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5 POEMAS DE EVERTON FRANCISCO

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pirâmide

o poeta
caça eternidades
por elas
soterra-se de sumo

antissol,
oculto.

é ventre e nada
diz sua carne
embalsamada.

sob a tumba
– que enterra e eleva –
ossos areias vermes nem;

o coração
o denuncia:
inda pulsa,
zabumba.



martelo agalopado de montar

cada parte
                 se aparta
peça e peça
qual quadrado
                      e quadrado:
cubo
mágico
traço a troça:
             roçando
quase
            o trágico
cor e cor
se despede
                 se dispersa
milimetricamente:
as
   sim
se
   me
       ça
letra e letra
                  se soltam
lego e lego
                    cada 
           átomo
atônito
[concreto]
por ocaso ilumina e
                             se
dissipa
                          pois
desosso
        o organismo   
da cantiga
         quando eu
                          quebro
um galope
                    de martelo



arar

a ave lavra:
bico branco à enxada
sachando as nuvens-daninhas

pra – no terroso dos olhos dela –  
ser mão que ara, flor do vôo,
asas desmanchando em pétalas:
arara fazendo-se araçá

azul



feixes

feixes de luz mergulham
em feixes de cana.
os homens como peixes
mergulham
nos feixes de cana.
os podões são dentes,
dũa boca oculta
bebendo a água verde
de esse rio.
e o usineiro – que sabe
aquário este feudo –
é como deus.



à cantáteis
para chico césar

carinho de carinhanha 
é engendrar-se na entranha
placenta doce de rio
gordo jacaré sutil
em noite escura: farol
lua em mímica de anzol
de cima pesca meu sono
pras bandas do abandono
vou perdurar minha rede
na liquidez das paredes
do rio que é sina e é sono



 *    *    *


  

Everton Francisco (1995), natural de João Pessoa-PB, onde reside, é poeta, pesquisador de poesia, graduando em Letras (Português) pela Universidade Federal da Paraíba. Publicou seus poemas no suplemento Correio das Artes e na Malembe, revista literária. Está trabalhando em seu primeiro livro, ‘cauinagem.’






6 POEMAS DE JULIANA HOLLANDA

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Da arte de ser infinito

e o que não acaba quando te aperta o peito
de dor
onde está a glória das grandes virtudes
quando clarão se alastra
[CLAREIRA ABERTA]
no que despedaça a alma
enquanto sulcos se irrigam de fogo e
brasa
naquilo que escorre e grita
enquanto se arde
flor


sem título
estamos aqui, num emaranhado de cartas sem resposta
nos basta ler poemas, grandes livros
se não formos hábeis  para ter tempo e inteligência suficientes
para melhorar as coisas
um dia
ou até para gostarmos delas em suas glórias douradas
nesse tempo inspirado por ouro
 todas as manhãs
duas ou três páginas de poemas
possivelmente
construirão novas formas de estranhamento



estou doente de poesia e literatura
eles estão começando uma guerra
não estamos sozinhos para desviar de um vulcão com uma arma
sento sob estrelas e estou indo para o paraíso,
logo, estou entediada de novo
a liberdade tão real para acreditar nas árvores
e essas coisas sobre montanhas


quantos são os dragões
nas noites que não se apagam


no que a gente se afoga
quando não consegue dormir


tenho fogo de colocar as mãos no fogo
quando nem tudo é

impulso



*    *    *

Carioca de 1978, Juliana Hollanda atua na poesia desde 2005 (CEP 20.000, Ponte de Versos e etc). Além de fazer parte do trio de poetas "Madame Kaos" (com Beatriz Provasi e Marcela Gianini), também compõe a dupla "Ju & Juju" (com Justo D'Avila). Possui três livros publicados: "Acordei num Iceberg" (Ibis Libris, 2008), "Entre sem bater" (2010) e "Vertentes" (2012), os dois últimos, independentes, editados por Tavinho Paes para a coleção Heart.Action.

5 poemas de Rita Maria Kalinovski

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DESTROÇOS DE NÓS

guerras são sazonais
como tangerinas.
descansam seus ódios
por um tempo
depois explodem
suas ganas
em destroços de pólen
em olhos de terror.
dores insaciáveis
mortesindevidas.
não entendo a guerra.
não entendo a paz.
para haver paz
é feita a guerra?
paz em tardes de grama
e sombra de árvore.
pios de pássaro
e cigarras insanas.
guerras quebram silêncios
movimentos lentos
xícaras sobre a mesa
mãos em agulhas de crochê.
guerras quebram
diálogos de mãos quentes.
guerras sujam
crianças com o pó da ira
a testa dos velhos
o regaço das jovens.
quem decide as guerras
não vai pra guerra.
somos resultado 
de todas as guerras.



TRISTEZA DE BICHO

quem
para recolher seus olhos?
tristeza de bicho não conta.
fomes e frios. E sedes.
eles não sabem.
apenas continuam.
cães sem corpo
gatos tristes. definhados.
cabritos alegres
e vacas em pressentimento
da morte.
cavalos judiados até os ossos
caminham o peso no lombo.
tantos espalhados
nas vielas escuras
nos lixos podres
a cata do necessário.
o medo de existir
de ser enxotado
deixa seus cotidianos
doloridos.Apenas doloridos.
ninguém para pensar
suas feridas tristes.
quem vai recolher
suas lágrimas secas?
ah! onde o santuário
onde serão depositados
seus olhos de súplica?


TEATRO BARATO

acabou a peça
as cortinas baixaram
atores ébrios
se inclinaram.
sobrou a realidade
nas promessas verdolengas
despencadas e apodrecidas.
um cotidiano imaturo
e desesperançado
acena nas esquinas endurecidas.
ficou o teatro forjado
numa peça de engodos.
de novo levar
as mentiras
e tentar o sono da revolta
o sonho negro do ferimento
causado pelos que desmandam.
era uma promessa
há tanto acalentada.
eles a amassaram
e jogaram
entre os imprestáveis.
eles estão acostumados
eles acomodaram
seus assentos
nas facilidades
nas mansões luxuosas
nos aviões bombardieu
nas piscinas frescas
nas cadeiras macias
e nas mesas fartas
retiradas
de cada um de nós.


CERIMÔNIA

embrulhei-me
pra presente
pus anel
brinco
pintei o bico 
pele macia.
caminhei-me
urgente
para a festa
toda composta
pela fresta
todos na compota:
muitas cores
tantos brilhos
e vapores
e vidrilhos
tão formais
as cabeças
tão triviais.
nas bocas
o banal
nas cabeças
o social.


NO MUSEU

nós duas.
as fotografias
mostram a captura do fotógrafo
em lugares inusitados.
rostos peculiares
causam deslumbramento.
na moça guardiã da coleção
a repetição do visual
dia e dia e dia e dia.
apenas lhe enriquecera
os olhos atentos
da primeira vez.
nas outras dias, obrigação.
não faz importância
quem entregou
alma, suor e louvação
na sensibilidade de captar
as imagens.
movida pela curiosidade:
-como é ficar aqui por tanto tempo?
a resposta, num sorriso inteiro:
- ah, eu ordeno a cabeça
resolvo problemas e decido coisas.
você,viu naquela foto
onde o homem toca um berrante? 
reparou como está arrepiado o braço dele?
- não!


Galeria: Elaheh R.


Rita Maria Kalinovski, curitibana, procuro ”documentar” o tempo em que vivo, na tentativa decolocar pra fora de mim, o que já não cabe em mim.
Dei meu empenho nos livros:
Aonde vai o que eu sinto?– Adotado pelo Plano Nacional do Livro DidáticoSão Paulo.Editora Dimensão-B. H.2ª edição. Bienal do Livro S.P.
Faz parte das Bibliotecas Escolares de São Paulo e Belo Horizonte.
Grilo pula. E peixe... Nada?Representou o Brasil na Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil em Milão- Itália. Editora Dimensão.
A Chacoalhada no Céu- Editora Dimensão-BH
A Cortina Etelvina e o Vento Barulhento- Texto e Ilustrações. Adaptado para teatro -Festival Literatura e Teatro. Pé no Palco - Curitiba.
Por um Triz– Poemas minimalistas –Edição Independente
Meia para Sereias–Coleção Marianas Edições –EditoraBolsa Nacional do livro. Curitiba.
TEMPO DE POESIA– Antologia -Time Editora. São Paulo
Revista EELS – Poesias. Publicação eletrônica
Revista Impulso– Poesias. Publicação eletrônica

Dois poemas de Cibely Zenari Guadalupe

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frútero
12 contrações
compassadas
despressurização
caem as máscaras
primeiro as mulheres
depois as orgias
celestes





astro
navego na tez dessa pele
astrolábio
avesso à razão da direção

fundo com o oceano
mares profundos

sem fronteiras entre
donos
terreiros
terras
tornozelos
e saveiros

perdidas docas
lábios e bocas

remam incansáveis
ilhas inalcançáveis
flutuam
latitude zero

trapiches largados
birutas
balangamos ao vento

ao fundo escafandro
Ó2 acabando

jamais achados
escombros náufragos
pegadas na água
em únicos rastros
úmidos
de lábios cúmplices

trovões silenciam
há salvos?


