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de mim ninguém sai com fome e outros nãos - 6 poemas de Norma de Souza Lopes

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Victorian Tea Party, Girl with French or German Bisque Doll, circa, 1900




de mim ninguém sai com fome

enquanto os algozes da  república
seguem perpetuando campanhas eleitorais
e golpes de estado no jornal que uso
para limpar os vidros da janela da sala
abraço pássaros, borboletas
lobos e carpas
de mim ninguém sai com fome

o ódio borrifou
gotas de ralph lauren
em pulsos armados de taças
e eles as desperdiçam
sendo fotografados
com mendigos nas calçadas

não é preciso dizer
a palavra lâmina
para saber o corte
preparo coquetéis molotov inócuos
por receio de incendiar os jardins
sem culpa dos edifícios de luxo

eles acertaram em cheio
nesse buraco vazio
das torcidas organizadas
mas ainda tenho esperanças
nem toda palavra encarna





tive dois filhos

tive dois filhos que não chegaram a nascer
tinham nome, sobrenome e um destino arrumadinho
de gêmeos vestindo uniforme

não viveram o suficiente para eu provar
como posso ser uma péssima mãe
decifrando os escombros que deixaram
noto com que voragem os queria aqui
porque para o amor não interessa ser o pior 
o amor, ele quer é consumar-se





as medíocres tarefas do menos sentir

um calendário do ano passado
mostrando o dia errado
eu poderia chorar sobre ele

tinha tanta pena
de leõezinhos famintos
que era capaz de
me atirar à savana
para dar-lhes de comer

quando o amor era irreparável
usava-o quebrado mesmo

não coma o coração me disseram
o que equivale dizer
que eu deveria sentir menos
envelhecer e sentir menos





parada no tempo

na ponta de seus dedos parada no tempo
parada no tempo
locomotiva lenta borboletas planam
de um lado ao outro do vagão
o bebê chora na casa ao lado e de repente existe
eu choro e de repente existo um poema que não não me mate
a cal, o sol, eu na ponta de seus dedos parada no tempo





moços guapos para dias tristes

trata com alpiste passarinhos soltos
tão bonito pendurado no alambrado
da varanda e canta
amo uma puta tão bacana
que se chama ana
que se chama ana





nem vem com essa sombra

ah, não nem venha se esgueirando com essa sombra que agora eu já sei dançar e enrodilhar rolar e
fingir de morta cão que se presa ladra mas não morde em tempos de juma morta eu einh esse é
irmão desse vivinha da silva que eu vou assistir de cadeirinha a banda passar e se duvidar eu toco
bumbo taco fogo toco o fodas no salão aqui não bebé eu já te saquei nesse plano de abrir as vísceras
do medo no balcão e sai da frente que é rabo e corre todo mundo pra todo lado e só fica você com o
fruto do suor do nosso rosto do nosso corpo e nós a ver navios em doze prestações ah, não nem vem
com essa sombra.










Norma de Souza Lopesé poeta, autora do livro de poemas “Borda” (Patuá, 2014), participou das antologias "29 de abril: o verso da violência" da Editora Patuá, "Entre lagartas e Borboletas" da Editora Tubac Book (e-book) e Scenarium Livros Artesanais (versão impressa) e de diversas publicações virtuais (Germina, Escritoras Suicidas, Mallarmargens e InComunidades) Vive em Belo Horizonte/MG desde 1971, ano em que nasceu. "Créditos//cabelo da mãe/olhos do pai/design do miolo/e da fachada/da vida//mas a poesia/e melancolia/é minha." Escreve no blogue Norma Din (http://normadaeducacao.blogspot.com.br/)

2 poemas de Regina Azevedo

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[o sertão sou eu]

capim seco
corta pele
atinge carne
longe gado cai, 
gado só fica em pé com água
vovó quase não conhece
terra molhada
sandália minha brilha, 
pé de solas avermelhadas
desci do salto
passeio na estrada do tempo
corpo tem necessidade 
de estar perto da alma
corpo quer morar em casa
corpo precisa adormecer 
ouvindo sua voz 
canto do galo celebra milharal
água chegando na caixa 
paredes ficam frias
afundo surda em colcha de pano
cada retalho tecido pela desistência
de um bicho
afogo muda em cílio de pavão
pés repousam na rede
chaleira geme 
capim santo 
alma despida de cidade 
dor se despede 
deixa corpo aos poucos 
chove 




corro contra o vento
vejo um cavalo
que se prepara pra atravessar a rua

paro

olho pro cavalo
enquanto ele me olha

dois homens passam
um risco
entre nós
e gritam “gostosa”

