Há um aneurisma no cérebro do País
Esperando o tempo da explosão.
Pirilampos apagados
Buscam faróis na noite da Baía,
No mistério do dique, das docas.
Celebro manifestos insurrectos
Onde a Poesia cataclisma,
Hekatomba.
Estamporelâmpagos nos muros.
Uma hemorragia inunda
De sangue o oxigênio das horas.
O sangue pletora utopias, risos echamas.
Apesar da grande noite que se abate sobre o País,
O combate permanece no silêncio das tumbas,
Na obscuridade dos pesadelos,
Nas vontades recolhidas por Blimunda.
O horror retumba sobre as casas.
Enquanto engenho palavras
E lavro novos âmagos.
Na Colômbia,
Há Ceibasna estrada para Córdoba,
E suas raízes guardam segredos
De viajantes, de plantadoras de café,
De homens que bebem a noite
E sorvem nossas magnólias
(Magnólias brancas de Billie).
Mulheres que mascam tristezas, fumos.
Ceibas mulheresque sustentam o céu,
E acolhem ancestralidades ameríndias.
Assim, desmoronam colinas inteiras dentro de mim.
Há acordes de desolação,
Sinfonia de silêncios,
Lassidão dos sonhos, das crenças.
Atavismos seculares nas paredes,
Nos retratos, nas páginas diárias da História.
Nosso leito está vazio.
Nosso eito, sem arado.
Somos um rio seco, sem curso.
Somos um poço escuro e profundo,
Onde não vivem sequer bagres albinos.
Discurso para desertos, para ossos e rochedos,
Para homens surdos e mulheres apáticas.
Somos um Paraguaçu de fósseis, de lembranças marinhas.
Além da devastação em nossas margens,
Aragem alguma suaviza as dores do presente.
Não vislumbro novas galáxias.
Apenas patíbulos de condenados suicidas.
Apenas juízes e delatores,
Apenas sigilos oportunos.
Há um vazamento de tristezas em nossos olhos,
Cataratas mudas aguardam a vertigem do Espírito do Tempo.
E desencantos mofam nossas paredes.
Como mulher: dilato-me!
Por todas as casas do País, há plantação de palmas.
E almas perecem de sede e desencanto.
Mucugê é um jardim de pedras
Cujas pétalas são nossos corações embrutecidos.
O cafezal ameaça as flores do lugar.
O manguezal avança sobre sutilezas de cores.
Há um aneurisma em mim
Que também explodirá!
Há um aneurisma nos justos
E naqueles que buscam alegrias coletivas.
Canso-me dos homens
E dos tentáculos da sua arrogância
Que invadem meus abismos,
Minhas sutilezas, minhas cerâmicas, meus musgos.
Canso-me dos homens
E da sua estupidez de pedra
Da sua obscuridade de gruta,
Seu estado de inércia,
Sua velhice precoce,
Sua adolescência perpétua.
Sua covardia de demônios.
Sua desistência, seu desamor.
Sou uma mulher da América Latina!
Sou uma voz diaspórica, negra!
Venho de uma África que me busca.
E o que faço é atravessar oceanos,
Decifrá-la em mim, em meu território.
Minha pena é o meu remo.
Minha pena é a minha bússola.
Minha pena é também minha nau.
Canso-me dos abutres, das raposas,
Dos leopardos e da prepotência dos intelectuais.
Ninguém me faz feliz!
Ninguém tem a chave!
Quem nutre a memória de mim?
Quem projeta meus delírios em suas cavernas?
Há um ranço de família na poeira das mobílias.
Ranço de nomes na cartografia das lápides.
Ranço do poder na energia das vozes,
Na seleção dos vocábulos.
Há o vício dos brancos, o vício do poder dos homens.
Sou feminista quando me desconstruo,
Travo embates com a existência
E enfrento temores.
Há um ranço de poder nas elites.
Há estalactites nos cérebros,
Estalagmitites entre o sexo e a alma.
Há desvãos insondáveis dentro de mim.
Ninguém me acha, ninguém me vê,
E, hoje, ninguém me habita.
Há um labirinto dentro de mim,
Que apenas eu me percorro solitariamente aos domingos.
Apenas eu mínguo de vésperas e de escolhas.
Apenas eu recolho âncoras
E trago pavões em minhas saias.
Dragões e mandrágoras residem nas rendas
Das minhas negras anáguas.
Apenas eu sou casta,
Pois vivencio a solidão absoluta das divindades.
Trago em mim a ilusão de reter o tempo,
A extensão da vida, da morte.
Inútil reter o a convulsão dos diamantes!
E a combustão dos diademas.
Inútil reter sementes, óvulos e afetos!
Inútil, pois o belo expira.
O amor definha.
E a história é feita de fios que se desfazem
No ano do Galo.
Restam vestígios e sombras apenas.
Os girassóis de Van Gogh estão mortos!
Somente agora os vejo cadáveres.
Somente agora murcham e enlouquecem
Diante das minhas janelas barrocas.
Há desolação em meu peito
E o coração assombra-se com
Conspirações, golpes.
A Poeta cisma da sua escrivaninha
E gira na convulsão do mundo.
A Poeta transita entre as minas de ouro da Colômbia
Em amnésia, em guilhotinas, em fraudes.
Atordoada de si mesma e da sua condição.
O estúpido americano ataca a língua de Lorca!
O Chile, em incêndios.
Imigrantes sofrem açoites, pânicos.
Tudo o que canto faz-se poeira cósmica.
Tudo o que canto evade-se sem eco.
Tragam-me o ópio, o haxixe e o absinto!
Fotografias: Shai Andrade/projeto profundanças.
Rita Santana é professora, atriz e escritora. Em 2004 publica Tramela (contos) - prêmio Braskem de Cultura e Arte para autores inéditos. Em 2006 publica Tratado das Veias (poemas) através do Selo Letras da Bahia, e em 2012 lança Alforrias (poemas). Como atriz, tem experiências em teatro, cinema e televisão.