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7 POEMAS DE MARCELO MORO

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Quando a vi, numa tarde cinza
Era um quadro expressionista 
Não existia para mim nesse mundo
Nem em outro 
Tamanha beleza pessimista 
Daquele ar triste surgiu um sorriso pleno
Se fez o verde ao redor 
As flores das quaresmeiras 
E os profundos verdes-mares 
Daqueles olhos 
Vitrais por onde se espia 
(ou ao menos se imagina) 
Como seria poder...tocar 
E eu me apaixonei pela forma 
Sartreana como segurava seu cigarro...



Trio

Hoje só um trio me saciaria 

Fosse de jazz
De blues 
De tango 
De sexo 
De rancho

Três peles, 
Três texturas 
Três pontas soltas 

Macia e úmida 
Outra dura
De cabeça 

Alma sensível


O Poeta 

O Poeta, muito do filha da puta
É o dedo , a língua , o pau , a xoxota,
É xote , baião , viração , e putaria,
Swing, bacanal e festa,
Botão que se abre,
Porta trancada e fresta



Satã

Essa madame não dorme?
Embalada para presente 
Esperando que soltem os laços 
Para atirar os sapatos vermelhos de saltos
Esparramaço no asfalto molhado 
Gilete e capoeira 
Olhos boiando no ácido
Ah Satã!
Esse satã é de satã mesmo?
Ou personagem de Pessoa transido
Rabatizado por Aleister 
Em um dos seus seis mil nomes...
Esse satã é de verdade...
Mata, rasga e come 
E a madame é o álibi 
Sempre à mão quando cai a casa 



Fome que não passa
Fome de boca
Da sua boca

Sede de saliva
Busca pela língua 
Caravana louca 

Que atravessa
Essa noite veloz 
E nem os cães ladram 

Apenas nossos sussurros
Ais sem dor 
Uivos de apuros 

Roupas colorindo o tapete da sala
Sonhos simétricos 
Beijo que cala 


Ciranda 

Dança gemida, espremida
Atiçada... a chama... e extremidades
A cidade pela janela, tudo à meia luz
E esse olhar indecente entre os cabelos
Despenteados, rebuliços 
Olhos que devoram...
Unhas afiadas, enguiço
Sem escapatória, 
Oratória feito mantra...
Palavrões vão sendo ditos
Temporal e ventania
Ali a bruxa e seu feitiço 
O sorriso entre os dentes cerrados
Medo? De fluir tal pecado...?
Pobre de ti Maçã do Amor sem açúcar
Doce ou Travessura?
Eu quero os dois, nessa noite escura 



Ela no meio da multidão 
Só mais uma nesse mutirão de arrepios
Seu ar sombrio, mãos de assombração 
Drogas endovenosas e outros desvios 
É tudo luz no viaduto do chá
E sombras no Anhangabaú
Um abuso padrão por sobre a lã da menina
Sirenes, gritos e xabú
Ela se perdeu entre um drink e outro
Nesse inferno sépia sem mal 
Tom sobre tom e um dedo enfiado
Amanhece lépida no ponto final 




Um poeta.Virginiano, nascido em ano de Copa, e melhor em ano de Tricampeonato. Chegou aos 46 acelerando e faz planos para outros 50 sem se importar se serão realizados, os anos é claro, pois os planos são como lenha para alimentar essa grande fogueira, e sempre darão certo.
Insone inveterado, viciado em café e amante de quartas-feiras; não precisava dizer, acha que está na bula, explicito.




6 POEMAS DE BENEDITO COSTA NETO

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After Lunch, Patrick Caulfield, 1975.

Mosca Azul

Na sala de cimento queimado
E poltronas Le Corbusier
Com pedaços de vacas malhadas no chão
E telas brancas com pinceladas de uns milhares de dólares
Uma mosca assombra o equilíbrio
De aço, madeira certificada e couro preto à Bauhaus.

Ela é antidiluviana, indiferente, pagã.

No silêncio pétreo desse templo,
Um zunido, onde antes se ouvia Cocteau Twins,
Um brilho azul, metálico, de poesia parnasiana,
Uma presença maligna, onde tudo é doce, fresco, sadio.

Pousa ela na Saarinen e nesse mármore branco
Uma joia mughal se instala —
Não fosse, uma mosca, pestilência viva.

Sobrevoa imensidões:
esse arrojo de objetos cuidadosamente jogados
sobre a laca preta de um móvel chinês
em três alturas diversas
em comoção
de pequeno teatro.

Poema do amor líquido

Te amarei como a gota d’ água
Fechada em si mesma
Com os segredos do universo.
Como os dardos
Por que, sim,
O amor fere, buscando alvos.
Como o trovão
Esse monstro de sonho
Que persiste ao perigo maior.
Te amarei como a água que corre
Sim
Porque da água vem a vida, sabemos
Porque ela invade interstícios,
Porque a água tudo pode dissolver.
Te amarei como os príncipes amam
Rendendo dividendos aos artistas e aos narradores de lendas.
Te amarei como a oração
Essa cega passageira sem destino
Sob o olhar de todas as divindades.
Te amarei como a poesia
Essa febre da língua
Diáfana presunção da beleza.
Te amarei como um centauro
Antes animal que homem
Por cujas veias corre o sangue das bestas.
Te amarei como o fogo
Esse sopro vulcânico
Prelúdio das cinzas.
Te amarei como a imensidão azul
A quem chamam mar
E suas inconstâncias
Mechas verdes das Oceânides.
Te amarei como o gelo
Esse relicário de agulhas
Que também queima.
Te amarei como os astrolábios, as bússolas, os cronômetros
Por que, sim, estaremos perdidos.
Te amarei como o vapor
Esse fantasma dissolvido a partir das chamas
Que não se pode prender.
Sim, todas as formas da água.
Sobretudo, te amarei
Como um vasto jardim de lírios
Sem trabalho nem colheita.

Acordo com os pássaros

A burlar o grito das cidades
Quando a manhã ainda é morta
A algaravia de carros, marteladas, apitos
Numa cantoria inútil
Mas de eulalias aladas —
os pássaros cantam, afinal,  o eco da criação
Eu tento burlar as sombras

Vestindo as peças nacaradas da manhã
Ainda fantasmas
A encher de fuligem ao passar das horas
Os pássaros e eu
Fingidos
Somos anacrônicos, supérfluos
Logo ali passa aquele trem
Que corta o Cabral, o Hugo Lange
Vem de lugar nenhum
Vai para lugar algum
Lá pelas sete, os pássaros param exaustos
Derrotados
É a hora dos fantasmas diurnos
Cor de ar
E sua sinfonia deletéria por sua vez
A cacolalia pesada
Prenúncio do fim das coisas.


O espelho

numa tarde de sol
quando a Indochina
e suas venezianas
franco-vietnamitas
n
ão sãmais que escombros de guerra
perdidos nas reentrâncias dos sonhos
olha Marguerite Duras
e pensa

que devastação nesse rosto!
que lembra Auden e uma franja branca caída na testa
que lembra Samuel Beckett  a mirar indiferente uma câmara fotográfica
que lembra Yourcenar e certa arrogância
que é também defesa
ent
ão, como crianças numa ciranda
ou como estátuas repletas de líquen em torno a uma fonte
afinal

falando em reentrâncias e em sonhos
o que sonhará o rosto liso?

On the balcony, Peter Blake, 1955-7.


Dado de Cecília
1.
Alcança-nos um tempo
Em que o elogio é flor morta
Relicá
rio da história De sua própria beleza
2.
Alcança-nos uma paz
Misto de medo e desencanto
Que não é desdém
Tampouco pranto
3.
Alcança-nos a chuva
E, sem corrermos dela,
O trovão nada mais é que
Gato num terreno baldio
4.
Alcançam-nos os epitáfios
Cinzelados, fundidos, grafados
Com palavras que evocam
A palavra ela mesma, enredada em si
5.
Alcança-nos o pó
Dos livros
Quando as páginas às milhares
São uma só
6.
Não somos de ninguém ~
Adolescentes perdidos
Na primeira noite
De muitos amores



Aos velhos

A época dos fogos se foi

E não te cabe mais esse céu de brilhos

Não pertence a ti o fulgor desses olhos

Nem o primeiro beijo, na praia

Ele é névoa que se desfez

Não pousa sobre teus dedos

Esse então doce pássaro da novidade

(ou pássaros, que fugiram de sua gaiola de ouro

deles sobrando o que um dia foi raro

e hoje são escombros de cores

leves, mas sem nexo, repousando frias

no chão)

Tampouco esse cantar arisco,

misto de sereia e desejo

(ou seja, medo)

Mesmo que teu coração bata mais forte

Não é para ti a dança de véus

E não te são tuas as grandes viagens

A primeira leitura de Proust

Esses neologismos joyceanos.

(esses cílios que batem como vendavais

esses lábios que estremecem montanhas

esses dentes que rasgariam uma cordilheira)


Te escaparam já

Esses sorrisos bobos dos jovens

Essas descobertas do corpo

Esse desvelar

Esse fruto remoto da árvore

Essa chuva que não molha

O primeiro pecado sem arrependimento

A suave mentira da conquista

As diferentes geografias:

céus, terras, carne

Nada disso mais é teu

(nem o beijo nem a bofetada

nem o gozo nem a lágrima

nem o lençol desarrumado

nem o botão perdido

nem o toque nem o escárnio)


Esses castelos de ar, essas fumaças, esse pólen

Essa semente que cai da árvore como hélice

Esse vai e vem do pensamento

Essa dúvida entre espada e cruz

E seus vazios preenchidos

Não te pertencem mais



A morte já não é inimiga

E as amizades, rareando,

Esqueceram da apoplexia do encontro

E do quê de desafiador do rosto alheio

que havia no espelho

e na fotografia,

nos gestos

Então: nada disso é teu



Não é teu o filhote de cão perdido

O primeiro assento num trem

A chave esquecida

A madrugada como o sempre, o perpétuo

Ou o nunca

A vitória e a derrota com sentidos iguais

O bilhete, a carta e o telegrama

o palito de fósforo para o primeiro cigarro

Não é teu. Foi-se

Que conversem contigo

Que acenem para ti

Que te afaguem as cãs

Que venham te ti e por ti

Não te são

Não é para ti o olho do ciclope

E não interessam a ninguém tuas artimanhas de fuga

Os poemas pertencem ao “O livro dos amantes incrustados”.


Benedito Costa Neto é paranaense de Quatiguá. Após viver em São Paulo e se formar, voltou ao Paraná, em 1993. Tem doutorado pela Universidade Federal do Paraná, em Estudos Literários, é professor, pesquisador e consultor de empresas. Tem 50 anos e dois cães.É autor de Diante do Abismo,  publicado pela Benvirá, como resultado da bolsa  Funarte. Escreve regularmente sobre Literatura e Artes Plásticas.

Memória, tempo e Poesia revelada: Krishnamurti Góes dos Anjos resenha Luiz Walter Furtado

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Porque possuímos a capacidade de distinguir dois instantes como sendo um anterior e outro posterior, tempo e memória se imbricam em nosso ser. Como bem o aponta Paul Ricouer, a memória, que é do passado, se revela também através da poesia porque exprime a originalidade da existência humana. “Revelações” é a obra de estréia na literatura do poeta e médico mineiro Luiz Walter Furtado (Editora Penalux, Guaratinguetá-SP, 2016, 142p), que reúne quase uma centena de poemas divididos em blocos, a saber: Luzes e sombras, Faces da solidão, Abismos dos corpos e Cores da memória.
A primeira estrofe do poema “Viver o dia” (p.26) começa a nos deixar entrever, ainda que timidamente, certa minúcia de olhar que o autor persegue:

“A manhã,
penetrando frestas da veneziana,
desenha faixas douradas,
onde se vê a agitação
das minúsculas partículas de poeira,
nesse pequeno espaço de luz
onde nasce meu dia”.    

“Minúsculas partículas de poeira” subitamente iluminadas pela luz solar despertam um estado poético que se acentua, ou melhor se viabiliza por um processo de recordação gradativa como objeto de busca, esforço espiritual de rememoração onde memória e imaginação entram numa espécie de curto-circuito no qual decorre a poesia de Furtado. Efeito explicitado no poema que dá título à obra. Duas estrofes do poema “Revelações”(p.28):

“Escreveu um livro / o antigo eremita / Os olhos nublados, / as mãos tremulando / sobre o meu caderno
Escreveu aflito / palavras tremidas / Sabendo que o tempo / se fazia findo / sobre seu destino”

Em outros poemas a memória irrompe por meio da reminiscência, que insere uma dimensão temporal não-cronológica, remetendo ao tempo poético da qual a palavra é oriunda da memória. Há  ainda poemas que alargam a memória numa extensão da historicidade (o autor vive na cidade histórica de Ouro Preto-MG). Poema “Ouro Preto” (p.50):

“Metal e cidade profetizando / duas vertentes da vida e do amor / e as antíteses do barroco
O amor dourado dos salões de dança com / damas brancas / em vestidos brancos / e o amor negro furtivo. Seres cansados, / trajando farrapos, / amando entre chagas abertas, nas entranhas / frias das minas”

Há também dentro dessa perspectiva poética que o autor abraça, a lembrança como representação presente de uma coisa ausente. Qual a relação entre o objeto que lembramos e a sua marca deixada em nossa memória? É pergunta que nos fazemos ao ler o pequeno poema de duas estrofes “A bailarina de louça” (p.121).

  “Na cristaleira corroída, / a linda bailarina de louça / insiste em dançar sua valsa / de sobrevivente
Pisa cacos, indiferente / ao que resta ao redor / de ausência.”

