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um homem negro - um poema de Flavio Caamaña e resenha de Dércio Braúna

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Foto por Em’kal Eyongakpa





um homem negro está sentado num banco da praça
digo que um homem negro como nunca antes visto
rebrilhando nem sei se uma constelação inteira
em sua pele tão negra que quando penso nele
fecho os meus olhos como se engolido pela noite

um homem tão negro nunca descrito na bíblia
e se foi descrito em papiros de um antigo deus
herdou a cor mais negra (repito que um homem
de uma cor tão negra que nem se sabe se ele existiu)
e este homem negro agora está sentado numa praça

oh deus que homem se confunde na tua larga noite
um homem difundido na pele negra da constelação
um homem de um tempo antigo de um livro apócrifo
um homem tão negro que entorpece pelos excessos
(repito: o homem mais negro que já pisou nesta terra)

e a noite agora calça os pés nos seus negros pés
e a constelação se espalma em suas negras mãos
e a boca do profeta beija a testa mais negra sobre a terra
e o cântico dos cânticos é uma pele enaltecida e muito negra
e os meus olhos se fecham e se bastam dentro e fora







Foto por Logor
Foto por Kadara Enyeasi




"como fosse um soco na glote duma estrela"
(Ricardo Escudeiro)



Treino - Muhammad Ali


_______________________________________________



UM CÂNTICO A UM HOMEM, NEGRO
por Dércio Braúna


[ I. ]
O que pode a poesia diante do mundo? Nada, dirão todos. É certo e bem sei: nada pode a poesia ante a matéria do mundo (seu industriado tempo, sua maquinária de valia). A poesia nada pode, pois nada vale. É bem certo e está já tudo dito. Eis tudo, enfim.
Todavia o ordinário tem seus pequenos milagres. A poesia, a mim ao menos, é dessa ordem de descoisas. Seu fazer, no corpo irascível das imensas cidades, são ordinários milagres desconcebidos pelas vistas de todos que passam.
Mas porque algo insabido ainda nos prende a algum improvável fio de humanidade, nem todos passam. Há olhos que se deixam ficar. Para ver.
Para ver um homem. Um homem negro. Sentado num banco da praça. Assim fez um poeta.
Um poeta que, talvez, se terá detido a imaginar o que aquele olhar de homem, de um homem negro, estaria a contemplar do mundo. Também eu me permito imaginar. E imagino, costurando seu olhar (visto pelos olhos de um poeta) ao pensar de outro homem, outro homem negro, de outro tempo, de outra geografia, que certa feita escreveu:

Entre mim e o outro mundo paira, invariavelmente, uma pergunta que nunca é feita: por alguns, por sentimentos de delicadeza; por outros, pela dificuldade de equacioná-la corretamente. Todos, no entanto, agitam-se em torno dela. Com um jeito um tanto hesitante aproximam-se de mim, olham-me com curiosidade ou compaixão e então, em vez de perguntarem diretamente: Como é a sensação de ser um problema?, dizem: Na minha cidade, conheço um excelente homem de cor [...]. Eu então sorrio, ou me interesso, ou reduzo o calor da minha raiva, conforme a ocasião. Quanto à pergunta real: Como é a sensação de ser um problema?, raramente respondo uma palavra sequer.¹

Estaria aquele homem negro, sentado no banco da praça, a ponderar, ante os barulhos e velocidades da imensa cidade o que é ser um problema? Ou quiçá estaria ali tão só a se deixar ficar, sem mais, sem nada pensar do mundo? Quem há de saber? Não o sei eu, que desse homem sei apenas o que os olhos do poeta dele me dizem.
O que sei porém é que, para alguns, aquele homem negro sentado num banco da praça constitui-se em um problema. Por sentimentos diversos, certamente muitos não dizem, mas o olham como problema. Nessas imensas cidades que nos cabe viver, nada nem ninguém deixará, mais cedo ou mais tarde, de ser um problema. Sobretudo se se é um homem negro.
Mas porque (oxalá!) as cidades imensas são também carcomidas pelos germes da antimaquinaria utilitarista de tudo, há ainda, no meio dessas imensidades, os ordinários poetas, ali, parados, a espiar um homem negro sentado num branco da praça. A espiá-lo e a vê-lo como um cântico, não como um problema. E o que é o ordinário milagre da poesia senão esse de altear em cântico aquilo que a ordem maquinal das coisas etiqueta por problema?

[ II. ]
Um homem negro, sentado num banco da praça: de quem vem essa poesia, esse lampejo de vida no imenso caos da cidade?
Flávio Caamaña, eis o poeta, eis aquele cujo olhar tomou a um homem, um homem negro, sentado num banco da praça, e o tornou num “homem difundido” numa escrita de uma beleza contemplativa, de uma cuidada delicadeza de dizer o olhar e seu sentir. Em sua escrita, as metáforas são poderosas. As remissões temporais (bíblicas) dão ao poema a sua tessitura de cântico; de magnitude, ao homem negro olhado.
E, em meu modo de o ler, trata-se de um poema que guarda algo de fundamental: é uma escrita poética sobre um homem. Um homem negro, sim; “o homem mais negro que já pisou nesta terra”, mas um homem. Não é um poema sobre um negro.
Isso, para mim, é fundante (filosófica, ética e esteticamente). Remete-me ao pensamento de Frantz Fanon, em seu livro magnífico (e polêmico, para muitos) que é Peles negras, máscaras brancas:

De todos os lados, sou assediado por dezenas e centenas de páginas que tentam impor-se a mim. Entretanto, uma só linha seria suficiente. Uma única resposta a dar e o problema do negro seria destituído de sua importância.
Que quer o homem?
Que quer o homem negro?
Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi que o negro não é um homem.
[...]
O negro é um homem negro; isto quer dizer que, devido a uma série de aberrações afetivas, ele se estabeleceu no seio de um universo de onde será preciso retirá-lo.
[...] na verdade trata-se de deixar o homem livre.²

Um pensamento que comunga com outro pensador contemporâneo: Achille Mbembe, que num livro muitíssimo (e justamente) comentado, Crítica da razão negra, coloca-nos a ideia de que “os Negros” são “este seres-capturados-pelos-outros”, não no sentido histórico do processo escravista, mas num sentido mais profundo, de terem sido, por práticas diversas de “alterocídio”, transformados nos sempre “outros” do homem (leia-se: do “branco”).³ Para Mbembe, assim como para Fanon, o fundamento de tudo está em não cair nessa armadilha da existência de uma “essência” (de pensamento, de modo de vida, etc.) “negra”. Para ambos, é preciso justamente questionar essas duas “mitologias” (para aqui usar os termos de Fanon).
Ao contemplar, num banco da praça, um homem, um homem negro (negro como nunca antes descrito), mas um homem em essência, a poesia de Flávio Caamaña, a meio modo ler e sentir, soube fugir à mitologia das essências a que nos adverte pensadores como Frantz Fanon e Achille Mbembe. Um poema que, a seu modo, em seu estatuto de artefato de linguagem, soube se constituir desconfiando (tal qual o pensamento filosófico de V. Y. Mudimbe) de que “as histórias sobre os outros e os comentários sobre as suas diferenças são apenas elementos na história do Mesmo e do seu conhecimento”. Daí, em meu entender, tratar-se de um poema estética e eticamente grandioso: contemplou um homem negro sentado num banco da praça e fez poesia da humanidade desse homem; com sua cor, dizendo dela, sim, mas sem fazê-la anteceder o homem, sua humanidade. Reitero: um poema sobre um homem, negro; não sobre um negro.É como o leio.



1-DU BOIS, W. E. B. As almas da gente negra. Trad. Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999, p. 52.
2-FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EdUFBA, 2008, p. 26.
3-MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Trad. Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014, p.  12 e p. 26.
4-MUDIMBE, Valentim Yambo. A invenção de África. Trad. Ana Medeiros. Lisboa: Edições Pedago; Luanda: Edições Mulemba, 2013, p. 47.





