóis descolorados
que transformam a cidade
em um cemitério de sensações indescritíveis

invariavelmente lá pelas seis da tarde
o sentido de perda de luminosidade traceja
formando desmesurados tsunamis
nas águas afáveis do Rio Oiapoque

logo as percepções mortas abrolham
tal qual esquálidas caravelas de papel celofane
emersas de oceano de nuvens

(de imediato–armada com garras potentes de titânio
e funda garganta de nuvens fenecidas– a apatia
posta-se bélica em minha varanda)

lá pelas dezenove horas
posso ouvir os rumores mórbidos que chegam com o temporal
que se arma cinzento por trás do aeroporto

(são os gritos que ressoam dos garimpos
clamores cavos dos injustiçados
perecendo debaixo do acaso)


Ilustrações: fotografias de Telma Franklin e Natalina Ribeiro.




Marven Junius Frankliné professor. Paraense, radicado no Amapá. Atua na rede pública de ensino em Oiapoque-AP. Tem publicações em vários sites de cultura virtual. Já teve poesias publicadas na revista de poesia e arte contemporânea MALLARMARGENS. É membro da ALIEAP-Associação literária do Amapá e em 2016 recebeu o reconhecimento literário com a moção de destaque cultural pelo conselho de cultura do Amapá. Em Outubro de 2016 foi premiado nacionalmente pela X CLIPP – Concurso literário de Presidente Prudente-SP, participando de uma antologia. No primeiro semestre teve um trabalho publicado na REVISTA PHILOS. Em julho participou da Exposição Poesia Agora promovida pela Caixa Cultural, evento que aconteceu no Rio de Janeiro. Em outubro deve lançar seu primeiro livro de poesia intitulado RIO OIAPOQUE IN BLUES.

Quinta Maldita - Demétrio Panarotto

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Quinta Maldita é um programa de versos;
de vozes também;
de várias vozes que se misturam, que se tocam, que criam ranhuras;
e, importante, de corpo, ou melhor, da relação da voz com o corpo;
daquilo que vem do dizer poético;
da palavra sendo dita, lida, falada, cantada, dançada;
da palavra junto com instrumentos musicais;
junções melódicas ou não;
com ruídos;
um programa de cores e sotaques;
ah, e texturas;
ah de novo, e de crocâncias;
da relação da palavra com quem a ouve, por mais que isso seja uma segunda intervenção;
da distância entre aquilo que se fala e aquilo que se entende;
do verbo respeitando a relação com o branco do papel, mas pedindo passagem em sua forma mais bruta,
às vezes ligeiramente lapidado,
às vezes sóbrio, às vezes ébrio, às vezes completamente ébrio,
caindo da boca, com hálito, com muito hálito,
tomando as ruas, as calçadas, os calçadões, os bares, os botecos, as feiras, os palcos,
sendo amplificado por caixas de som ou simplesmente sendo ditos, berrados, gritados,
brigando com os ruídos da cidade,
ali na cidade bem ali no lugar onde o verbo precisa estar,
não com precisão, daquilo que precisa ser preciso, mas que pode ser um simples balbucio ou um gaguejar;
o mal dito também cabe no dizer;
pode ser do mal falado, mal cantado, mal dançado, mal lido, mas com toda a força do corpo e junto do coração;
das possibilidades e não como impossibilidade moral da moralidade social ou da moralidade acadêmica;  
da palavra que pode ser pensada na sua relação teórica, sem ser presa pela teoria,
sem ser presa nas gaiolas dos protocolos;
vozes e mais vozes;
vozes.


Serviço:
Quinta Maldita todas as quintas
às 23 h
na Desterro Cultural - http://www.desterrocultural.com.br/ 
o programa na sexta é disponibilizado no mixcloud:
Produção e seleção de textos: Demétrio Panarotto;
Produção Técnica: Marcio Fontoura;




Demétrio Panarotto
 nasceu em Chapecó-SC, em 1969. É doutor em Literatura e professor universitário. Publicou, dentre outros, Ares- Condicionados [Nave, 2015], O assassinato seguido de La bodeguita [Butecanis Editora Cabocla, 2014]; “15'39”” [Editora da Casa, Alpendre 2010], Mas é isso, um acontecimento [Editora da Casa, 2008], mais alguns discos e alguns filmes. Vive em Florianópolis-SC.”

centauros fortalecem o closed caption...

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Fabio TesserBarzagli
                                                                           © spartacus breches




   entre chaves e ancas, entre centigrado escarrando lama, entre a

   terra e a grama, entre outras leituras dinâmicas... essa osmose-escama em fotografias e

   doses cúmplices de jack daniels- 

                                                honey ... crush.

  lenhadores em centauros fortalecem o closed caption... 

   e a tarde passa entre um bodybuilder, a larva migrans e o canis ...enquanto ele, o outro,
                                                                   


                                                                                             diz: - ... gostei de você!

***
palavras                                                                                                                                                                                        
adriana zapparoli



adriana zapparolié escritora.


imagem
Spartacus Breches


 s
partacus breches é fotógrafo.

quatro poemas de Diego Callazans

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Juri Frantsuzov. Friedrichstraße Berlin. 2007.


[passeio]

as gentes as amo abstratas
a ti anseio no rijo
                 na forja de um suicídio hepatocancerígeno
                 às 4
                 na abstinência de lírios

        vagando em vício
        por avenidas flamantes

        ouvindo famintas
        larvas d’ave
        no asfalto infindo

        tendo nada além da tenra idade
                                  R$10
                                  o Medo
                                  um último cigarro de minuto após


empesteia de si
minhas ciências
o arauto da luz

as ideias não me
limpam o cu
vazado

                 mas   no ver-te   me curo
                                            me curo
                          no ver-te.


..............…........


[citadino]

fandango pelas calçadas venéreas.
os pés tomando gosto pelo vasto.
meu coração, o templo das misérias.
mil cerrações, quieto e fremente arrasto.

cercado de etéreo, testa ao alto,
candeio – um brinquedo entre os descartes.
os músculos da face em contrassalto,
as mãos a retesar, os olhos vates.

sombrias densidades no vulto das pilastras
fantasmas da cidade, celeiro de viragens.
bocas descarnadas a rogar rosas nefastas,
minhas alucinadas sutis paixões reagem.


..............…........


[proxeneta]

revoadas de quiçás circundam céus chagosos.
a bíblia roça o frasco de prozac.
mil engrenagens rangem por shabat que entrave e
fermentam este Moloch de ouro em óleo!

gravatas compõem códigos de henna.
é noite de domingo e a alma não deita.
o inevitável há de ceifar as retas.
gemidos quebram frases de alfazema.

sobre os ossos marcham legiões de pás.
pareceiros das moscas se fundem a andrajos.
extremos tracejam o zanzar dos átomos.
sou proxeneta, irmão, de ideias mortas!

na janela a tudo, vozes nos cegam pro acre.
aos andarilhos, as odes! aos crematórios, echarpes!


..............…........


[tu]

queria sentir tua ideia
como um perfume caro
ou narcótico ansiado
que à minh'alma aleija.

e ao chegar a tua forma
deitar as palavras
feito contas desfiadas
sobre um chão de missa.

atracar-me a teu sabor
como um veleiro firme
a envelhecer no porto.

abraçar tua ausência
feito um peregrino
nos porões da fé.


..............…........


Diego Callazans nasceu em Ilhéus, em julho de 1982, e mora em Aracaju desde abril de 1987. É autor dos livros A poesia agora é o que me resta (Patuá, 2013) e Nódoa (7 Letras, 2015), além do minilivro Blasfêmias (7 Letras, 2015). Publicou poemas e contos em diversas revistas literárias brasileiras. É editor convidado das revistas literárias Mallarmargens e Singularidade, bem como editor-curador da seção sergipana da vindoura revista de poesia Paupéria. Tem poemas incluídos nos livros É agora como nunca: Antologia Incompleta da Poesia Contemporânea Brasileira (lançado no Brasil pela Companhia das Letras e em Portugal pela Cotovia, sendo ambas as edições de 2017) e Naquela Língua: Cem poemas e alguns mais: Antologia da Novíssima Poesia Brasileira (lançado em Portugal pela Elsinore, em 2016). Seu primeiro livro de contos e seu terceiro livro de versos serão publicados em breve.

3 contos e 3 poemas de Diego Moraes

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Enterrado no quintal

Guardei por mais de 15 anos um revólver enterrado no quintal. Guardei ao lado de um pé de limoeiro. Um 38 doado por um amigo de infância que já puxou umas 6 cadeias por tráfico e assaltos. Tinha guardada essa arma para resguardar a vida da minha mãe. Cresci vendo caras batendo nela. Socos, gritos e som de louças quebrando foi a trilha sonora da minha vida por muito tempo. Eu era moleque quando entrei uma vez em casa e a vi jogada na cozinha. Tinha 12 ou 13 anos. Sangue saindo pela boca junto com os olhos fechados de tanta porrada. Fui crescendo com a promessa que mataria esse cara. O tempo passou. Veio internet, redes sociais e descobri onde o cara se escondia com mulher e filhos. Em 2011 fiquei puto com a vida e botei o revolver na mochila e fui atrás dele no município de Parintins. Nunca consegui desfazer esse engasgo na garganta. Esse nó por não ter conseguido defender a minha mãe. Sou um cara muito direto. Honesto. Os poucos amigos que me conhecem sabem que sou amor ou ódio para valer. Paguei três dias de hotel e encontrei a casa do filho da puta. A máquina carregada na cintura e muita maldade para descontar no peito e na cara dele. Queria ver ele babando nos meus pés. Escutar o som dos tiros. Queria ouvi-lo pedindo desculpas. Perdão. Até hoje minha mãe não escuta do lado direito e a sobrancelha direita é torta por conta da surra que ele deu nela. Enfim, bati na porta da casa dele e uma mulher veio segurando a mão de um guri com o nariz cheio de catarro e a cabeça cheia de piolhos. Perguntei algumas coisas e ela respondeu que o pai tinha morrido afogado. Que tinha enchido a cara de cachaça e virado numa canoa. Acabou meu dinheiro e voltei pra Manaus desconfiado do papo dela. Cavei outro buraco ao lado do limoeiro e guardei o revolver dentro de uma caixa. Guardei na esperança que ele aparecesse um dia para conhecer de perto meu rancor vermelho de exu tranca rua. Durante muito tempo imaginei diversas formas de matá-lo. A imagem da minha mãe jogada no chão me feriu para valer. Atravessou minha adolescência de forma cinza. Queria fazer justiça com as minhas próprias mãos. Acho que a imagem dela jogada no chão influenciou negativamente nos meus estudos. Nunca consegui decorar tabuada ou aprender regras de gramática. Sou meio disléxico e sofro de depressão. O choro dela na poça de sangue ainda me incomoda. Hoje sonhei com ele pedindo perdão no fundo do rio. O rosto comido por peixes. Cadavérico. Então tomei café, desenterrei a arma e joguei na reserva florestal que tem no bairro. Acho que consegui perdoar o cara ou tenho me aproximado de Deus. Joguei o velho revolver e me sinto mais leve. Estou esperando minha mãe chegar do médico para abraçá-la com força. Nunca contei essa parada para ninguém, mas já é passado. O arrependimento é um milagre. Vou esquecer tudo e escrever um poema para ele. Vou dizer que não sinto mais nada e que ele ache a luz do outro lado da vida.