  O poeta possui uma grande consciência da relação entre o trabalho de rememoração e nossa temporalidade de homens perecíveis. Sabe, e nos lembra, que, todavia, a memória é uma instância essencial, sem a qual não existe a realidade. A interferência constante da memória reconfigurada na poesia de Luiz Walter Furtado cria novos valores, propõe reflexões sobre essa linha tênue na qual nos equilibramos (passado, presente, futuro), a que chamamos tempo, e vai se depurando até uma verdadeira epifania (súbita sensação de entendimento ou compreensão), que ocorre nos últimos poemas do livro. Compreender-se a si mesmo, e passar as lições da vida a limpo é, nesses tempos sombrios que atravessamos, aquilo que Santo Agostinho menciona: A grande esperança presente das coisas futuras.
Em tempo. O soneto “Prego na parede” (p.139), é uma pedra preciosa desencravada do mais puro lirismo. Aqui transcrito para deleite.

“Prego na parede

Enquanto numa sala os homens riam
Mulheres conversavam na cozinha
Assim que pela casa aconteciam
As festas, os natais, tudo que havia

E nas paredes velhas descascadas
Os quadros ancestrais ali expostos
Dos quais só resta um prego pequenino
Assim, meio pregado, meio torto

E dele já não sei se mais me assusta
A parte que se adentra na parede,
Que já sabia as sombras desse tempo,

Ou se a parte exposta sempre à luz,
Que hoje, já coberta de fuligem,
Sustenta a sombra imberbe do que fui.”




Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor e pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo– Romance Histórico, Gato de Telhado– Contos, Um Novo Século– Contos,  Embriagado Intelecto e outros contosDoze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho– Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional -  Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.


ALBERTO LINS CALDAS - 10 POEMAS

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poemas duma guerra perdida





as cinzas
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● o terror o terror so pode ser quebrado ●
● pelo terror quando se espalham as cinzas ●
● essas essas mesmas q não nascem do fogo ●

● não bastam as palavras nem as fogueiras ●
● muito menos as laminas nem a tortura ●
● inda menos as panelas q se deformam ●

● so as cinzas espalhadas as cinzas as cinzas ●
● q vieram sem o fogo q vieram do medo ●
● vieram do terror o terror q se propaga ●

● sim so as cinzas sem o fogo o fogo ●
● as cinzas puras as cinzas q purificam ●
● as cinzas do terror as cinzas o terror ●

● so quebrado pelo terror das cinzas ●
● sem o fogo o terror pleno branco e duro ●
● q se torna ele mesmo as cinzas as cinzas ●

● essa a grande fonte a grande razão ●
● rios de cinzas oceano q encontra mares ●
● de cinzas q a tudo devora sem fome ●

● nada mais devemos ao fogo agora temos ●
● as cinzas q não vieram do fogo o fogo ●
● as cinzas q pariram as cinzas as cinzas ●

● o tempo do fogo passou e não voltara ●
● o deserto das cinzas chama chama e vem ●
● nada maior nada mais forte q as cinzas ●



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● as ratazanas chegaram ●
● com elas seu deus perverso q mata o filho ●
● devorando multidões com gula e desejo ●

● as ratazanas chegaram ●
● com suas montanhas de dinheiro roubado ●
● do suor de todos os tolos de todos os idiotas ●

● as ratazanas chegaram ●
● trazendo medalhas pros togados pros diplomas ●
● pros codigos pras honras pras ordens do dia ●

● as ratazanas chegaram ●
● porisso esse gozo no ar essa alegria essa festa ●
● essa quantidade de comida monstruosa e gorda ●

● as ratazanas chegaram ●
● elas agora tomaram todos os lugares e faces ●
● todos os dentes e risos todos os dedos e horas ●

● as ratazanas chegaram ●
● como sempre chegam depois do sumiço ●
● onde cavam seus tuneis suas salas seus pulpitos ●

● as ratazanas chegaram ●
● como se nunca tivessem ido embora e agora ●
● tudo não apenas é delas como tudo são elas ●

● as ratazanas chegaram ●
● com elas as palavras as ideias o silencio o ar ●
● q so elas criam so elas procriam e todos adoram ●

● as ratazanas chegaram ●
● com elas o piano o gramofone a guilhotina ●
● a geleia de morango a marmelada o vinho doce ●

● as ratazanas chegaram ●
● nada mais podemos fazer porq agora somos ●
● as ratazanas essas q sempre fomos e nossa vida ●



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● desde q picharam nos muros ●
● a desordem violenta é a grande ordem ●
● temos nos escondido como gatos ●

● temos mandado mensagens sem sentido ●
● em todas as direções e não compreendemos ●
● as respostas nem se devemos responder ●

● ha um silencio q se alastra ●
● q tem congelado nossos ossos e linguas ●
● muitos de nos perderam dentes e unhas ●

● pra nos inda não amanheceu e essa noite ●
● não passa não termina não deixa um sol ●
● normal vir tomar conta do mundo ●

● ha entre nos uma fome descontrolada ●
● como se tivesssemos aqui ha meses ha anos ●
● decadas e vidas e milenios de medo ●

● mas é impossivel q tudo tenha começado ●
● apenas com aquelas pichações dizendo q ●
● a desordem violenta é a grande ordem ●

● as palavras não possuem essa força ●
● as palavras são coisas mortas e frias ●
● as palavras tão dominadas desde antes ●

● mas como não sabemos de nada ●
● talvez morramos todos como gatos ●
● envenenados nessas tocas escondidos ●

● precisamos mandar mais mensagens ●
● em todas as direções talvez cheguem ●
● respostas com algum sentido ●

● mesmo com o silencio q se alastra ●
● o mesmo q congela nossas linguas ●
● com certeza nem tudo ta perdido ●



_________________________________________________


● temos dançado a beira desse lago ●
● desde antes da terceira guerra e bem antes ●
● como sabem todos q dançam dispostos ●

● na beira desse lago todo dia as 5 em ponto ●
● da tarde como manda a tradição e a ordem ●
● porq se não fosse a ordem ?pra q dançar ●

● desde a primeira vez e sem acordo ●
● vamos nos aproximando do lago e de mãos ●
● dadas começamos a levantar as pernas ●

● primeiro a esquerda lentamente e a direita ●
● fincada no solo como se fosse uma coluna ●
● tambem lentamente mudamos as pernas ●

● segundo a direita vai subindo ao ar ●
● enquanto a esquerda fica fincada no chão ●
● como a boa e velha arvore da lei ●

● na lentidão desse trocar de pernas ●
● os braços as mãos os dedos sem cessar ●
● vibram violentos como numa tempestade ●

● esses movimentos lentos e violentos ●
● nos curvam todos a essa grande atmosfera ●
● sem cessar continuamos a dançar ●

● velhos jovens ate mesmo alguns cães ●
● q aprenderam a nos imitar e os doentes ●
● os quase mortos não perdem nada de nada ●

● pois nessa dança damos lentamente a volta ●
● ao lago q é o corpo da nossa terra beijando ●
● sua alma com desejo e profundo respeito ●

● nessa volta honramos as tradições e deus ●
● ta sempre conosco ali ao nosso lado ●
● como tambem tudo q vale e pena ●

● tudo q é branco lucido racional e puro ●
● cantando numa mesma voz verdadeira ●
● q somos aquilo q so nos podemos ser ●

● ate a meia noite quando voltamos ●
● felizes plenos e satisfeitos com confiança ●
● no q fazemos na mais rara esperança ●



ruas
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● ha sempre cães mortos pelas ruas ●
● vc sabe q isso não faz bem a nenhum de nos ●
● sabe bem demais q esse cheiro de cães mortos ●

● invade os sonhos invade o sangue invade tudo ●
● ate não restar nada mais q cães mortos ●
● desde os ossos pela carne ate a pele ●

● depois vc vem dizendo q bastam os dias ●
● basta a limpeza publica os carteiros os poetas ●
● todos os corneteiros da nossa cidade ●

● não é verdade vc sabe isso bem demais ●
● mas fica sentado mandando mensagens vazias ●
● sabendo q ninguem vai receber nenhuma delas ●

● enquanto isso não se consegue andar ●
● pelas ruas da cidade sem chutar cães mortos ●
● sem bater os pes nessa carne morta carne mole ●

● carne q apodrece porq vc não se move ●
● vc não faz o q é preciso fazer não faz nada ●
● enquanto todos nos passeamos nus pela cidade ●

● com esse gosto de cães mortos na boca ●
● como se tivessemos mastigando cães mortos ●
● como se cada um deles tivesse na nossa boca ●

● sob nossa lingua q lambe essa carne de cães ●
● todos eles mortos pelas ruas da cidade ●
● tudo isso vc sabe sem fazer nada ●

● sabe tanto q fica rindo fica gargalhando ●
● enquanto cada um de nos chuta e mastiga cães ●
● mortos pelas ruas da cidade ate q os ossos ●

● dos cães mortos pelas ruas da cidade ●
● surjam como pedras pontiagudas q nos ferem ●
● q envenenam nosso sangue so pra vc gargalhar ●



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● de quão baixo nos vem esse poder ●
● q o cu aparece em sua pequenez ●
● fazendo invertido o q mal nos diz ●

● cagando as terras tão cultivadas ●
● q nenhuma flora suporta e degenera ●
● q toda fauna morre logo sufocada ●

● bastam as ondas de merda nos o mar ●
● q não se revolta nem se alucina ●
● se mordendo sem se saciar ●

● o q o mar deseja sendo de merda ●
● é um cu bem maior q esse dagora ●
● q o poder so precisa dum cu imenso ●

● mesmo q seja assim de ratazana ●
● desejando mais mais e todo queijo ●
● se cagando desde o bom momento ●

● pois assim sabemos ser o poder ●
● sabemos todos o poder do pobre cu ●
● das ratazanas q pelo queijo vendem ●

● a mãe matam o pai comem os filhos ●
● tudo isso é tão baixo q fica a mostra ●
● o pobre cu seus trombos e cobiças ●

● cagando a vida tão cultivada ●
● q nenhuma ideia suporta e degenera ●
● q todo brilho fenece logo sufocado ●

● nem porisso falta festa falta feijão ●
● q um cu assim pleno e conquistado ●
● alegra ate quem não tem cu e vende ●

● o cu a varejo vende no seco vende ●
● no molhado q um cu desses assim ●
● é pra se vender não pra se gozar ●

● eis o nosso belo rei tão bem vestido ●
● mas basta ele se voltar e vemos ●
● tão miudo o cu da ratazana ●

● o mesmo cu q todos agora imitam ●
● pois mais uma vez a corte não vive ●
● sem um cu desses ralo e real ●

● pois não precisam mais nem de voz ●
● nem de palavras ou escrita assim ●
● tudo se distancia e zurramos ●

● olhem a bela vista aqui de baixo ●
● pois alem do cu do nosso rato rei ●
● ha sempre nosso medo companheiro ●



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eis a hora das tartarugas
● ouvimos ano passado entre os predios ●
● como podiam ser outras palavras atentamos ●

● mas se repetiu o eis a hora das tartarugas
● com mais força mais nitidez e violencia ●
● como uma coisa dura e muito viscosa ●

● então começaram a surgir as tartarugas ●
● pelas ruas pelas praças pelas pontes ●
● tartarugas aos montes nas praias ●

● tartarugas pelas salas pelos banheiros ●
● tartarugas ao nosso lado na cama ●
● tartarugas professores e porteiros ●

● todas sempre sobre avestruzes ●
● como se guiassem os avestruzes alem ●
● sempre mais alem dizendo eis a nossa

hora a hora das tartarugas pros avestruzes ●
● atentos sempre atentos demais eu diria ●
● mas agora q somos todos tartarugas ●

● tartarugas sobre avestruzes ●
● vivo escondido aqui no esgoto ●
● onde posso comer restos de cozinha ●

● eu os ratos e muitas baratas ●
● ja q esses mortos q começam a surgir ●
● dos esgotos deixaram de ter fome ●

● porisso mesmo como tudo q posso ●
● senão essas tartarugas nesses avestruzes ●
● virão berrando agora vamos a la mierda

● e saberei q esse mierda sou eu ●
● e se não como não terei força pra fugir ●
● pra outro esgoto enquanto berro ●

● pras baratas e pros ratos ●
● ser somente um mierda foi o q quisemos ●
● agora é tarde porq é sempre muito tarde ●

● porisso é preciso qeu me torne logo ●
● fungo ou duende senão as tartarugas ●
● me comem o esgoto não vai me valer ●

● preciso ser um rato como os ratos ●
● baratas q roem os labios a lingua os olhos ●
● dos mortos q chegam rindo sem cessar ●

● dos mortos q inda vão atracar ●
● é preciso devorar logo todos os mortos ●
● antes q as tartarugas cheguem ●

● nos seus avestruzes rindo e gritando ●
agora vamos a la mierdanão ha tempo
a perder e tenho q ter forças pra fugir ●

● so não posso ficar dizendo ●
● pra ratos e baratas gritando nos esgotos ●
● sou mierda sou um mierda um mierda

● porq senão logo logo me transtorno ●
● numa tartaruga e saiu em busca do meu ●
● avestruz entrando na canção da manada ●

● berrando como todos não aconteceu nada
não aconteceu nada não aconteceu nada
foi o sol q brilhou a lua a lua sempre a lua

● então sobre meu belo e forte avestruz ●
● sem ser mais mierda poderei eu então cantar ●
● com a manada nada nada nada nada nada



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● as hienas entram ●
● pelas janelas ●
● as portas tão fechadas ●

● elas arrombam ●
● as portas ●
● nos agarram pela nuca ●

● pela garganta ●
● elas devoram nossas linguas ●
● devoram nossos olhos ●

● nossas orelhas e narizes ●
● elas devoram a ponta ●
● dos nossos dedos ●

● elas adoram mastigar ●
● nossos pes ●
● nossas pernas●

● o figado ●
● a porra ●
● dos pulmões ●

● a porra dos nossos dentes ●
● e unhas ●
● como se come doces ●

● como se come geleia de figo ●
● elas sabem onde morder ●
● sabem onde ferir ●

● sabem bem demais ●
● nos cercar ●
● nos possuir e mascar ●

● comer nosso sexo ●
● com gula riso e ganancia ●
● elas correm ●

● gargalhando ●
● por cima dos telhados ●
● correm pelos muros ●

● pelos corredores ●
● correm pelas ruas ●
● como se fossem cães ●

● fossem gatos e ratos ●
● e devoram ●
● porteiros ●

● motoristas ●
● vendedores de cocada ●
● dormindo sob nossas camas ●

● dormindo ao nosso lado ●
● entre travesseiros ●
● lençois e cobertores ●

● de repente mordem nossa face ●
● toda noite elas cantam ●
● entre predios e casas ●