eu quase caio
o cavalo se assusta 
e nunca mais volta

vou com ele 
ser acrobata e não gostosa
catarata e não gostosa
dálmata e não gostosa
geneticista e não gostosa
gaivota e não gostosa
pateta e não gostosa
otimista e não gostosa
passeata e não gostosa
ultravioleta e não gostosa
violonista e não gostosa
poeta e não gostosa

ser cavalo
além de gostosa





* * * 


Regina Azevedo é uma poeta brasileira nascida em Natal-RN em 2000. Autora dos livros "Das vezes que morri em você" e "Por isso eu amo em azul intenso", além de fanzines e outros projetos. Mantém o site www.reginazvdo.tumblr.com



10 poemas de Diniz Gonçalves Júnior

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   Imagem: Marcus Prado


                                                    


Atos


I

palhaços sem
cartas na manga
mascaram misérias
no sono dos risos



II



fim de cena
vespas de várzea
recolhem-se
atrás do espelho





 *


não fui ao parque
eletrônico futurama 
trem-fantasma de
papelão calendário
enferrujado dublagem
de abandonos moldura
de lona na arena
de areia rasgada




*


será de que sorte
o pano do mágico
caiado de estrelas


uma coleção de farsas
espie, disfarce
truque ou invento


atirador de facas
plásticas finca a
esfinge no castelo
de cartas






Santos


Entre alamedas de tempos, litorais no geometrismo das calçadas. Sargaços nos labirintos de Ariadne. O modernismo do prédio Verde Mar, arquitetura dissidente. Porto, presença impregnada nas pedras vitricidade translúcida dos corais. Carnavais, marés de recordações reinventadas ao som de marchinhas antigas. Edifício Planeta, pastilhas nas paredes, corredores intermináveis na desmelancolia juvenil.




Estrada Velha


carrinho de
rolimã tira
lasca da ladeira
uma dança em
ziguezague quase
queda à beira do
meio-fio cáries do
ar constelações de
estilhaços caminho
da boca do mar





                                                       Imagem: Erik Jahanson




Dona Cândida


existe um jardim perto dos domínios de concreto
inventário de mapas de infância
poucas plantas, um muro e a mesa
decorada com toalhas brancas
tramadas ao cair da tarde




 
Artacho Jurado


o desenho 
brinca nos vãos
cor que veste o
espaço esquadro
aéreo de latitudes
moderno no traço de
tinta ordem que desafia 
a geometria invento 
solando improvisos uma 
respiração do mar




Monte Serrat


a letra de Itororó inicia a escada
traça sua geografia cortando
a vila que lembra Noel insolação
na manhã atlântica avista a capela
e o cassino desativado entre vitrais
do salão panorama de mapas
e mirantes diluídos em 360 O 





Ifá


não apague a passagem do tempo
flor de ventanias colhidas no dia
lago de narciso, beira de abismo
nas contas do colar; ifá




*


no filme de Wim Wenders os peixes moram no deserto
as bandeiras estão sempre escondidas no porão
as cores desbotam em velhas máquinas de lavar
a vida é um fio trapezista na fronteira do Texas
as mulheres usam jeans com remendos amarelos
os anjos de gesso não são esculpidos por Aleijadinho
os aquários estão cheios de areia
os camaleões vestem sempre a mesma pele



                                   


 
Diniz Gonçalves Júnior (Diniz Antônio Gonçalves Bala Júnior) , nascido em 1971 , paulistano. Autor de “ Decalques “ e “ Concha Acústica , tem poemas e artigos publicados em diversos jornais e revistas. Filho e neto de comerciantes lamenta não ter tino comercial, sua única vocação é ser marinheiro de aquário.





 



 


 






5 poemas de Del Candeias

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Ilustração: Alexander Bazarin



SONETO FORA DE MODA

Quem vê, Senhora, claro e manifesto,
O céu escuro, de pérolas repleto,
Cuida saber a casa vendo o teto,
Tenta conhecer a alma pelo gesto.

Sente acender a chama do protesto,
Quem tenta percorrer caminho reto
Mas cuida que ele é vão, torto ou incompleto:
Conhece no correto o desonesto.

Mas amor não se vê nem se conhece;
É dia ensolarado que anoitece;
É casa descoberta: é a alma a trair.

Tanto mais sua chama arde, escurece.
Seu caminho não sei quem o atravesse,
Que atravessar é entrar para sair.




LIRA 5B

Mas é esta cerveja
Que logo sorvida
O peito inflamava
E a mente aturdida
Aos ventos lançava?
Sem brisa, sem vida,
Mal ela se espuma,
O fogo apagou.