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Flavio Caamañaé um trabalhador braçal e poeta nascido em Tamboril, desertão do Ceará. Vivenciou o auge da ditadura, a infâmia e a injustiça. No início dos anos noventa participou como voluntário em campanhas de apoio às vítimas da Aids. Primeiro lugar no XVI Prêmio Literário Ideal Clube De Literatura, participou de coletâneas em livros e revistas literárias virtuais. É autor do livro de poemas Aquedutos (PATUÁ, 2016).








DÉRCIO BRAÚNA [1979] é cearense, de Limoeiro do Norte. Historiador (mestre e doutorando em história social / UFC), com estudos sobre as relações entre história e literatura.  É autor das obras poéticas: O pensador do jardim dos ossos ; A selvagem língua do coração das coisas; Metal sem húmus; Aridez lavrada pela carne disto; além de contos (Como um cão que sonha a noite só) e estudos historiográficos (Uma nação entre dois mundos; Nyumba-Kaya: Mia Couto e a delicada escrevência da nação moçambicana; e A assombração da história: história, literatura e pensamento pós-colonial). Atualmente, desenvolve pesquisa acerca do pensamento sobre a história na obra do escritor português José Saramago.

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SEM AÇÚCAR ?

por Fátima Brito



BEIJOS PODEM NOS ROUBAR PALAVRAS. OU PÔR PALAVRAS EM NOSSAS BOCAS.  E palavras engolidas a seco, quando ainda não temos a sabedoria necessária para  neutralizar a agressividade que carregam,  podem levar à morte – lenta ou súbita. Percebi isso e, também, que conheço algumas pessoas entaladas com um muro no coração. Não porque sejam ruins ou insensíveis. Pelo contrário, não conseguem lidar com o excesso de lágrimas acionadas  pelas rejeições que nos acometem no dia a dia. Essas pessoas podem ser tão doces como a menina que, tendo vergonha de ver despontando sua sexualidade (“incomodava-se em ficar mostrando bunda e peitos”), resolve esconder-se por baixo de uma capa de plástico fininha e vai, então, devagarinho, revestindo-se de nova pele, “áspera e coberta de pelos grossos. E músculos rijos. E barba no rosto.” A menina vira, então, um abscesso na virilha, muito tempo depois extraído pelo homem já maduro em que ela se transformou. E ele a mantém – talvez já seguro da nova identidade – em cima do criado-mudo. Em diálogo direto com essa menina, conheci ROBERTA.
            Esses e outros personagens tornam encantadorSem Açúcar, livro de FLÁVIA HELENA, composto por 27 contos, publicado recentemente (Penalux, 2016) e ganhador do PROAC 2013. Com linguagem fluente e narrador em terceira pessoa, a autora trata de temas essenciais à vida humana, como solidão, impotência, sexualidade, amor, traição, relações familiares. E o faz com uma suavidade que nos leva sem dramas ou excessos pra dentro da vida como – ao que tudo indica - ela é, ou seja, uma experiência relativamente longa que vem mostrando ser muito dolorido (ou, com certa frequência, impossível) esconder os grandes traumas que ela nos impõe.
            Quanto a esse aspecto, Flávia encontra uma maneira muito peculiar de mostrar personagens – em diversos contos – atuando como engenheiros do próprio corpo. Ou como piratas, escondendo tesouros não percebidos como tais?
            Vivem como pessoas comuns, sem qualquer protuberância ou aparente normalidade, porém, quase sempre, com certo grau de inconsciência, desenvolvem o poder de criar, em seus próprios corpos,  compartimentos; pequenos (um furúnculo) ou grandes (uma barriga concentrando toda a liquidez de alguém que se mostra seca. Também criam engrenagens, mecanismos  capazes de garantir uma eficiência duradoura que resiste à idade e à degradação natural do tempo... Ou simplesmente têm o poder de pintar, com uma poesia silenciosa, a realidade, inclusive a própria identidade, de acordo com seus desejos, assegurando paz e beleza àquilo que seria apenas inferno e feiúra.
            Trata-se de uma leitura que suscita prazer, curiosidade e grande empatia, pois é impossível não enxergar - em cada um das dezenas de personagens de Flávia – a nós mesmos em nossos mecanismos de fuga diários, ou, no mínimo, enxergamos pessoas com as quais convivemos. Certamente por isso ela registre nas páginas iniciais do livro: “As estórias desse livro, inventadas, são todas de verdade. Porque essa vida, que a gente insiste em chamar de real, essa, sim, é ficção.”
            Por tudo isso é que, se tivesse que optar novamente por uma leitura para inaugurar 2017, optaria por SEM AÇÚCAR, livro com o qual Flávia Helena estreia na ficção. E estreia tão bem-sucedida nos deixa ainda mais animados, porque certamente virão muitos outros com personagens quase de carne e osso, enriquecidos com a poesia a muitos de nós invisível no dia a dia. Personagens que não jogam nada em nossas caras, mas mostram com suavidade o quanto sofrer faz parte da vida, pois, como afirmado por Mia Couto, e também registrado nas páginas iniciais do livro, “(...) a felicidade só cabe no vazio de uma mão fechada.”

 Essa perspectiva pessimista pode de fato corresponder à realidade. Mas SEM AÇÚCARnos mostra o quanto é possível ampliar as possibilidades de felicidade, nem que para isso tenhamos que nos reinventar a cada dia, murando ou desmurando corações. Por fim, só me resta dizer "Sem açúcar" sim!, e registrar o orgulho de estar em Atibaia, cidade de Flávia Helena, Vivian de Moraes, Juliana Gobbe, Irma Vazques, Marco Aqueiva, Tim Marvim, João Martino e outros escritores tão queridos e importantes. 



Três poemas inéditos de Lucila de Jesus

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Fóbica

A moça me escreveu: meu tio morreu. Meu tio morreu. Estou com medo de morrer. Meu tio, nosso esteio, aquele que sabia de tudo, aquele que sempre nos guiou. Foi dormir e morreu. Morreu. Não desceu para o café. Não deixou aviso nem bilhete. Morreu. Vou morrer também.
Maria morreu de repente, hemorragia. Magali convulsionou na viagem. Marina tombou na cozinha. Matheus descansou. Marinho vomitou. Naty levitou. Vovô se assustou. Vovó avisou.
Morrer não é contagioso.
Mas assusta
e dói.


Apofântica

Meu amado professor falou que em russo a palavra coisa significa mensagem. Certa vez escrevi que a palavra é o desenho da coisa; foi um despregamento da palavra que senti vendo um filme Iraniano, as letras desenhadas nas fachadas das lojas, nas placas das ruas, as pessoas andando e sorrindo entre outdoors e faixas, um mundo.
Ali eu poderia passear, eu até viveria ali. Entre as pessoas e as coisas, não é preciso ler para crer. 


Transicional

Quando descobri,

foi que inventei.


Do livro inédito ' Conversas com Winnicot' ( no prelo pela Editora Patuá)

Tauromania - Luiz Walter Furtado

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Ilustração: Júlio Capela



Há pouco espaço,
apenas touro e eu,
toureiro

No hay capote de brega
en mis manos,
há sim alguma cor
no desespero
E é contra esta cor que investe
o animal

Mas não há touro,
há meu punhal, há sangue nos meus olhos
e bandarilhas fincadas
no meu cachaço

A fera cega
já não distingue o inimigo
Lança-se com fúria contra meus pulsos,
marcados
por cicatrizes.



Luiz Walter Furtado 
Ouro Preto, 05 de fevereiro de 2017.