Águas do meu batismo - Ernane Catroli

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Ilustração; Jakub Wisniewski


As cores da manhã e o ruído crescente das ondas na areia. Baixa temporada agora. Seguia pela aleia de cascalho que levava ao casarão de dois andares. Pensão do Farol. Ao abrir a porta, Dona Jovita, o semblante rijo.  Mais magra. Cabelos ralos. Mas é Milena quem emerge do ambiente. Muitas vezes. Milhares de vezes.                                 
Toda a nossa louca juventude e uma gravidez atropelando o nosso cotidiano.
Faremos, então, o combinado.
                                                            ***
O lado do quarto onde permaneço tenso e mudo e a voz imperativa de dona Jovita. Milena deitada na cama de solteiro. Os olhos aumentados. Sobre o criado mudo, a infusão de ervas para ser ingerida aos poucos, conforme recomendação de dona Jovita. A pequena maleta aberta sob a luz do abajur.
O início. O meio.
A noite antiga. Azul.
Ouvia-se o mar.

           


Ernane Catrolié mineiro (Sant’Anna de Cataguases – MG). Reside no Rio de Janeiro. Publica em alguns blogs dedicados à cultura.

5 poemas de Carla Carbatti

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a palavra sanguínea é a que mais flui

houve um tempo em que se contava o tempo pelos movimentos, quase incorpóreos, multicoloridamente matéricos de crianças dançando nas curvas. por curva, entendia-se tudo aquilo que os signos não apreendiam dentro de suas fórmulas 

era o gesto que gestava o mundo, os segundos. o verbo era um pássaro de fogo pulsando na aurora. por aurora, entendia-se o encontro entre a luz e a sombra, esse estremecimento que alberga não uma lucidez ou uma certeza, mas um espanto
,
minha geração, por exemplo, nasceu da colisão do vento com as montanhas. minha mãe tem as mãos duras e afiadas como as pontas de uma estrela. procuro entre os detritos biogênicos aquele que, estranhamente linguístico, nos cicatrize a ferida. reformulemos assim: cuido para que o limite crie as condições para o tato
,
houve um tempo em que era por enquanto. grandes ambições cabiam no fôlego de um balão de goma. era por enquanto e homens matemáticos e mulheres cantoras gastavam hertz em noite sem regresso, em distâncias compartilhadas, em frases que escapavam do corpo feito um animal selvagem, feito bolinhas de sabão
,
“a única verdade é que vivo” diz Joana em desequilíbrio (...) fluxos de fragrâncias, de notas musicais, de cores hápticas, de vozes vegetais pairam no ar até se chocarem com as fibras corpóreas do meu pensamento. sentidos. então, eu digo um nome como quem descobre uma molécula. há sido experimental muito antes de ser exata. exala. sim, exala segundo a topografia da forma: informe: a palavra sanguínea é a que mais flui ... por fluir, entende-se a capacidade de fazer novas conexões, criar novos mundos



na gravidade dos caudais

braços e pernas dispostos numa canção
no espaço líquido desse movimento
pode nascer um livro, um lírio
um sentido de variações climáticas
tremores
na mecânica das águas
você fala porosidades
para caber a matéria
para respirar o interlúdio
eu me iludo abrindo as janelas
inventando arquiteturas para as tempestades
qualquer gênesis de aplicação prática
produz um ruído no tempo
o amor, por exemplo,
é esse tic-tac
essa bomba-relógio 
no coração do poema
umas dirão: - produzimos esquemas mais sofisticados:
cavalos de papel marché no motor da ferida
espumas hidráulicas no estômago de Moby Dick
clinâmen atômico em Jornadas de Junho
é justo
diante das sílabas sibilantes
os peixes vencem as funduras
escalam a atmosfera
as linhas perdem os anzóis
ganham as curvas
o universo se enche de grãos e vãos
vai, Lia,
habitar as tangências
girar na gravidade dos caudais



os gestos que estremecem os trigais

sou atravessada por todos os rios que naufragam no sul
por todos os gestos que estremecem os trigais
há uma espessura que só cabe o silêncio
porque nenhuma palavra tem a cicatriz exata
do mapa do meu ventre
porque meu sopro é distância e diáspora
[língua sem gramática e gravidade]
e as noites estão feitas para os dedos
e as cavidades



todo tocar é uma canção

enquanto acordo os pássaros
a mãe tece a mortalha do anoitecer
agora estamos fora
na linha curvilínea de uma folha que chora

que farei com minhas mãos
depois de tocarem aquilo que não se toca?

todo tocar é uma canção
- murmulha a mãe entre seus galhos e rascunhos
é isso que se perde, minha filha

e sua voz vibra as águas do meu punho




nas pontas do abismo

bonito. bonito o céu
o seu cabelo
contudo
tudo
está por um fio
frio nas solas dos pés
nas pontas do abismo
mismo ________ aqui
nesse lugar que você chama de distância
uma ânsia de te chamar
por algum nome que não se perca num grito
que se perca num elo infinito
num verbo que acenda o coração
que exercite os músculos 
numa política de afetos alegres
que me leve além da minha casa
dos meus passos, meu quarto, meus lençóis
que desestabilize a estrutura do possível
do estabelecido
do indivíduo
que seja isso
o risco 
de um nós


Galeria: Andrea Pramok



Carla Carbatti é doutoranda em Estudos da Literatura e da Cultura pela Universidade de Santiago de Compostela (USC). Possui textos poéticos, ensaísticos e resenhas publicados em várias revistas eletrônicas. É autora do livro de poesia  Na cadência do caos editado pela Urutau, 2016.

O poeta Pedro Lyra em Volta Redonda

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O POETA PEDRO LYRA EM VOLTA REDONDA




Jean Carlos Gomes
com a colaboração de Antônio Pena,
poeta e professor.



    Entre o Projeto TIM Grandes Escritores, que trouxe a Volta Redonda autores consagrados como Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti e Ignácio de Loyola, e a vinda de Pedro Lyra, em 26 de julho último, em razão da homenagem que lhe foi prestada pela PoeArt Editora, há uma lacuna de onze anos. Muito tempo, pelo fato de Volta Redonda ser uma cidade importante, próxima ao Rio de Janeiro, com faculdades, inclusive com curso de Letras. É uma pena que em nosso meio não se invista muito em projetos dessa natureza, que no fim de contas nem é tão dispendioso. Parece-nos que se desconhece a existência dessa parcela da sociedade, que é a de quem escreve e a de quem lê, a qual, embora pequena, existe e RECLAMA o seu lugar.

    Sé é verdade que “poetas são lidos por poetas”, também é verdade que, trabalhando-se no sentido de se incentivar o hábito de leitura, quer seja por eventos como palestras com escritores, feiras de livros, saraus, concursos, quer seja por simples projetos de leitura em sala de aula, muito se consegue. É a partir do convívio com os livros que surge o leitor e, consequentemente, o escritor. 

    Na apresentação ao livro Milênios e outros poemas, de Ruy Espinheira Filho, publicado recentemente pela Editora Patuá, o poeta, ensaísta e editor Alexei Bueno chama a atenção para a escassez de público para obras literárias, quando diz, ao final do prefácio, que “Milênios e outros poemas vem juntar-se (...) ao admirável conjunto de obra desse que é um dos grandes poetas do Brasil, este Brasil desgraçadamente tão surdo — e de forma crescente — a todas as belezas do espírito.” Pois é fato que há surdez em se tratando de literatura. Poesia, então, nem se comente. Mas é fato também que ela — a poesia — se manifesta, através de um e outro talento, como uma das mais belas formas de arte e, ainda que pouco ouvida, tem o poder do canto das sereias. E Pedro Lyra, desde sua estreia, com o livro Sombras, de 1967, até a presente data, tem provado que é um desses talentos, ao lado dos já citados poetas Alexei Bueno e Ruy Espinheira Filho,Affonso Romano de Sant’Annae Marina Colasanti, como também ao lado de Astrid Cabral, Anderson Braga Horta, Antonio Miranda e tantos outros.

    Foi-nos honra ouvir Pedro Lyra falar de poesia e vida, no Teatro Gacemss II, em Volta Redonda, honra tê-lo apresentando-nos alguns de seus livros, inclusive o recém-lançado A construção do poema. Aos que não o conhecem ou não puderam comparecer ao evento, fica o convite a pesquisá-lo na internet e conhecer um pouco dele e de sua sedutora poesia.