● cantam sobrias e bebadas ●
● ruidosas nas praças ●
● e se reunem ●

● nas pontes devorando ●
● os q não conseguem fugir ●
● depois desse tempo ●

● somem ●
● como se tivessem ●
● escondidas ●

● pra dormir satisfeitas de nos ●
● esperando ●
● a fome duma nova hora ●

● doutra hora bem nossa ●
● mas sempre reaparecem ●
● pra nos apavorar ●

● pra nos perseguir ●
● pra nos consumir ●
● pra tomar ●

● conta do nosso mundo ●
● como se fossemos merdas ●
● depois de todo esse tempo ●

● ja sabemos q somos nos ●
● q precisamos das hienas ●
● pra nos devorar ate nos ●

● esquecermos de nos ●
● e da nossa ferida ●
● a qualquer momento ●

● as hienas sempre retornam ●
● se não for agora ●
● se não for nesse tempo ●

● agora sim ●
● sera ●
● e se não for agora ●

● entrarão nos devorando ●
● assim mesmo ●
● entrarão por nossas portas ●

● nos morderão a nuca ●
● a garganta ●
● enquanto devoram ●

● nossas linguas ●
● pra esquecermos a ferida ●
● a ferida ●



______________________________


● cria cuervos sim cria pois teus olhos alimentam ●
● teu coração alimenta tua carne alimenta demais ●
● alimentam inda mais tuas palavras tua loucura ●

● cria de todas as cores esses cuervos verdes ●
● brancos azuis cuervos amarelos e furtacores ●
● cria cuervos enquanto resta musculo e viscera ●

● sim cria cuervos desses q falam e rosnam ●
● cria pois são mais sabios q automatos e gente ●
● cria desses q sonham desejam prometem traem ●

● cria cuervos como quem cria filhos ou amigos ●
● cria sem querer não criar cuervos cria apenas ●
● sim cria cuervos dentro e fora do teu quarto ●

● cria nas salas nos quintais nas camas e mesas ●
● cria nos banheiros nas cozinhas na garagem ●
● cria cuervos na tua espera e no teu futuro ●

● cria cuervos no passado cria cuervos agora ●
● cria cuervos com livros com imagens cria ●
● cria cuervos como quem inventa um mundo ●

● cria cuervos o tempo todo e no nada tambem ●
● cria e vai criando teus cuervos como sementes ●
● cria nesse deserto ridiculo cuervos de pedra ●

● cuervos de caramelo cuervos de açucar de mel ●
● cuervos de madeira cuervos de paixão cuervos ●
● de amor cuervos de amizade cuervos de merda ●

● cuervos de insonia cuervos de ceramica cuervos ●
● em figura de laranjas de mulheres de crianças ●
● de cães de gatos de operarios devorados e nus ●

● em forma de aves de leão de sapo ou inseto ●
● cria como quem não sabe criar outra coisa ●
● cria cuervos nas tempestades nos invernos ●

● cria cuervos nos verões e nas primaveras todas ●
● cria cuervos noite e dia hora a hora cria cria ●
● cria teus cuervos sem susto sem medo cria ●

● cria cuervos sem esperar mais q criar cuervos ●
● cria e um dia quando menos esperar cria ●
● mais cuervos multidões de cuervos manadas ●

● de cuervos enxames vivos de cuervos cria ●
● caravanas de cuervos cria cardumes de cuervos ●
● cria partidos bandos nuvens de corvos cria ●

● cria cuervos enquanto o matadouro não chega ●
● enquanto todos os cuervos não findam de comer ●
● teus olhos tua lingua teu figado tuas mãos teu cu ●



ao redor do ovo podre
___________________________________________________________



● agora q mataram o cão agora q rangem os dentes ●
● se reunem feito carneiros uns nus outros doentes ●
● outros arrastando pedras outros lambendo o chão ●

● vcs sabem q abrimos o esgoto agora ficam olhando ●
● minha barriga cabeluda meu pau cortado no talo ●
● como se não soubessem q o saco apodreceu e eis ●

● q agora chegam todas vcs nuas e raivosas e meu pau ●
● não pode mais fazer nada e vcs sabem e vcs querem ●
● q inda seja o mesmo pau de sempre e faça o mundo ●

● nem esse abismo entre nos vcs gritam vcs gozam ●
● sim nem mesmo esse abismo entre nos é possivel ●
● alem do q criamos porisso não apontem os dedos ●


● desde q ulysses veio com aquele arco da porra ●
● nos vexando diante de itaca diante do filho idiota ●
● desde esse dia quando nos tornamos essa merda ●

● gritam nos meus ouvidos o caralho a 4 e bem mais ●
● como se fosse eu so eu e não essa canalha de servos ●
● q devem decorar o sacrificio do rabo ate a cabeça ●


● gravidos querendo arrancar dos meus cabelos ●
● cada um dos filhos q destrui dos filhos q matei ●
● dos filhos q matamos e comemos e sabem disso ●

● porisso tramam jogando cartas porisso dançam nus ●
● porisso as armas o dinheiro os minotauros o olhar ●
● visguento das medusas o saque dos porcos e ratos ●


● agora beberão o fluxo velho do esperma podre ●
● coisa indigna esses cus em fila esperando serem ●
● lambidos ate jorrarem sua merda de sempre ●

● ?quem gritou eu sou meu pai meu avo e a porra ●
● viva ta se fudendo ?como podem ver beleza ●
● no horror ?sintam o cheiro da merda q vem ●


● depois q cortaram nossos caralhos minhas filhas ●
● q nossos sacos apodreceram e todos cairam não ha ●
● pra nos povo castrado um lugar nas festas do futuro ●

● porisso trabalhamos como zumbis acordando idiotas ●
● sem saber onde acordamos e ?q ninhada é essa ●
● ?por q nos estrangulam !nos estrangularam sempre ●

● todos os cadaveres q plantamos colhemos agora ●
● todas as covardias todas as servidões e a merda ●
● agora jorra como petroleo e trazem seus canecos ●

● na noite q começa ha um imenso cu entre as nuvens ●
● negras e abertas deixando vir do inferno nossa burrice ●
● qualquer dia desses vcs me culpam disso tambem ●


● bem vindo senhores a essa grande cultura biblioteca ●
● q carrega todos os saberes da covardia seus pulhas ●
● mas havera sempre o puro manjar o hidromel na taça ●

● mesmo com esse gigante de merda sempre dormindo ●
● bando viciado de servos eu digo e repito mesmo nu ●
● com o caralho arrancado na cara de vcs caralho sim ●

● q tramam em volta dos mercados fabricas e bancos ●
● infinito de todas as coisas e inda olham pro meu vazio ●
● vcs deviam se envergonhar assim tão funcionarios ●


● andar sobre cranios com cabeças gritando no lugar ●
● dos caralhos e das xotas rinchando ?eis então a nudez ●
● metam a chave no cu berrarão servos entretramados ●

● a cabeça q sai e grita do meu vazio vomita e muge ●
● pode ser espumante ou um vinho doce um vinho leve ●
● enquanto olho essa nudez dura de peitos e coxas sim ●

● vcs fogem vcs se acovardam como sempre escravos ●
● eu não eu apenas me embriago e os bebados são livres ●
● vcs caranguejos vivem voltando e entrando no buraco ●


● toda noite tenho eu um sonho assim com o pau decepado ●
● o minotauro caga na entrada o minotauro caga na saida ●
● o minotauro caga no centro do labirinto o minotauro ●

● esfrega o rabo dias e noites nas paredes do labirinto ●
● na escuridão do labirinto entredevorando outros e outros ●
● labirintos com inumeraveis minotauros q não se batem ●

● so ha merda nos corredores merda nas paredes merda sim ●
● depois ossos depois restos de carne depois dentes unhas ●
● corações figados baços pulmões pernas braços linguas ●

● cabeças bundas caralhos armas roupas semidevorados ●
● ao redor desses labirintos rios ruas e praças destruidas ●
● cidades e brasas e eu acordo mascando merda e fuligem ●


● mas podemos nos ouvir um segundo enquanto a senhora ●
● pega o vazio do meu pau e vc pensa em xotas e o resto ●
● fica escutando paralisado como sempre o desejo ●

● so não me amarrem como fizeram com aquele idiota ●
● no mastro q belo mastro e as sereias de gesso derretiam ●
● nos rochedos e os marinheiros batiam punhetas inuteis ●


● agora venham vamos caminhar pra tras como caranguejos ●
● depois vamos entrar nos buracos de lama dos caranguejos ●
● la dentro ha sempre uma merda qualquer pra chupar ●

● agora sempre agora porq não ha antes ou depois ●
● não ha nem aqui ali nem acola é tudo o mesmo lugar ●
● lugar nenhum so esse mar de merda e porra podre ●

● mas não se enganem porq tudo passa e se volta sempre ●
● pros mesmos enganos pras mesmas loucuras e vazios ●
● como se houvesse um mundo um deus uma historia ●

● como se houvesse um corpo uma coisa a lei a vida ●
● ?pois não é sempre a mesma merda ?ou é outra e outra ●
● a merda de sempre isso q nos enraba sem querermos ●


● podemos vender farinha vender cocaina vender o cu ●
● podemos nos reunir e vender mães e criadas negras ●
● ?não é sempre assim meus amores sempre de sempre ●

● agora a reunião dos machinhos com as femeas ●
● no centro esperando parir filhotes porq deve ser assim ●
● ?quantos servos ?quantos animais ?quantos trabalhos ●


● vão terminar me enforcando cortando minha lingua ●
● me fazendo ouvir uma vez mais toda essa bosta ●
● q vcs repetem desde q nasceram nas estribarias ●

● todos nos bares cercados entulhados de cervejas ●
● cabeças e brasas caralhos minusculos cheiro de merda ●
● vindo do mundo o mundo é uma merda alguem diz ●


● ciclopes de merda no circulo dos ciclopes de merda ●
● ?q adianta essa zona esse puteiro se aqui ninguem goza ●
● se ate os q dizem gozar mentem e rastejam ratuinos ●

● basta olhar hefestos sentado na privada cagando fogo ●
● vejam se isso não se parece com o resto da idiotice ●
● vejam se não é uma privada onde se caga fogo e grita ●

● sim ?por q vcs acham q hefestos grita porq é um porco ●
● porq é um de nos porq é o deus do inferno ou tudo isso ●
● berra sua bela e gostosa mulher nos esfregando a chave ●

● mas não ha chave pra isso não ha misterio algum ●
● nadinha nos livros na alma nadinha na pele so a lingua ●
● aqui é o mundo todo todos os corpos q fedem a merda ●


● nem bem netuno nos lambe a pele cheirando nossa carne ●
● pra vcs se oferecerem como putas como mercadorias ●
● por tão pouca beleza por tão pouca vida pouco valor ●

● agora é sentar na beira da praia esperando o peixe ●
● enquanto a cobra suga nosso sangue sanguessuga ●
● isso sim ela todos nos todos vcs de pau e grilo mole ●

● enquanto a massa dura dos servos reune as cordas ●
● sim senhoresputas e senhoras desse pouco lugar ●
● pra nos enforcar pra nos punir pra nos ensinar ●

● assim senhoras e senhoresputas antes de nos lascar ●
● vamos todos rir e dançar como gostamos porq sem ●
● carnaval cerveja e porra nenhuma não somos nada ●





Alberto Lins Caldas publicou os livros de contos “Babel” (Revan, Rio de Janeiro, 2001), “gorgonas” (CEP, Recife, 2008); o romance “senhor krauze” (Revan, Rio de Janeiro, 2009) e os livros de poemas "No Interior da Serpente" (Pindorama, Recife, 1987), “minos” (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2011), “de corpo presente” (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2013), “4x3 - Trílogo in Traduções” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2014 - com Tavinho Paes e João José de Melo Franco), “a perversa migração das baleias azuis” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2015), “a pequena metafisica dos babuinos de gibraltar” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2016).


Imagem - Guerra Civil Espanhola | Foto: Gerda Taro




Lírio, um poema de Fiona Wright - tradução de Diego Callazans

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Foto de Christina Thompson, do blog My Hesperides Garden


Lilium

The evenings have grown sharp now.
Light slinks through the blind slats,
          
          the gaps beneath lintels.
The scent of liliums on my opening door.
The shower drips.
A tidemark of baked soup
          scums an empty bowl.
Blunt male laughter. The crunch
of bottles through ice.
The windows fidget
          as the trains pass.
The scent of liliums.
Their split pollen pods
          husked on the floor.




Lírio

As noites agora são mais concisas.
A luz desliza entre as tiras da cortina,
          As brechas sob as vergas.
O cheiro de lírio pela fresta da porta.
O chuveiro escorre.
Uma linha de fervida sopa
          Escuma uma tigela oca.
Riso masculino súbito. O ruído
De garrafas entre o gelo.
As janelas tremem
          Quando passam os trens.
O cheiro de lírio.
Seus casulos de pólen rompidos
          Descascados no chão.




Fiona Wright nasceu em 1983, em Sydney, na Austrália. Publicou Knuckled (Giramondo, 2011), que lhe rendeu o Dame Mary Gilmore Poetry Prize para um melhor primeiro livro. Seus poemas foram publicados em revistas e antologias na Austrália, Ásia e Estados Unidos.

Diego Callazans nasceu em 1982, em Ilhéus, na Bahia. Publicou A poesia agora é o que me resta (Patuá, 2013) e Nódoa (7Letras, 2015). Seus poemas foram publicados em diversas revistas literárias brasileiras.