Leblon

Alguém fala que algo está errado no conto. Que o verbo está mal conjugado. Que por isso deram poucas curtidas. Que uma boa gramática está em promoção numa livraria do shopping da gávea. Que o flamengo empatou com a ajuda do juiz. Que a minha ex casou com o deputado que come criancinhas e superfatura com viadutos com nomes de poetas que ninguém leu. A verdade tatuada num braço carregando uma geladeira para a biqueira. O pó que o vizinho cheira só amarga mais a minha tristeza e nem é domingo. Dicas de limpeza de pele num vídeo do facebook e o que mais desejo é limpar a alma de remorsos de naufrágios com cheiro de boceta e cu. Ninguém merece esse salmo 91 engasgando na garganta ou esse Cioran com pinta de indefeso pregado na porta do meu quarto ainda no reboco e sem ventilador. “Ela gosta de você” “Quem? ” “A Larissa gosta muito de você” “Ela gosta da minha literatura. As pessoas confundem as coisas. Ninguém me atura mais de duas semanas. Nem eu mesmo” “Ela está disposta a deixar o marido para ficar contigo” “Não quero ficar com ninguém. Quero ficar sozinho olhando para minha própria depressão de pau mole vendo Discovery Channel. Já percebeu que os bichos são melhores que a gente?” e dois carros se batem no sinal da Avenida Recife. O trânsito fica lento. Fecho o uatiszap e continuo baforando meu derby achando que estou no Leblon e não peso feito um peixe boi em Manaus. Tem dias que as coisas chiam feito discos de sambas antigos. Tem que dias que estou mais para Cartola e outros para Paulinho da Viola. Não entendem. Pensam que minha dor é feita de plástico. Que meu sofrimento é autoficção. Ela ama minha dor de longe. De perto vira ódio. Larissa precisa ler Clarice ou só me deixar em paz.



O sapo e a princesa

Crianças brincam do outro lado da rua com um sapo. A mais gordinha da quadrilha bota óculos azul nele. O sapo incha. Parece gostar da brincadeira ou apenas se defender. Uns velhos bêbados do meu lado começam a dar risadas. Estou no bar. Uns compartilham toques de mãos e palmadas nas costas. O riso cresce tanto quanto o sapo e eu olho para as tampas no chão. Tampas de cervejas que bebi o dia inteiro e penso na minha infância. Lembro da época que apanhava do meu avô e ia para rua desenhar castelos com giz no asfalto. Desenhava até caminhões tombarem na rodovia. Recordo da Francisca. A menina mais bonita da minha rua. Do primeiro calor que senti no peito e no beijo com gosto de algodão doce que dei no parquinho de roda gigante enferrujada do bairro de baixo. Jogam o sapo para o alto. Carros buzinam. Ele parece uma bola verde brilhando no sol. As crianças não param. Pulam e gritam como se a vida fosse um brinquedo inquebrável da estrela. Eu paro de olhar para o chão e saco os velhinhos contando piadas sem graça sobre times de futebol. Por dentro de mim um sapo tenta beijar uma princesa que se esvai. Nunca consegui zerar super mario e salvar a princesa do castelo. Acho que faz parte de mim perder e não realizar as coisas. Sempre fui mestre na arte de decepcionar. Deve ser por isso que a Francisca namorou o Baiano. Ele zerava tudo. Desde jogos do atari, mega drive e super Nintendo. Estão juntos até hoje. Tempo desses um escritor consagrado me disse em Paraty que a literatura e o amor são um jogo. Não concordei. Inventei que estava com dor de cabeça e voltei para hotel. Nunca fui campeão em nada e já estou velho demais para ganhar medalhas de honra ao mérito. O sapo rebola e bate no para-brisa de um taxi e resvala para perto da sarjeta do bar onde estou pensando em desistir da vida. Acho que foi Cioran quem disse que todo suicídio é em legitima defesa. Não tenho como me defender mais. Sou um anfíbio sangrando na lama. Acho que a gente tem que saber sair de cena. Jogar a toalha não é pena. Talvez reconhecimento da derrota. Seguro o sapo dando os últimos suspiros e saio buscando um resquício de mato. De floresta. De terra. Até um sapo merece um descanso digno. As crianças param de rir. Os velhos cochicham. Não acho uma arvore. Vejo um bueiro e jogo o bicho com cuidado. Sinto vontade de me jogar também. Super Mario entrava em bueiros atrás do castelo da princesa. Desisti de amores e princesas. Bosta gosta de bosta e o melhor lugar para mim é o bueiro.

***


Nada a oferecer

Não tenho nada a oferecer
Só um peito carregado de sonetos metralhados na curva da desilusão
Não precisa pedir perdão por nada
Eu vou ficar pior
Teus olhos verdes continuarão a brilhar no feriado de Corpus Christi
Eu sei que devia ter tocado a tua mão quando a protagonista de La La Land deixa o jazzista para fazer cinema em Paris
Os sentimentos são mutáveis
Não precisa pedir perdão por nada
O Rio Negro seca para mostrar barcos naufragados em bancos de areia
O broche da vivara enegreceu
Amanhã vendo meus livros no sebo e compro um buquê que não te dei de aniversário
Não tenho nada a oferecer
Nem mesmo o meu sexo sujo aos sábados antes de tocar a vinheta do supercine
Não posso implorar que me abrace no temporal
Eu vou ficar pior com as minhas ilusões de ganhar o mundo com a minha literatura que não surpreende mais ninguém
Desculpa pelo fracasso de não saber te beijar
Novos dias frios virão sem teu corpo branco contrastando com o pôster dos Beatles pregado na parede do teu quarto
Sei que fui um constrangimento
Uma vergonha fenomenal de escola de samba deixando um vácuo entre as alas de peixes e o casal de mestre-sala e porta-bandeira
Vou vestir a camiseta com vestígios do teu cheiro de anjo caído do paraíso e chorar baixinho
Não precisa pedir perdão por nada
Nem todos os contos de amor terminam com corações subindo ao céu
Vou me calar
Tenho que engolir teu sorriso
E você já me esqueceu
É hora de abrir a janela e esperar uma nova dor
Agora não sei para quem dedicar o romance da minha vida
Acho que vou conversar com o mendigo que me salvou do suicídio
Não precisa pedir perdão por nada
Eu sou uma ofensa e você uma palavra bonita enfeitando um cartão-postal.


Morna

Agora deita
Olha para o teto
O meu silêncio é maior que tudo
Agora deita e liga para suas amigas que falam de intercambio no Canadá e Austrália
O meu desprezo cura até câncer
Olha para as nuvens carregadas pesando por cima do telhado do vizinho que fez da oficina mecânica um laboratório de drogas
Agora salva as coisas que escrevi para você no auge do meu desespero
Antes do block
Antes das fotos excluídas do instagram e dos boletos de eletroeletrônicos que compramos pensando na casa nova
Vai chover
O tumor no útero velho e desgastado da minha mãe irá secar porque ontem escrevi algo bonito enquanto dormias sonhando com o macho alfa do corpo de bombeiros
Alguém sempre se afoga no mar ou na banheira
Agora levanta
Escuta o barulho da porta batendo
Sou eu dando as costas para cidade e levantando a poeira
Finge que não valeu a pena
Que não foi bom as vezes que enfiei minha língua na tua boceta grande e viscosa
Que não pensou em largar tudo e viver uma aventura em outro lugar
Que não pensou em nadar sem pensar em tubarões
Que não doeu das vezes que nos despedimos em barezinhos patéticos do shopping center
Que nossos abraços não foram apertados e quentes feito cu de freiras
Botei aquela música no celular.
A música que escutávamos enquanto tuas lágrimas mornas escorriam pelo meu peito
Agora abra a janela
Veja o temporal balançando as arvores do parque mindú
Admita pelo menos uma vez que quis deixar raízes comigo nessa vida ingrata e mesquinha de falsos amigos e blasfêmias religiosas passando de madrugada na tevê
Alguém sempre se afoga enchendo o tanque do próprio veneno
Ontem sonhei com os dois
Deus e o diabo se amam
Um permite o outro
Ainda pensamos na gente
Nada acabou
Neste exato momento desenho teu sorriso numa cartolina amarela
Desenho só para parar de chover.