    Nesse importante evento literário, lançamos oficialmente o livro VII Coletânea Século XXI, que traz um capitulo especial em homenagem ao notável poeta e professor, que gentilmente aceitou e autorizou nossa homenagem a sua pessoa e obra e ainda se prontificou a recebê-la aqui em nossa cidade, um dia depois do Dia do Escritor, que é comemorado em 25 de julho.    Este livro é o resultado da VII Seletiva Nacional de Poesia. Constam na obra, 53 escritores de 18 estados brasileiros. O evento foi uma realização da PoeArt Editora que desde 2006 vem produzindo livros e concursos literários, em parceria com a Academia Volta-Redondense de Letras com total apoio do Teatro GACEMSS. Agradecemos a todos os presentes em especial aos poetas e professores que conduziram o evento: Antônio Pena e José Huguenin, juntamente com este colunista.  Salve Pedro Lyra, Viva a Poesia Brasileira e seus Poetas!!!




O poeta e professor Antônio Pena apresentando Pedro Lyra. / Pedro Lyra falando de sua obra A Construção do Poema. / Jean Carlos Gomes agradecendo a vinda do poeta.






Entrega da primeira distinção: Caixa Personalizada, entregue pela professora Imaculada Maria ao poeta junto com Jean Carlos Gomes. / Segunda distinção: Quadro pelos 50 anos de Poesia que o poeta completará em novembro, entregue pela presidente da Academia Volta-Redondense de Letras Mércia Christani junto com o Vice, jornalista Vicente Melo. / Terceira distinção: Quadro com a Capa do livro VII Coletânea Século XXI que traz a homenagem a sua obra, entregue por Jean Carlos Gomes com o poeta Adahir Gonçalves.




Com o poeta Jean Carlos Gomes. / Pedro Lyra em click especial com a marca PoeArt Editora que desde 2006 vem publicando livros e talentos literüarios.


* Fotos Jacy Menezes e divulgação


Mallarvista 008 - entrevista com o acadêmico Antonio Carlos Secchin

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coluna mallarvista nr. 008
.:. Chris Herrmann e Nuno Rau .:.

COLABORADOR: Jean Carlos Gomes


O entrevistado do oitavo número da coluna mallarvista
é o escritor e acadêmico Antonio Carlos Secchin:





1- Como se sentiu quando foi eleito para a ABL?

ACS:Feliz e honrado, e ao mesmo tempo que desafiado para estar à altura da expectativa dos que se manifestaram por meu nome para ingressar na mais importante instituição cultural do país.

2- O que mudou para o escritor depois dessa nova conquista?

ACS:Permaneço a mesma pessoa e, suponho, o mesmo escritor. A Academia confere maior visibilidade a seus membros, mas não interfere diretamente na produção dos acadêmicos.

3- Diante da crescente relevância das mídias digitais, que novo cenário, em sua opinião, se desenha para a literatura brasileira?

ACS:As novas tecnologias democratizaram a circulação da literatura, o que é ótimo, mas temo que, em decorrência dessa mesma facilidade de exposição, acabemos por ter mais escritores do que leitores.

4- A constante crítica de que somos um país de poucos leitores interfere de alguma forma em sua atividade?

ACS:Quando escrevo, considero o público a que me dirijo o, mas nem por isso procuro oferecer o que esse público espera. Cabe ao escritor sempre surpreender a expectativa alheia.

5- O que a Literatura de mais satisfatório lhe proporciona?

ACS:A possibilidade de explorar os ilimitados domínios da linguagem e assim dissolver percepções, temas e formas já sedimentados na rotina e no lugar-comum.

6- Qual é, a seu ver, a função da Literatura na sociedade?

ACS: A função de não ser funcional, de não se deixar aprisionar nas malhas do discurso ostensivamente utilitário e pragmático. 




AUTORRETRATO

                     A Flávia Amparo

Um poeta nunca sabe
onde sua voz termina,
se é dele  de fato a voz
que no seu nome se assina.
Nem sabe se a vida alheia
é seu pasto de rapina,
ou se o outro é que lhe invade,
numa voragem assassina.
Nenhum poeta conhece
esse  motor  que maquina
a explosão da coisa escrita
contra a crosta da rotina.
Entender inteiro o poeta
é bem malsinada sina:
quando o supomos em cena,
já vai sumindo na esquina,
entrando na contramão
do que o bom senso lhe ensina.
Por sob a zona da sombra,
navega em meio à neblina.
Sabe que nasce do escuro
a poesia que o ilumina.


acervo pessoal ACS



acervo pessoal ACS
 
O poeta e editor Jean Carlos Gomes com o Acadêmico na ABL em 31 de março



    Nascido no Rio de Janeiro em 10 de junho de 1952. É o sétimo ocupante da Cadeira nº 19, eleito em 3 de junho de 2004, na sucessão de Marcos Almir Madeira e recebido em 6 de agosto de 2004 pelo acadêmico Ivan Junqueira. É Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1982). Professor de Literatura Brasileira das Universidades de Bordeaux, (1975-1979), Roma (1985), Rennes (1991), Mérida (1999) Paris III-Sorbonne Nouvelle (2009) e da Faculdade de Letras da UFRJ, onde foi aprovado (1993), por unanimidade, com nota máxima, em concurso público para professor titular. Em 2013, tornou-se professor emérito da UFRJ.


Mais sobre o escritor: www.academia.org.br




Colunas anteriores:

Corpo - Evandro Alves Maciel

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Decisões.:

a gente se (f)(c) ala


Sobre Tempos e Contratempos:

sonhei que era um hieróglifo
decifrável se defronte ao espelho;
não havia espelhos, porém,
no meu quarto de dormir.

sonhei que era um hierofante
meus olhos: dois espelhos;
luminares de um mundo imenso,
ocultado pela cegueira congênita.

sonhei que era um bardo
possuidor de memória eidética;
embora visse tudo com clareza
descobri-me completamente mudo.

sonhei que era um funâmbulo
minha arte tão elevada que diziam:
"só falta voar"; haveria melhor sorte?
mas morria de medo de altura.


OneirosCausa.:

avessa é a esperança
que não engata sem o medo -
nos quintais vejo buracos
do tamanho de estrelas
a reduzir o pó contrário
que flui vent'alegremente
colapsando a nova ordem -
restituindo as alamedas.

eu olho da janela um sol quebrado
à esquerda de quem vai
à direita de quem vem
enquanto meus pés percebem
com a clareza precisa do chão
a irrelevância de qualquer direção.
ao mesmo tempo, o cristal dos dias produz,
apesar das aparências,
a partir das causas,
esculpido nos efeitos,
o sentido múltiplo e contínuo
do qual nos alimentamos.

e eu sonho acordado
um ouroboros cravado na entrada do templo
e acordo sonhando
um labirinto ladeado por margens de areia.

O sol sobre a cabeça da serpente,
a chuva longínqua no horizonte
e nós entre ambos.

A palavra é a chave.
ela abre,
mas também tranca.


Amor.:

eu te amo
como quem esquece a chave
e só se lembra
do que ela guarda
quando vê -
espelho avesso
- aquilo que mais detesta.

eu te amo
sendo um só silêncio
irrompido
como fanfarra
aos seus ouvidos
mal achados
e destreinados para a música.

tu me amas
como quem ama aquilo
que um dia esteve em sonho
no horizonte alicerçado
sobre o pó
de suas tristezas
- é de dar pena.

tu me amas
sendo um só ruído
deslocado
feito as asas truculentas
de uma abelha estranha
ao próprio zumbido
- é de foder...

...e só!
mais que isso,
seria suicídio.