Projeto 1917-2017

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Por Marco Aqueiva

Há quase oito meses fiz um convite a um grupo de ficcionistas e poetas

São eles:
Ademir Demarchi – Aurora Fornoni Bernardini – Carlos Felipe Moisés - Carlos Pessoa Rosa – Fátima Brito – Flávia Helena
Henriette Effenberger– Joaquim Maria Botelho – José Antonio Martino
Luiz Bras – Manoel Herzog – Marco Aqueiva – Micheliny Verunschk - Nathan Sousa – Paulo César de Carvalho – Reynaldo Damazio
Silvana Guimarães – Simone Adami – Tarso de Melo – Vivian de Moraes



Sonhei que jogávamos, esses amigos e eu, o jogo revendo a história pela literatura. Nesse jogo, a realidade falava conosco, e o desejo valia tanto quanto um urinol e um livro de história. Todos sabemos que homens continuam servindo-se de banheiros públicos. Também assim se dava com aquele homem que dormiu Duchamp e acordou em 1917 R. Mutt, pondo letras e números num utilitário e com isso acabou retirando um pouco das sombras desse objeto convencional.

O sossego mortal das estantes de uma biblioteca
Em cem anos as páginas nem sempre amarelam. Alguns livros na estante às vezes esperam um tempo injustificável para serem reencontrados pelo leitor. Cuentos de amor de locura y de muerte, do mestre Horacio Quiroga, foi publicado em 1917, assim como As cinzas das horas, de outro mestre Manuel Bandeira, e Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, do não menos genial Mário de Andrade.

Mas que jogo é esse, ô criatura?
O jogo coletivo de rever algumas efemérides que em 2017 comemoram o centenário.  Esse jogo de rever o passado histórico pela literatura quando jogado, como o fizemos, parece demonstrar que a história (os acontecimentos do passado) não está disposta em prateleiras como um produto pronto e acabado. A História é especialmente descoberta e, também, invenção a que se chega pela literatura com sensibilidade e intuição. O homem pode aceitar ou não a visão histórica "dada" sobre os acontecimentos. Narrar como libertar-se daquilo que "deve ter" acontecido contrapondo-se ao “era uma vez” e “foi assim”. Esse é o poder da literatura.

1917-2017: Rever está na ordem do dia, quer queiramos ou não
Cada uma das narrativas do livro integra um mosaico, constituído de diferentes eventos, cenas, personagens, ações, figurando e reconfigurando uma mandala que necessariamente nunca chegará a conformar-se como registro final de um tempo. É essa talvez a maior feeria da literatura: a cada geração, novos olhares que reinterpretam e ressignificam o tempo e o mundo. Uma mandala a nos ensinar a lição de que tudo passa.

Rever como jogar porque é necessário manter vivas certas perguntas e narrativas para nos aproximarmos da compreensão do humano.


5 poemas de Daniel Perroni Ratto

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Ilustração: Jon/deviantART


Acordes

Nas estradas mal acabadas
de um país cheio de brasilidades
existem amores perdidos

Músicas em cabarés existenciais
repletos de simplicidades
reconfortam falsos pedidos

São as esperanças
peças paranormais
que flutuam em espumas
de lençóis mágicos

Em laços poéticos
Acordes sensacionais
enrolam-se versos transcendentais


Feitiçaria

As sirenes fantásticas alertam
Para chaves mágicas

Em casas avessas, transe
Em vidas perfeitas, transe

Palavras; chaves e sirenes
A mágica fantástica

é como uma vida
além das lamparinas
de luzes turvas

é como um voo cego
pelas palafitas
de peles curvas

Palavras; chaves e sirenes.


ilustração: Jon/deviantART


Vício

Então as coisas não são bem assim
Tudo bem, mas não me venha dizer
que não posso chorar

Então as coisas não são bem assim
você me diz, mas não venha me dizer
que não posso beijar

Vou sair por aí e festejar
dançar nas noites mais tristes

Te olho com todo o tesão
como um tango nos salões do Moulin Rouge
As cores intensas da tua pele
dilaceram até o cara mais sem noção

E aí teus lábios cheios de carne
dizem não
com toda a vontade da lama tóxica
descendo o Rio Doce

Deixam-me, teus olhos,
inebriado, envenenado
e mesmo assim,
sigo adicto.


Nega de Ben

Nesse carnaval
sairei no bloco da solidão

Com foliões dançando
e Jorge Ben cantando 

Nesse carnaval
explorarei o teu tesão

Com saudações pululando
atrás de más intenções
e Jorge Ben cantando
Nega


Os pardais devassos do torrão natal

É tanto absurdo
que a fala sai da boca
do mudo

É tanto absurdo
que escuta vozes insanas
o surdo

É tanto absurdo
que as imagens invadem
as córneas do cego

É tanto absurdo
Que a cor do negro
Cega o obtuso

É tanto absurdo
que a criança não tem
mais medo do escuro

É tanto absurdo
que as mulheres sempre serão
as provedoras do mundo

É tanto absurdo
que o pote de ouro do leprechau
Foi roubado pelo mau agouro

É tanto absurdo
que a atração pelo mesmo sexo
é só mais um amor do universo

É tanto absurdo
Seu Manuel
que nem sei mais quantas
estrelas têm na Bandeira
E hoje, Pasárgada é matadouro.




Daniel Perroni Rattoé poeta, jornalista, músico, pós-graduado em mídia, informação e cultura pela ECA/USP. É autor dos livros, Urbanas Poesias (Ed. Fiúza, 2000), Marte mora em São Paulo (A Girafa, 2012),Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014) e VoZmecê (Ed. Patuá, 2016). Participou das bandas Loco Sapiens, Criolo Branco e Luz de Caroline. Cronista do UOL Música, colaborador na editoria de música do portal Culture-se.com e do jornal Diário do Nordeste. Faz parcerias de composição com algumas bandas promissoras na cena paulistana. Em 2015, participou com poema e voz da música “Brasil”, da banda Bleck a Bamba, ganhando o segundo lugar de melhor música do Festival de Rock de Indaiatuba. Seus poemas também estão em revistas literárias de todo Brasil como a Revista Gente de Palavra (RS), Mallarmargens revista de poesia & arte contemporânea (PR), Revista Quincas (SP), Jornal RelevO, Revista Subversa, Germina, entre outras. Curador de eventos literários como a Quinta Poética na Casa das Rosas. Em 2015, Daniel Perroni Ratto foi um dos poetas selecionados pela curadoria do evento para integrar a “Exposição Poesia Agora”, no Museu da Língua Portuguesa. 

"PÓLEN", POEMA DE ALEXANDRE GUARNIERI

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flor-toda-asas

> > pássaro |  insecto < <
) )  névoa   |  pétala ( (
 \\ areia  *** pérola //

à toda plumagem aérea
do céu e da terra




*   *   *




Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Integra o corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online AQUI (via ISSUU). Seu segundo livro é Corpo de Festim [livro ganhador do 57o Jabuti/ 2a Edição pela Penalux]. Em 2016, publicou pela Patuá a antologia Escriptonita (poemas tematizando super-heróis), do qual foi um dos organizadores. A presente seleta recolhe poemas de seu terceiro livro, Gravidade Zero (Penalux, 2017).  








POEMA DE RAPHAEL CARRETERO

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a navalha no rosto é de marfim
um corte torto em cimitarra
amolada em ironia e vitimismo

é a repulsa que acalenta o mundo
com punhos cerrados e gargalhadas
de cada bobo, cada palhaço 

este lugar não é mais meu
teatro de marionetes

muito do que não sou
mais ainda do que não quero ser

mas você nunca verá
além das cordas, não é?
por isso que abraço
o titereiro com tanto carinho

eu só quero
que esse mundo se foda





*   *   *



Raphael Carretero é carioca de 1974. Antissocial, contraditório, irônico, ansioso crônico, mordaz, bipolar, ama tattoo e pinta aquarelas (destrói quase todas elas). Vê séries e lê HQs. Acima de tudo, não é poeta. 