Banana Palace, um poema de Dana Levin - tradução de Diego Callazans

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"Cross-section of a banana under a microscope"
Imagem publicada originalmente em: http://imgur.com/gallery/5AwKzR3




Banana Palace


I want you to know
how it felt to hold it,
              deep in the well of my eye.


You, future person: star of one of my
complicated dooms — 

This one’s called Back to the Dark.

Scene 1: Death stampedes through the server-cities.

Somehow we all end up living in caves, foraging in civic ruin.

Banana Palace — the last
              of the last of my kind who can read
              breathes it hot
                            into your doom-rimed ear.


She’s a dowser of spine-broken books and loose paper
              the rest of your famishing band thinks mad.


 •


Mine was the era
of spending your time
              in town squares made out of air.


You invented a face
              and moved it around, visited briefly

              with other faces.


              Thus we streamed
              down lit screens


              sharing pictures of animals looking ridiculous — 


              trading portals to shoes, love, songs, news, somebody’s latest

                            rabid cause: bosses, gluten, bacon, God — 


              Information about information was the pollen we
              deposited — 

                            while in the real fields bees starved.


                            Into this noise sailed
                            Banana Palace.

 •


It was a mother ship of gold.

Shining out between happy bday katie!
              and a photo of someone’s broken toe — 


Like luminous pillows cocked on a hinge,
like a house
              with a heavy lid, a round house of platelets and honey — 


It was open,
              like a box that holds a ring.


              And inside, where the ring would be:


 •


I think about you a lot, future person.

How you will need
all the books that were ever read
              when the screens and wires go dumb.


Whatever you haven’t used
              for kindling or bedding.


Whatever made it through
              the fuckcluster of bombs

              we launched accidentally,


              at the end of the era of feeling like no one
              was doing a thing


              about our complicated dooms — 


Helpless and braced we sat in dark spaces

submerged in pools of projected images,
              trying to disappear into light — 


              Light! There was so much light!

              It was hard to sleep.


 •


Anyway. 

Banana Palace.

Even now when I say it, cymbals
              shiver out in spheres. It starts to turn its
              yellow gears


              and opens like a clam. Revealing


              a fetal curl on its temple floor,

                            bagged and sleeping — 


                            a white cocoon


              under lit strings that stretch

                            from floor to ceiling — 


                            a harp made of glass


                            incubating

                            a covered


                             •


                            pearl — 


We broke the world
you’re living in,
              future person.


Maybe
that was always our end:
              to break the jungles to get at the sugar, leave behind

              a waste of cane — 


There came a time
I couldn’t look at trees without 
              feeling elegiac — as if nature


              were already over,

                            if you know what I mean.


              It was the most glorious thing I had ever seen.


              Cross-section of a banana under a microscope

                            the caption read.


                            I hunched around my little screen

                            sharing a fruit no one could eat.







Banana Palace


Eu quero que você saiba
a sensação de o reter,
              fundo na fonte do olho.


Você, pessoa futura: estrela de uma de minhas
desgraças complexas –

Esta é chamada De Volta às Trevas.

Cena 1: a Morte debanda por cidades-redes.

Acabamos de alguma forma em cavernas, forrageando na ruína cívica.

Banana Palace — a última
              das últimas das minhas que sabe ler
              o sopra quente
                            na sua orelha pra lá de gélida.


Ela resgata, ávida, aleijados livros de folhas frouxas
              o resto da faminta leva pensa que está louca.


 •


a minha era foi
de perder tempo
              em praças feitas de ar.

Você inventava um rosto
              e passeava com ele, recebia visita

              de outros rostos.


              E assim fluíamos
              por telas lúzias


              partilhando fotos de animais ridículos —

              portais pro comércio de tênis, beijos, cantos, fatos, a última

                            causa de fúria alheia: chefes, glúten, bacon, Deus —


              Informação sobre informação era o pólen que
              depositávamos — 

                            enquanto nos campos de fato morriam de fome as abelhas.


                            Neste ruído adentro singrava
                            o Banana Palace.


 •


Era uma nave-mãe de ouro.

Brilhando entre um FELIZ NíVER, TATI!
              e a foto de um dedo do pé quebrado –


Como travesseiros luzentes vergados numa dobradiça,
como uma casa
              com uma pesada tampa, uma casa redonda de mel e plaquetas — 


Estava aberta,
              como uma caixa que guarda um anel.

              E dentro, onde estaria o anel:


 •


Eu penso muito em você, pessoa futura.

De como precisará
de todos os livros já lidos
              quando as telas e os fios calarem.


Os que não tiver usado
              pras chamas ou camas.


Os que tiverem restado
              do revertério de bombas

              lançadas por acidente,


              no fim da era da sensação de que ninguém
              estava fazendo nada

              
              quanto às desgraças complexas — 


Desvalidos e acoitados sentamos em espaços núbios

submersos em piscinas de projeções visuais,
              tentando desaparecer na luz — 


              Luz! Havia tanta luz!

              Não era fácil dormir.


 •


Mas enfim.

Banana Palace.

Nesse momento em que digo, tremem
              em esferas os címbalos. Começa a girar suas
              roldanas áureas


              e abre feito um molusco. Revelando


              um rolo fetal no chão do templo,
                            
                            ensacado e dormindo — 


                            um casulo branco


              sob as cordas lúzias extensas

                            do chão ao teto — 


                            uma harpa de vidro


                            incubando

                            uma coberta


                            


                            pérola — 


Nós quebramos o mundo
em que você vive,
              pessoa futura.

Talvez
fosse esse o nosso fim:
              quebrar as selvas para ter açúcar, deixar pra trás

              restos de cana — 


Veio um tempo em que eu
não via árvores sem me
              sentir elegíaca — como se a natureza


              já estivesse extinta,

                            se é que você me entende.


              Foi a coisa mais gloriosa que já vi.


              Corte transversal de uma banana sob um microscópio

                            a legenda dizia.


                            Eu futuquei minha pequena tela


                            a partilhar uma fruta que ninguém comeria.




Dana Levin nasceu em 1965 nos Estados Unidos. Publicou In the surgical theatre (American Poetry Review/ Copper Canyon Press, 1999), Wedding day (Copper Canyon Press, 2005), Sky Burial (Copper Canyon Press, 2011) e Banana Palace (Copper Canyon Press, 2016). Seu primeiro livro ganhou o Honickman First Book Prize. Esse foi o primeiro de vários prêmios e bolsas que ela recebeu ao longo de sua carreira.

Diego Callazans nasceu em 1982, em Ilhéus, na Bahia. Publicou A poesia agora é o que me resta(Patuá, 2013) e Nódoa (7Letras, 2015). Seus poemas foram publicados em diversas revistas literárias brasileiras.

MARCELO ARIEL - 3 POEMAS

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STEFANI, Felipe - Retrato do Poeta Marcelo Ariel





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O QUE É UM POEMA?
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Um poema PODE SER um deslocamento contínuo DA PRESENÇA até PRESENÇAS, obviamente UM POEMA É O OPOSTO DE UMA METAFÍSICA DA PRESENÇA, nenhuma palavra utilizada no tempo linear pode dar conta deste deslocamento, principalmente nenhuma palavra do século XX, este híbrido de movimentos feudais e nazipsíquicos INFILTRADOS na realidade, pré-gravado para a conversão do corpo através dos celulares e o corpo JAMAIS SERÁ UM POEMA como UNIDADE INDIVISÍVEL ou seja como NOSSO, as zonas e circuitos de dissipação-CIDADES criam essa ILUSÃO e MISTIFICAÇÃO, mas ELE pode ser UM POEMA  como EXPANSÃO DA ENERGIA para uma sequência infinita E NÔMADE DE METAMORFOSES, se há a indivisibilidade de inúmeras senhas para o movimento similar ao dos drones emocionais, não pode haver o poema, os drones emocionais exigem senhas de pertencimento e NÃO EXISTEM SENHAS PARA O POEMA EXATAMENTE PORQUE ELE  É CONTÍNUO, o poema contínuo é A ENERGIA DO ABERTO, capaz de gerar campos de tempos elípticos onde só se movimenta O SER que é ele mesmo uma energia do aberto. OUTRAS TEMPORALIDADES acontecem, mas o poema acontece cada vez mais FORA DA PALAVRA e FORA DA LINGUAGEM, o que tateamos nestas CARCAÇAS PSÍQUICAS é um estilhaço da SEMIPRESENÇA. Uma rosa pegando fogo dentro do gelo e etcétera e etcétera.


O que motiva a escrita de seus livros?


A doçura do Sol, todos os planetas querem entrar no Sol, cosmoerotismo como o não-lugar, isso é dentro mas lá no espaço, intrigante como a explosão lenta de uma árvore em dez mil anos de ontem, mãos de gelo na chuva, oceanos nômades sem interioridade, isso move as insurreições, em breve.


No que você está trabalhando atualmente?


Não trabalho! Acontece e saio da frente, pede que se saia da frente, é o atravessamento para a o fora múltiplo, sem nomes, sem nomes, nem países, encontro e diálogo, estes sóis, estas águas, uma amiga me disse que quando tocamos no pó dos cadáveres que foram cremados, ele não é como a areia, há uma porosidade etérea, há algo que está vivo neste pó, algo que pulsa, como um poema, acordando.


Como seu trabalho atual irá intervir na sua fala no Seminário?


Povoamento de abismos, como cancelar o teatrofantasma, o olhar é como o pólen, flutuante, ver é ouvir e ouvir é ver.





*    *   *





Do livro COM O DAIMON NO CONTRAFLUXO (Patuá, 2015)







__________________________________________________

RECADO DO ANJO PARA AQUELA
QUE SEGURAVA AS FLORES DIANTE DA TROPA
__________________________________________________



“ São pouquíssimos os espíritos aos quais é dado descobrir
que as coisas e os seres existem.”
Simone Weil


Podemos ouvir dentro das flores 
o eco do silêncio
dos presos atirados no mar
cortando nosso céu
o que você agita diante da tropa
aparece como estas flores
que também são como raios que se misturam com gritos
vemos os fios de vozes se misturando
com  a fumaça das bombas
estes que estão no fundo do mar cantam vosso nome
Devemos descer
na velocidade das trevas
dizem
para lugar algum
a tropa avança
diz uma
a da criança
cancelada por vossas lágrimas
na Ágora onde floresce ainda a ideia
da aliança
entre a exterioridade do espírito
e a outra, que chamais de urbana
por você, uma vez mais
a visitação do Anjo da dignidade humana
não, a criança que ordena, nunca ouviu falar
nas bombas de mel de Beuys
ela não pode ver a luz saindo do fundo do mar
da voz dos sem sepultura
convertendo a tristeza em coragem


O Arcanjo segura nestas mãos
que sustentam no ar, as flores
como se abençoassem a terra,
enquanto você chora,
professora,
décadas depois
Porque todos os tempos são simultâneos ,
no antissonho, o Anjo mostra ao “governador”
agora , apenas uma criança assustada
a beleza & nudez da verdade
da luz que sai das flores
apagando as cidades.





__________________________________________________­­­­­_____

Ò SAGARBHA NO CAMINHO DO SABIJA - SAMADHI
__________________________________________________­­­­­_____





Lapida o que no nome se cristaliza O_____________ como neblina genealógica, a visão de uma árvore como um recado
das Nebulosas
Eis o parentesco mais sutil que explica a palavra que costura em nós os mortos, Árvore
O efeito é encantatório, Respirar
Primeiro êxtase dentro de Outra-Outro
Lapida o Rosto do que será este
duas metades , Solar-Lunar
que Seu nome _________________________________________
Não te fará lembrar









Marcelo Ariel Santos, 1968. Livros: Tratado dos Anjos Afogados (Letra Selvagem, 2008), Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (Patuá, 2014), Com o Daimon no Contrafluxo (Patuá, 2015), entre outros. Coordena cursos livres de criação literária em Santos-SP e São Paulo-SP.




5 poemas de Alexandre Filordi

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Ilustração: Milan Vopalenski


Pele

Eu sinto esse górdio
na garganta,
que não é um nó.
É uma gangrena surda.
Há aqui uma picareta a me cavoucar
em arroubos.

Eu sinto essa pele
que não me habita,
possessão milenar falando no meu corpo.
Não é minha! Não é minha!

Tenho aqui um passado
Inaudito que me espera,
espezinhando o que não pude saber
e o que ainda não hei de saber.
Possessão estranha que não pedi,
avesso mal ungido de uma comunhão
sem discípulo.

Eu sinto o verbo gaguejando
na sua impossível conjugação,
pois estou parindo a ação
que nenhum homem ousou dizer de sua presteza.

E já não me interessa a compreensão alheia,
vão à merda todos,
pois a garganta é minha
e nem a forca furtará o fôlego
daquilo que somente eu
sei sentir.


Outrar

Quem está aí?
Murmura a voz atonal
às custas do desvelo de sua timidez.

Procuro a possibilidade. É você?
Se for,
Saiba que já descansei
a minha pele no cabide,
e cosi o avesso do lume
quando ele se fragilizava.
Agora a pouco,
fui raiz de um não-quero-nem-saber.
Mas isso foi antes d’eu combater na guerra
com uma única munição.
E ainda estive, sem querer,
na dobra de um lençol barato.
Quase por fim,
tentei ser a última gota de tinta
no meio do testamento.
Também tive calafrio
ao me ver em um dedo alongado
de tanto massagear dor.

Mas é você, possibilidade,
que está aí?
É você?

Eu queria me desnomear
para deixar de ser sensível.

Como faço?


Apequenar-me

Que acalento soberbo poderia
desembalsamar a etapa andante
dos pés arredios
e na alucinada invernada
converter o rocio de pelos
em ardentes e inextinguível fogo?

Com que montante cúbico haveria,
com a sua saliva,
de afogar a minha mágoa depois de
desaquartelar o jogo incansável
de nossas línguas?

O que resta de qualquer dúvida,
esgotados os átrios argumentativos,
não é um mórbido silêncio
a despejar um outro se
na imberbe certeza?