TantraKarma VI.:

(in alio) que o perfume que me distancia da noite que desejo revele o doce gosto do dia que almejo que o doce gosto do dia que não quero me distancie do perfume da noite que execro que o perfume que me releva na noite que mal sinto revele o mago poder do dia que ressinto que o mago poder do dia que renego transforme o meu amor na noite que desejo (in me) que meu amor se transforme na noite que desejo pelo mago poder do dia que renego que meu amor me distancie do dia que ressinto pelo perfume que me releva na noite que mal sinto que meu amor revele o doce gosto do dia que almejo pelo que me distancia da noite que não vejo que meu amor me aproxime da noite que é tua pelo simples desejar de um dia mais intenso e menos rude (in alio) que o perfume que me distancia da noite que desejo revele o doce gosto do dia que almejo que o doce gosto do dia que não quero me distancie do perfume da noite que execro que o perfume que me releva na noite que mal sinto revele o mago poder do dia que ressinto que o mago poder do dia que renego transforme o meu amor na noite que desejo (in me) que meu amor se transforme na noite que desejo pelo mago poder do dia que renego que meu amor me distancie do dia que ressinto pelo perfume que me releva na noite que mal sinto que meu amor revele o doce gosto do dia que almejo pelo que me distancia da noite que não vejo que meu amor me aproxime da noite que é tua pelo simples desejar de um dia mais intenso e menos rude (in alio) que o perfume que me distancia da noite que desejo revele o doce gosto do dia que almejo que o doce gosto do dia que não quero me distancie do perfume da noite que execro que o perfume que me releva na noite que mal sinto revele o mago poder do dia que ressinto que o mago poder do dia que renego transforme o meu amor na noite que desejo (in me) que meu amor se transforme na noite que desejo pelo mago poder do dia que renego que meu amor me distancie do dia que ressinto pelo perfume que me releva na noite que mal sinto que meu amor revele o doce gosto do dia que almejo pelo que me distancia da noite que não vejo que meu amor me aproxime da noite que é tua pelo simples desejar de um dia mais intenso e menos rude (in alio) que o perfume que me distancia da noite que desejo revele o doce gosto do dia que almejo que o doce gosto do dia que não quero me distancie do perfume da noite que execro que o perfume que me releva na noite que mal sinto revele o mago poder do dia que ressinto que o mago poder do dia que renego transforme o meu amor na noite que desejo (in me) que meu amor se transforme na noite que desejo pelo mago poder do dia que renego que meu amor me distancie do dia que ressinto pelo perfume que me releva na noite que mal sinto que meu amor revele o doce gosto do dia que almejo pelo que me distancia da noite que não vejo que meu amor me aproxime da noite que é tua pelo simples desejar de um dia mais intenso e menos rude (da capo)


Isto Não É Um Poema.:

I
a dor venceu a alegria venceu o abandono
venceu o desejo venceu o silêncio venceu
o carisma venceu o carma venceu a ciência
venceu a política venceu a economia venceu
a alma venceu o corpo venceu a dor?

II
O mundo sendo oceano
Eu que não aprendi a nadar.

III     
todos os dias
diante do espelho
o outro me manda um sinal

todos os dias
o ignoro
malgrado o perceba
com certa clareza

e perceba suas palavras
e perceba sua náusea
e perceba sua obrigação
convicto, igualmente,
de que será ignorado.

não o faço por mal, acreditem
tampouco por bem
já nem sei se o ignoro
ou o saiba, e por sabê-lo
invariavelmente o cumpra
achando, no entanto,
que o ignoro.

acontece assim:

eu levanto da cama
vou escovar os dentes
sorrio pro espelho
o outro sorri de volta
acredito por um instante
que a paz fora alcançada
mas virtualmente, sei
(ou o ignoro)
que tal sorriso é o encantamento
do que em mim ainda serpenteia
e dolorosamente se encaminha
para um clímax
tanto esperado quanto temido.

depois, com os dentes limpos
vago pelo mundo
espectro desencontrado de si
lambendo postes
antes de atravessar a rua
correndo febres
e dores de cabeça
escondendo no bolso
o antebraço que me puxa
para longe e ainda mais longe
daquilo que supus ser um "eu"
separado desde o nascimento
do útero que é o mundo.

o risco que corro
de tropeçar
é o mesmo risco
que corro
em alçar o voo.

e após dormir minhas quatro horas
tudo recomeça
como se não houvesse
e o sinal está lá
e o mundo está lá
e eu, estou?





Airosa.:

a jaula de um lado
o mar de outro
um muro infinito
e nós no meio








Galeria: Ramon Gutiérrez


Evandro Alves Maciel (São Paulo, 1980). Poeta, graduando Filosofia pela Faculdade de São Bento, de São Paulo e fotógrafo amador. É autor do livro de poemas Veneno de Ornitorrinco (Ed. Patuá, 2016).

"Onze e meia" poema de Lisa Alves

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Cena de "Morangos Silvestres'" de Ingmar Bergman



In Memoriam de M.J.P

E diziam que era tão forte
e que venceria a embriaguez do velho
e a ingratidão dos filhos
e que enterraria a única filha
e só depois de cento e vinte anos
deitaria na terra pra finalmente descansar.

Diziam
mas abril te levou
e não é mais um clichê de poeta.

Abril foi devastador
e cruel fomos nós
que não acreditávamos
que uma mãe poderia morrer
ou que tivesse o direito
de nunca mais olhar na cara
desse planeta de patrões e empregados.

Até escrevi isso no poema do Pai
que fechou os olhos depois de um 
mês exato do meu aniversário.


Não, eu não sou forte como tenho escutado por aí,
na verdade sou bem covarde
e só não meto uma bala na cabeça
ou pulo de algum prédio sem grades
por medo de ter que recomeçar tudo outra vez – como o aforismo 341 de Nietzsche.

Até do mar ando fugindo.
Até do canto das sereias.
Não sei o que vem depois. Quem sabe?

Lembra das minhas visões?
Dos gritos das cinco da manhã?
Eu sabia que iria perder todos vocês
quando caminhei à esquerda
quando conheci a margem
ou quando saímos do enterro da vovó em 1990
e você me disse para guardar minhas lágrimas
pois a melancolia não pertencia aos jovens
e muito menos às crianças como eu
e que minhas visões não passavam
de maldições hereditárias.

Eu te vi morta, Mãe!
Carreguei seu caixão
enquanto os homens 
de nossa família
me censuravam 
em nome dos velhos costumes:
“Mulher não leva caixão coisa nenhuma.”
Mas eu me agarrei em ti
e mataria mil se dali me tirassem.
E mataria. Eu juro!

Até hoje tenho aquelas visões.
Das cinco migrou para as três e trinta e três
mas é às onze e meia que espero o telefone tocar
e milagrosamente ouvir um
“Li, tudo bem? A mãe tá com saudade.” 
com aquele teu jeito mineira de ser.
Mas você não liga, Mãe!
E eu parei de atender qualquer ligação
para evitar que a linha ficasse ocupada.

Mas também não tenho muitas coisas pra te contar.
Além de dizer que você tinha razão a respeito de tudo
e que eu me enganei e vivo me enganando nessa história de amar
e que gente como a gente tem que ter prioridades
e que uma mãe pode morrer a qualquer momento
e que a gente vai junto – todo dia uma parte, uma célula e um pedaço do coração.

Amanhã vou desligar tudo e te deixar descansar em paz
mas só até as onze e meia – somente até as onze e meia.

___________________________________________
Lisa Alves | "Onze e meia" da série Canteiro de Pragas ::: Julho de 2017 :::




Lisa Alves (1981) é mineira, radicada na capital federal do Brasil. É curadora da revista de poesia e arte contemporânea “Mallarmargens”. Tem textos publicados em diversas revistas, jornais e páginas literárias no Brasil e em Portugal. Tem poemas publicados em oito antologias lançadas no Brasil, Argentina e País Basco. Lançou em 2015 seu primeiro livro de poesia intitulado “Arame Farpado”  ( Lug Editora, RJ).

FORA TEMER

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Tema Ferro
Ofertar Me
Mero Frate
Te Reforma
Taro Refem
Toma Ferre
Fare Morte
After More
Retro Fame
Faro Treme
E Tem Forra
Temor Fera
Fera Morte
Terra Fome
Meter Faro
Frete Amor
Remar Feto
Mate Ferro
Faro em Ter
Forma Eter
Rema forte
Far Remote
Fear Morte
Frete o Mar
Meta Ferro
Fora Metre
Fretaremo
Frota em Re
Rato Freme
Frema Reto
Teme Forra
Eta Ferrom
Mare Forte
Rato Refem
Meter Fora
Fora Temer

________
rodrigo garcia lopes 9/9/2016

POEMA DE FABÍOLA LACERDA

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não vi o poema todo
quando encontrei o banquinho já estavam na última estrofe
a moça loira já comia as rosas brancas como a uma alface
ela engolia sem mastigar, suas pernas paralíticas pareciam fremir de fome,
como que sentada numa máquina de lavar roupas
fremiam
acho que seus olhos falavam sueco
algo de Bergman, não sei
lá as coisas funcionam como são
não há essa coisa tropical de beijos e abraços
tudo é branco e de vidro e de inox aço
já pensou uma casa de taipa na neve?
já pensou num esgoto a céu aberto na neve?
cocô congelado não cheira tão mal
lá não tem essas coisas de miséria
lá não tem essa obrigação moral de piedade
lá as coisas são como são
mas há necessidades não satisfeitas
comem-se rosas brancas para saber o gosto da morte
lá a morte é poesia, busca-se
a taxa de suicídio é enorme
já pensou um suicídio no chão craquelado do sertão?
lá não há essa tropicalidade de fugir das bicadas dos urubus
a moça comia rosas brancas que colhia de um caixão de defunto
que moça bonita que moça inerte que moça maçã


*    *    *



Fabíola Lacerda nasceu no sertão pernambucano em 1975. Veio morar na capital aos dez anos de idade mas preserva intacto o sotaque sertanejo. Graduada em Ciências Biológicas, servidora pública do Poder Judiciário, aprendeu a ler com uma velha enciclopédia Delta-Larousse, talvez por isso, se interesse por assuntos variados. Escrever tem lhe proporcionado muito prazer e autoconhecimento. Acredita que tem uma narrativa lírica mas não se reconhece como poeta, seja como for, ama poesia.