John Frusciante

Vi aquela entrevista em que o John Frusciante tá igual a um zumbi possuído pelas drogas
Ele diz nesta mesma entrevista que escreve canções desde os 9 anos e não liga pra mais nada
Só para as canções que escreve
Que não se importa com mais ninguém
Gosto muito de John Frusciante
Gosto das músicas dele
Gosto da maneira como ele brinca com a morte e de sua capacidade de ressurreição de fênix
Já mergulhei no inferno muitas vezes antes de conhecer o brilho dos teus olhos verdes
Ontem a gente acabou no exato momento em que escutava o álbum “the Will to death”
Caminhões tombaram no meu peito e a fumaça do cigarro ficou preta como de chaminés
Sempre acaba por falta de dinheiro
Por falta de comprometimento e responsabilidade da minha parte
Talvez não ame ninguém
Acho que nunca amei
Nem a mim mesmo ou a primeira namorada controladora de trafego aéreo do aeroporto de congonhas
Talvez ame cadernos de capas coloridas e poemas que escrevi com canetas bic vermelha
Sonhos e tragédias que poderiam virar canções de John Frusciante
Acabou, mas vejo teus olhos verdes brilhando em toda parte
Não sei quando abraçarei alguém novamente
Ando sem vontade de viver faz algum tempo
Meu pau não tem levantado nem para punhetas
Tudo era verde contigo
Agora até o sol tem ficado negro
Talvez seja a hora de dormir sem sonhar com nada
Estou cansado
Não quero mais ter que se lembrar do lindo brilho dos teus olhos como se fosse deus me espiando de uma brecha de casa de madeira.

Galeria: Brassai


Diego Moraes é poeta e contista. Autor de 7 livros. É publicado no Brasil e na terra de camões.




5 poemas de Lota Moncada

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Sai solidão  

Sai solidão,
já não quero
teu silencioso chamego,
solta minha mão
não te preciso, quero sim,
o despudorado riso,
o contrário do aconchego
audaciosos dentes
emaranhadas línguas
cadências que afaguem,
vorazes,
na escuridão seminua
de qualquer lugar,
o meu peito urgente.

Sai solidão,
vê se me esquece.
Já não sou mais aquela
que resignada espera,
patético arremedo de gente,
um olhar de esguelha, um favor.
Sou a mesma e outras.
Enjoei da janela, do fogão,
da cama vazia, da cela,
da dor intermitente
à espera do laço,
esfacelando a alegria,
arrastando o meu passo.

Acabei aprendendo
a polir as escamas,
a limpar o jardim,
eivado de penas,
a talhar meu diamante
por duro que seja,
e embora às vezes
de alguma lição me descuide,
vai solidão, bem tranquila,
me solta enfim,
que a tua ausência
já não me aniquila.


Vete soledad  

Vete soledad,
ya no quiero
tu silencioso apego,
suelta mi mano
no te necesito, quiero sí,
la desvergonzada risa,
el revés del sosiego
audaces dientes
enmarañadas lenguas
cadencias que acaricien,
voraces,
en la oscuridad semidesnuda
de cualquier lugar,
mi pecho urgente.

Vete soledad,
a ver si me olvidas.
Ya no soy aquella
que resignada espera,
patético simulacro de gente,
una mirada de lado, un favor.
Soy la misma, y otras.
Me harté de ventana, de patio,
de cama vacía, de celda,
del dolor intermitente
esperando el latigazo,
destrozando la alegría,
arrastrando mi paso.

Terminé por aprender
a pulir las escamas,
a limpiar el jardín,
colmado de penas,
a tallar mi diamante
por duro que sea,
y aunque a veces
de alguna lección me descuide,
vete soledad, bien tranquila,
déjame en fin,
que tu ausencia
ya no me aniquila.


***

Espiral  

um dia após o outro
caio  me levanto
sofro choro me espanto
um repentino afago
memória remota
um abraço um carinho
rio não durmo sonho
grande vira pequeno
pequeno some no tempo
sorriso aberto me acena
descubro sinto me alegro
pedra rodando infinito girar
um dia após o outro

*

Espiral 

un día después de otro
caigo me levanto
sufro lloro me espanto
una repentina caricia
memoria remota
un abrazo un cariño
río no duermo sueño
grande se vuelve pequeño
pequeño huye en el tiempo
sonrisa abierta hace señas
descubro siento me alegro
piedra rodando infinito girar
un día después de otro



Prometeu pós-moderno 

um ponto no deserto 
se batendo sozinho
em moto contínuo
contra ventos e areias
engasgado com palavras
irreprimíveis e abissais
o resistente Prometeu
-pós-moderno e cansado- 
descontinuou seu moto
abriu as portas interiores
saiu  gritou  e  vomitou


*

Prometeo posmoderno

un punto en el desierto
solo  y  luchando
en  móvil  perpetuo
contra vientos y arenas
sofocado por palabras
irreprimibles y abisales
el  resistente Prometeo
- posmoderno y cansado -
discontinuó  su móvil
abrió las puertas interiores
salió  gritó  y vomitó


***

Todo dia cai 

todo dia cai
um porta-retratos
vento não gosta
de passado

deixa deitado
me dizem
assim o vidro
não quebra

mas quero ver
de relance
a sombra da vida
que era

*

Todos los días cae 

todos los días cae
un portarretratos
al viento no le gusta
el pasado

déjalo caído
me dicen
así el vidrio
no se rompe

pero quiero ver
aunque sea al pasar
la sombra de la vida
que era


Nem isto nem aquilo 

nem verso nem prosa
nem rima nem trova
letra perigosa
esta triste troça
que inibe e que acossa 

nem escreve nem apaga
com lápis ou tinta
palavra bizarra
esta que não se poupa
e não se aceita extinta

*

Ni esto ni aquello    

ni verso ni prosa
ni rima ni estrofa
letra peligrosa
esta triste mofa
que inhibe y que acosa

ni escribe ni borra
con lápiz o tinta
palabra bizarra
esta que no se ahorra
y no se acepta extinta



Lota Moncada : Nasci em Santiago do Chile em 1948. Filha de mãe uruguaia, atriz e pai chileno, poeta. Aos 5 anos fomos morar em Montevidéu - Uruguai, onde cresci. Aos 16 nos mudamos para o Brasil, Curitiba, cidade que abracei e  que me abraçou. Aí me formei em Filosofia e iniciei (e dei boa continuidade) a carreira de atriz, que já dura 51 anos e tem mais de 40 espetáculos de teatro, 3 filmes e alguns anos de Tv.
Morei no Rio de Janeiro, em Montevidéu, por duas longas temporadas, em Paris, em Santiago do Chile e atualmente em Porto Alegre, desde 2007.
Além de atriz sou tradutora, professora de idiomas e poeta.
Minha escrita é bilingüe como eu, e embora escreva desde criança, só me permiti publicar no ano de 2010, em Ecos da alma uma antologia da Editora Andross – SP. Em 2011 nova antologia pela Andross, O segredo da crisálida. No mesmo ano, um prêmio internacional de poesia em espanhol, da Latin Heritage Foundation (EUA) e nova publicação, Una isla en la isla.
Outras antologias foram Ventos poéticos da Ed. Literata – SP; Poesia do Brasil Proyecto Cultural Sur – Bento Gonçalves –RS; Cantos breves LiteraCidade, Pará,  e a mais recente (2016),  Blasfêmeas, mulheres de palavra pela Casa Verde – Porto Alegre.   
O livro-solo está em processo, mas por enquanto, “solo mesmo”, tem dois Cds gravados com poemas Meus apresentados em recitais e espetáculos.
O último lançamento (em julio de 2017) foi a antologia bilíngue Habito um país distante, de poemas do meu pai, Julio Moncada. Nela sou organizadora junto com o poeta, escritor, músico e professor gaúcho Ricardo Silvestrin, e também autora da tradução dos poemas ao português.


Além da página no Facebook ( www.facebook.com/lota.moncada ) onde publico sempre, mantenho o blog de literaturas: http://palavraspalabras.blogspot.com

4 poemas de "A linguagem dos Pássaros" de Tere Tavares

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Novela

Novamente me deparo com um dia não imaginado.
O que proferir sobre essa identidade que pensa e tem sono
E quer aventurar-se na metafísica?

O que maravilhosamente desperta?
Que Eu se funde nessa comunicação invisível?

Teria adormecido por alguns minutos antes
–jamais o saberia
não fosse a persona que, apenas  sonhada,
se ausenta de calar [me].

Como não creditar-lhe a doçura
dessa grande lua à luz dos lábios,
desses grãos de vento?

Há o personagem e seu pequeno mundo de sonhos
emudecido numa atmosfera
que também sonha ser personagem.

Ambos sequer sabem suspirar
que são congruência – deidade.




O mar me abraça como se fosse os teus braços

Então eu vejo os pombos sobre os seixos
A vírgula trêmula que separa os meus dedos
É uma realidade úmida a tangenciar o que pesca o pensamento
As ataduras se dissolvem no sal do poente
E o tecido é só as velas das jangadas ao fundo
O colorido reflexo de assemelhar-me comigo
Quando tudo soletra  a chama densa da sede que sopra
E o calor que vislumbro e escuto é ainda o teu beijo.




Sempre

Seria fácil dizer
o que resguarda o meu olhar
no abstrato onde desacerto a minha arte
o júbilo pulsando lá fora
nos feixes dos caminhos

a chuva talhada de escuros
feito sol durante a noite luzente
não sendo alegria
tampouco a nuvem fria de todos os rumos
talvez os meus cabelos louros
numa trança líquida e plena

ancião é o instante sem finitude
na simetria ambígua das águas
fronte sucessiva do azul diluído

sou mesmo que um rastro de silêncios
aportando num veleiro de almíscar
caminho sobre o calor
com o sorriso beijando-me os pés
nas alamedas iluminadas com o dourar dos trigais
onde mais me furtei
quantas ondas fraturei para manter inteiro esse mar?

a tarde morna se despe
num grande limbo de papéis
sou amada num reino para além do sonho
no ruído brusco das searas.