"Des(pedir)" de Carol Piva

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Photographs by James Abbe


lembrete

penetra (em silêncio)
o meu desejo
(no quarto) a poesia (descalça)
a dança (deslizo) atiçando

(transbordo)
fazendo de mim
faísca (estrondo) ilusão
(e rasgo)


para noites de (luar)

sem céu (não tem luz) tem cheiro
mas (com) ela chega em casa (a distância)
olha para mim (insinuando) o amor
(o amor!)

tenho vontade de abraço beijo (nexo)
só que as mãos dela primeiro fecham a porta da noite
(para mim) todos os devaneios do mundo (nesse momento)
escorrem (à deriva) numa única danação:

toca o telefone (ela atende) a serviço
prontidão que só esfacela amor (tristonhez que-nem)
sentir saudade é como (o desespero de) não ficar só
(desvario) ao rés do chão

e então ela abre a porta do quarto
(com outras) na cabeça (sucede-se) e se entrega
(sem contenções) remoto controle
(enquanto meu olhar só varavasculha) a não madrugada

assim ela (conversa ao telefone)
(escuta) consente (eu lamento)
(largo na sala a roupa que não...)
(o banho sem iniciar) (o sexo desfeito por falta de...)

e vai-se embora (mulher) sem palavra (de mais um não adeus)


sonho

(desejo) o silêncio
feito de poesia
e danço (e transbordo) e deslizo (fantasias)
(enquanto telefones não tocam) ausências nem são
pelo menos (assim)
com violetas e violinos ao luar
(a casa não se desajeita nunca)

(de ser luz-de-sonhar)






Carol Pivaé doutoranda em Arte e Cultura Visual na UFG, mestre em História pela mesma universidade e licenciada em Letras pela Federal de Uberlândia, Minas Gerais, onde nasceu. Tradutora e ficcionista, é uma das editoras-chefes do jornal de literatura e arte O Equador das Coisase mantém a coluna “Brasil Central, patrimônio da gente” no jornal A Redação, de Goiânia.

AS DIGITAIS DO CAOS E A POÉTICA DO EXTRAVIAR-SE: Regina Celi Mendes Pereira resenha Tito Leite

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Imagino o quanto os poetas se sintam realizados ao ‘gestarem’ um poema, mas esse enlevo só alcança a plenitude quando se dá o encontro do texto com o leitor. Só a partir daí é que, essencialmente, tem início o clímax do fazer poético: no acolhimento do poema pelo leitor. Nessa relação de responsividade, no sentido bakhtiniano, se constrói um misterioso depreendimento no qual os poetas, os escritores em geral, admitem o compartilhamento de seus textos-poemas,que não mais lhes pertencem com exclusividade. Isso faz todo sentido, já li, inclusive, em algum lugar, que poesia faz mais bem a quem lê do que a quem escreve, no que concordo inteiramente. E quando se trata de boa poesia, então, o bem que faz é ainda maior e sempre vem acompanhado de uma dose de encantamento, de surpresa e de inquietude, a cada poema lido. É o que acontece quando lemos o livro de Tito Leite, Digitais do Caos, cujo título já antecipa toda essa dialética de sentimentos extravasada em sua poética, ao situar-se como “Um filósofo do absurdo contra o óbvio” e ainda que visite o “real”, adverte:
“Acredito no estado tal como ele se deserta/ Não Me leve a sério./ Eu minto na caverna”

O leitor se confronta com uma escrita singular, mas que vai além das singularidades subjetivas (permitam-me a redundância) de qualquer escritor. Uma escrita condensada, poemas enxutos, versos vigorosos que transbordam poesia e que se abrem para tantas imagens e sentidos quanto assim o permitirem as diferentes percepções do leitor, ao sabor de “Ventos avessos compõem mistérios partindo ondas”.

Já dizia outro grande poeta, Vicente Huidobro: “Que o verso seja como uma chave que abra mil portas [...]”Sim, porque a poesia tem de ser plena de significações e não apenas exercício de metalinguagem poética. Não que a metalinguagem seja desprovida de significações, as mais diversas, mas quando o poeta diz “É em luz e transparência que me vasto”, acrescento que o grande encantamento poético está em transcender os limites da sintaxe previsível, aliado a uma semântica do inesperado: é em vastidão e plenitude que reluz o poema. E tão vastos são os sentidos, que o eu lírico sente-se invadido por um “sentimento agudo de lua”. Uma impressionante reificação da lua que se prolonga nos versos, no mesmo alumbramento com que o poeta se “oceana” e se “deserta”.     

E se me farto em adjetivações, o faço não com o comedimento de uma crítica literária, o que absolutamente não sou, mas com uma suposta ‘autoridade’ e sensibilidade de leitora, lugar mais que privilegiado e,por certo, o que mais importa, contrariando e indignando – talvez – a ortodoxia da crítica poética.

Nos poemas de Tito Leite cada palavra, cada verso é pensado heideggerianamente e ocupa um lugar preciso no todo do poema. E essa totalidade é tecida, quase sempre, no entrelugar da filosofia, teologia e mitologia, envolta na alquimia de temas diversos como solidão, existência, resistência beatnik e amor, e sempre na dosagem certa:
A existência tem decotes de Eva. Uma obra original precede o veneno. Amo todos os sentimentos que burlam a minha fé. Sou um mistério desnaturado a esmo no silêncio dos minérios”.

                                                        com suavidade:                
Na solidão das flores do universo me beatifico. Doce-ácida primavera beat. A estranheza do mundo me namora em beijos molhados de eternidade”.

e amorosamente:
 “Amamos o oceano, o perigo, o desconhecido. Amamos o corpo, a ascese, as mulheres. Amamos o vinho, o piano, o frescor do sagrado. Porque o amor não tem critério de bem e mal”

Essa combinação de temas atemporais com que são revestidos os poemas os define como clássicos? Penso que sim e, nesse sentido, me fundamento em Pound, segundo o qual o clássico não é o que se ajusta a regras e convenções, mas aquilo que se mantém “devido a uma certa juventude eterna e irreprimível (Pound, 1989, p. 22)”.  Impossível não retomar a leitura de seus poemas e, a cada nova leitura, uma diferente percepção, um novo aprendizado, um voltar-se pra si mesmo, ou tornar a entrar no mesmo rio e percebê-lo diferente, tal como o eu lírico ‘desenha’ no ETERNO RETORNO:
“No rio de Heráclito, Nietzsche nada. A borboleta tem cheiro de metamorfose.”

Nos mergulhos e viagens por onde a poesia de Tito Leite nos conduz,
Nau da existência a substância salina, como sagrado é o teu sexo, salgada, a tua língua. Segredos de dunas, os seus olhos sob a lua: lume. Que se pólen em acácia lembram um livro fecundo

percorremos diferentes temas reconfigurados a partir de influências de poetas de diferentes épocas e faces: de Rimbaud, passando por Baudelaire, Ginsberg a Manoel de Barros, o que lhe autoriza a transgressão, “as coisas que nascem prontas são os fetiches dos tolos”,reação às “TEMERIDADES” sociais, dilemas e contestação que deságuam numa ordem que “veste camisa de linho e chumbo” ao mesmo tempo em que podem ser subvertidas “Fechaduras no oceano — peixes nas nuvensem ardores quero um porto [previsivelmente]inseguro”.  Assim, nas Digitais do Caos, como se não bastassem todos os outros portos visitados pelo poeta, a poesia também é resistência, e nessa “DESLEVEZA DO SER” que tipo de arma seriam os poemas?

Eu ainda poderia me prolongar aqui por mais tempo, a tentar desvelar toda a sutileza, mistério e encantamento com que se reveste cada poema desse grande poeta vindo de Aurora pra iluminar a poesia metaforizada como o“brilho de uma estrela fora de época”, mas seria em vão, poesia não se explica, é pra ser sentida e desbravada em seus labirintos: “gosto dos mistérios, são perguntas sem respostas: labirintos do inefável”.