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marília garcia


2 poemas














bzzz


estar ali era como um ninho
de abelhas.
                  uma colmeia? você quis dizer
colmeia ou só queria dar a impressão
de perigo?

não sei, olhava as fotos
em silêncio e talvez nesse
momento ele tenha passado bem perto,
talvez tenha sido
só uma sombra na hora em que virei.
será que uma linha de sombra
bastaria para a gente se reconhecer?

[lembra aquela vez em que você
parou um poema no meio
para me contar de uma cidade
sem sombras?]

devia ser aquele lugar:
a luz naquele lugar
a luz de antes que se repete agora
dando a impressão de mapas
sobrepostos. quando chego aqui, demoro para saber
o que acontece.
você já sabe o que fazer agora?

às vezes ouço o mesmo ruído ao redor
como um ninho de abelhas
um bzzz em cima da ponte
e uma sombra escapando
mas não era perigo,
era só um barulho na hora de ouvir
o que mais importava













é uma love story e é sobre um acidente


primeiro, a cena congelada.
um dedo pousa no vidro,
a tela vibra.
                      você lembra o que
disse na hora? você gritou? doeu?
você lembra do que aconteceu?
— a curva, a chuva, um clarão.

(depois ela acabou,
foi embora para o sul)

você lembra o que disse na hora
em que o carro deslizou?
três horas na chuva esperando,
a curva, o estrondo — você lembra?
você entre as ferragens
perguntando o que houve.

(mas isso é um acidente
e é sobre uma love story)

o amor, diz,é um efeito especial,
pensa que viu tudo
mas quando acende a luz
os pontos
cegos se espalham:
                        uma fossa abissal, uma nuvem
de distância e uma cidade chamada vidro ou
vértice
                   volpi ou verdi.

o amoré alguém entrando
na geometria da sua mão.

neste momento atravessa o corredor:
— não há mais isso entre nós,
de onde o timbre da sua voz
um efeito-estertor.
(dentro do poema
pode sentir o efeito
e nessa hora todos os porquês
ficam silenciados)

o amor é isso, diz, não um corvo,
mas um impermeável vermelho pendurado
na janela vindo de outro poema
para tocar na sua tela.

é você comendo o que sobrou
depois do estrondo.

o amor é este olhar que mancha
a retina na hora da emergência,
um olho cinzento que treme
sempre que muda
de hemisfério

“é difícil olhar as coisas
diretamente”,
elas são muito luminosas
ou muito escuras

2/3 deste país são feitos de água
e sempre que se vira, um
afogamento.
                        apenas um mergulho
dizia a imagem. vamos ver o deserto,
andar pelo centro do mundo?

mas isso é um dicionário
e é sobre uma love story.

[love story, de a-z]

a curva, a chuva, um clarão
a curva, o estrondo — você lembra
a retina na hora da emergência
a tela vibra
afogamento
andar pelo
apenas um mergulho
cegos se espalham
de distância
de hemisfério
de onde o timbre
dentro do poema
depois
depois ela acabou
diretamente
disse na hora?
dizia a imagem
dois terços desse país
e é sobre uma love story
e é sobre uma love story
e nessa hora todos os porquês
e sempre que se vira
é difícil olhar as coisas
é você comendo
em que o carro
ficam silenciados
foi embora
luminosas
mas isso é um acidente
mas isso é um dicionário
mas quando acende a luz
mas um impermeável
na geometria
na janela
não há mais
não um corvo
neste momento
o amor é um efeito especial
o amor é alguém entrando
o amor é este olhar que mancha
o amor é isso
os pontos
ou
para tocar na sua tela
pensa que viu tudo
perguntando
pode sentir
primeiro
sempre que muda
três horas na chuva
um dedo pousa
um efeito-estertor
um olho cinzento
uma fossa abissal
uma nuvem
vértice
você entre as ferragens
você lembra
você lembra o que
você lembra o que disse na hora
volpi ou verdi
























Marília Garcia nasceu no Rio de Janeiro. É tradutora e publicou, entre outros, "Um teste de resistores" (7letras, 2014). Estes poemas integram seu mais recente livro: "Câmera lenta" (Companhia das Letras, 2017).










8 poemas de Adriana Alves

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Palavra

Gosto de escrever triste,
mas não é de tristeza que me faço.
Palavra é dura, pontuda, machuca.
Quando pega a mão,
paralisa de dor.
Não larga mais,
até virar um conto de amor.
Dorme e come na mesma cama.
Vive no banheiro, na sala, na cozinha.
Vira parasita dentro.
Um dia se solta
E deixa saudade.



 Metades

A noite caiu
pela metade.
Uma parte escureceu
o dia
e a outra
escureceu
aquilo que eu
seria.





Amor

Amar não é palavra pra rimar.
É pra esconder
na fotografia
dentro da caixa
de sapatos,
no fundo
do guarda-roupa.

E naqueles dias
a gente abre,
tira a poeira
e olha,
só pra não esquecer.


Saudades

O que existe por trás da porta
é uma janela entreaberta
e um vento gelado,
que atravessa o corredor.

E vez ou outra me abraça.


Insônia

Um copo de café.
Arrasto a cadeira:
   
 e a goteira

              p
              i
              n
              g
              a

a noite inteira.


Morte

A coruja piava em cima do telhado.
Até acertar pedra e cobrir silêncio.
Isso é azar de gente grande.

*

Caleidoscopica-mente
Todo mundo
                 Mente
No mundo inteiro
Tiro certeiro.

A mentira vai girando
Rodando
Soprando ao vento
O seu,
O meu pensamento.
Incessante
                    Mente.

*

A vida roda.
No carro.
Na bicicleta.
No buraco da fechadura
espia a verdade
e faz maldade
de mim.

Galeria: David Preissel


Adriana Alvesé de São Paulo, capital, formada em Letras pela Universidade de São Paulo. A literatura sempre esteve presente em sua vida, desde que se descobriu como “gente”. Gosta de ler o mundo e dele retira inspiração para os seus escritos. A poesia para ela fotografa a essência do mundo.
            No seu trabalho vivencia experiências diversas com crianças moradoras da periferia de São Paulo. Ser professora de Língua Portuguesa proporcionou-lhe um contato diário com livros e letras. Sua poesia retoma aspectos característicos de sua infância vivida no bairro de Vila Formosa, zona leste de São Paulo.

7 poemas de Ingrid Carrafa

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Jogou na privada o livro de autoajuda
Rasgou o Herman Hesse manchado de café
Quebrou o vinil e todos os discos da Alcione
Estourou a conta do boteco
Sujou o próprio nome
Entrou nua no Tribunal de Justiça
queria acertar as contas
com o juiz do destino que a sentenciou a sentir assim
Foi presa por desacato
Alegou loucura
Outro amor havia acabado

                                                                    ***

Uma inveja desgraçada
do casal apaixonado na fila da carne
Sou uma fonte de solidão
agradecendo cada moeda que é jogada
com pedidos de amor
                                                                  


Miguel era um garoto de programa que herdou um quarto perto do cemitério aqui do bairro
Ele era simpático e vez ou outra me chamava pra puxar um fumo
O quartinho encardido nos sorria banguelo
Na parede, um Da Vinci descascado e a falta da ceia que levou dois irmãos dele
Me mostrava orgulhoso os anúncios recortados dos jornais:
“Miguel, 18 anos, experiente. Te levo ao paraíso em questão de minutos”
Ele faria qualquer coisa
e a maioria não queria fazer nada
Psicólogo, amigo, amante, pai, marido amoroso... Sutura pra ferida que não parava de sangrar
Ele tinha um toca discos de segunda mão, conquistado com muita foda sem alma
e muitas vezes eu esquecia dos encontros “intelectuais” e de toda aquela galera beat moderna chata pra caralho com seus Kerouacs e Ginsbergs
pra ficar escutando um som junto dele
o cara não sacava nada de Corso, tropicalismo
e, sem blábláblá barato, tirava a maior onda comigo
o tempo, ópio dos desprevenidos, me jogou numa clinica para viciados
ele foi me visitar limpo
estava se mandando pra São Paulo, ia tentar a vida.
Ser alguém
me olhou com aqueles olhos de primeiro dia da criação
pediu pra eu parar de cheirar e desejou sorte no meu lance de ser escritor
carrego comigo, até hoje, a sensação que ele já era alguém bem antes de tentar o ser