Senda

Quem dera fosse a minha alma
um bando de andorinhas
que pousasse de encontro ao sol que sustentas
e destas mãos cujo céu
é a terra em que dormes
se desprendessem os acordes onde caminhas.


Galeria: Tere Tavares



Tere Tavares, escritora e artista plástica, radicada em Cascavel, PR, Brasil, autora de sete livros publicados Flor Essência (2004), Meus Outros (2007), Entre as Águas (2011), A linguagem dos Pássaros (Editora Patuá 2014), Vozes & Recortes (Editora Penalux 2015), A licitude dos olhos (Editora Penalux 2016), Na ternura das horas (Editora Assoeste 2017). Conta com diversas publicações em antologias no Brasil e Exterior. Possui publicações em várias revistas, jornais e sites literários espalhados pelo Mundo. Integra a Academia Cascavelense de Letras.

A REALIDADE (DES)MEDIDA EM OITO SONETOS DE ALVES DE AQUINO

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https://favim.com/






SIM-SIM NÃO-NÃO MAS NÃO SE. OITO SONETOS



/por Alves de Aquino/
1.       

 1.

A partir de Kenzaburo Oe. O Grito Silencioso, Cap. A verdade indizível

Uma verdade tal que anunciá-la
seja esbofetear ou dar a cara
a tapa              Uma verdade tão amara
que implique em         estampá-la       mandar bala
à queima-roupa           Um talho de navalha
no olho            Uma pedregada uma paulada
no sorriso        Verdade equiparada
à injúria pesada           Que equivalha
a excomunhão anátema de si
declaração de guerra à humanidade
calamidade pública     Verdade
erosão cancerígena     fatídica
aleijão             u.t.ínica           homicídica
Verdade sim-sim não-não mas não se           



Morangos silvestres

o quarto em que resíduo, sou: sarcófago
e rei mumificado em mim, Ramsés
tábido canibal autoantropófago
coprófilo retrete e as próprias fez
es. Digo-o sem pesar sem intenção
deculpabilizar ninguéns, pais mestres
amores que matei de inanição:
fero, mais que os morangos - eu - silvestres
Amei-me devotei-me ao eu-narciso
e quando ocasião de amar além
não soube como ou quanto era preciso:
o sequestrador cárcere e refém 

Amava mas qual pagasse uma dívida
e amor se retribui não se revida



2.       
 2.

Fantasmas

Amigos meus Fantasmas, Moradores
Em mim há longa data, é vindo o ensejo
De vos mostrar o Aviso de Despejo:
Ide já deste doce lar, Senhores
Ide com vossas brumas e vapores
Vossa aversão à luz e ao relampejo
Vossa predileção pelos arquejos
Vossa adesão às sombras e rumores

Casebre que fui, falto de mobília
De entreabertos portas e postigos
Sujeito estive a ter-vos por família
Mas me reformo e nego a dar abrigo
— Hoje que me repleto — à grã-quizília
Que urdis: adeus Fantasmas, ex-amigos





As virgens suicidas

A moça que ceou sopa de vidro
A que se afogou porque sim na hidro

A que pendurou seu estar na sala
A que se dessangrou fatiando o pulso
A que atingiu a própria dor a bala
A que sei lá pirou foi por impulso

A que avestruz se fezcabeça em forno
A que se receitou cem comprimidos                                                
As do adeus para não haver retorno
Sou de todas os noivos prometidos

Das tantas que pularam das janelas
Da que um auto-de-fé deu a si mesma
O futuro esponsal dessas donzelas
Idem suicida               idêntico avantesma





 3.

            Tê-la nua é quedar-me tenso pasmo

Tê-la nua é quedar-me tenso pasmo
suspenso pelo enlevo da visagem
é conter siderado o íntimo espasmo
e contemplar em êxtase a paisagem

é sair subitâneo do marasmo
ao frenesi do gozo dar passagem
à voragem selvática do orgasmo
rumar arrebatando-a na pilhagem
do corpo, indefensável bergantim

E outra vez cair dúbito perplexo
indeciso ante a escolha entre dois planos:
abordar um ou outro dos butins

O tracejado reto do teu sexo
ou a circunferência do teu ânus




 
Cama-Sutra. Satyricon

O nosso amor eufórico catártico
de movimentos súbitos caóticos
de poses gestos únicos exóticos
amor físico mas não matemático

de olhares hipnóticos extáticos
de abraço peristáltico espasmódico
distendimento elástico hiperbólico
gemigritos insólitos selváticos

O nosso amor fellínico notâmbulo
leva à noite aos recônditos oníricos
— aos (in)cômodos do hóspede sonâmbulo —

Fantasias românticas do eu lírico
Ou sem maior retórico preâmbulo
Cenas de gozos sátiros — satíricos





4.

O silêncio possível

para Alan Mendonça

de protesto de gozo ou de pavor)
entre um grito e o seguinte (de alegria
o pé suspenso o ir ou o estupor
entre um e outro degrau da escadaria;
no abandono do gesto, em seu langor
ou na força da mão que pronuncia
no antes do grato e após o por favor
na distância do é ao poderia

a letra e de permeio e em derredor
o espaço do qual surge a poesia –
ausência com que o verso se completa

o verso mas o branco o incolor
a cercá-lo de muda algaravia –
o silêncio possível do poeta




                        Poe

Isto — que me acabrunha e desafia
pelo que em si carrega de segredo
e sexta-dimensão — que me dá medo —
que se traduz em não, em todavia

Isto — que desespera ou extasia —
como seja, mantém-me quieto quedo
na suspensão do tempo (o tardo o cedo) —
Isto — que é sem seguro ou garantia —

foge à palavra escapa à simetria
do pensamento — elude ao plano-enredo —
da pretensão de atá-lo faz brinquedo —

Isto — que me escorrega pelos dedos —
cujo nome não sei nem poderia
saber — que será? Quem o saberia?


______________

Alves de Aquino nasceu em Fortaleza, em agosto de 1974.É autor de Miravilha – liriai o campo dos olhos (2015), Confraria do Vento. Sob o pseudônimo O Poeta de Meia-Tigela publicou os livros Memorial Bárbara de Alencar & outros poemas (2011 Prêmio Otacílio de Azevedo da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará), Girândola (2015) e acidade(2016, este em pareceria com Carlos Nóbrega), todos extratos do Concerto nº. 1nico em mim maior para palavra e orquestra, em andamento. Editor do Livreto-Revista Mutirão (cujas primeiras edições podem ser conferidas na plataforma ISSUU, issuu.com/opoetademeia-tigela) mantém desde setembro de 2013 a página opoetademeiatigela.blogspot.com.br/. 

OITO SONETOS INGLESES, por Florisvaldo Mattos

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Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), O Amor de Dante, 1857





OITO SONETOS INGLESES

/por Florisvaldo Mattos/



LAVOURA FATAL COM GÓRGONAS

As portas e as janelas, tristemente,
Miravam serrania e verdes pastos.
Assim como derrete campos vastos,
O sol na tarde insulta rosto ardente.
Sou um homem de outrora. Estes meus braços,
Que atravessaram matas, montes, rios,
Na aura vertiginosa dos plantios,
Carregam a memória de balaços,
Que hoje não denuncia a mão deserta.
Cacau, um deus que chega e arreia a mala,
Vindo de México ou de Guatemala,
Amor ao ferro, só, nenhum alerta.
            E quando as intempéries regurgitam,
            São os céus vingativos que vomitam.

(SSS/BA, 26/01/2017)




DE BEM COM A PECUÁRIA

No caminho da serra estava eu; eu,
Mirando ao longe os altos verdejantes.
À noite ali verdejam pirilampos;
De tão doce, embaixo, a água é quase mel.
Levei tempos ali, pensando grande
Em torto plantar de sonho e ilusão.
Alguém para e me diz: “Não seja insano!
Satanás só franqueia a contramão”.
Tapei ouvidos, olhos fechei, fui
Em frente, a deslumbrar-me pelos pastos
Com as fosforescências de um sol vacum,
Mais deslumbrado quanto mais sonhava.

E me perdia após na noite vária,
Encantado com a palavra Pecuária.

(FM. SSA, 23/03/2017)




ENTRE MAR E FLORA

            Dum nos fata sinunt, oculossatiemos amore*
                                               Sexto Propércio (c. 47-15 a.C.)

Procuro-te; não sei por onde andas
(Se no tempo dos bondes, saberia).
Miro o mar, a rua jamais vazia.
Distrais-te com sóis; outras varandas
De luz acolhem o teu corpo claro.
Moves-te entre nuvens de carinhos.
Tu pisas e arrebentas os espinhos,
E a flora não te deixa em desamparo.
Tensos lábios em boca, como bordas
De um rio, de ti escorrem suavidades.
Entre ginástica e excentricidades,
Os pássaros acordam, quando acordas.
            No teu encalço, a tarde toda turva,
            Compraz-me te mirar, de curva em curva.

(Salvador, manhã de 26/01/2017)
*Enquanto os fados nos permitem, no amor saciemos nossos olhos.




ENQUANTO A NOITE VAI-SE

Pelo sol da manhã, muitos me viram;
Da terra, pelo sal, outros me acharam.
É sempre belo o dia, quando lírios
Tiveram chão e luz e não murcharam.
Já um dia foste noite de meu bem;
Nem por isso fiquei embaraçado.
Pior foi quando vi, ali e além,
O nada que restou de meu passado.
Noite, por que te vás? Quero-te perto
Do pouco que de mim ficou na estrada.
Em tudo que me foi pranto e deserto,
Não me verás chorar água passada.
            Um deus passou correndo na clareira.
            Não vi, porque dormi a noite inteira.