E como vazar os olhos,
se não for por tanta beleza,
e como se refazer após o
ímpeto de um gozo lancinante,
e de que forma os espasmos
incontidos entre os vãos
dos dedos inconjugáveis
poderão evitar o silêncio
daquilo que mal se precipitou?

Acanho-me diante da grandeza
do meio de suas pernas,
e tudo mais
                        – ali –
me apequena.


Órgãos

Señior, Señior. Por favor!
Não comprarias um dos meus rins?
Tenho ainda uma das córneas em perfeito estado.
Não te apetecerias?
Poderia dividir o meu fígado.
Nunca ingeri bebida alcoólica.
Também não precisas?
Vejo que fumas, Señior.
Posso abater no preço final de um pulmão.
Não te és útil?
E deste meu sangue.
Não gostarias de servir-te de um litro?


Señior, Señior. Por favor!
Preciso de fundos para quitar
um amor sem fundo.
Não te vás, Señior!
Vai começar a relampear
na consumação de minha carne.
Vai haver rebelião nesses meus
órgãos, até a disfunção vital.
Señior! Señior!
Não queres ver
o caos que é o amor?


El mudo

Yo que no hablo español, 
yo que no escribo español,
yo que tengo que abrir lasorejas
como um cielo que se abre a los
colores del arco Iris después de La tempestad
para intentar comprender español.

Yo, tan distante de leer el mundo em español, 
leí tu piel en español, 
comulgué mi lengua en español con tu lengua,
y para allá de todo,
también conjugué mi cuerpo irregular 
en tu cuerpo regular, 
en todas las formas de presente, 
sin condicionales o pretéritos imperfectos,
siendo yo y tu apenas un lenguaje perfecto,
seguido por el silencio cómplice y voraz
hasta La distancia mínima de nuestra
extranjeridad. 



 

Alexandre Filordi  é autor dos livros de poesia: A caixa de desserventia (Ed. Leitura Crítica) e  Bocoió (Ed.Patuá). Mantem o blog de poesia: bocoio.wordpress.com 

MERIZZIO EM POSFÁCIO DE BRESCIANI

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orquídeas, peônias e xícaras de agorafobia

Nenhum leitor sai ileso do encontro com um livro da poeta Priscila Merizzio. A essa altura, certamente, quem me lê já o sabe. Posso imaginar olhos brilhantes de impacto, corações disparados, como os de quem sobrevive a um thriller, à montanha-russa. A poesia de Priscila mescla delicadeza e violência com expertise. O resultado é a originalidade, germinando em vasto domínio vocabular.
Ardiduras dá sequência ao caminho desbravado por Minimoabismo(São Paulo: Patuá, 2014), o primeiro de seus livros, semifinalista do Prêmio Oceanos de 2015. Note-se a singularidade dos dois títulos, a mesma que forja a tessitura de cada um dos poemas que contêm. Agora, em novo trabalho, a inicial dedicatória, sutilmente, prepara o espírito dos leitores peregrinos: “aos desvairados que fizeram / seu caminho, vertiginosa / belamente”! E firma o tom na epígrafe da primeira parte do livro (“candeeiros d’água”), tomando verso de um Manoel de Barros às voltas com “osso”, “fala” e “lírios”.
Ardiduras, ardências são signos do efeito que a poesia deve gerar. São o ambiente escolhido pela poeta para o exercício de sua arte. O incômodo, o embaraço, o belo e o feio, transfigurados em palavras, estão sob a mira da escrita de Priscila. O eu-lírico sente em seu crânio “uma revoada de pássaros”, os “crisântemos”não o “deixam esquecer a dor da terra”. Os versos talvez possam “abrandar o caos / que vem da placenta”, mas, ao mesmo tempo, desmentem a paz presumida na proteção uterina.
Esta poesia não escolhe ninhos. Uma pequena fagulha será um poema. A fagulha detonará vulcões, que também serão poemas. Priscila caminha por diferentes florestas, desertos, astros, nesse tempo veloz e evanescente, e vai recolhendo flashesde vida, descrevendo-os com sensualidade, ódio, deleite, amor e energia.  
E assim é configurado o mundo em Ardiduras: “xícaras de agorafobia” são oferecidas ao lado de orquídeas e peônias. Afinal, é desse modo que se respira, com a epifania e com o medo, pulsões de vida e de morte:

“morrer de mãos dadas com você seria peônia
mas não desejaríamos o fim
viveríamos isolados em alguma
prainha da Bahia
a beleza da juventude quebraria
sem culpa as catacumbas
nossos olhos brilhariam candelabros
como 15 mil satélites naturais
auxiliando a fotossíntese das damas-da-noite
a ovulação das tartarugas marinhas”

Impressiona a versatilidade de imagens que a poeta reúne. Força e pétala estão em seu genoma. No instante em que as “réstias incandescem” (segunda parte do livro), a voz poética admite que a solidão pode ser “pluma na relva” e antevê a possibilidade de superação pelo engolir de “sóis do planeta novo”. Não mais a culpa “por ter mastigado / o mundo como uma planta doce e calmante”. O verso de Priscila é vário, assume rotações e translações, recusa a estática.
O sol, em sua obra, remarque-se, não será esfera banal, em laranja de cera, mas iluminará, igualmente, as “necrópoles”, porá “para dormir pianos de cauda / marinheiros homossexuais”, queimará “os cantores / de folk, testemunhará o aparecimento dos anjos antes de amanhecer e um beijo na “face esquerda”, como é a sua vocação de potestade estelar, como convivem atrocidades e delicadezas no ar, no calendário, no mais fundo de uma flor capturada em fatia por Georgia O'Keeffe e nos poemas de Priscila Merizzio.
“Florestas de gérberas” — desdobram-se as Ardiduras pela terceira vez — saberão o sagrado e o profano em “pontes derribadas no / Rio Jordão”, nos fluidos que se mixam sob o chuveiro, arquivadas “orações, medalhas religiosas”, “santos de gesso”, “rosários de contas grandes / feitos de macadâmia”. A personagem lírica, sóbria de “lítio com vodca”, experimenta, religiosa e intensamente, o amor com iguais profundidade, lamento e superação: “ressona um leão / lambendo as esporas / de meus olhos que tilintam / fugas”.
Essa amorosa personagem atravessará círculos e se dará em martírio e renascimento, na quarta de suas paragens (“excruciāre hummus”), quando visita o Eclesiastes e recebe a admoestação para contrapor alegria e treva. Assim surge um “beija-flor hipertenso”, um mensageiro dúbio, coberto de penas luminescentes e repleto de vibrante tensão interior. O eu-lírico, ainda uma vez mutável, sabe dor e redenção:

“língua queimada por cigarros
lambe meu queixo
— a fé restaurada nos homens —
e me conduz fraternalmente ao sol”

O livro ruma para o epílogo de “embaralhamentos”. Do alto das escarpas, agora se vê que “morrer não é o fim”; é “arrumar a cama em um lugar que nenhum / morador da Terra sabe que existe”. No epicentro dramático do universo, possivelmente condenado a ruir (“as lâmpadas estão queimadas nos abajures e há anos ninguém as troca”), a poesia abre trincheiras de esperança (“a boneca pode se pendurar como um Tarzan e fazer da saboneteira seu barco e dos cotonetes, remos”).
Ardiduras, como escreve Octavio Paz, “revela este mundo; cria outro”. Retalhos de cores vibrantes, de diferentes tecidos, são alinhavados pela poeta e deixados à mão do leitor, que, em estranhamento, apreenderá os poemas e construirá os próprios — um poema sempre se completa, liberto de seu criador, sob as idiossincrasias de quem o lê. Priscila Merizzio faz de sua linguagem, é visível, razão de sobrevivência. Os sentidos são metamorfoseados em movimento, revolução, espera, misticismo, denúncia, explosão.
Sob a respiração apressada de quem os leu a todos, os poemas cessarão sua voz (thriller, montanha-russa?). Nos créditos mentais, anjos, flores, rugidos, Madame Bovary e o leitor mergulham no caleidoscópio criado pela poeta em suas intensas “ardiduras”. É tempo de pausa. Sim. Não há alívio nos poemas de Priscila Merizzio. A beleza, em seu horizonte, revoa em vertigens. E estávamos avisados. Desde o início.

Alberto Bresciani

Abril, 2016.


FERNANDO ROCHA POR KRISHNAMURTI GÓES DOS ANJOS

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AFETOS (Um livro de Fernando Rocha)

Por Krishnamurti Góes dos Anjos

                Causa-nos satisfação redobrada encontrarmos jovens ficcionistas a perquirir a condição humana como suprema expressão da alma na seara fecunda de suas criações. Como arte que é, a literatura evidencia a idéia dominante de uma época, pois expressa inequivocamente o pensamento humano que ascende ou decai.
                O escritor Fernando Rocha lançou muito recentemente pela editora Penalux, seu livro “Afetos”, reunião de 39 pequenos contos (alguns fogem desta característica de gênero porque a literatura contemporânea é também a de libertação de formas), que por sua vez, se agrupam em 5 partes distintas. Motivo de curiosidade adicional o agrupamento de textos em capítulos. Por quê? Não é aleatório tal procedimento, e como não é expediente gratuito, citemos como Rocha os agrupa: 1º Os dentes de Cronos, 2º Coisas de criança, 3º Províncias Flutuantes, 4º Espasmos e contrações e finalmente, um único texto que se chama “Afeto sem o filtro da linguagem” no 5º capítulo que tem o título de Anunciação.
                Os textos são de uma visada extremamente original. Embora expressem o tormento d´alma das personagens e aquele palpitar de tempestades e visões que assolam nosso mundo, o estilo do autor é simples porque, quem tem alguma coisa de substancial a dizer, o diz da forma mais simples. Entretanto, voltemos aos capítulos.
                Se fizermos um apanhado geral desses capítulos, podemos perceber uma tendência marcante. Em “Os dentes de Cronos (do grego Chronos – personificação do tempo eterno e imortal, e governante dos destinos dos deuses imortais), temos três textos dignos de registro. Cito apenas trechos. Talvez façam um sentido mais amplo quanto à cosmovisão do autor que nos interessa mais analisar. No texto “A abertura do olhar” um personagem afirma: “... talvez, a esperança adormecida tenha aberto os olhos para comunicar a sua não-morte”. Em “Pé de pássaros”, surge um desejo expresso – após um olhar sobre um simples passarinho de rua. “Seu corpo ainda inteiro próximo àquela árvore, tornou-se uma espécie de semente, passam carros, crianças e seus pais rumo à escola, há gente esperando o ônibus, mas todos o ignoram”. E finalmente o texto “Ordinário especial”, no qual o  personagem narrador afirma no primeiro parágrafo: “Nunca dancei porque nunca me senti dentro de um corpo, que, como o gesto da mão ao escrever, pudesse criar uma expressão, ponte da interioridade para o fora”.
                O capítulo “Coisas de criança” traz-nos situações nas quais, crianças descobrem a brutalidade do mundo, e um, em particular, lembra a circularidade infância-velhice-infância. Este se chama sugestivamente: “As duas pontas”.
                Já o capítulo “Províncias flutuantes” reúne 13 textos. Nesses, personagens variados afirmam ou pensam: “Eu já não consigo mais viver dentro de mim”. “Parece trazer em si o vazio de antes de tudo, o caos da criação, o suspiro final do torturado, ou melhor, talvez o desejo de torturar a existência com esta dor tão grande”. Ou ainda: “Me ofende ver tantos olhos encobertos pela tela de um telefone celular, tantas vezes falando por meio de aparelhos e se calando diante de um semelhante, a minha pele fina, de agora, tão sensível, não suporta, parece não proteger o meu interior exposto, vulnerável... Se existe uma coisa que se tornou muito eficaz, neste tempo em que estou no mundo, é a propaganda, cada vez mais fazendo com que todos se achem únicos, mesmo que este conceito seja utilizado para bilhões mundo afora”.
                Temos aí o caos deste campo de “províncias flutuantes” em que a humanidade vai se transformando. Nossa sociedade técnico-científica (e toda sua parafernália eletrônica produzida para fruição meramente hedonista e utilitarista) nos lançou no beco sem saída em que estamos. Acreditamos numa “lei” onipotente (a ciência) que nos atravessou como um furacão destruidor de toda fé, e tem imposto com uma máscara de ceticismo um semblante sem alma numa aviltante alienação à matéria. Nossa sapiência de seres “eletrônicos” é a ignorância das coisas do espírito. Este sim a única alegria, a única centelha de vida. Vejamos mais um trecho:
                “Como faz falta uma noite de sono bem dormido! Não sei se é este carrossel de idéias que não me dá descanso ou se é o excesso de letargia. O que é ser daltônico quando tudo o que se vê é escuridão”. – Trecho do conto “Dentro da noite escura”.
                Um personagem aturdido e angustiado olha para tantas coisas que afloram de sua consciência mais profunda, sem conseguir encontrar-lhes a origem. Não consegue deixar de lado a psique exterior da vida prática que é a razão (porque já está num nível terrível de confusão e desesperança), e inquirir, perscrutar a profundidade de si mesmo. Ali onde nascem, irresistivelmente, todas as maiores afirmações de nossa personalidade. O que se vê ao longo do livro, são personagens aflitas, conflituosas, confusas, doentias, altamente centradas em si mesmas, sem ao menos suspeitarem ou inquirirem seriamente se afinal existe uma lei maior, imperceptível, mas potente que furacões, vulcões e terremotos, que atua inexorável, a tudo movimentando e a tudo animando (?).  Não, as cogitações não chegam a tanto.
                Todavia, há efeitos dessa ausência, já uma intuição se impõe a nos gritar que incerta está a reconstrução de nosso destino. Damos-nos conta de que a zona de nebulosidade em que se aninham a dúvida e o mistério está se tornando irrespirável. Cada vez mais. Que esforço a vida está a exigir de nós neste momento de superação pelo qual passamos! A superação no caminho da evolução. Sim, porque a evolução humana não é uma quimera (nem muito menos a invenção de computadores pensantes), impulsiona vigorosamente nosso sistema nervoso para uma sensibilidade sempre mais apurada. Falta-nos compreender que tudo, desde o fenômeno químico até o fenômeno social, não é mais do que vida regida por um princípio espiritual. Mas, para chegarmos a este entendimento é necessário possuir ânimo puro e um laço de simpatia (AFETO) que nos uma com tudo quanto foi criado.
                Finalmente o último texto de Fernando Rocha, de uma redenção implícita: “Afeto sem o filtro da linguagem” que parece apontar para outras direções (por vias transversas e largamente poéticas). Ali o autor toca em certos mistérios de nossa existência (ver a correlação que faz entre as palavras afeto e feto). Ele as exprime à luz dos sentidos de sua cosmovisão. Volve o olhar para outras concepções relacionando-as ao que uma máquina não nos poderá dar jamais. E, por este olhar, se avizinha de mais profundas concepções de vida.
                Aspirações frementes irrompem da alma humana atualmente, e este pensamento nos faz recordar que, em algum lugar deste texto, nos perguntamos se existe uma lei, imperceptível para nós, mais potente que furacões, vulcões e terremotos, que atua inexorável, a tudo movimentando e a tudo animando? Esta lei, queiramos ou não, existe como grande aspiração de nossas almas e se chama Deus! Mas isso é somente uma inferência do alucinado do resenhista, perdoem-me.
                Aplausos ao Fernando Rocha. Fez-nos pensar em todas essas coisas com seu livro fininho (e de capa tão simples e tão bela). Já é um começo e tanto para todos nós.
Novembro de 2016.