                                                                   


Ontem à noite quando eu estava voltando do trabalho
 vi dois caras agachados na calçada de uma igreja
meu vizinho de caminhada, que por sinal estava indo para uma vigília no monte sei lá o que,
apontou o dedo na direção e comentou cheio de asco:
- Tudo nóia de crack. O governo tinha que dar um jeito nisso. Deus me livre.
 Saiu andando na frente, apressado, precisava chegar logo no tal monte
pra garantir um lugar no céu
 Parei pra observar a cena
eles reviravam um saco de lixo preto e estavam tomando alguma coisa
que tiravam lá de dentro
acho que era iogurte
 Fiquei com uma bola de angústia agarrada na garganta feito espinha de peixe
 Vomitei pra porra
 Chorei
 Bateu uma puta bad e eu sentei no meio- fio
fiquei revirando meu vômito com o dedo
atrás de esperança e palavras
só encontrei o fardo de viver em um mundo míope
 Vai vê que ser poeta é isso
é ter olhos quando muitos já perderam

                                                                           ***

Eu a deixei sem a acordar do seu sono de bêbada
A lua estava alta e no micro system Frank Sinatra fazia jus
ao cd pirata comprado na feira do Aribiri
Eu cheirava a fumaça, a silêncio e a vômito
Desci na Vila Rubim e comi a primeira puta que encontrei
A maquiagem dela parecia escorregar com o suor
e com as trepadas anteriores
Tive pena
Mais de mim do que dela
Eu era um desgraçado
Chegando em casa reparei nas calcinhas cheias de buracos
Algumas com os fundos manchados
Balançavam livres na corda improvisada
Ela ainda estava apagada
Continuei a cerveja que havia deixado pra trás
Além de um desgraçado, eu estava virando do avesso
e meu coração batia pendurado no peito
Alguns homens você tem que matar
Eu estava perdido numa plantação de papoulas
Precisava ser esfregado por dentro pra lavar o veneno
Me sentia caído na sarjeta em plena tempestade
Fui roubado de mim e o que restou foi uma parede mofada e vazia
Um clandestino num navio de luxo

                                                          


Lá está Richard fitando a parede no andar de cima que dá para as estrelas
Pensa no pai que sempre pergunta:
- Eu resolvo ou não resolvo?
Enquanto mastiga folha de coca formando bolos de folha e saliva
Lembra uma vaca ruminando
Sabe que é tarde e o pai, nesse momento, come a vizinha estrábica de gemido triste
Sua mãe dorme chapada de diazepam no sofá da sala
O cigarro foi esquecido no cinzeiro
A tv está ligada e o som é alto
escuta a chamada do corujão
canção de ninar quando a dor insiste em doer
A mãe de Richard tem o olhar com o peso da liberdade de Barrabás
Ele gosta de dar nomes aos olhares
desde o dia que perdeu o cabaço com a empregada com olhos de mata virgem
Mas Richard não se olha no espelho
Tem medo do que se tornou
                                                                    


No interior do estado pelas bandas do Norte
existe uma casa á beira do precipício
com cheiro de sexo e incenso de alfazema
Lá mora um cara que gosta de rosas, café e beijos de mentira
Quando ele não está podando e controlando as pragas da roseira
está no quarto que fica ao lado da pequena capela
sendo observado pela virgem enquanto exorciza o diabo
de quatro
devorado por moscas varejeiras
por 29 pinos
é socado fundo até a alma
cai de rosto na cocaína espalhando pela mesa
com gosto
no confessionário só o padre tem a cura
No interior do estado pelas bandas do Norte
existe uma casa á beira do precipício
e um cara com um segredo escutando Bach
Ele queima a palma das mãos com cigarro
estigmatizado
não acredita em deus


Imagens: fotografias do acervo pessoal da autora.


Ingrid Carrafa nasceu em Vitória (ES) em 1989. Atriz e poeta. Tem poemas publicados em antologias e revistas literárias brasileiras. Publicou o livro de poemas Entre rosas e abismos (2015), pela editora Penalux; Não joguem pedras na Geni (2016), publicação independente

Mallarvoz - letras mastigadas - #14 Wilmar Silva de Andrade

O Estrupador - Homero Gomes

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“Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem.”

(Aristóteles, Ética a Nicômaco)


Era noite e os bêbados se espalhavam pelas calçadas. Eu caminhava pensando nas poucas horas de sono que teria e na solidão curtida durante anos.
Parei de andar quando ouvi gritos abafados de mulher, vindos de um estreito sobrado. A porta estava aberta; consegui distinguir duas sombras movendo-se intensamente.
Me aproximei devagar e vi um homem enorme violentando uma adolescente, segurando-lhe a nuca.
Usando uma pedra, consegui derrubar o homem no chão. O resto, a jovem fez sozinha. Com um cutelo, ela cortou o seu violador.
O homem ficou caído sobre o próprio sangue. A adolescente, liberta do pano que bloqueava sua beleza, abraçava os meus joelhos.
Então, tomei o cutelo de suas mãos. Meus pés estavam presos ao chão.
Conversamos sobre o que faríamos. Ela queria queimar o homem e jogar os restos no rio, mas consegui dissuadi-la da ideia. O correto seria chamar a polícia.
Ela estava emocionada e secava suas lágrimas na minha calça. Eu também; nunca pensei que seria capaz de vingar humilhações.
Queria me agradecer. Eu insistia que isso era desnecessário, mas a adolescente foi irredutível. Enquanto a sala se enchia do forte cheiro de sangue, ela abria meu zíper devagar. Eu não consegui evitar.
Enquanto ela secava o suor acumulado na testa, eu fui lavar minhas mãos. O sangue do homem estava seco e grudava meus dedos.
Passando pela porta, percebi um pequeno vulto que se mexia. Larguei o cutelo sobre a mesa e vi o que nos espionava.
Vestida humildemente, uma velha olhava para mim apavorada. Seu pequeno corpo tremia; eu fiquei paralisado ao ouvir o que ela murmurava: “Estuprador... estuprador!”.



Conto publicado pela primeira vez há 5 anos na antologia Mundo Mundano.
Ilustração :DOROTHY BHAWL



HOMERO GOMES (Curitiba/PR, 1978) é autor de Sísifo Desatento (contos), publicado em 2014 pela editora Terracota – finalista do Sesc de Literatura – e Solidão de Caronte (poemas), publicado em 2013 pela editora Patuá – primeiro colocado no Prêmio Poetizar o Mundo. Publica regularmente em periódicos eletrônicos e impressos, tais como Cândido, Mallarmargens, Rascunho, Nego Dito, Cult, Germina Literatura, RelevO, Escritoras Suicidas, Reversos, Cronópios, Ficções e Zunái. Publicou as narrativas-crônicas de um personagem ficcional em www.jamevu.tumblr.com. Foi colunista dos sites Página Cultural, Musa Rara e da revista Samizdat. Teve poemas publicados nas antologias Fantasma Civil, da Bienal Internacional de Curitiba, em 2013, 101 Poetas Paranaenses, da Biblioteca Pública do Paraná, em 2014, organizada por Ademir Demarchi, e 29 de Abril: o Verso da Violência, em 2015, publicada pela Editora Patuá.

Lançamento do livro: "Entre rios" de Beatriz Regina Guimarães Barboza

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Editora Kazuá




 1 de setembro, 19h, 
Vila Bar: Avenida Santa Isabel 1690, 
13084-643, Campinas (SP)



::: Poemas de "Entre rios":::



Calungas

o cemitério nos chama
a acender velas pelos mortos
em memórias dos ainda vivos
que ainda rangem e vagam
pelos elos dentro de nós

arrastando nosso passo
na densidade dos ambientes
bares ruas cheias de gente
que nos drenam de todo
vulneráveis à dor do mundo

ariscos em recolhimento,
reunimos forças para sair
e novamente trançar fios
de novas narrativas
em trilhas de terra batida
que absorvem as lágrimas
que não mais deixamos
empoçar nas palmas das mãos

elas se vão no luto
pelos campos queimados
na lembrança das tardes
cheirando a lavanda

frente à vida árida,
oramos às águas
que mantenham úmidas
nossa alma e carne


:::


das filhas do rio que descem ao mar

resta a nostalgia das águas sem retorno
que no entanto o próprio fluxo afoga
quando se voltam na contracorrente
pela saudade das rochas

como ser quem se foi
depois de cruzar hemisférios
e voltar com os bolsos leves
tendo colhido pedras roladas
do leito do rio Darro
e por elas hoje eu leio
os signos do teu peito,
Astarte

elas são sinais mais puros
que a renda de nosso sangue,
pois aquela ancestral andaluza
é filha de três culturas;
e se a descendência prolifera,
cabe ao dançar dos ritmos
dar ao psiquismo seu lugar

no amplo deslocamento
do lar à origem,
encontro-me em tudo
em que não me ausento
escavada para fora do medo
a fluir por onde meu pulsar
vislumbrar veio aberto

gravaram-me em Córdoba
um astrolábio nas costas
e pelo jogo de espelhos
vejo-me através deles
e os caminhos
as rotas







Beatriz Regina Guimarães Barboza (Campinas, 1994) é mestranda em Estudos da Tradução na UFSC e Bacharela em Estudos Literários na UNICAMP, atua como revisora, tradutora e escritora de poesia ("Quartos Esvaziados", 2015, ed. Urutau; "Entre rios", 2017, ed. Kazuá; "sentido insular", no prelo, ed. Urutau) e contos. É uma das editoras da revista Arcana e do projeto Pontes Outras. Atualmente, está a traduzir Anne Sexton (inglês), e, em parceria, Maria-Mercè Marçal (catalão) e Francisca Aguirre (castelhano).