Seuspoemas deixam “AS NOITES ENSOLARADAS” e nos fazem aprender com ele, “o monge dos abismos”, arremessando-nos pra outras leituras de mundo. Será que alguém já disse o quanto se aprende com bela poesia? Digo agora, então. A linguagem nos constitui e com ela reconfiguramos o mundo, o nosso mundo, no sentido de pharmakon, contraditoriamente, como “cura e veneno”, mas os poemas não mudam, estão lá, à espera, para serem lidos e ressignificados, provocando e reorganizando o caos nosso de cada dia. Mudamos nós, os leitores:“Ainda quero tudo outra vez (mesmo que tarde) numa taça de delírio”.

Enfim, não preciso dizer mais nada, “há algo grande de encanto e além”, tudo o mais ficaria aquém do que já está lá pra ser lido, relido e apreciado, um livro pra se ter por perto, pra guardar junto porque ser “poético é extraviar-se”.



Regina Celi Mendes Pereira, João Pessoa, janeiro de 2017



Regina Celi Mendes Pereira nasceu em João Pessoa, em 1963. É professora da Universidade Federal da Paraíba, pesquisadora do CNPq, editora da Revista Prolíngua e coordenadora da sub-sede da Cátedra UNESCO em Leitura e Escritura. Suas publicações em livros e revistas são todas acadêmicas, em Linguística Aplicada. É leitora e apreciadora de poemas e, de vez em quando, arrisca-se em escrever alguns.

A incursão fortuita de Ouroboros - Antonio Ailton

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Ilustração: “Ouroboros” de Brenda Erickson




  Que teu firme desejo
                                                      de fim
                 me guarde no lastro
       do agora
e me reinvente
       em meio ao alarme
       desta hora

    deixe-me pardo
       de samba e fa(r)do
        inconformado
           vermelho barro

Ó puro nado
dá-me o tropeço
             de pele e lepra
             em que me arrasto

            
onde envelheço
      valha-me a vala
 de cada começo
    no que invento

             ou no que inverto
      

            onde engrandeço
       o logos
de minha alma


súbito
      surja
a história:  do chão
diário e lunar
  do rastro e do pejo
onde os homens acham
achas de fogueira
      despojos de colheita
e máscaras de cervo

e de achados vão
           resvalando a versão
                     do trigo, do pão

  e da prata forjada
nas esteiras

           mais que no cimo
                    insípido
                              das estrelas

minha cauda não cresça
              nem me cegue a carteira
    ofereça uma cédula
apenas
ao bêbado

o presente
     em sua presença
sabemos
     ser dobra
de si mesmo
     o objeto:
              visa
      : o objeto
     na matéria
              de sua multiplicação

          a mão sem reserva
de história
produz para a boca
sem futuro

                       toda transcendência
              resume-se ao espelho
     e o mundo refletido
claudica
no intervalo de um débito
              ou de uma falta
                       duplo vazio
              do duplo
              copo que o devora
                        desde já

     a ciência fala
para ouvir-se
     a janela
para a especulação
     a fé para a fé
a arte para o gozo
     a mente para a tele
                          patia
              a palavra para a auto
                                          telia
                                               (ainda que eu me enrosque
                                               em sua noite)

     à roda dos vivos
     afaga-lhes
              a perífrase

              - o que mais cintila
              a maçã,
                     a soberba
                ou a sibila?




Ferida no
          olho
               do imprevisível
     é lançamento

                      do baço

com ou sem causa
relance pálido
               deste

          ente no charco
          do tempo
 
          e
    ou
do espaço
         
                   onde o sol transita
          e (em dias limpos)
    nos liga
entre o sobejo
     do caos
e a sombra
da casa

círculo:
        lagar
               onde
     resvala
        por um momento
o sentido
de estar
        ou de teimar
        pela construção
                     do mundo

                      do qual se carrega
                  uma
                  posta
        de memória
                  ou uma pasta
           [ magra]
        de biografia e poemas
                  pagos
                      a crediário

                  até a
                     lápide branca
                  fincada
                          no perímetro
                                     de si           

                  (onde eu colocaria
                           quem sabe
                  um haikai
                           de Issa)

 Em cada
                   pequenina
      circunvolução
                     de Ouroboros

                            tentar é começo
                         não fim

         Que a mais bela
revolta
  do pensamento

                            suplante
                   o umbigo
                   do meu ínfimo

       movimento

                   − para que este
                   enfim

                 não morra

em mim





ANTONIO AÍLTON - maranhense, professor, poeta e ensaísta.Doutorando em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, pesquisador da poesia contemporânea brasileira. Formado em Letras Português/Francês e Mestre em Educação [Cultura e Imaginário na Educação] pela UFMA.  Especialista em Crítica da Literatura Contemporânea, pela UEMA.Livros  publicados:  Compulsão agridoce (Poesia, Paco Editorial, 2015),  Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis (2008, Prêmio “Cidade do Recife” - Categoria Poesia), As Habitações do Minotauro (2001, Prêmio Cidade de São Luís - Poesia) e Humanologia do eterno empenhoconflito e movimento trágicos em A Travessia do Ródano, de Nauro Machado (ensaio, com o qual recebeu o Prêmio Cidade de São Luís. É editor-colaborador do Suplemento Literário e Cultural JP Guesa Errante, de São Luís do Maranhão. Eleito em dezembro/2016 para a cadeira 22 da Academia Ludovicense de Letras [São Luís-MA], que tem por patrono o poeta Maranhão Sobrinho
ailtonpoiesis@gmail.com

https://antonioailton.wordpress.com

4 poemas de Claudia Barral

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Ilustração: Martha Bevacqua


DOMINGO

Domingo passa em silêncio,
É o mais velho dos dias,
Não ferem as suas feras, é manso, é lento
Nem doem as suas horas.
Domingo à míngua,
É um dia que está dormindo.
Escorrem tantas memórias
Pelos fios do macarrão.
Domingo é, em meio ao sim, um não,
Com seus rastros de sábados, seus restos, seu sol, seus risos.
Domingo à noite,
Do mudo sussurro,
Do outro lado do muro
Do furo, do escuro,
Do tenebroso futuro.
Pela janela do quarto,
Do lado, do abraço, do amargo,
Do traço feito, do leito,
Do drama,
Fim de semana,
Querendo a noite,
Esculpindo a noite,
Doendo a noite,
Domingo é findo.


AS PALAVRAS

Uma palavra cai da sua boca para ir desfazer-se na calçada.
A palavra mágoa, levada pela chuva.
A palavra chuva passeando pelos seus olhos.
A palavra noite parece clara em sua pele.
As palavras rasgam o meu silêncio para descansar nos seus ouvidos.
As palavras pairam no ar como minutos. 
As palavras devassam as gavetas do não dito.
As palavras vazam de sua boca e me inundam.

As palavras sujas amontoam-se na pia.

A palavra amor.
A palavra dita, pássaro nunca mais visto.
A palavra morte.


Ilustração: marta Bevacqua


RECOMENDAÇÃO

Não se funda a manhã com a mesma foice que se abre a noite.
Gente também borboleteia.
Viver é para frente, lembrar é pra trás.
Não se sabe nada de uma história até que ela termine.
Não abra outra noite dentro da noite.
Entre na manhã com olhos de sol.


INCONSCIENTE

O que de nós em nós se oculta
Estrangeiro nos habita,
Invasor das madrugadas,
Pelas frestas das palavras nos devassa
E nos atinge.
Através dos sonhos se mostra,
Através dos erros escapa, peixe vivo,
A sombra de um animal pintando a relva.
O que de nós em nós se oculta,
Misterioso eclipse lunar
De uma lua que não há.


 Foto de Claudia: Alessandra Nohvais



Claudia Barral (Salvador, 1978) é escritora e psicanalista.  Atua em diversos campos da produção literária como dramaturga,roteirista e poetisa.Suas peças de teatro contam com montagens no Brasil e em países como Alemanha, Itália ,Portugal e Peru. Publicações em poesia incluem poemas selecionados pela Revista Poesia Sempre (Rio de Janeiro, FBN, 2008) e os livros O Coração da Baleia (Ed. P55, 2011) e Primavera em Vão (Ed. Penalux, 2015). Outras publicações incluem O Cego e o Louco e outros textos(Ed. Cidade da Bahia,1998) e Cordel do Amor sem Fim (Ed.Funarte,2003).