(SSA/BA, 21/10/2016)




COM A ALMA DA RUAS

As ruas de Água Preta começavam
Onde se perde a minha solidão.
Era no Apertucho que me esperavam
As alegrias de meu coração.
A Ruy Barbosa era uma rua enorme,
Que consumia o meu sonhar ligeiro,
Deixando para trás a do Cruzeiro,
A ouvir o som de uma canção que dorme.
Que irei fazer na Rua do Comércio,
Entre burros de cargas e tropeiros,
De calça nova, inutilmente, a ver se
O que me diz a lábia dos caixeiros
Não vale nada do que eu guardo mais
Do campinho lá da Rua do Gás?

(FM-Tarde de 11/01/2017, nova morada)




SEM AS CORDAS DE AÇO

                              Para Durval Burgos

Trêmulas folhas a cantar modinhas,
Que ele anotava para o seu violão;
Seja de flores ou de ervas daninhas,
É assim que se compõe uma canção;
Ou da água venha no sabor da espuma,
Ou de um demônio de pernas roliças;
Vencendo o mar, que acende o sol na bruma,
Seja o começo de infindáveis liças;
Beijando a pedra que sobrou da tarde,
O mar revolto já se foi embora.
A jornada de sons pela noite arde,
Tantas notas armou com vento e flora.
            Na esperança de outra manhã mais doce,
            Dedilha a pedra qual se cordas fosse.

(SSA/BA, aurora de 24/10/2016)




ECOS DE MIM MESMO

De tanto ler compêndios de arte vária,
Um dia pensei que a Morte é que me acalma.
Esta literatura funerária
Me fez perder os dias de minha alma.
Saio e abro então as portas do outro mundo,
Pondo-me entre deserto e mar bravio.
Quando me torna à terra o mar profundo,
Soa dentro de mim um sol de estio.
Glacial sempre, em seus pormenores duros,
O tempo me fizera cauteloso,
Ausentando de mim os meus futuros.
Se vezes me senti pouco operoso,
Entre nuvens passei, tomei o visto:
Tenho nome, sou gente; enfim, existo.

(SSA/BA, 26/11/2016, manhã, em nova morada)




SINTÁTICO VERÃO TRAVESSO

Calmo, um dia empenhei-me em ler o mar.
O mar me rogava que não o lesse.
As ondas eram para mim palavras;
As espumas, sílabas sobre a areia.
Mirava o céu, as aves confirmavam,
Pelo próprio som que elas imitavam.
O mar ardia e me recriminava,
E me mandou que consultasse os peixes.
Lá fui, e mergulhei por entre rochas.
A um que passava de fulgente escama
Instei se o mar, de tarde ou de manhã,
Não escondia um cabedal de histórias.
            Manda-me o peixe que regresse à areia.
            Lá, estirada, me aguarda uma sereia.


(SSA/BA, 20/12/2016)



John Everett Millais (1829-1896), Ophelia


SOBRE O SONETO INGLÊS


Desde que foi supostamente inventado por um italiano no século XIII, o soneto que tem sobrevivido séculos a fio, como forma poética, na estrutura de catorze versos, que os italianos Petrarca e Dante Alighieri aperfeiçoaram, fixando-a na disposição estrófica de dois quartetos e dois tercetos (4-4-3-3), com o rótulo de soneto clássico petrarquiano, que ganharia o mundo adaptado praticamente a todas as culturas do Ocidente, até que o gênio de William Shakespeare a ela associasse derivação por ele inventada, que ganharia o rótulo de soneto inglês ou shakespeareano, obediente ao conjunto dos catorze versos, mas disposta na estrutura de três quartetos unificados, de rimas independentes, encerrando-se com um dístico de rimas emparelhadas. No entanto, embora praticada na sua finitude compacta de reconhecido valor rítmico, a esta forma tem sido negada a classificação de soneto, sob a alegação de que jamais se consagraria com este nome nas línguas em que a forma petrarquiana prevaleceu. É este ponto que destaca o ensaísta Alexandre Timbelli, em texto disponível em http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/2062310, publicado na internet, citando opiniões de J. G. de Araújo Jorge e de Vasco de Castro Lima, que trataram do assunto, e remontando ao Trato de Versificação, de Olavo Bilac e Guimarães Passos, escrito em 1905, observando que nele “o Soneto Inglês não está sequer mencionado como Gênero Lírico de Poesia”. Lembra ele que essa forma adquiriu formato definitivo a partir da publicação da obra de William Shakespeare intitulada The Sonnets – 154 Sonetos, em 1609. No entanto, as duas formas têm subsistido em idiomas ocidentais, como o português e o castelhano, consagradas pelo culto de poetas maiores e menores, como a expressão de um sensível ajuste verbal, em que ideias e imagens se envolvem com palavras para alcançar a emoção. O certo é que, apesar de o soneto ter sido condenado e execrado pelo modernismo, cultores de ambas as formas não têm faltado no curso dos séculos; a primeira, desde a alta Idade Média, desafiando movimentos, escolas e marés do gosto, enquanto a segunda, martelando na mesma bigorna, prosseguiu e prossegue praticada por poetas de alta sensibilidade, inclusive entre nós o baiano Jair Gramacho (1930-2003), com primorosos exemplos. (F. M.)

_________________
Florisvaldo Mattosé poeta, ensaísta e jornalista, ocupante da Cadeira nº 31, da Academia de Letras da Bahia; professor aposentado da Universidade Federal da Bahia.

5 poemas de Felipe Pauluk

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desengano

a escuridão te abraçará
antes mesmo de você jogar pedras nas cadelas da rua
e ninguém vai te ligar nesta noite
nenhuma puta ou michê
que você comeu dias atrás
te internará naquele hospital que tem tv no quarto,
enfermeiras freiras com asas noturnas,
hbo aberta e coca-cola com estévia
eu poderia escrever para você hoje
eu poderia citar teu nome no culto
pedir a deus um sinal
ler um salmo
e fumar menos de sexta até segunda
mas nada disto curará teu coração
você está desenganado
desenganado pela minha medicina
o amor é um coágulo no teu cérebro já.


hipotético

sonhei esta noite com uma grande índia desnuda
no centro da cidade
e ela me chamava de amante
e eu a chamava de destruição
tomamos cerveja juntos em um quiosque de praia
e o mar era uma avalanche de pedras
como prédios implodidos
então eu abri minha pequena bíblia do gideões
arranquei a folha de um salmo
& limpei a sua linda & macia boca carnuda
& ela disse "eu te amo", enquanto abria as pernas
& eu nadei dentro dela como um menino que encontra um rio
como um homem que se apaixona pelo caos
acordei assustado e você dormia no meu peito
era o peso dos teus olhos
era a tonelada do teu amor sobre mim.


defuntos

meu último livro tem
cem páginas sobre você
duas sobre eu
uma que pagaria todas as contas
e nenhuma sobre amor
o telefone tocou meia noite
você me ligou pra dizer que
o cara que escreveu a orelha é melhor do que eu
volto a enterrar meus defuntos
antes de dormir. 


bitrem

solidão é um bitrem descarrilhado desgovernado
tombado dentro da garganta
impede o trânsito das palavras


escrivaninha

relógio moeda pilha caneta pedra boton do supla
cigarro isqueiro cerveja livro boleto
tudo sobre minha mesa
e teu retrato que ilumina toda esta bagunceira
esta puta saudade nunca se organiza. 


 Galeria:  Florian Schmidt



Felipe Pauluké um curitibano residente em Londrina, jogou na loteria da vida e numa quina, tirou o menor prêmio, a literatura. lançou seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso em 2011). Hit The Road, Jack, romance em 2012. Em 2015, foi lançado Town, novo romance do autor. Comida di butequime Tórax de São sebastião foram seu dois livros de poemas publicados em 2016. Além de escritor, Pauluk também é roteirista e diretor de clipes.