Panfleto para Pirilampos e Magnólias - Rita Santana

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Há um aneurisma no cérebro do País
Esperando o tempo da explosão.
Pirilampos apagados
Buscam faróis na noite da Baía,
No mistério do dique, das docas.
Celebro manifestos insurrectos
Onde a Poesia cataclisma,
Hekatomba.

Estamporelâmpagos nos muros.
Uma hemorragia inunda
De sangue o oxigênio das horas.
O sangue pletora utopias, risos echamas.
Apesar da grande noite que se abate sobre o País,
O combate permanece no silêncio das tumbas,
Na obscuridade dos pesadelos,
Nas vontades recolhidas por Blimunda.
O horror retumba sobre as casas.
Enquanto engenho palavras
E lavro novos âmagos.


Na Colômbia,
Há Ceibasna estrada para Córdoba,
E suas raízes guardam segredos
De viajantes, de plantadoras de café,
De homens que bebem a noite
E sorvem nossas magnólias
(Magnólias brancas de Billie).
Mulheres que mascam tristezas, fumos.
Ceibas mulheresque sustentam o céu,
E acolhem ancestralidades ameríndias.
Assim, desmoronam colinas inteiras dentro de mim.

Há acordes de desolação,
Sinfonia de silêncios,
Lassidão dos sonhos, das crenças.
Atavismos seculares nas paredes,
Nos retratos, nas páginas diárias da História.
Nosso leito está vazio.
Nosso eito, sem arado.
Somos um rio seco, sem curso.
Somos um poço escuro e profundo,
Onde não vivem sequer bagres albinos.
Discurso para desertos, para ossos e rochedos,
Para homens surdos e mulheres apáticas.
Somos um Paraguaçu de fósseis, de lembranças marinhas.
Além da devastação em nossas margens,
Aragem alguma suaviza as dores do presente.
Não vislumbro novas galáxias.
Apenas patíbulos de condenados suicidas.
Apenas juízes e delatores,
Apenas sigilos oportunos.
Há um vazamento de tristezas em nossos olhos,
Cataratas mudas aguardam a vertigem do Espírito do Tempo.
E desencantos mofam nossas paredes.
Como mulher: dilato-me!


Por todas as casas do País, há plantação de palmas.
E almas perecem de sede e desencanto.
Mucugê é um jardim de pedras
Cujas pétalas são nossos corações embrutecidos.
O cafezal ameaça as flores do lugar.
O manguezal avança sobre sutilezas de cores.

Há um aneurisma em mim
Que também explodirá!
Há um aneurisma nos justos
E naqueles que buscam alegrias coletivas.
Canso-me dos homens
E dos tentáculos da sua arrogância
Que invadem meus abismos,
Minhas sutilezas, minhas cerâmicas, meus musgos.

Canso-me dos homens
E da sua estupidez de pedra
Da sua obscuridade de gruta,
Seu estado de inércia,
Sua velhice precoce,
Sua adolescência perpétua.
Sua covardia de demônios.
Sua desistência, seu desamor.
Sou uma mulher da América Latina!
Sou uma voz diaspórica, negra!
Venho de uma África que me busca.
E o que faço é atravessar oceanos,
Decifrá-la em mim, em meu território.
Minha pena é o meu remo.
Minha pena é a minha bússola.
Minha pena é também minha nau.

Canso-me dos abutres, das raposas,
Dos leopardos e da prepotência dos intelectuais.
Ninguém me faz feliz!
Ninguém tem a chave!
Quem nutre a memória de mim?
Quem projeta meus delírios em suas cavernas?

Há um ranço de família na poeira das mobílias.
Ranço de nomes na cartografia das lápides.
Ranço do poder na energia das vozes,
Na seleção dos vocábulos.
Há o vício dos brancos, o vício do poder dos homens.
Sou feminista quando me desconstruo,
Travo embates com a existência
E enfrento temores.
Há um ranço de poder nas elites.
Há estalactites nos cérebros,
Estalagmitites entre o sexo e a alma.

Há desvãos insondáveis dentro de mim.
Ninguém me acha, ninguém me vê,
E, hoje, ninguém me habita.
Há um labirinto dentro de mim,
Que apenas eu me percorro solitariamente aos domingos.
Apenas eu mínguo de vésperas e de escolhas.
Apenas eu recolho âncoras
E trago pavões em minhas saias.
Dragões e mandrágoras residem nas rendas
Das minhas negras anáguas.
Apenas eu sou casta,
Pois vivencio a solidão absoluta das divindades.

Trago em mim a ilusão de reter o tempo,
A extensão da vida, da morte.
Inútil reter o a convulsão dos diamantes!
E a combustão dos diademas.
Inútil reter sementes, óvulos e afetos!
Inútil, pois o belo expira.
O amor definha.
E a história é feita de fios que se desfazem
No ano do Galo.
Restam vestígios e sombras apenas.

Os girassóis de Van Gogh estão mortos!
Somente agora os vejo cadáveres.
Somente agora murcham e enlouquecem
Diante das minhas janelas barrocas.
Há desolação em meu peito
E o coração assombra-se com
Conspirações, golpes.

A Poeta cisma da sua escrivaninha
E gira na convulsão do mundo.
A Poeta transita entre as minas de ouro da Colômbia
Em amnésia, em guilhotinas, em fraudes.
Atordoada de si mesma e da sua condição.
O estúpido americano ataca a língua de Lorca!
O Chile, em incêndios.
Imigrantes sofrem açoites, pânicos.
Tudo o que canto faz-se poeira cósmica.
Tudo o que canto evade-se sem eco.
Tragam-me o ópio, o haxixe e o absinto!

Fotografias: Shai Andrade/projeto profundanças.


Rita Santana é professora, atriz e escritora. Em 2004 publica Tramela (contos) - prêmio Braskem de Cultura e Arte para autores inéditos. Em 2006 publica Tratado das Veias  (poemas) através do Selo Letras da Bahia, e em 2012 lança Alforrias (poemas). Como atriz, tem experiências em teatro, cinema e televisão.

7 poemas de Eduardo Peters

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Ventre

Seis e quarenta e dois ou seriam seis e vinte e quatro? tinha um desejo imenso de urinar. O barulho da fonte lá fora ajudava-o a construir essa necessidade latente. Não tinha, entretanto, um desejo de urinar com todos os requintes de seu sistema excretor-urinário: queria mijar. Há uma sutil diferença: urinar é eliminar a ureia, mijar era assumir certa animalidade egocêntrica, uma natureza perversa e inocente ao mesmo tempo. Mija-se num poste, no vaso com a tampa aberta, nas costas de uma árvore, no dorso da rua. Observa-se o mijo contemplando o labirinto do casco com seu líquido dourado e esmaecido - em sua atual circunstância, levanta a tampa do vaso com vigor, mas apenas a primeira, e senta-se depois expelindo o jato para fora. Tudo isso era uma elucubração em sua mente: quantos passos se dá para ir da urina ao mijo? Quando, a bem da verdade, queria apenas poder escrever sobre o que quer que fosse e tornar aquilo tão real quanto eram reais os seus rins e o canal da uretra. 

Tinha, sobretudo, essa vontade imensa de escrever sobre um rio. Mesmo que fosse para dele nascer. Tinha que ser de dentro dele. Tinha que ser do ventre.


Núcleo

Onde quer que veja - pele áspera de paredes, pinceladas que janelas lembram. Talvez sejam mesmo janelas. Varais de linha cor azul, dezenas de prendedores, calças de moletom, sapatos. Vozes. Onde quer que olhe, saiba que os muros ocultam os rastros de quem os levantou. Shhhh. Não querem que se descubra quem inventou os muros, as arestas.

Onde quer que veja - constructos, estruturas, betoneiras. Murros. Faixas amarelas lembram abelhas, de longe. De perto, lembra-se um homicídio de dias atrás, da boca andarilha dos jornais. 