Um aceno aos girassóis - Airton Souza

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narciso estilhaça o rumo
térreo terreno
vestido de si

sem o cerne
expõe esboço de um cortejo

a imagem
elaboração cardeal das retinas
[para mentir o tudo]
emana trágica beleza

no bolso leva atemorizado
o que não é o mundo:
alicerce e negação
do eu não nós.


***


há naufrágios demais
nesse corpo que quer margem
repertório de queda
no espelho que noticia
mergulho e presença

um dia
há de se revogar
a paisagem selvagem
das fotografias não reveladas
& as ruínas dos conventos
que só permitem segredos e silêncios.


***

a crosta
vazia varanda
de histórias e escombros
revestida de conotadas ausências

importam as mãos sobre as chagas?

o pão pela desafogada meditação?

o coração paisagem a dirimir caminhos?

a pele porão & guindaste
cultiva deus
sob promessas e vassalagens

a crosta
nessa pele trigal
anuncia o roteiro do esquecimento
nas varridas varandas vazias.


***


tua hipótese era a noite
& poucas vezes o espelho
te causou emoções

envolto de penumbra
no traçar de versões
redarguiu o sono do pai
e as fábulas da mãe

é que o peso do aterramento
te proibiu de apontar estrelas.


***


para o poetaNauro Machado


permanece inalterada a leveza
anterior ao teu rumor
e a bússola germina sinfônicos caminhos

no olho cinzento de deus
imenso e o que existe
depois do anúncio

morrem os homens
& tudo passa pelo sussurro da eternidade
menos a envergada matéria
aberta ao enterro da carne

lamenta, a rasura de outras manhãs
emudeceram
o último aceno possível.





Poemas do livro inédito um aceno aos girassóis(finalista do Prêmio Kazuá de Literatura 2016, na categoria poesia, que divulgará os vencedores agora em fevereiro).




Airton Souzaé poeta e professor e possui 27 livros publicados. É licenciado em História, pós-graduado em Metodologia do Ensino de História, licenciado em Letras – Língua portuguesa, pela UNIFESPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e Mestrando em Literatura pela UNIFESSPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. É membro de diversas academias de letras e instituições literárias, entre elas a ALSSP – Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense. Possui uma intensa atividade voltada à promoção do livro e leitura, como realização de Saraus e encontros literários entre escritores e leitores.  Já venceu alguns prêmios literários importantes, entre os quais se destacam: Prêmio Proex de Literatura, Prêmio Cannon de Poesia, Prêmio LiteraCidade, com o livro Face dos disfarces, Prêmio Dalcídio Jurandir de 2014, um dos mais importantes da Estado do Pará, com o livro de poemas Ser não sendo, um dos vencedores do IV Prêmio Proex de Arte e Cultura, com o livro de poemas manhã cerzida, o III Prêmio de Literatura da UFES, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o livro de poemas Cortejo & outras begônias e o Prêmio Nacional Machado de Assis, promovido pelo Canal 6 Editora, de São Paulo.

Os Relógios de Dali - A Poeta e o Tempo: Jandira Zanchi para Isabel Furini

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REFLEXOS
no mundo das sombras
(com neblina nos olhos)
enxergamos o cenário

o amorfo
e os relógios desse quadro
observam-nos
e revelam faces ocultas
de nosso extinto passado.


     Os relógios são , de todo o instrumental moderno da vida civilizada, monstros, enigmas e sedução, objetos que transcendem seu aspecto funcional por englobar, na estranha metafísica de sua função, toda a dramática existência humana. Eles revelam, minuto por minuto, segundo a segundo, a temporalidade de todo gesto, de toda forma e consistência da matéria. Mudos ou ritmando algumas badaladas são docemente sinistros. Avisam, no mundo criado para ilusão e segurança,  o apagar de todas as cenas, a finitude dos amores e das escravidões, as rígidas leis da matéria, das formas e também dos sonhos. Concretizam o medo humano da morte contabilizando em frações criadas por homens e anunciam: tal fase ou sentimento dura tanto e já foram marcados esses movimentos, então, se preparem para os próximos e juntem algumas linhas de esquecimento, é necessário apagar da memória individual os nódulos, já sem vida, das suas emoções.

     O quadro de Salvador Dali, A persistência da Memória, se tornou um dos símbolos da arte e estilo de vida do pintor surrealista. Os relógios, ou o tempo, se derretem, desmanchando no líquido das horas a formatação das estórias que o passado levou. As pegadas se diluem em novas pegadas, e o mundo conhecido de cada um de nós vai se apagando ou derretendo até desmanchar a própria contagem desse tempo. Mas, a memória, talvez um pouco confusa e também contaminada pela entropia que segue toda formação, segue adiante refazendo seus passos , recriando em contínuas montagens de fatos e imagens a história de cada personagem humano. E já desfeita de sua real motivação  entrega outra memória para outras gerações e formações para que se inclua entre outros fragmentos também recriados, que procuram fazer acreditar que um único fio os une.

     A poeta Isabel Furini acompanha os sentimentos que o tempo atrelado ao relógio de Dali , também imolado pelo tempo, sussurram para sua consciência/inconsciência. Impressões que só podem ser digeridas e expostas pela voz da poesia, pois não são exatas, antes, flutuam, se transformando a cada dia, a cada movimento, imprevisível, da memória. Em Mosaico Psíquico, narra a poeta :o passado é relógio mole e quebrado/ foi-se./mas o passado criou condicionamentos/ e pode ser metamorfoseado/em foice, para anunciar ainda que:enquanto o presente é transformado/em um mar/ de angustiantes sentimentos/e de pesadelos (cinzentos).

     O passado então é o cutelo, que distante e quase divino, nos julga. O presente, quase sempre, diluímos em nossos sentimentos (água). E indagamos, e a poeta também passeia pelos duros desmandos da dúvida, do medo, da insegurança. Em Indagações:onde estão o rio Estígia/a linha do horizonte/e a barca de Caronte?/quem criou a matriz?/quem marca a diretriz?

     As deformações da memória não lhe escapam. São ditas em rápidos e sucintos versos, arredondados direto para o centro da dor, (em Rio): sonhos transtornados encalham no vazio/certezas rasgadas ancoram nos cais do tempo/provisórias certezas/pedras jogadas no rio de Heráclito....... paranoico-críticos o relógios de Dali/registram a deformação da memória.

     Isabel Furini se detém em todas as perguntas, desassombra todas as ilusões e fantasias que jogamos na margem do tempo, aquelas com as quais brincamos, crianças em corpos de adultos, vencidos renitentes, implacáveis na constante auto sugestão de caminhar em algum percurso alheio aos processos de desmanche e deformação do tempo. Talvez por isso a autora escolheu como imagem, desse tempo madrasta, os derretidos relógios do surrealista, pois são marcadores de tempo, porém, se desmancham de forma terna e brincalhona, dignos e cientes de todas as transformações.



