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Erik Johansson |
HERÓIS NASCEM DE TEMPESTADES
O vento lembra gatos
em passos de jazz.
Os mistérios provocam
fome nos olhos.
Chuva carregada
pela nuvem do não saber.
A felicidade não exige
ponto de vista.
O que a ciência
não pensa – loucos
e místicos dizem amém
– pássaros entendem.
A espessura que torna real
a beleza das árvores
em extinção, saca um pardal
da carnadura dos telhados.
No íntimo dos temporais,
morde-se a raiz
das metamorfoses:
matar o crepúsculo dos ídolos
é nascer de novo.
AZUL INAUGURAL
O óbvio tem folhas
de chumbo — o vento
me respira como faca.
Na pimenteira do novo
me queimo
por dentro.
Quero na boca
o óleo árido
das palavras
que não sangraram.
As rosas solitárias
do ocaso em busca
do odor do sol.
O meu vazio traduzido
em pássaros
póstumos.
Descobrir as rodas
do invento é a maçã
do Éden para
os poetas.
TEOLOGIA NEGATIVA
Nas maçãs do mistério um louco
morde a sombra
do sol.
Sob o peso
da solidão
é o meu número.
Hoje a comarca não me compra.
Uso sapatos
de chumbo para o vento
não me roubar.
Mostro a imensa substância
das noites escuras
de San Juan de La Cruz.
Na fuga
do hospício etéreo
a realidade se salva em porta:
arranha-céu.
ANJOS BEATNIKS
Na solidão das flores do universo
me beatifico.
Doce-ácida primavera beat.
A estranheza do mundo
me namora em beijos
molhados
de eternidade.
Pode até soar como
insanidade
mas trepo
nas tripas
do vácuo.
E bailo nas lâminas
do ilógico.
Vou mencionar
um vagabundo
iluminado
dono de uma alma
cheia de jazz.
Místico errante
em busca do penúltimo
copo de loucura.
A rodar na route 66.
Eu também
numa liberdade maltrapilha
coroava a madrugada
num gozo cósmico.
Ainda
quero tudo
outra vez
(mesmo que tarde)
numa taça
de delírio.
FUGA DAS COISAS USUAIS
Gatos são relâmpagos.
Cigarras não são domesticáveis.
Na medula óssea do pensamento,
arpeja uma palavra muda: sol gelado.
Vinho tinto ou seco.
Anestésico. Botão vermelho.
Qualquer instante longe do real.
O que admiro me arde.
Tito Leite nasceu em Aurora/CE (1980). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Têm outras coletâneas publicadas nas revistas Mallarmargens, Germina e na portuguesa Triplov. Este é o seu primeiro livro.