"ALGUMAS LEITURAS #05", POR ANDRÉ LUIZ PINTO

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OS HOMENS INACABADOS


para Doni
           
  
O que os filósofos fazem mais lembram um mercado de pulgas e promessas inúteis. A filosofia consegue ser pelo menos terapêutica. Explico: na medida que se escreve sobre os próprios desesperos, esses dramas vão se esclarecendo cada vez mais, o que diminui sua intensidade, relativamente. Admiro os homens, em especial, os filósofos incompletos...  Modestos em sua ciência, não são por isso mais tímidos; pelo contrário, alardeiam, grunhem, gritam. O filósofo sabe que a miséria é natural. Não cai no ridículo de achar que o entendimento da história nos ajuda a prevenir catástrofes: se a filosofia ou mesmo a história oferecesse alguma sabedoria, não repisaria nos mesmos erros. Observe, por exemplo, o sistema aristotélico, em que o teórico (θεωρεν) diferencia-se do prático (πράξις) e do poético (ποίησις). Há, nesse caso, por parte de Aristóteles, sapiência cética de quem sabe que o conhecimento científico não implica necessariamente em ascese moral. O sistema aristotélico congrega, por incrível que pareça, uma assistematicidade ingrediente, de que, apesar da nossa busca vã por “uma teoria de tudo”, algo escapa, precisa ceder, se quer ser entendido, às metáforas, comparações e analogias. Por τελος, não se aplica o mesmo significado dado à finalidade instrumentária e a εδαιμονία. Não são as mesmas coisas, não se trata, portanto, do mesmo sentido conferido. O sistema aristotélico, primeiro conjunto enciclopédico, corpus que veio a preencher as prateleiras do Museum, conserva em sua tripartição a consciência da impossibilidade de um sistema que unifique as instâncias da vida humana. Por distinguir o teórico e o prático, Aristóteles aponta, seminalmente, para a diferenciação que no Iluminismo será entre a cultura e a natureza. O animismo aristotélico em De anima distingue-se nessa matéria do hilozoísmo dos pré-socráticos: são os indivíduos que sofrem animação e não o cosmo in totum. Ao filósofo que age por incompletude, não vejo um demérito, mas um elogio. Os filósofos são incompletos naquilo que dizem, incompletos inclusive naquilo que querem dizer, mas poucos reconhecem essa importância. Pretensões por uma ρχή não apenas física, mas metodológica continuam sendo exploradas em nossas promessas.
Sábio, enfim, não por ser incompleto, mas por se saber incompleto, escasso na sua pretensão por completude, como que a editar pela enésima vez a ignorância socrática. A incompletude se deflagra no campo da política e da moral. Os grandes sistemas filosóficos caem por terra. Os mais ingênuos defendem e até definem qual seria o fim da história. O conceito de fim nesse caso envolve a mesma imprecisão polissêmica do equivalente grego: ora o fim se estende como morte e aniquilamento, ora como um objetivo ao qual se destinavam as ocorrências. O fim da história talvez comande ambas as acepções; nele, a história se completa; nele, a história morre. Mas há também um outro sentido, mais modesto: a história como sucedâneo de acontecimentos não acaba, porém a ideia da história como dotada de um sentido – e por que não dizer, de um destino –, sim. Ocorre agora o fim do fim da história, quer dizer, será a ideia de que a história possui um fim que teria os dias contados. Caem por terra pretensões hegelianas e marxistas, mas também as iluministas e as liberais, e mesmo as utilitaristas chegam ao termo.
Chamo a atenção para o que se chamou de o fim das utopias, mas veja: mesmo um Fukuyama continua partidário de noções utópicas na medida em que insiste na permanência do capitalismo. Caia ou não o capitalismo, e ele provavelmente cairá como qualquer castelo, a vida dos homens continuará estúpida. Prolongue-se a existência por duzentos anos e se começará a sofrer a angústia das árvores; não há como escapar de uma realidade distópica. Os homens continuarão a sofrer enquanto existirem. Um argumento contrário é se o pessimismo também não se cerca de pretensões totalitárias. Certamente, mas fazer o quê; a exposição filosófica sempre se apresenta à maneira de uma totalidade sistêmica. Mas existem autores e mesmo alguns momentos de ruptura para com essa pretensão e, por incrível que pareça, esses momentos são mais comuns do que se imagina. Ao lado dos grandes sistemas clássicos de um Platão e um Aristóteles[1], a resignação dos estoicos diante de um cosmo cuja lógica ultrapassaria a compreensão e o entendimento, mas em especial os céticos, sempre precavidos à megalomania dogmática. A moderação de Montaigne também é escandalosa: nele há algo do sábio chinês que assiste pacientemente o mundo se espatifando. Há quem os chame de pensadores menores, um socrático como Diógenes de Sínope comparado ao platonismo. Mas eles não são menores em nada, apenas se recusam à paixão narcísica de quem admira o edifício teórico que constrói. A eles, muitas vezes é conferido o mal da assistematicidade, mas esta não se trata de um erro ou de uma deficiência, mas de uma característica e visão específicas, geralmente marcadas pelo relativismo, mas também pela modéstia, quer dizer, a este cético mais que cético, a cruzada contra o dogma dirige-se primeiramente para si. Os filósofos menores são menores não porque as suas filosofias sejam menos criteriosas, menos teóricas ou mais despojadas, mas porque se firmam no próprio lugar menor que é a filosofia. A filosofia é menor que a vida, suas soluções nunca abarcarão em absoluto os seus problemas.
O poeta Donizete Galvão (1955-2014) fez uso de uma expressão muito feliz no título do último livro publicado em vida: O homem inacabado, diga-se de passagem, título mais que emblemático para o que seria o último livro publicado por um homem... é esse inacabamento nos versos do poeta que busco em meus raciocínios como filósofo... raciocínios que não querem terminar, recusam o ponto final, τελος e finis a se desdobrarem em verdades polissêmicas. Gosto dos poetas inacabados, dos filósofos incompletos... essa incompletude, contudo, não deve em hipótese alguma confundir-se com a apatia. Pode, pelo contrário, ser inclusive um chamado para a guerra. Penso em Henry David Thoreau (1817-1862) com A desobediência civil, manifesto dos mais contumazes da história recente e que não se enquadra como um discurso marxista, ainda que seja de esquerda. Thoreau é um pacifista, alguém que coloca em questão a responsabilidade de cada um sobre a política, independentemente da participação eleitoral, propõe uma ética fundada no indivíduo como uma arma contra as tiranias; suas raízes são tanto liberais quanto iluministas, e sim, sua filosofia representa um dos esquerdismos mais radicais. O ilocalizável é algo típico dos inacabados, dos incompletos. O problema que determina o método e não o contrário; exige a criatividade, a dispersão; o mundo mesmo é fragmentário, há tantas facetas quanto olhos vendo... O filósofo menor avança em seus raciocínios sempre em estado de ‘por enquanto’. Por enquanto, a desobediência civil; enquanto não se sabe para onde o país vai com essa história, analisa-se os personagens políticos apenas em termos psíquicos... o que fez de O príncipe, se não o maior, um dos maiores tratados de psicologia dirigido ao cenário político. O fluxo das águas não é contínuo, sofre aceleração e desaceleração; o filósofo menor acolhe o espírito dessas ondas. A sensação de incompletude interfere mesmo nos maiores sistemas. Penso na analítica de Kant sobre o belo, ao mesmo tempo universal e privativa ou então, na ‘moral provisória’ por Descartes. Outros nomes ainda aparecerão na sucessão dos textos em que homenageio suas figuras: Erasmo de Rotterdam (1466-1536), Étienne de La Boétie (1530-1563), homens maravilhosos que estiveram, como hoje estamos no século XXI, no olho do furacão que fora o século XVI e a passagem do medievalismo para a modernidade; mas não estou eu consultando a história numa atitude que pouco antes rejeitei? Não estou retomando a história desses homens como uma lição? Assumindo a história como completude, e mesmo, mais além, como o rasgo de um destino? Em primeiro lugar, consultar a história não confere a ela a paixão de um fim; esta continua enigmática e infiel. Consultar a história não é diferente de consultar o oráculo, ouvir os deuses... necessário e, ao mesmo tempo, uma decisão completamente inútil.




[1]Ainda que em Aristóteles, como vimos, haja elementos que colocam em xeque a mesma pretensão pela unidade.



*     *     *






André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975 no Rio de Janeiro. Formado em Enfermagem pela Uni-Rio, chegou a exercer essa profissão por três anos. Graduou-se mais tarde em Filosofia pela Uerj, cursando o mestrado em Filosofia pela mesma universidade. Atualmente cursa também pela Uerj o doutorado em Filosofia, desenvolvendo uma tese em Filosofia da Biologia. Publica poemas e ensaios há dez anos em revistas e jornais de literatura. Com Eduardo Guerreiro, editou a revista .doc. Leciona na Universidade Estácio de Sá. Publicou "Flor à margem" (1999), "Um brinco de cetim" (2003), "Primeiro de abril" (2004), "ISTO" (2005), "Ao léu" (2007), "Terno novo" (2012), "Mas valia" e "Nós, os dinossauros" (2016). Leia outros poemas do autor aqui e aqui.




4 poemas de Maurício Duarte

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Ilustração: Victor Habchy

À FRANCESA

anda, vem logo
que aqui não dá mais
sem você até eu
já não me suporto
abandona essa cidade
eu monto um palco
um teatro de verdade
a gente finge que aqui
é primeiro mundo
tudo limpo rico lindo
todas as pessoas o
tempo inteiro rindo
e assim teremos a
nossa Ville Lumière
nossa Cidade Luz
exclusiva e particular
e nem passagem
precisa pagar
e não vai acabar por aí
se você quiser eu
te recito em francês
versos de amor
Baudelaire e Rimbaud
o que você quiser
eu te dou
te construo um
George Pompidou
pra você estudar
em paz a melhor
forma de me amar
de qualquer pirâmide
te faço um Louvre
Monet e Renoir
aqui tudo que
planta se dá
mesmo sendo ateu
levanto uma Notre Dame
e finjo acreditar em Deus
se preferir viro
budista ou espírita
muçulmano ou judeu
pra completar eu
derrubo sozinho
uma Bastilha
te dou amor carinho
e se você pedir
até uma família
escavo o chão até
encontrar uma fonte
um rio Sena só pra você
construo monumentos pontes
ergo uma Torre Eiffel só
pra poder subir
e de lá de cima
te ver sorrir
é claro que não
vai faltar o chafariz
eu te juro
vem que eu faço
pra você nossa Paris
e deixo todas as luzes
da cidade acesas só
pra todo mundo saber
como estou feliz.


MY FOOLISH HEART

a.
quando você
foi embora
não sei direito
como explicar
não encontro a
imagem apropriada
parece que a casa
ficou mais pesada
b.
lembro daquela vez
que acordei e você
estava me olhando
foi como se eu
continuasse sonhando
c.
inútil tentar esquecer:
meus dias colidem
contra você


VENEZA II

ou seja, não importa em qual
café ou viela ou beco você estiver neste
sonho emaranhado costurado pela água
a impressão é que eu acabaria aqui de
qualquer jeito, olhando para suas mãos
seu pescoço no Campo Santi Giovanni e Paolo
foi o instinto, nada mais do que o instinto
que me trouxe até aqui como um cão
um cão dócil feio obediente cuja existência
você nem sequer pressente sob as nuvens e
o silêncio é uma taça de vinho em suas mãos
uma rosa de álcool, delírio e éter dentro da sua boca
eu tombo nesta cidade como um boi uma âncora
suas mãos indo e voltando como barcos, segurando
um livro de poemas do Leonard Cohen;
penso que você deve ser refinada
ou então só uma groupie metida a besta


RUMOR NENHUM

Silenciar o que já foi
como se arruma a casa
depois da festa.

Todas as coisas
em seus lugares
ancestrais.

É simples (ou não)
o que busco:

soluço no escuro
espessura de muro

     rumor menor que água
rumor nenhum
rumor de nada.