Livro: Afetos – contos, de Fernando Rocha. Editora Penalux, Guaratinguetá-SP, 2016, 102p.
ISBN 978-85-5833-101-2


*   *   *



Krishnamurti Góes dos Anjos. É escritor e pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance, Gato de Telhado, Um Novo Século, Embriagado Intelecto e outros contos  e Doze Contos e meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas literárias na Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho -, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.


cinco doses de prosa por edhson brandão

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dose I

ele sempre acorda as quatro e trinta num pulo pra olhar o relógio e ter certeza de que ainda tem mais uma hora e meia de sono, então vira-se, o corpo despenca sobre o lençol sujo de porra e em mais alguns segundos volta a dormir tendo aqueles sonhos esdrúxulos de mulheres mordendo os bicos dos seios, umas das outras, usando saias de plásticos enquanto seu pau duro reage e molha a cueca barata e cinza comprada junto a mais duas em lojas de departamentos, mas dorme e seus membros marcam o colchão num repouso de Hércules.
ele sempre acorda pesado as seis horas com saliva seca no canto da boca, tontura incomum que o faz bambear e vez e outra bate aquele dedo pequenino do pé no canto da cômoda fazendo surtir um caralho no início da matina mas é sorte dele que o próximo vizinho mora a uns trinta metros porque poucos querem morar naquela tapera de tijolo e umidade ilhado no mar de pedra. sempre de pau duro que vai esfregando a glande com destreza e tem um prazer sonolento até chegar na pia do banheiro onde tem uma torneira rosqueada duramente e que dá esforço para abrir porque a borracha tá estragada e ele nem sequer sabe como se troca. então lava o rosto na água gelada, tira a roupa e caga pelado vendo as veias que saltam daqueles pés secos e de unhas trincadas. olha sua bosta com admiração e na coragem do dia dá descarga e decide tomar banho. se esfrega com o resto de sabonete grudado a outro resto de sabonete junto à bucha cheia de pelos das costas, do peito e do saco mas ele não tem nojo porque é tudo daquele corpo que queima na escaldante água que escapa do céu. bate uma e se enrola na toalha desbotada, lembrança de um “ex” que nem sequer sabe de sua parada.
ele sempre se troca correndo e pega o pacote de bolachas pra ir comendo na rua porque sai em cima da hora e o dia não espera. aliás, a vida nunca espera. nem o ônibus que ele que pega porque vive. e quem vive, atrasa.


dose II

Contei três ratos na noite passada, ele dizia com aquele riso de escárnio. Você dormia e eu os vi ainda com a vela acesa. Não sei o que tanto me importa, eu devia dizer, eu devia responder. Mas sou tão tarda que me deixo ouvir estas histórias cínicas de um velho sujo. Os dedo grossos e as unhas em beiradas pretas circundavam o copo com café. Segunda-feira apareceu só um e parecia ser filhote. Eu cortava o pão sovado, dividia o pedaço em dois e separava um pra ele. Deveríamos ter um gato, Amaranta. Ele tem uns olhos de quem veleja. E estas rugas dos sóis batidos. Eu não quero merda de gato nenhum, enfim disse, é mais um pra comer nessa droga! Então ele se calou e tomou o café num gole. Rejeitou meu pão. Depois, vivemos. Pela noite, eu acendo o toco de vela. Então de manhã, ele me vem. Contei dois ratos na noite passada.


dose III

A viuvinha é uma gorda safada na boca do povão. E quem disse que ela liga? Sai pela tarde toda emperiquitada, leva cigarro na bolsa e pinta o cabelo todo dia quinze. Depois que o marido morreu ela segurou o luto só uma semana e depois, dizem, virou cadeira de bar e recebe visitinhas em casa nas quintas e sextas de noite. Seu nome roda na boca do povo e é homenagens dos moleques que ficam doidos para comê-la e tomar um velho-barreiro qualquer dia desses. As amigas do varal lhe viraram a cara só porque se descobriu. Agora se reúnem com as bacias nas ancas debaixo da entrada do bloco B para esconjurar a mulher que trocou as saias até o pé por calças jeans. E bebe com a aposentadoria do marido, berram esbaforidas. Mas nos segredos das madrugadas elas sonham com os homens que visitam a viuvinha e se molham todas enganando os maridos que acham ser os bam-bam-bans daquele prazer mas só trepam com elas de lado. A viuvinha enterrou as surras e as cuspidas na cara bem como a mentira da boa esposa que ora. E as outras, ah, as outras; estas se enganam.

dose IV

Tinha rasgado as calças e aparecido de vestido, boneca e batom na escola. A meninada ficou louca com o assunto e a professora ficou cega. Ele foi pro banheiro, na merenda, e foi fila feita de moleque querendo passar a mão na sua bunda e ver se usava calcinha. O filho do Miltão saiu gritando que era azul, era azul! O auê no banheiro trouxe o inspetor velho de testa marcada que com cinta na mão arrebentava estalos nos azulejos dispersando toda a trupe. O inspetor olhou a figura, jogou-lhe umas calças e camisetas e mandou que arrancasse as chitas. O menino obedeceu. Depois de pronto, só pôde perguntar:
― Tu vai levá minha buneca?
E o velho teve o menino roubado com os olhos em maré. Tomou a boneca encardida e careca e saiu dando recado:
― Essa’qui é feia. Na saída lhe dou’ma melhó.
Teve sorriso e ninguém viu.

dose V

Um filho da puta aquele lazarento. O garoto teve o maior trabalho de fazer quinhentos paus em duas semanas e o viado do Marleyson não lhe vendeu a porra do 38. Correu gira com duas dúzia de sacos de pó entre a Vila Curumim e a Varginha, dormiu na belina velha perto do beco da onça e despistou três viaturas com o cu na mão. Falou com o Dundi que iriam a mão livre mesmo. O Dundi levaria uma faca e já era.
Pegariam o velho tiozinho da ecosport no primeiro farol depois da saída do shopping. Dez e pouco, a saída que dava para a alameda vitória era escura e o mais trouxa se fodia. Valeu, falou.


*    *    *



Edhson Brandãosoube de si quando parou e anotou. Dizem que ensina à criança a melodia da prosa e é procurado pelos livros que não escreveu. Tem seu nome em Letra de mão e mais algumas historietas escolares (Giostri, 2016) e em Semeadura(2016). Mesmo assim não há vestígios de sua existência. 

7 POEMAS DE MEDEIROS CLAUDIO

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Espelho [feat. João Nogueira] / There will be blood



agora que seus amigos estão mortos
revezaremos o peso da planta
dos cascos
nos dias


teu corpo nos dedos afoitos
trançados na crina
resiste


o bicho mordido te arrasta
a galope seu mundo
ultrapassa


eu deveria agregar os filhos que você não botou no mundo
mosto de gente mestiça fui assumindo toda situação
de rua dos que nascem rivais entre si
dos que não têm seu nome
os que não têm
vontade

no princípio era o verbo embarcar e o verbo se fez
muita carne processada e embutida
nas vísceras d’anau
dos pretos
me viu chegar sem meus sapatos perguntou pela dignidade,
chance de dizer que humanizei os cavalos da família
quando é você que eles preferem abrir estradas
cercar limites além-mar cruzar os
sangues mais sadios torcer
nos ramos das mulheres
recém-civis
fiados

pra pagar os músculos aos pais, aos avós os músculos
dos animais pra pagar a terra ao
primeiro que trocou
tinta de madeira
pelo mal-do
-coito

volto a consciência de couro, este lugar
de quina de mesa apago, a
propriedade do livro
que você está
pisando
agora
custa
tanto




estaca zero

1/ deixou uma importância de réis em conta conjunta. pra casamento deixou vestido. irmão pagou festa, pagou uma máquina de costura, uma joia. 2/ o noivo fez casa, campo grande, resto de material de obra da empreiteira. empregaram. o pai do noivo fez o apadrinhado não. comia filha do colono. botou em telhado de zinco, meio do bananal, pelo que engorda. nasceu. comia. prova que vinha rastro, jato de desejo, a cria. mais cinco. nascia mais. arcada forte, pele corada, descalça, saudável, fugiu. veio ele, cavalo. filho menos moço puxou de estaca de estrada, quebrou joelho no do cavalo, que o pai morreu. largou lá sem nome. 3/ eram de jesus. então fodam-se. a noiva era nome não do sangue, do padrinho. o noivo menos. noivo foi o que era sendo. primeira linhagem. da estaca: zero. zerou espontâneo em seguida gerou principalmente. engordou. um não. anjo, brigou com. venceu, invicto. trata jacó. puxou anjo, aparou, rasgou a galinha no bucho 4/ atende. da garganta desmembra braço, canino roça assanha o peito, da espinha nervo seco ou viga: piroca. baba. mingua o homem vinga touro em parecença e natureza: não mata, estanca. depois fala mas observa, bovinamente.




“Assim é que a civilização se impõe, primeiro, como uma epidemia...”



todas
as crianças brancas ainda
nascerão
de mães pretas na rua
marquês
de são vicente na gávea


todas as bonitas
crianças
há quatro gerações
da rua leblon
comerão
pelo brasil
           

ninguém ignora
que de quatro
gerações pra cá
o mundo sempre sorriu
no leme
para as crianças brancas

  



cozinha portuguesa

as gelosias as paredes Grossas senhoras com tapa-missa nos cabelos Gordas  Compoteiras de doces de cristais Fidalgos charutando muleques nas ventas muleques como formigas nas nossas pernas pedindo

a Benção
à mesa da casa da minha tia portuguesa Gordas jarras de azeite meus Vasos de leite                [Ladrilhos Mouriscos esse seu cheiro antigo

Minha prima!

seus sorrisos de canto de beijo o bafo que bofa da tua alcova,
minha prima,

meus primos,
conversas de gado, meus primos,
de galo de briga cavalos canários puleiros

a louça lavada na mesa toalhas na mesa
a louça lavada na chuva toalhas de banho
a louça quebrada na mesa tolhas no tempo

A chuva!

minha prima

sua saia

sua blusa

seu vestido

sua fibra
engomada

Pra mode casar as filhas em fila,
minha tia,
as velhas as feias as tristes as acuadas
as acusadas
as repetidas

fez sorte da clara de ovo dentro do copo d’água
fez sorte da espiga de milho no travesseiro
fez sorte da faca no tronco da bananeira

Tenho chegado bacharel de Lisboa,
meu tio,
tenho rondado de noite esta Casa
não tenho lido as notícias
tenho forçado a porta da Senzala
tenho saltado uns corpos saltado uns olhos saltado uns trincos

não tenho sido bem-vindo
minha crina,
não sou percebido pela
parede caiada a prataria polida
não sou recebido
com um copo suado de sede.



amigos

os dentes de Chet
a orelha de Vincent
a lucidez de Frederico
o sono dos controladores de voo




suíte do pescador

alarmes cantam canários da terra
canários cantam alarmes da terra
o vento é vento nas rendas das plumas
o vento é vento nas rendas das plumas

bateram as hélices em debandada
– hoje mas tão perto do
meu pescoço que aberto
período de caça –
os pássaros giram em pescaria

vai vendo
aqui de cima
com quantos manicômios se enche um barril
quantos eu entorno profundo das redes
prejuízo de morrer-me lançado em vida

(se vale viver aqui quanto custa
o alto custo de vida um aluguel
imóvel suspenso nas ondas usina
no dorso de um monstro marinho?)

porque a morte a nado
imaginada a alma
de um louco na popa
como deve ser
geológica

ceifa meus cabelos longos
liberdade que se tinha ela ceifa
de não desculpá-la por sua iminência
de não ocultá-la com seus assuntos

aqui de cima – elas disseram – descruze estes braços!
minhocas na sua cabeça – as sereias – presa à linha do anzol
o vento é vento nas rendas das plumas
o vento       vento           rendas                  plumas
é                nas                 das
    vento é      vento                rendas das vento oo p ´
        o                é                   nas                              plumas                                              p
            vento  plumas          plum       nas                  rendas                                   n    as
                                    vento nas                   das      plu                  é é             ven
                     l      umas o        é                     red                  s      nas
                                                                                    eto       pluma                          puas                                                                             entoé                          pl          a         d o d                                                                               on   é  t  oe   o        pn d      as        dem   
            ´                                                                       vl umas          ren       o ren     das
                                                                                        é é     o é           ve             nn t             
                                                                                                plu a  plu  mas o                n ´                                              v v l     v                 pl enda p  l         m        as              
                           sr   e     as     p   lu                         ao    e          nto é   p               l
                           v      e                        to é    v      n  t               ´      da       s        v           p          
s                             o                    é        p             o       vv      u mas      o v      n  t           s



manual de agricultura familiar

coloque um pouco de terra num pote de maionese, e deixe descansar. cheire a terra quando acontecerem sentimentos de distância. acostuma terra. ela tem borbulhas como no mar as ondas rebentadas. quando a terra vira planta você vai crescer dentro de apartamento não vai ter feito nada da vida. vai olhar o crachá da empresa vinte anos de mais-valia. o sol é decisivo. folhas abertas mãos pedintes. o valor de um poema se mede pelo tempo observando fixamente um objeto em tabula rasa. coloque um pouco de terra num pote de maionese e abafa. o tamanho da tristeza tende a ser proporcional à duração do sono. ligue os neurônios da fome ao telefone da morte em domicílio. gostaria de ajudar crianças com câncer doando uma moedinha? senhor gostaria de um câncer para criancinhas com uma moeda? gostaria de doar senhor para uma moeda com câncer? gostaria de ajudar os câncer pras crianças com moeda? Abroche. você já não vinha tendo solução pra muita coisa procurou um especialista. “achei que era depressão era diabetes!” com um tubo enfiando na traqueia. coloque um pouco de terra num pote de maionese e rasga uma claraboia de fora a fora. alguém algum dia testemunha a estiagem em um metro cúbico de terra. trabalha a terra. você muda na sessão de jardinagem do hipermercado. é sagrado o coro de quem trabalha o próprio trigo.