Na praça do mercado, já morreram algumas dúzias de cavalos, inclusive. O último trotou no dorso de uma gota, a crina uma flâmula, e caiu, vencido e sem som. Já se apagaram, também, algumas dúzias mais de vidas na oca terra que abriga, como se apagam lâmpadas no redemoinho dos protestos.

Nunca vi cavaleiro ou fuzil machucar-se ou cair.

Para onde quer que aponte: descarnados prédios, caretas complexas de pixe, de Dalí.

Centro de Porto Alegre e eu. Jogo de varetas com a colcha celeste do céu, talvez com o sopro cinza que paralisou os cabos de aço, os cargueiros, o Cais imóvel na pele de um retrato. Um sem-número de viagens já foi riscado da lista, mas ainda tem o cisne. Sempre se tem o passeio do cisne.
Onde quer que mire: vestígios de pedestres na tempestade dos prédios, na luz oblíqua dos postes. Tudo oprime com selvageria e banalidade

quem dormir à sombra das marquises ou à sombra da verdade,

quem esperar no coração das filas de empréstimos ou de esperançosas saudades. São pássaros, sempre mais pássaros, à caça de mais grãos da dissipada eternidade. Sempre mais grãos. Caçadores e ávidos oportunistas dos seus 
irmãos.

Não há motivos suficientes para falar do pôr-do-sol se não for para falar do rosto indecifrável do lago. Teu rosto de elípse, oval.
Visto de cima, uma brincadeira de Escher. De baixo: panfletos migram das pernas de toda a gente 
e, na verdade, vende-se de tudo em Porto Alegre, incluindo o verbo.

Shhhh. Você não irá querer descobrir quem inventou os muros, as arestas.


Sumiço

O que me prende a estas mãos que escrevem? O que elas desejam expressar? Pergunto todas as noites, porque é sempre pela noite que escrevo, o que exatamente desejo expressar. Creio que nada. Sim, posso montar uma rede absurda de argumentos que justifiquem o meu ato de escrever, posso dizer que escrevo porque a vida não merece ser vivida. Posso, dizer, por exemplo, que só escrevendo o homem liberta-se da morte. Posso escrever, também, em defesa própria, que escrever é conversar com Deus. Posso escrever também que escrevo sobre o escrevere que isso faz desmoronar o que é belo para que outro belo nasça. Logo, pelo último argumento, concluo que morro porque escrevo. Porque escrever é mentir-se, é perder-se por descuido, enterrar-se por demasiado amor e medo. Escrever seja, talvez, apagar-se no veio negro de uma palavra. Que rosto se esconde atrás de uma única palavra? Todos! Responde a tinta obliterada da caneta. Todos. Logo concluo que escrever é desintegrar o que é. Nascer outra vez. Reproduzir-se. Não ser.


Auto-evocação

Ás vezes tenho um imenso desejo de ser alguém. Mas o que vem a ser isto? O que é ser alguém? Olho para a noite cotidiana através da minha janela e procuro qualquer sentido para desejar isto. Qualquer sentido que seja nesse sentimento, nessa necessidade. Quero estar entre vocês como essa noite está: como está, por exemplo, a derramar-se o barulho da fonte - que escoa rouco, frenético e cristalino como o tremular das asas de uma borboleta que se chama Manhã. A estar, por exemplo, como uns olhos e uma boca que dizem olá, como vai você? A despontar como o sorriso tímido e natural que a terra dá a quem a fita com amor. Quero ser alguém simpático, que vocês notem, que saibam que existe, que é importante como é importante o vento da Av. Independência quando refresca o maratonista diário em uma tarde de outubro. É quente em outubro e é chuvoso também. Quero ser alguém como essa noite a reverberar na janela do meu quarto, essa noite sem vento, cuja umidade é uma escuridão que escorrega, que se esgueira qual água, que cobre lentamente e que pesa na pele das coisas, que infiltra a solidão de ser noite, de ser uma ausência do Sol. Ah, como seria bom ser alguém, ser um ser entre seres, um ente pensante, que é ouvido e que se nutre assim dos ecos que transbordam de mundos. Como seria bom ter um rosto, ser um rosto! Um nome, que fosse! Gostaria de ser um nome a saltar de palavra em palavra, de espírito em espírito. Evoquem-me! Quero ser evocado como são evocados os demônios em uma tarde de leituras, de reflexões e de dor. E digam-me por favor, amigos noturnos e misteriosos, que me leem ou que me sabotam com o privilégio de ser louco, que sentido poderia haver nisto!




O espírito contemplativo do incendiário. Tudo ele deseja jogar ao fogo. Há qualquer sedução pelo desintegramento. Observava, ainda na infância de sua alma severa e paternal, com que volúpia a lenha se entrega ao magma alaranjado da brasa. Há qualquer coisa de solar nessa visão: há um desejo de retornar à origem. Ademais, tem uma personalidade por demais crítica. Um maníaco insatisfeito. Tudo o que quer que tenha criado foi consumido pelo seu abandono e pela infantil indiferença de seu orgulho - eis sua maior e mais poderosa fogueira. Diz-se que aos heróis dava-se a morte da pira, de ser como as estrelas: pulverizado; casado, desta maneira, com o ar. Um matrimônio celeste. Tudo o que já foi extinto nas chamas é perfeito - há a importante higiene de devolver a criação ao núcleo que a engendrou. Há que tornar tudo o que existe em imaginação outra vez, irrealidade, sonho. Tudo começou com a lareira paterna, em outros tempos. Ou talvez antes? Com Prometeu, com o homem das cavernas, com o desastre de Hiroshima: eis que a humanidade descobriu um jardim inteiro no fascínio pela própria destruição. Conta-se, também, que Urano era um deus muito insatisfeito, mas o que não se conta é que ele se regozijava nisso. Esse era o seu maior prazer, o seu charme, o clímax de seu erotismo etéreo: o fogo do incendiário purifica, registra em sua alma a lembrança das estruturas metálicas deste apartamento. E esse fogo percebe que esse apartamento, onde nós moramos até este inverno, é belo e aconchegante. Os edredons estampados de cerejeiras asiáticas agora não passam de uma massa disforme e gris. Nossas fotos eu as escondi no assoalho, para que morressem dormindo esquecidas e há, ainda além de todas essas elucubrações, uma secreta intenção do espírito de não permitir que as coisas voltem a ser outra vez - e há um arrependimento tão letal e tão profundo em torno disso! Um voluptuoso arrependimento. Está feito: o plástico agora é a careta mais famosa nos telejornais da região. É o gozo de um sutil e profano arrependimento, a certeza de que as coisas jamais poderão ser outra vez no mundo, nessa existência: nadam, como anjos brincalhões e amargurados, no rio sereno da imaginação que as semeara para os seus pecados.


Devoção ao Pássaro

Ó Pássaro que voa embebido pelo sangue da Lebre ancestral
E que a esse sangue os antepassados do Homem devotaram o nome de crepúsculo,
Devora o fogo desta palavra
Desta palavra que é túmulo.
As montanhas de ouro foram erguidas para sermos vistos
nosso infinito reflexo.
Mas não será apenas embalado pela escura canção da lua
que me sentirei capaz de me ver realmente de perto,
de me ter concreto?
Acontece da concretude do deserto ser uma infindável erosão,
Acontece de que tudo o que é corpo e tudo o que cai
vira grão,
torna-se verso.
Ó Pássaro que arrebenta o peito desta palavra e que a pune
por desejar ser maior que os Jardins Acima,
por desejar ser mais do que a música, Morte,
Ó Pássaro, devolve-a à terra e deixe que dela suba.
Portanto, peço ao teu vulto agudo, que as nuvens assusta
e que ao homem empresta sua sagrada Fome,
Extingua o fogo desta palavra
Desta palavra que é o meu nome.

Acorde nº 1

Por quanto tempo a palavra
Dor
continuará ecoando na testa dos montes e das torres?
Pergunto ao relógio da sala, mas seus ponteiros
são graves e monásticos
como o “ôr”
Como o teu Senhor.
A palavra Dor é uma imensa dissonância
Que todas as eras
todas as terras alcança.
E espalha a chuva que encobre os telhados das casas,
das casas distantes, sem distância.
Acho que moerá o Mó a eternidade
em que o deserto terá tornado à pedra
e os mares terão tornado à tua
saudade.
Ainda assim, esta palavra original
que a tudo erode com o seu sal,
não terá sido dissipada:
ressoará, ressoará no Nada.

Galeria: Alexandre Parrot





Eduardo Peters, nascido em Porto Alegre no dia 2 de dezembro de 1987, é estudante de Letras e escritor. Não possui publicações. Transita, atualmente, entre o terreno do verso e da prosa frequentemente poética.
 



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