Jandira Zanchi


link para o ebook:  https://www.kobo.com/br/en/ebook/os-relogios-de-dali 


5 poemas inéditos de Paulo Pignanelli

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Plano americano

Superfícies dissolvidas
em fundo infinito

Enfoco o olho
perpétuo


Yin Yang

A pedra não está parada no cais do porto
se move à velocidade dos átomos
dentro de sua aparência muda

Não falo da simples oposição
claro escuro
movimento e nulidade

Tampouco do resultado
se não do indissolúvel que suscita em nós
a plasticidade da coisa


Língua

Percorre a boca
em marés que lavram
palavras

Vibra víbora
no céu do palato
quando diz não

Desmedida
canta sutil como
pássaro

Descometida
Desfruta atrás dos dentes
o prazer do sim


Gnosis

Os mortos
cantam em volta da fogueira
sob hordas de estrelas

No céu
escuro da noite
a morte é irmã

Na ciência das canções
na pintura em movimento dos bisões
no verso anotado sobre o impossível

Ardilosamente o fim está adiado
o rumo
incerto
diante da terra ceifada ao norte



Mimetista

Indiferente
aos verdes azulados
o sol salga nossas costas

Esquecido do encanto
dos peixes
que saltam ao céu

Escavado à goiva do tempo
a maquina repete pedras e espantos
no eterno terra mar


 Galeria: Gilad Benari
Fotografia Paulo: João Emilio



Paulo Pignanelli: Nascido paulistano, arquiteto desde há muito tempo, escreve por necessidade e prazer de imaginar. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (1978) e mestrado em ESTRUTURAS AMBIENTAIS URBANAS pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (2003). Lecionou na Universidade Estadual de Londrina, Universidade Municipal de Taubaté, Universidade de Guarulhos, Universidade Católica de Santos, Universidade Anhembi-Morumbi na área de projetos e urbanismo. Atualmente é professor contratado do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas e coordenador de projetos - Cia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo.

8 poemas de Maurício Cavalheiro

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Erik Johansson



MENINO HOMEM MENINO

Nasci bicho do mato
com medo de gentes

Se voz estranha se avizinhasse
empoleirava na mangueira
ou espremia os olhos debaixo da cama
e me escondia dentro de mim

...ou fincava o queixo no peito
de modo que meus olhos não se atrevessem
a deixar o chão

Cresci menor do que era
me fizeram menor do que era

Pelas frestas da janela
a lua trocava ramalhetes de estrelas
por minha solidão

Aprendi o idioma dos pássaros
a os segredos das sementes
- fiquei do tamanho da imensidão

Tentaram adulterar minhas heranças
- não sabiam que raízes genuínas 
não sofrem erosões -

Nasci bicho do mato
com medo de gentes

Após muitas ranhuras e alguma sequela
troquei o medo de gentes por
cautela.



DESAPEGO

O tempo vai amarrotando vaidades
alinhavando o efêmero
para a desconstrução do nada
que somos 

A flor morreu no anonimato
- no caminho pedregoso inventado
os arrependimentos são tardios

A vida é um aprendizado para quem quer aprender

Arranquei todos os bolsos para o resto do caminho
o que realmente tem valor
guardo no coração



C(R)OMO SOMOS?

Há flores de vários tipos, tamanhos, cores,
no jardim uterino:
sagrado invólucro do sublime
onde o Amor se multiplica.

A sociedade sem alma
se escandaliza com a flor dessemelhante
- anomalia é o desamor,
é eleger padrão para as obras de Deus.

Toda vida merece ser cuidada
por toda vida
- florir e reflorir felicidade
é o que a nós compete.

Na matemática do Amor
vinte e três mais vinte e três
também é quarenta e sete



TU ME AMAS? 

Venhas comigo, mas deixes
os teus anéis e colares
que te darei vagalumes
e fios de sonhos lunares.

Deixes sapatos e bolsas,
roupas, perfumes e afins,
que eu te prometo um vestido
tecido por querubins.

Venhas comigo à montanha
para viver ao meu lado
em uma casa, onde estrelas
têm a função de telhado.

Terás um campo de flores,
e asas de voo irrestrito
pra desvendarmos recantos
do amor, do amor infinito.

Pousarás teus mil desejos
sobre os mil desejos meus,
e cada instante do êxtase 
terá as bênçãos de Deus.

Não tardes... o tempo escasso
não parará pra esperar.
Eu te ofereço o que é simples
com a imensidão do mar.

Quando chegares, irei
dizer ao ouvido teu
que tu moras em meu peito...
Será que moro no teu?



Jerry Uelsmann
 

ALIENÍGENA

Os meus poemas têm pouca opacidade
não bebo águas de babel
prefiro a seiva das constelações e floras
para evitar monólogos 

No clube fechado agigantam minúsculos
farsa que ludibria bêbados de si mesmos
mas nem tudo é regra
cascalhos escondem preciosidades

Na busca pelo verso imperecível
navego primaveras perenais
o amor é rima desgastada
para quem não sabe usá-la.



TRAVESSIAS

Aos onze anos vi meu pai partir
com a bagagem de explosivos
Nenhuma lágrima rompeu
a revolta que represava oceanos

Entardeci cedo demais
sobre a ponte dos desafios
- não havia mapa de atalhos
não havia mapa de desvios

Fui esculpido por mãos severas
áridas de carinho
que apontavam o caminho 
da retidão

- O amor pode ser duro
como um diamante -

Sofri com a maturação
no vale das vicissitudes
onde compreendi 
a minha significância

A missão é dura. Em madrugadas 
nem sempre guardo o choro
Se o fardo é pesado
Deus é meu ancoradouro.



FRESTAS DO TEMPO

Às vezes, fecho os olhos 
e vejo o menino descalço 
pisando em poças de felicidade
que a chuva inventou

Vejo-o deitado no chão
ao lado da mãe 
saboreando origamis de nuvens

Às vezes, fecho os olhos 
e vejo o tempo desenhando sonhos
no coração do menino-moço
que sorri para as estrelas
e conversa com a lua

Vejo-o diuturnar 
na colheita de versos imaculados
para a flor-mulher

Às vezes, abro a minha alma
e minha alma me revela
que meus ontens 
sempre serão atuais.



BAILE DE MÁSCARAS

por excesso de vírgulas 
meus pés singraram lodaçais e abismos
mas preferi jejuns a engolir perjúrios
- a fome não devora a minha dignidade 

sobrevivi a escombros e parti
sem bússola, sem mapas, sem mim
sabendo que os calos enrijecem a alma
mas não detêm erupções 

outros aromas, outras nuanças, outros ardis
no vale das sanguessugas 
há muita carne estragada em traje de gala
para mais um baile

como sabê-la? A valsa não para 
- onde estará a dama sem maquiagem?




 
Maurício Cavalheiro, paulista, nascido em Pindamonhangaba no dia 18 de maio de 1964. Graduado em Letras pela Faculdade Anhanguera de Taubaté. Ocupa a cadeira número 30 da Academia Pindamonhangabense de Letras, onde integra a diretoria como segundo tesoureiro. É secretário na diretoria da UBT – União Brasileira de Trovadores, seção de Pindamonhangaba. Livros publicados: Lágrimas de Amor, poesia; O sapinho jogador de futebol, infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos, contos; O menino que quase virou árvore, teatro infantil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, cordel; Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda, cordel; Zé Ruela e a capela de Sant’ana. Blogs: rastrosliterarios.blogspot.com.br aultimacabeca.blogspot.com.br


5 poemas de Os Relógios de Dali - Isabel Furini

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SÍNDROME


Ulula nos cantos do quadro
e nos relógios
o vento
(livre)
e empresta o seu alento
à marcha do tempo

o tempo é o senhor do mundo
e o senhor das miragens
e até os relógios azuis
(intimidados)
esforçam-se em vão

prisioneiros
da Síndrome de Estocolmo.
ele tentam marcar as horas
para agradar a Chronos
(o pai perverso que devora os filhos).




CABEÇAS DE RELÓGIOS MOLES


De repente surge uma ideia nas cabeças
(ocas)
de fugir da solidão
do vazio
dos medos criados pela civilização
fazendo selfie
(o celular é a nova magia)

logo é só postar nas redes sociais
(e se for possível nos jornais virtuais
nas portas dos shoppings
nos cartazes dos teatros
ou cinzelar nas estrelas próximas)

deixar as perdas e o amor e a saudade
no mar da Catalunha
e ser fiel às ideias de felicidade
ser fiel ao carrossel do mundo
essa é uma obsessão
(como os passos agitados
que fazem ranger
as tábuas do piso
e da escada de madeira)

ser feliz 24 horas por dia!
ser feliz sem pausa e sem monotonia

nossa civilização de faz de conta
está se derretendo como um relógio mole
nossa civilização
alimenta-se de estranhas utopias
enquanto é devorada pelas formigas
do medo e da obsessão.