Mauricio Duarteé jornalista, autor dos livros de poemas A arquitetura das constelações (Patuá, 2017), Balde de água suja (Patuá, 2015) e Rumor Nenhum (7Letras, 2007). Vem publicando nas principais publicações literárias do país, como as revistas Cult, Lado7, Inimigo Rumor, mallarmagens, Revista Gueto, entre outras. Nasceu na capital paulista em 1981.

3 poemas de Gáston Sequeira - tradução de Celina Portocarrero

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Ilustração: Erik Johansson

porDioscero

revolvemos la basura     en esta vida
atada con alambre

y de la huerta   el huerto   o el orto
de los que alimentan la necesidad
sacamos verduras     frutas     flores de aspiración

para los que meten la espiga detrás del santo

aladas huyen las almas
de los que somos porDiosceros
de cada uno de los que sonambuleamos
presente y futuro

herejes de la escasez     revolvemos contenedores
sin tenedores nos alimentamos de lo poco

jadeantes perros de exposición
ante quienes queremos simular o emular

pernoctar en la comodidad es triste
si la lluvia moja el lomo del sacrificado

a caja y caja se alimenta el aliento
desalentador     como la lengua de las víboras
áspera y puntiaguda     venenosa

colofones espesos donde nadar a esta altura o bajeza
a la que nos arrojamos como avaros al billete

a esta hora
en que todo deja de ser

 *
de(u)svalido

reviramos a lixeira     nesta vida
amarrada com arame

e da horta    do horto     ou do rabo
dos que alimentam a necessidade
tiramos verduras     frutas     flores de aspirar

para os que põem a espiga atrás do santo

aladas fogem as almas
de nós que somos de(u)svalidos
de cada um de nós que sonambulamos
presente e futuro

hereges da escassez     reviramos gamelas
sem panelas nos alimentamos do pouco

ofegantes cães de exposição
frente aos quais queremos simular ou emular

pernoitar na comodidade é triste
se a chuva molha o lombo do sacrificado

caixa a caixa se alimenta o alento
desalentador     como a língua das víboras
áspera e pontiaguda     venenosa

remates espessos onde nadar a esta altura ou baixeza
à qual nos atiramos como avaros ao dinheiro

nesta hora
em que tudo deixa de ser


***

rebusques

acostumbrado a cortar con cuchillo bueno
Pedro el juntalatas cortó el azar
emborrachó la sangre de sus antepasados
trajo cobijas para el Futuro     no quería enfermar los pasos
porque así empiezan a envenenarse los sueños
y ya nunca se tiene cordura
y la frustración grita gloriosa

Pedro de tanta alpargata gastada y días por la mitad
vistió su vida de palabras pobres     pero grandes
como el hambre de sus hijos
sangró misterios     mentiras piadosas para alimentarlos
robó flores recién vendidas del cementerio
y las vendió otra vez
pidió carretilla para echarle tierra a la incertidumbre
que lo mordía     debajo del cabello     detrás de la camisa

no había tiempo     para el apetito henchido de los suyos
ni para la cólera o los espasmos     de sus propias necesidades
estaba convencido de ellos     de sus besos y caricias
de las manos pequeñas pidiendo leche tibia
al ordeñe del rayo de las primeras horas

Pedro tuvo un padre también
que le enorgulleció la pobreza también
la sencillez de poder despertar con el pecho calmo
y enriquecerse el ego con el primer sol
con el desafío de querer convertir sus manos en pan fresco
próspero y postrero para cada uno de sus días

nadie nunca le abrió una puerta     él tuvo que abrirlas
atemorizado como niño solo en su primera vez
tuvo que derribarlas también
aunque esto le costara     un ojo de la cara o dos quizás
pero siguió a tranco largo    como quien rompe la luz para cegar la noche

encendió candiles y se los apagaron
y leyó la hora una vez y enloquecieron las agujas
como la cola de una tijereta
pero él no paró     el arrollo del mal
ni el arroyo escandaloso que lindaba su rancho
ni el arrobo de los chanchos que le sometieron

Pedro optó siempre por el arrullo de sus crianzas
por llenarles las panzas y elegir desesperado
entre lo bueno y lo malo

*
jeitinhos

acostumado a cortar com boa faca
Pedro catador de latas cortou o azar
embebedou o sangue dos seus antepassados
trouxe cobertas para o Futuro     não queria adoecer os caminhos
porque assim começam a se envenenar os sonhos
e nunca mais se tem bom senso,
e a frustração grita gloriosa

Pedro de tanta alpargata gasta e dias pela metade
visitou sua vida de palavras pobres     mas grandes
como a fome de seus filhos
sangrou mistérios     mentiras piedosas para alimentá-los
roubou flores recém vendidas do cemitério
e vendeu-as de novo
pediu carrinho de mão para jogar terra na incerteza
que o mordia     debaixo do cabelo     atrás da camisa

não havia tempo     para o apetite crescido dos seus
nem para a cólera dos espasmos     de suas próprias necessidades
tinha certeza deles     de seus beijos e carícias
das mãos pequenas pedindo leite morno
à ordenha do raio das primeiras horas

Pedro também teve um pai
que também o fez se orgulhar da pobreza
da simplicidade de poder despertar com o peito em paz
e enriquecer o ego com o primeiro sol
com o desafio de querer converter sus mãos em pão fresco
bendito e único de cada um dos seus dias

ninguém nunca lhe abriu uma porta     ele teve que abri-las
amedrontado como menino sozinho na primeira vez
teve que derrubá-las também
embora isso lhe custasse     um olho da cara ou dois talvez
mas continuou a passos largos     como quem destrói a luz para cegar a noite

acendeu lampiões e foram apagados
e viu as horas uma vez e enlouqueceram os ponteiros
como o rabo de uma lacraia
mas ele não parou     o rio do mal
nem o arroio escandaloso que limitava seu rancho
nem o arrojo dos porcos que o humilhavam

Pedro optou sempre pelo arrulhar de suas crianças
por lhes encher a barrigas e escolher deseperado
entre o bom e o mau

***

Naufragio

¡y aquí es a dónde pertenecen!

donde las olas salpican esposas     escupen hijos
corvinas tornasoladas     esporas     esperas
sirenas prostituidas     acumulación de futuros niños
frutos de mar    frutos del amor

pero todo trata de volver en sí
a la realidad de este barco que ingresa por la ranura fértil del mar
por rías purpuras     escuetas y recónditas

desde arriba caen los espejos en los que sonríen las estrellas
hay que recuperar la rutina
huir de esta hoguera de agua y susurros
recoger los espineles dorados
donde pernocta la ilusión     las pulsaciones

pero esta nave debe regresar al fraude de todos los días
dónde estamos intactos
haciendo lo que cada mente quiere
es exultante deliberar con la existencia y la abstracción
ser rehenes de nuestras propias consciencias

mientras continúa acariciándonos el nácar de sus gotas...

es imposible retornar del sitio
en que duerme la libertad

*
Naufrágio

e é aqui que pertencem!

aqui onde as ondas respingam esposas     cospem filhos
corvinas furta-cor     esporas     esperas
sereias prostituídas     acúmulo de filhos futuros
frutos do mar     frutos do amor

mas tudo trata de voltar a si
à realidade deste barco que ingressa pela ranhura fértil do mar
por canais purpúreos     velozes e ocultos

lá de cima caem os espelhos em que sorriem as estrelas
é preciso recuperar a rotina
fugir desta fogueira de água e sussurros
recolher os espinhéis dourados
onde pernoita a ilusão     as pulsações

mas esta nave não deve regressar à fraude de todos os dias
onde estamos intactos
fazendo o que cada mente quer
é exultante analisar a existência e a abstração
ser reféns de nossas próprias consciências

enquanto com suas gotas continua a nos acariciar o néctar

é impossível voltar do lugar
em que dorme a liberdade




Gáston Sequeira nasceu em 1975 em Coronel Pringles, Provincia de Buenos Aires, Argentina. Reside em mar del Plata desde sua infancia. É escritor e editor. Realizou diversas oficinas de leitura e criação literaria. Integra alguns grupos ligados a leitura. Participou de feiras dolivro (Mar del Plata, 2011 e 2013, Vila Mercedes, San Luis, 2013), do Festival  Internacional VaPoesía Argentina 2017, assim como de encontró de escritores. Seus textos circulam em formato digital em diversos sítios e blogs (Mispoetascontemporâneos da Argentina, metaforologia.com da América Latina e ILA Magazine do Marrocos). }Seu  libro de poemas La lengua del poeta foi editado por Alma de Diamante (Mar del Plata), premiado em certame internacional. Alguns de seus poemas foram incluídos em uma  plaquete pela editora La Garza Mora (Buenos Aires). É criador, director e coordenador do ciclo “Palimpsetos Encuentro de lecturas de autor.



Celina Portocarrero é poeta, tradutora, antologista. Autora de Retro-Retratos (poesia, 7Letras, 2007) e A princesa e os sapos (poesia infantil, Memória Visual, 2013). Tem poemas incluídos na revista Poesia Sempre da Biblioteca Nacional‎e e em diversos sites de literatura brasileira. Organizou, entre outras, a antologia Amar, verbo atemporal: 100 poemas de amor (Rocco, 2012). Tradutora experiente, trabalha com francês, inglês, espanhol e italiano. Por Um amor de Swann, de Marcel Proust(L&PM, 2005), recebeu o Prêmio Açorianos deLiteratura. Coordena, desde 2007, oficinas de tradução literária (aulas na Estação das Letras, na Livraria da Travessa e em encontros individuais). Em2009 e 2011, colaborou na curadoria do Café Literário da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. No mesmo evento, participou como mediadora do CaféLiterário e do Encontro com o Autor em 2009, 2011 e 2013. Compareceu, comoautora convidada, à Fliporto – Feira do Livro de Pernambuco (2013), ao 15ºSalão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens (2013), ao Café Literário Off-Flip(2012 e 2011) e ao Fórum de Letras de Ouro Preto (2011). Em 2012 e 2013 prestouserviços de tradução, redação e revisão à Academia Brasileira de Letras

Uma Mulher Ruiva - Homero Gomes

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Ilustração: Gosia T.