*    *    *


Carioca de 88, morador do Engenho de Dentro, professor de filosofia, Medeiros Claudio reclama que a cidade é cara, cria problema com vizinhos, escreve uma tese sobre política na época do Império, tem medo de morrer, tem amigos como o Testa, o Vini, os Thiagos, o Nelson, o Michel, o João, ​anda de bicicleta, vai à praia, prefere cozinhar.



10 poemas de Elisangela Braghini

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Mira Nedyalkova


TROPEGO POEMA AO ALBATROZ
(Les Fleurs du Mal - Baudelaire)


Imaculadas majestosas
velozes asas
em instantes pontuavam cardeais
desenhando estrelas

sucumbem quedadas
aos efeitos colaterais
- nefasta gravidade, das flores do mal!

Inúteis
desafinadas
o poeta obrigam perambular 
mente ao chão coxear
entre os mortais 
mendigos de atenção

A cobiça em expor em museu
o adorno carnavalesco relíquia "in memorian"
ao ser alado
os cega
é o algoz do albatroz

mal sabem -
o mau - o que fazem?

asas atrofiadas o envergonham
podadas ressuscitam siderais
arrancadas sepultam
a alma viva
do monarca dos azuis



COMBATES


Travo guerras amorfas
não sangram jornais
antes rasgam palavras

silenciadas
distantes telas
bloqueio - as
pálpebras no cristal

óleo de peroba
derrete-se nas caras
de pau
nas peles - arranco
dos cordeiros
que uivam - verão
aquecem meu inverno

Crio nos amores que invento
belos/deliciosos/sevados
os sirvo
à ceia que sacia

digiro-os enquanto sonho
à aurora
descarto-os
na descarga

doida raiz
aprisiona-me
refém do silêncio
abusa-me!


DESPEJO


Dissipo-me dos trajes
que ontem usei no circo
Meu humor mudou-se
com eles

fora de mim
não minto
nem faço rir
enxergo a nudez apática
que soa sátira
mas é dor

Limpando a falsa lágrima
maquiadamente escrevo
livro-me
em público -
entre as capas
entre aspas
que não me contém

andando leio
o livro
com outra face

enquanto aguardo - absolvo-me
no cálice e não calo - o poeta livre
andar errante educadamente
a arder-me os olhos
queimar-me a pele
cremar-me a carne
incinerar-me os ossos a pó

calcificar-me em lava
ou lavrar-me após a chuva ácida
as páginas em branco


MOSAICO

 
Às vezes parto
quebro em mil pedaços
o desespero
dos anos lapidados em aço

Dos restos garimpo artesanato
aleatórios rejunto
os cacos reencontrados
as máscaras de sorriso cravejadas
no monstruoso mosaico

Se deserto o futuro
que me propõe lascivo
deserdas o presente 
que te descreve frívolo


LÁPIDE

 
Amor, faleceu...
Sedento, sob o céu
faminto
no tempo
de lavrar palavra!

meu amor, não resistiu ao peso preso
à lápide
à cruz
a rosa não ousou beijar!

carne e ossos
humano,  fraco...
sucumbiu ao suave voo
ao silêncio escuro
ao não olhar...

Sem tempo,
não há mistério!
alma  partida -
asas à sombra da árvore ao vento!

meu amor, foste!
Se lapidasse esse dia...
amante
Se lapidado - Sem trincas -
aceitasse o não-espelho!
Se...
Sempre...
Se amanhecesse o invisível - não falo... - ainda existe!


Mira Nedyalkovar

LAPIDANDO


Esse homem virgem
às vezes me sorri em verso
Devorando-me em vertigem

No novo universo
em voo liberto
como sempre quis
sussurro em meu canto!

Em tudo o que diz
Mina raro o amor
em inesgotável fonte
um lapidado diamante...

Ele, intransigente
Intransitivo
Indireto verbo
de um tempo que não existe:
Deixa passar!
Deixa pra depois!
Espera o olhar
por nós dois...


EXÓTICA POESIA


É poesia apesar ...

o amargo mofado
na casca da ceia
casado - tão perfeito! -
ao   espumante adocicado
putrefato –

amanhecidos
- em campo fértil
que nos serve de leito brindamos
ao vento
ao luar
promessas no olhar
os dedos em cruz
a jurar segredos sagrados ...

É poesia apesar...

o sangue coagulado requentado
encerrado na cova
dos dentes alvos
que rasgam carnes
trituram ossos

exibem - dramático esse tango,
onde cochilo e vomito o vinho que sorvi! -
nos lábios- sorri - sedutora rosa!

exala irresistível odor:
amor - boreal colorido na aurora!

É poesia apesar...

Feto, inda agora, inédito, fez-me provar, entre as coxas e no dorso - a língua silenciosa! - a tua pena - lambe-me - suave encena, encera e compõe minhas asas distantes nos voos por tantos sóis e blues...

É poesia apesar...

alquimia sólida,
fórmula derretendo-me no gozo - seio e sexo - corpo e  alma - e tão bem, embora náufrago, descreve-me!

É poesia apesar...
afora
exótica lágrima
pesar!


PORTA-RETRATO


Ao amor não assiste perguntas ou respostas

de joelhos agradeço
mendigo palavras
que auroram poesia

engasga-se
revelando-me o futuro
seu silêncio místico...

linguagem de sinais copio incompreendido
nas mensagens o socorro
garrafas lançadas ao mar
naves sem rumo

em desconhecidas órbitas
sigo (estrelas que não existem)

enquanto a ampulheta traga
o deserto de rosas

na praia
o milagre do tempo espero
sem medo
revolto o mar
navego

repousa tranquilo
em meu colo
autorretrato
vitrificado
o desejo explícito
seu olhar salgado  


MISTÉRIOS DO GRAU


O desejo de possuir o harém
em mim - furioso
entusiasmo- em Julho Evola
reticente, a dignidade humana...

Cavalgas o tigre na penumbra transcendente
Eunuco, fiel sangue, às tradições e às máscaras
antimoderno, projeta-se hierárquico
superior, o clã que te escraviza

O amor em que reino,
além do visível,  metafísico,esotérico,
singular e supremo, castras!

Abala-me  o âmago a força,
mas não espero o futuro
instante espontâneo que não surge.

Crio-o constantemente
se falha
resta-me o sacrifício derradeiro!


BUCANEIRO
 
essa flama
pira o atlas
atrás piratas

pra nossa cama
branca bandeira

no corsário
acena pop 
a caveira
- veneno
ou rock? -

imaginei um marinheiro náufrago
saqueou-me a alma o bucaneiro lorde

destina-me à prancha

mergulho
em meu ego

naufrago
encontro o forte
a fantasia que me possui
possui(r)-te!



Sou uma Rosa dos Ventos tupiniquim, que do sul ao norte, do sudeste ao nordeste transita com o sentido da infantil descoberta: diante de tudo se encanta e se entrega. 
Escrevo secretos diários de viagens desde criança. Gosto de brincar com as palavras, resenhando livros, filmes, opiniões, homenagens, sabores, impressões, músicas, enfim, tudo o que vejo e sinto, em poesia.
Sou advogada há 22 anos e há poucos dias, a ponte invisível entre o direito e a arte começou a parecer sólida. Hoje ouso a travessia...



O esforço da razão em Betzaida Mata - Por Krishnamurti Góes dos Anjos

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Homens e sucatas


Por Krishnamurti Góes dos Anjos(*)


“O último esforço da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam.” Este pensamento de Blaise Pascal (1623-1662), vem-nos à mente após a leitura de “Homens e sucatas” da escritora Betzaida Mata (Editora Penalux, Guaratinguetá-SP, 2015, 160p), livro onde estão reunidos dez contos.
O primeiro deles, “Da densidade humana”, tendo em vista o conjunto da obra, se afigura uma espécie de prólogo aos outros nove. É um texto curto que reproduz um diálogo (quase um monólogo) onde a ligeireza e espontaneidade de uma conversa áspera, mas inteligente, impressiona pelo pormenor da conclusão, que não deixa de ser, em chave humorística, uma definição de existencialidade. Os contos de Betzaida estão a pulsar, a germinar e a fermentar nos misteriosos meandros das entrelinhas. Ali se completam, se transformam, se diversificam em mil estilhaços da realidade para finalmente, sugestionar reflexões com firmeza de argumento. As urdiduras das ficções plasmadas no imaginário não sonegam, porém, um núcleo ficcional que, via de regra, se encontra escamoteado no início – ver especialmente o conto “Ervas e espíritos ou de como o amor pode ser ruim” – para no final, criar o efeito de mistério, solidão, esperança, ou que outro efeito pretenda sugerir, tendo sempre em mira a emoção fundamental que afeta as personagens. E, a propósito, acrescente-se que os desfechos são rápidos, impactantes, apanhando o leitor desprevenido ou deixando-lhe uma emoção através da qual repense a história que acabou de ler.
Quanto à temática, por vezes a autora propõe mistérios de uma situação invulgar e, ao mesmo tempo expõe o mistério da personalidade humana (Festa do Erê). Ou abre alas para o fantástico descolando a narrativa da realidade imediata. A super-realidade que finca raízes no real, tal como o conhecemos pelos nossos grosseiros sentidos (contos A trupe e O multiverso) ou ainda, reveste suas ficções de uma aura de dramaticidade e terror ao abordar o clima de radicalismo e intolerância que tomou conta do Brasil des-go-ver-na-do de nossos dias. (A lua nasceu em junho).
O universo é tema recorrente na ficção dessa autora. A dimensão cósmica aparece em vários textos como o incomensurável cenário onde nos movimentamos e para o qual não nos voltamos a refletir, acostumados que estamos a olhar para o chão em que pisamos. Presos aos nossos universos particulares, sempre varridos por aflições sem conta e miopia:
“O mundo das possibilidades infinitas é sedutor. No entanto, ainda não estamos preparados para ele. Nem eu, nem você e nem Isabel somos capazes de suportar uma totalidade aberta, estilhaçada e sem começo nem fim!” (Trecho do conto O multiverso p. 96).
O homem como um universo. Brilhante o paralelo que a autora faz com a dimensão das coisas muito pequenas, como aquelas que compõem nossos corpos (a molécula de DNA, por exemplo), com o gigantesco de planetas e galáxias. Como somos ao mesmo tempo pequenos e muito grandes...
“O ser humano pode ir ao espaço, conhecer outras galáxias e contar histórias maravilhosas de outros mundos. Mas como alcançar o universo microscópico que se desenrola diante da gente sem que possamos enxergar? Aquele que junta partículas invisíveis e forma um tecido, um embrião, um corpo!” (Trecho de As palavras e as coisas pequenas. P. 107).
Betzaida Mata se questiona e nos faz refletir se é mesmo possível conhecer a totalidade das coisas usando apenas a razão? – E talvez essa seja a sua mais profunda mensagem. Consegue nos induzir à percepção de que o mundo possui dimensões tão pequenas, que as coisas se dividem em tantas partes que a vista, a nossa razão não consegue compreender e apreender, pois elas estão para além de onde pensamos ser o limite. Compreender isto é aquele último “esforço da razão” de que falou Blaise Pascal.
Novembro/2016








(*) Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor, Pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros contos e Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.