O HOMEM E O RELÓGIO

 

O homem
investiga os movimentos das galáxias
e faz cartografias celestes
observa o firmamento
pois deseja conhecer o universo
mas desconhece sua face
além do tempo

o homem contemporâneo
prisioneiro das horas
tem o coração do relógio vermelho
e é consumido pelas formigas do desassossego.




SERÁ?


Setenta vezes sete
ataques de formigas
e em silêncio está morrendo
esse relógio vermelho

talvez sonha com seu antigo esplendor
talvez murmura palavras
de perdão ou de rancor...
mas não resiste o ataque
e silencia seu rotineiro tique-taque

o relógio possui músculo cardíaco
um coração ora amável ora turbulento

será um coração humano?
será o coração do tempo?


Galeria: Salvador Dali




Isabel Furini é escritora, poeta, palestrante  e educadora. Autora de 30 livros, entre eles,  “Os Corvos de Van Gogh” e “,,, e outros silêncios”. Foi premiada no Brasil, Espanha e Portugal. Teve um poema selecionado no Concurso Poemas no Ônibus e no Trem, de Porto Alegre RS, 2009.  É membro da Academia de Letras do Brasil/PR. Foi nomeada Consulesa da Academia Poética Brasileira;  recebeu Comenda Ordem de Figueiró e foi nomeada Embaixadora Internacional e Imortal da Poesia  pela Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura do Brasil; Embaixadora da Palavra pela Fundação Cesar Egido Serrano (Espanha); Embaixadora da Rima Jotabé, Espanha. Seus poemas foram publicados nas revistas: Zunái,  Jornal Cândido (editado pela Biblioteca Pública do Paraná), Biografia, Revista Mallarmargens, Almanaque Chuva de Versos,  Revista Mirante, Revista Brasileira de Poesia (editada pelo jornalista Mhario Lincoln), Revista Palavra Comum – em Galícia Espanha e  eisFluência (Portugal).5 poemas de Os Relógios de Dali  -  Isabel Furini

CASA VERDE LANÇA "BLASFÊMEAS - MULHERES DE PALAVRA" NO RIO DE JANEIRO

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Com um sarau reunindo diversos poetas, a editora Casa Verde lança no próximo dia 21 de fevereiro (terça-feira), no Rio de Janeiro, a antologia "Blasfêmeas: mulheres de palavra", organizada por Marilia Kubota e Rita Lenira de Freitas Bittencourt. O lançamento será no Espaço Cultural Olho da Rua (Rua Bambina, 6, Botafogo), a partir das 19 horas. Participam do livro 64 mulheres que vêm publicando poesia no Brasil a partir dos anos 90: Adelaide Ivánova, Adriana Zapparoli, Adriane Garcia, Ana Elisa Ribeiro, Ana Mariano, Ana Mello, Ana Peluso, Ana Rüsche, Andréa Catrópa, Andréia Carvalho Gavita, Angélica Freitas, Bárbara Lia, Célia Musilli, Claudia Manzolillo, Claudia Roquette-Pinto, Concha Rousia, Daniela Delias, Eliana Mara Chiossi, Eliane Marques, Estrela Ruiz Leminski, Etel Frota, Francine Canto, Gabriela Silva, Germana Zanettini, Greta Benitez, Jandira Zanchi, Jane Sprenger Bodnar, Josely Vianna Baptista, Juliana Meira, Jussara Salazar, Katyuscia Carvalho, Karen Debértolis, Laís Chaffe, Leila Guenther, Ligia Regina, Líria Porto, Lisa Alves, Lota Moncada, Lubi Prates, Luci Collin, Lúcia Santos, Mari Quarentei, Maria Rezende, Marília Garcia, Marilia Kubota, Micheliny Verunschk, Miriam Adelman, Monica Martinez, Neysi Oliveira, Nina Rizzi, Nydia Boetti, Priscila Merizzio, Priscila Prado, Regina Bostulim, Roberta Silva, Rose Mendes, Sabrina Lopes, Sandra Santos, Stela Livina Siebenichler, Telma Scherer, Vássia Silveira, Virna Teixeira, Yassu Noguchi, Zoe de Camaris.
Roberto Schmitt-Prym assina o design gráfico e a capa, feita a partir de pintura de Marilice Corona. O prefácio é de Marilia Kubota; o posfácio, de Rita Lenira de Freitas Bittencourt e a revisão de Luís Augusto Junges Lopes, da Press Revisão. Coordenação editorial: Laís Chaffe.
Já confirmaram presenças no sarau: Eliana Mara, Laís Chaffe, Maria Rezende, Yassu Noguchi.


O QUE: lançamento do livro Blasfêmeas: mulheres de palavra (Casa Verde, 216p, 16cm x 23cm), quarto volume da Série Cidade Poema. ISBN: 978-85-99063-31-6
QUEM: 64 poetas contemporâneas. Organização de Marilia Kubota e Rita Lenira de Freitas Bittencourt.
QUANDO: 21 de fevereiro de 2017, terça-feira, a partir das 19h.
ONDE: Espaço Cultural Olho da Rua (Rua Bambina, 6, Botafogo - 21 317 8660),
QUANTO: R$ 42,90 (no lançamento, R$ 40,00)

Para a vida - Seis improvisos: a poesia de Bruno Brum

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Seis improvisos

1

Amanhã, ao sair de casa para o trabalho,
pergunte à primeira mosca que encontrar
pelo caminho algo sobre a forma
e a essência das cidades decompostas.
Anote a resposta e guarde-a consigo;
poderá ser de grande serventia no futuro.

2

Esse mundo não é meu.
Esse mundo é dos anjos transformistas,
das crianças selvagens
e dos cachorros mancos.

3

Pela terceira vez tomamos o caminho errado.
Sem alarde, redesenhamos o mapa de forma a ajustar
Nossa atual posição à rota pretendida.

4

Minhas roupas estão ficando velhas.
Meus chinelos estão ficando lentos.
Já não me lembro onde deixei meus retratos.

5

Nenhuma rodoviária é feliz.

6

Depois de fazer sumir a plateia,
o mágico transforma a si próprio
em um grande cetáceo, se senta
à beira do palco e canta para o auditório vazio.
Ao final, se emociona e chora.


Poemas de Bruno Brum, publicados no livro Mastodontes na sala de espera (ed. Crisálida 2011), vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura 2010.

 Ilustração: Bill Murray, em cena do filme St Vincent.

Dois Poemas de Caio Cardoso Tardelli

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DESTINO

Tenho em mãos o meu destino:
Se me calo, talvez as alegrias
Ainda possam surgir qual um hino;
Se me calo, porém, sei que terás
Dias mais felizes que os meus dias...
E que, tantas vezes, rirás,
Entre outros risos, do meu destino.

Mas se os meus lábios disserem
Tudo quanto tenho a dizer,
Que eu sei de beijos ocultos,
De sorrisos teus que ferem,
Terás uma via florida na vida...
E eu... eu viverei sem perceber
Que a minha vida se foi sem ser lida
Pelos meus olhos sepultos
Nas palavras que eu tinha a dizer.

SONATA AO MAR

Entre o céu que uma eternidade mostra
E o sussurrar das ilusões perdidas,
Pareces que trazes contigo as vidas
Que almejei, as bocas que não toquei,
Os sonhos que não trouxeram paz…
E eu sei, eu sei, que tudo quanto amei
Será teu – e mesmo tu, um dia, me verás
Entre os teus braços, talvez risonho
Por ter adentrado em meu sonho...
Talvez em prantos por vê-lo, enfim…
Mas eu sei que, como a messe de um rei,
Crês que não chegará o teu fim...
Mas um dia eu morrerei – e tu ficarás...
Um dia partirás – e eu te encontrarei…


(Pintura: Nocturne Grey and Silver, por James McNeill Whistler)
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