Extrema se tangunt.
“Os extremos se tocam.”


"O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto, deve-se dizer que é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza consiste justo nisto: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir-a-ser-de-si-mesmo."

(George Hegel, Fenomenologia do Espírito)


Estava correndo quando recobrei a consciência.
Mas não suavemente. Os músculos de minhas coxas repuxavam, eu suava e ofegava, meu peito e abdômen doíam.
Não sabia por que estava correndo.
Refletia se eu deveria parar, respirar, mas estava em pânico. Estava fugindo, mas não sabia de quem. Olhava pra trás e não enxergava nada. A rua estava escura e silenciosa.
Eu não lembrava onde morava. Ou não sabia mais. Não reconhecia o lugar onde estava. Minhas mãos formigavam e eu sentia pontadas na barriga.
Em minha mão esquerda vi um bolo de notas graúdas e uma fotografia: uma mulher ruiva. Eu não a conhecia.
Talvez, pensava, eu a tenha assaltado. Por isso, o dinheiro e a fotografia. Mas eu não ouvia gritos nem sirenes.Nada. Corria, mas não estava em perseguição.Ao menos, era o que parecia.
Um grande estrondo e uma forte luz. Meus olhos viram um clarão antes que eu caísse no asfalto frio.


Com a vista embaralhada, aos poucos, consigo distinguir onde estou. Uma enfermaria. Ao lado, pessoas gemem de dor, sofrem, mas eu permaneço em silêncio.
Não sei por que estou aqui.
Um enfermeiro alto, magricela, olhos e cabelos negros começou a colocar medicamentos em meu soro.
Sua aparência me espanta. Tenho calafrios.
Dou uma risada nervosa e ele me pergunta simpaticamente se estou me sentindo bem.
Tudo bem. Não se preocupe, eu estou legal. É que você se parece muito comigo. Poderíamos até nos passar por irmãos gêmeos.
Isso seria impossível.
Rindo, pegou um espelho e colocou-o em minha mão.
Não sabia o que havia acontecido. Sabia apenas que o reflexo que via era o de uma mulher ruiva.


Conto publicado pela primeira vez há 5 anos na antologia Mundo Mundano.





HOMERO GOMES (Curitiba/PR, 1978) é autor de Sísifo Desatento (contos), publicado em 2014 pela editora Terracota – finalista do Sesc de Literatura – e Solidão de Caronte (poemas), publicado em 2013 pela editora Patuá – primeiro colocado no Prêmio Poetizar o Mundo. Publica regularmente em periódicos eletrônicos e impressos, tais como Cândido, Mallarmargens, Rascunho, Nego Dito, Cult, Germina Literatura, RelevO, Escritoras Suicidas, Reversos, Cronópios, Ficções e Zunái. Publicou as narrativas-crônicas de um personagem ficcional em www.jamevu.tumblr.com. Foi colunista dos sites Página Cultural, Musa Rara e da revista Samizdat. Teve poemas publicados nas antologias Fantasma Civil, da Bienal Internacional de Curitiba, em 2013, 101 Poetas Paranaenses, da Biblioteca Pública do Paraná, em 2014, organizada por Ademir Demarchi, e 29 de Abril: o Verso da Violência, em 2015, publicada pela Editora Patuá.

7 poemas de Paula Autran

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1-
Todos os caras depois de mim
encontraram a moça certa,
aquela
que consegue fazer
a concessão definitiva:
(para toda a vida)
aprender a tocar
baixo para fazer parte
da banda punk dele,
mesmo sendo bailarina,
aprender a andar
de bicicleta
entre ônibus, só
para dividir o
desejo dele
de
viver
no
meio
fio.
morar em um sítio
em Cotia e de lá não sair,
só para satisfazer o desejo
secreto dele
de possuir uma onça
parda
na coleira.
E por aqui
coleira, baixo, bicicleta
me olham sorrateiros do
fundo do armário
me lembrando que ainda
guardo
(para mim)
todas as
chances
de conceder.


2-
Nosso amor:
um osso em um relicário antigo
encravado em algum ponto
indefinível
entre minha garganta e meu
coração
que só dói
quando engulo
(ou respiro).


3-
Sim, começou a acontecer:
estou esquecendo
tudo sobre você
(por esses dias ainda me lembrava
da nossa vida feita de detalhes)

mas ontem em meio a sessão de taças
de cristal da Tok e Stok
me dei conta que não sei
mais se você gosta de vinho;
gosta?
não sei mais.

Fiquei feliz
(e levemente emocionada)
achei poético começar a esquecer
seus gostos, seus passos,
seu jeito único de estar no mundo
por meio de uma bebida
que fundou uma civilização,
que simboliza o sangue, o néctar
(e a embriaguez de um Deus pagão).
Esquecer os detalhes:
último capítulo
de uma história
de amor,
da nossa
história
de amor.

  
4-
Essa noite sonhei
com aquela amiga sua
que eu sempre achei
que era minha amiga
também,
aquela casada com seu melhor
amigo.
Quando a gente terminou
e dividimos
nossos parcos bens
eu tinha certeza de que ela
faria parte do
meu espólio
e se tornaria
uma amiga daquelas que um dia
você nem lembra da onde veio,
mas assim não aconteceu,
e ela se foi
junto
com o micro-ondas,
a geladeira,
o livro do Jamie Oliver
e aquela forma
de bolo retangular
da qual eu tanto gostava
e cujo formato
não
se fabrica
mais.


5-
Depois de nós,
meu corpo,
uma casa
assassinada.


6-
Ter encontrado você
e vivido
a vertigem
do
para sempre
já valeu
a minha passagem
por esse
mundo.


7-
Fácil é vir aqui e lançar palavras
como dardos envenenados,
fácil é usar as palavras como setas
embriagadas de raiva,
de solidão.
Fácil é arremessá-las
por sobre a sua cabeça,
é atingir esse alvo invisível
de você,
de nós dois.
Difícil, meu amor,
é te ver indo embora,
ver sua nuca
quando você se vira
para partir,
seus calcanhares,
a escarpa das tuas costas
(na qual tantas vezes me
abriguei)
e só então reparar naquele
lugar que fica atrás dos teus
joelhos.
E no mesmo instante
te ver sumindo
e levando todo
esse mapa do
teu corpo
para nunca .



Galeria: Natascha/deviantART





Paula Autrané mestre e doutorando em Artes Cênicas pela ECA/USP (2012), com orientação do prof. Dr. Sérgio de Carvalho. Possui graduação em História (USP) e Jornalismo (PUC). É professora de dramaturgia no Brasil e em Portugal. É escritora com oito livros publicados e dramaturga com oito peças encenadas. Foi colaboradora por dez anos do jornal O Estado de São Paulo e por cinco do jornal da Tarde.

7 poemas de Bento Nascimento

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Eu sei que meus dias estão contados

Eu sei que meus dias estão contados
Existe quem queira me matar
Eu fui um doce e uma mentira
Eu não me preocupei com o sentimento
De ninguém
Nem tão pouco com os meus
Eu sou a forma mais sutil de perdição
Posta de ilusão abastecida pela banha realidade.
Fujo de mim, como foge um covarde
Das medíocres consequências.
Eu ainda pretendo envenenar
Toda a cidade. Eu preciso disso!
Eu sei que sou melhor,
Melhor que muitos santos,
Que muitas luzes, que muitos psicotrópicos...
Eu fui a loucura mais prudente.
Sonhos! Sonhos! Sonhos!...
Breve extinto.


Nadaverismo

O centro do universo era a minha casa
E o átomo menor
Era o botão de osso da minha
Camisa azul.

Havia, menor ainda,
Dois furinhos do meu botão,
Eu entrava por um
E saía por outro.

Certa vez, ao entrar numa dessas cavidades,
Eu encontrei o meu umbigo.
Só não descobri
O quanto eu deixei de viver.


Preciso da sua companhia

Preciso da sua companhia
E às vezes passo a mão no pelo
De um gato
Como se aliviasse essa dor.

Ficar com você:
Como?
Quando?

Às vezes eu me finjo de você
E beijo minhas mãos

Às vezes mordo os lábios
Num desejo que você
Sem querer, pense em mim.



Ivo tinha uma campina de cravos

Ivo tinha uma campina de cravos
Na cara.
Tinha época que aquilo se dilatava
E arroxeava
E eram mais crisântemos.

Ivo nunca ganhou uma rosa
E muita coisa que sentia
Nunca floresceu para o mundo.
Tudo ficou na flor da pele.



Aí vem essa moleza pelo corpo

Aí vem essa moleza pelo corpo.
Uma vontade de me estender no chão
E deixar que o capim cresça em volta,
Deixar que os insetos, fungos,

Se abriguem em mim.
Estranha alegria o desejo de virar paisagem.


O meu amor gosta de flores

O meu amor gosta de flores,
Segura uma flor do campo na mão
Como se fosse uma princesa
E gosta do mar.

O meu amor gosta tanto do mar
E, às vezes, com a flor ainda nas mãos,
Seus olhos mergulham no horizonte
- é quando estremeço –
Temo que não volte,
Fique presa entre os corais.


Minha porta de tanto ficar aberta

Minha porta de tanto
Ficar aberta
Não mais dá para ser fechada

E por ela entram todos
Os seres da tarde
E os espectros da madrugada

Só não entra aquela a quem um dia
Dei as chaves.


 Organização: Tereza Du'zai


Bento Nascimento (Itajaí – SC. 1962 – 1993) é um dos mais renomados poetas catarinenses. Em vida, publicou Celacanto, em parceria com o amigo e, também, poeta catarinense, Antônio Carlos Floriano. Loucos de Pedra e Bento Nascimento aos Vivos são obras póstumas.
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