6 POEMAS DE RONALD AUGUSTO

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Jean Michel Basquiat
abertura

cuaderneta nova onde
não irá rasurado
nada de novo tampouco
de anteontem ou de logo
esbarre aqui o possível
na mancha do presente
verde retorquindo o nu
aoporvenir que há passado

caderno sem alvorada
constante em leitor findo
negro de ganho cautivo
delconcejo impreciso
para onde transmigram
parcelascelos nu-
gas leituras de malvas plagas
cujo escrito quadra e sangra


aparas na areia

acuso barravento o peso
do corpo o de
toda a terra que pulsa sob seus pés
quando no rever do vento
ressuma e de outra maneira
não atinara para o funesto maroceano
aceso cujas ondas fazem-no
barafunda do seu encapelar-se mais
tedesco

mas deste ponto
do averno avarandado
a crista das esposas ondinatosas
sobrenadam os lumes dos reflexos
semelham flecham a efígie de superfície                  
um nem sempre recomeçado tecido
escamado nacarado

ainda uma volta
a trampa do favônio a farfalhar meu opúsculo
de praia em cujas delgadas camadas
suspicácia de coalhos a ver brancura para
um apetite de calígrafo
materializado todo em negror
de  c a r a c t e r e s
debaixo da folha esbatida
a paisagem infestada de um
firmamento
semideoscopias


iniciado no ano anterior

função de libélulas
contra um azul sem fundo
mas o azul se oferta claro
ao contrário do que faz supor
a escolha
para representá-lo
de sonoridades e de assonâncias
de timbragem mais fechada
escura

todavia
não tão claro
a ponto de descartar o susto
o desmesurável que sua lonjura seu recuo
pode provocar em quem
o admira assim
sem nenhum escopo filosofal

ou em quem
o coteja com libélulas
em função afanosa
recortadas sobre a não-escureza
azul-argêntea
do ar



3 poemas


Menear de árvores no quintal
vizinho. 
               A tarde rastela ramos,
mas é como se fizera um favor
convidando o vento a embaralhá-los.
Engelha o próprio engenho nesses galhos
que não quebra apesar de tanto esforço.
Dobra o nó da ramagem em noite prévia,
essa sombra que emerge do chão úmido.
Frescor que sabe à morte, sal. 
                                                       Fermentos,
friúme de ser craca e escara
na formosura desse arranca-tronco,
cujas raízes unham o vão profundo.


*

Sequer em meio à noite escura,
onde se apaga tudo a que me apego,
se cala o simulacro do espelho.
No salão vazio,
cerrado na moldura ovalada,
vislumbra-se, intermitente,
o braseiro de uma constelação,
remota a ponto de não discernir
os flagelos e as delícias dos homens.


*

No alívio da cozinha branca
(silêncio que não desaba),
graças ao pouco inox que contém,

enquanto o notebook,
numa espécie de crepitar minúsculo
resmunga durante o desligamento,

o sono se entranha e paralisa (metáfora-ademirdaguia
segundo a lâmina pernambucana) e
paralisa meus músculos.

 Os poemas acima são do livro "Empresto do Visitante" (2013).


Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas(2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e Nem raro nem claro (2015). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente aqui

Disque Sexo - André Rocha

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vestida com as cores da noite
pomba-gira que faz malabares em cima do meu coração
bebericando no bico da garrafa
inventa moda
chora, mente, ri e goza
das estrelas mortas que vi no teu umbigo
madrugadas arrastadas devagarinho
pra lembrar teu jogo sujo
teu amor de brincadeira
meu vício
sou teu álibi
despreza meus poemas
me nega
e se entrega
pra outro
me liga depois das duas
pra transar e beber
me fascina
com esse teu jeito de vadia
já decorei o barulho do teu carro
teu cheiro e o gosto da tua boceta
e tuas histórias de " era uma vez"
já reconheço esses teus olhos vazios
cheios de nada
teu umbral é pequeno demais pra nós dois



ANDRÉ ROCHA

Article 2

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A POESIA DE ANDRÉ VALLIAS 


(4 POEMAS)











"nós" (2013)









"innana" (2013)









"poema-onça" para décio pignatari (2014)









"suméria sumiu" (2014)








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André Vallias (1963) é poeta e designer gráfico. Publicou HEINE, HEIN? - Poeta dos contrários (Perspectiva, 2011), TOTEM (Cultura e Barbárie, 2014) e ORATÓRIO - Encantação pelo Rio (Azougue, 2015). 
 
http://andrevallias.com
 
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Sobre gravuras e ocupações - Abiatar Machado

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do diário de um pintor

sou odiado pelos não pintores
um ódio que se ilude devagar
pois aqui na efêmera eternidade da tinta
todo mundo se acredita eterno.
pois bem, primeiramente é preciso
costurar os dedos na beira do in-costume
morrer deliberadamente
como se não houvesse nenhum eu
ou eus subindo as escadas.
vou me extraviando no ato de pintar
melhor seria recuar até o fundo do chão
e encontrar um cão
melhor seria amadurecer os dias
como se eles não fossem
os dias para alguém
pois no fundo não são.
melhor seria que você me ouvisse
alvorecendo na sua nuca...
ah, meu bem, a tinta enraizou
meu sexo nas têmporas do nada.
agora estou assim, escorrendo.
fiz um pequeno caderno rasurado
estalando milhares de vezes.



Canção incerta

ai, ai, ai!

uma canção incerta e febril
murmura na pele macia da dama?
nos raios meninos do sol?

de repente te desenho nas calçadas
e nas paredes das casas
a paisagem do desenho é fria

– restos de janela
doendo nas calçadas –

a incompletude do ser lambe o redemoinho
uma solidão esmaga os remendos

– a parede remendada, os olhos remendados,
como se fossem um corte na espessura do tempo
ou um buraco na epiderme de um cão –

desenho dos desenhos!

o turista do tempo lampeja
e passeia pela rua dos bancos?
o turista do tempo desenha

desenho dos desenhos, meu bem?

possuído pela relutância das pedras
começo a cantar suas mãos de criança

mas como pensar um poema nesse dia
em que esqueço meus cigarros na rua?
como escrever uma frase que se torne um verso
se estou cansado, me arrastando,
desejando um caderno
e um beijo desenhado com nanquim?
como descobrir o ritmo se as pedras são falsas
e o desenho me escapa?

descubro lentamente rasgo lentamente
corro quase solenemente dentro da palavras
depois encontro dois jardins na porta do cinema
e não converso sobre o menino
vivendo meu retrato no espelho
apenas corro e brinco
como se um raminho crescesse



exposição

seus primeiros quadros
e alguns desenhos que ele fez
para o fervoroso inferno de dante
experimentei um dia
em livros de história e literatura

pendurados estavam
em uma galeria
de ouro preto

pude visitá-la
alguns anos mais tarde

era mais que uma galeria
(lugar de expor
coisas belas) um espaço sem enfeites
emparedado para os olhos
para a luz e para a tortura
de não ser tocado por tinta alguma

antes de ir para a exposição
resolvi ficar dias exposto  – sim
exposto – e sem dormir

o corpo em estado de sonho

entre os turistas verborrágicos
murmurei uma canção de pietro gori
enquanto o corpo de dante fervia

os desenhos eram como
um rio de fogo escorrendo de um anjo
peixes reverberando o ser e a morte
– uma casa estrangeira
vertiginosamente acolhedora
em que era possível descansar
e rabiscar um poema

seus primeiros quadros nos livros
são ainda a lembrança
de um mundo encastelado e febril

depois soube que ele escreveu
um romance sobre castelos
cavaleiros tragédias e cuspe




Sobre gravuras e ocupações

Lorca foi fuzilado.
Dali chorou escondido
nunca escreveu sobre o fato
nem mesmo pintou um delírio
em que tentasse entender
os muros que o separavam de Lorca.
apenas guardou as cinzas
desse primeiro amor
em um quadro pintado para o poeta.

Lorca era um meteoro
vestido com o vento
encarnando avant la lettre
todas as canções
escritas por Violeta Parra.

Dali era um medonho cão aristocrata
uma extravagância nas novelas da arte.

mas o Dali interpretando Dante
através do desenho era algo mais.
nunca consegui escapar
do alcance misterioso daqueles traços
e de sua atração pelo inferno de Dante.

Dali não gostava de Lorca
gostava do beijo quente do poeta.

Dali sempre esteve antenado com a superfície
e seus quadros se tornaram essa imitação da arte
que as galerias e o dinheiro adoram.
mas nunca vi superficialidade tão profunda
aparecendo em tinta.

nunca senti tanta tesão por um método de estudo
como senti pelo método crítico paranoico de Dali.
sempre fui dado a amar extravagâncias, deve ser isso!

no entanto, me perturbo mais com Lorca
com sua morte esperada
com sua coragem de dizer não ao fascismo.
Oh Dali de voz azeitonada
de voz amedrontada
de olhos cinicamente fugazes
não o culpo por amar o dinheiro
os seres humanos amam coisas idiotas.

enquanto você fodia sua arte por grana
Lorca trepava com a revolução.

mas por que escrevo sobre você e Lorca
nesse dia em que estudantes
estão ocupando universidades escolas e ruas
para escapar da mesmidade da política
e acabar com a sujeira dos governos?

por que tento usar Dali e Lorca
para elogiar a beleza dessas tempestades?





Abiatar David de Souza Machadoé de Caratinga-MG. Mestre em estética e filosofia da arte UFOP. Atualmente faz doutorado em filosofia na UFMG.

PATUÁ LANÇA LIVROS DE MARILIA KUBOTA E JANDIRA ZANCHI EM CURITIBA

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A Editora Patuá lança  Diário da Vertigem, quarto livro de poesia de Marilia Kubota e Área de Corte, terceiro  de Jandira Zanchi, no dia 06 de dezembro, a partir das 19 h, no Museu Guido Viaro, em Curitiba.  
Diário da Vertigemnão é exatamente um diário na definição clássica do gênero, segundo aponta o crítico Martim Palácio Gamboa, que assina o prefácio do livro. O diário como registro cotidiano dá lugar a uma miscelânia que contém  os discursos erudito, popular e massivo, aproximando-se da linguagem vertiginosa dos videoclipes. Usando registros vários, como o confessionalismo, fragmentos da narrativa jornalística, a enumeração, a repetição anafórica, a autora instala uma pulsão, um ritmo sem pausa, que manifesta certo desatino que margeia o incompreensível ou ilegível. “Vários destes poemas operam refrações, figurações enviesadas por reflexos equívocos, incertos, inacabados mas envoltos na  espiral (na dobra) do contínuo”, comenta o crítico.
A  poeta Nydia Bonetti compara o fluxo de imagens de Diário da Vertigem com o descompasso de um trem desenfreado e o tempo estático das fotografías, entre os quais a poeta celebra a vida e seus mistérios.    
Em Área de Corte, Jandira Zanchi supera a  abstração da linguagem e  dialoga com a acidez de todo mal-estar contemporâneo, de acordo com o crítico Tito Leite. Na  insatisfação com a ideologia dominante, disseca o desencanto, descrevendo o ser humano como andarilho de sua história. “Ao escrever seu livro, seus estilhaços poetizam aquilo que está a caminho, para nascer – que se revela ao desvelar-se como inacabado, incompleto, incalculável e fragmentado – sempre fluindo em líquidos minoritários, anti-hegemônicos; é mulher, criança, louco, animal. Sua poeticidade é antes de tudo uma área de fuga, pois ‘ainda é preciso nascer o dia””, pontifica o crítico.

As autoras e a editora

           Marilia Kubotaé autora dos livros micropolis (2014), Esperando as Bárbaras (2012) e Selva de Sentidos(2008). Organizou as antologias Blasfêmeas. Mulheres de Palavra (2016) e Retratos Japoneses no Brasil(2010). Participou de 13 antologias de poesia e prosa. Nasceu em Paranaguá e mora em Curitiba há 25 anos. É jornalista e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná.

Jandira Zanchié autora do livro Gume de Gueixa. Écuritibana, licenciada em Matemática pela UFPR, profissional de magistério em faculdades, colégios e cursos por mais de 30 anos. Como poeta publicou Balão de Ensaio(2007), o livro virtual A Janela dos Ventos (2012) e participou de diversas antologias. É editora do site Mallarmargens.

A Editora Patuá, dirigida por Eduardo Lacerda, desde 2011 publica apenas literatura brasileira contemporânea, a maioria  títulos de poesia. Têm em seu catálogo autores premiados, como Ricardo Silvestrim (O Typographo, Prêmio Açorianos 2016), Micheliny Verunschk (Nossa Tereza – Vida e morte de uma santa suicida, Prêmio São Paulo de Literatura, 2015), Paula Fábrio (Desnorteio, Prêmio São Paulo de Literatura 2013).

11 poemas de Tânia Contreiras

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Poetas

: Pássaros
Fazendo ninhos
Com arame farpado.



Autorretrato

Sou
Nativa
Do interior

Matuta
Astuta
: Não troco
Meus porcos
Por pérolas.



Entrega

Com os ateus
Aprendo a fé
Sem amparo
Das flores de
Precipícios.




Relógio muscular

Sístole
Diástole
Sístole
Diástole
Enfadonha
A vida sem paixão
Alardeando vazios.



A nau dos loucos

A nau
Dos loucos
Tinha asas
Como velas
Mas eles
Preferiam
Andar sobre
As águas.



A lua de Ismália

Quando Ismália
Enlouqueceu
Não havia superlua
: A loucura era feita
De pequenos assombros



A inocência tem os pés nus

Impossível
Caber na
Floresta
Virgem da
Infância
Sem descer
Dos saltos
A inocência
Tem os pés nus.



Poema de maio

Membro
Ereto
O Senhor
Aloja o
Cetro
No sexo
Do Abismo.
Copulam
Deus e o Diabo.



À minha imagem e semelhança

Deus
Contorna
Os olhos
Com lápis
Preto
Levanta
Com rímel
Os cílios longos.
Explode ao não achar
O batom vermelho.
Desiste de sair já pronto
Por causa do novo livro
Pelo poema que lhe acode
À mente suplicante;
Pelo blues que não quis
Ser rock in roll.
Deus
Como toda mulher
Está sempre sem roupa
Quando precisa sair;
Um guarda-roupa cheio
De Ausências é coisa que
Nenhum homem compreenderá.
Pra seu azar
Na TPM Deus
Se enfurece e
Manda todos
Pro Diabo.
"O Diabo que os carregue!"
E o Irmão, compassivo, carrega
Nos braços parte do sonhos que
Os dois sonharam juntos.



À entrada do oráculo

Mulher
: Entrega-te
A ti mesma.



A arte de viver em si

Como queria
Uma velha tia
Sem letramento
Lendo meus versos
E dizendo: "Minha
Fia, tu é uma autista!


***




Tânia Contreiras é poeta, graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia; arteterapeuta junguiana pelo Instituto Junguiano da Bahia; docente em Sensibilização Poética na formação de Arteterapeutas pelo IJBA. 
Imagem: O Navio dos Loucos,  Hieronymus Bosch




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