É esta cerveja?
É esta; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Não há um que seja,
Dos livros que eu lia,
Por noites vidrado,
Cuja poesia
Não tenha entornado.
Quem é que esvazia
Um livro fechado
Se não desbotou?

São estes os livros?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Tal como uma igreja
Tua alma era o sítio onde
Sempre me encontrei.
Tal teu corpo esconde
Um sítio: e eu era o rei.
Por mais que eu ronde
Os sítios que sei,
Marília mudou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

 
Ilustração: Alexander Bazarin

É DIA

É dia
há um tempo considerável.

Então é preciso fazer minha ronda

sem cavalos,
sem cães,
sem neve
e sem lanterna,

porque é dia.

Sondo o apartamento para constatar que:
a mesa é uma mesa
as cadeiras, cadeiras
e o meu sofá está desocupado.

Apelo para os livros,
mas estão em recesso.

O que é o amor senão uma mesa?
Ele existe. É amor porque é amor. E pode tanto estar vazio, quanto quebrado.

O que é a morte senão uma cadeira?
Morte é morte e eu estou aqui sentado.




Ode ao beija-flor

Meu amigo beija-flor,
A noite visita o dia
Quando mesmo no calor
Balanças a capa esguia.

Teus gestos desesperados
Lembram o esforço final
Dos que partirão afogados,
Porém flutuas sem nau.

Como, debaixo das asas,
Trazes a floresta inteira?
Semeando em nossas casas
Desde o ramo até a palmeira?

Cantas, então, na sacada...
De que batalha saístes?
Afias tuas espadas
E revoa uma ode de Keats.

Se conversar não podemos
– sentar num bar do caminho! –
Tua taça, pelo menos,
De manhã povoo de vinho.



 *
Quando eu tinha uns dez anos
Meu pai dizia:
"Vai lá, filho. Joga até o pé doer."
Eu achava exagero.
Jogava um pouco.
E marchava para casa.
Hoje devo ter a idade que meu pai tinha
Quando eu tinha dez anos.
Pego nos braços do meu filho invisível,
Bagunço seus cabelos de algodão doce e digo:
"Vai lá, filho. Joga até o pé doer".






Del Candeias nasceu e mora em São Paulo. Publicou o livro de contos Dois de Novembro (2012), os de poesia Uma dose de cortisol e uma porção de serotonina (2006) e Cantos do Ermo e da Cidade (2015), o romance A Louca (2007) e o juvenil A Flauta Mágica e o Livro da Sabedoria. Alguns de seus textos fizeram parte da Antologia M(ai)s Sadomasoquista da Literatura Brasileira, do jornal O Casulo, da revista Celuzlose, da antologia É que os Hussardos chegam hoje e da revista Samizdat. Além desses trabalhos, o autor traduziu a peça A boa alma de Setsuan, de Brecht.

8 poemas de Ingrid Carrafa

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No meio da foda,
Quando ela se deu conta do pau dentro dela, 
Pediu pra tirar.
Não alterou a voz, 
Estava calma, 
Segura de si.
Ele aconselhou-a a procurar um psiquiatra 
E foi embora.
Ela sorriu,
Brindou a solidão da cama com os dedos, 
Fez festa.
Anistiada, sem ter sido condenada, 
Gozou, como há tempos não fazia.
E desse dia em diante,
Aprofundou-se num relacionamento de amor livre (com ela mesma).
Transbordou completa
E recriou-se para o próprio prazer.




                   
“LINDA, A DOR NÃO É TÃO GLAMOUROSA ASSIM AFINAL”

Quase toda noite ela fica chapada de prozac
quando não chapa cerveja, cigarros, cocaína e homens
Principalmente homens
Não cola com um tipo específico 
Eles pagam
Ela vai
Vez ou outra ganha um corte de cabelo
sapatos
grana pra cheirar
Até ingresso de micareta da Ivete já rolou





Todas essas coisas que costumam tapar vazios
Incluindo amor desenganado e avesso ao afeto 
Ela prostitui o coração e tira a alma pra dançar
Anda dormindo
E dorme andando
Para
A dor
mercê
em sonhos
Feito personagem de García Márquez
Cem anos de solidão



                                   
Jogou na privada o livro de autoajuda
Rasgou o Herman Hesse manchado de café
Quebrou o vinil e todos os discos da Alcione
Estourou a conta do boteco
Sujou o próprio nome
Entrou nua no Tribunal de Justiça
queria acertar as contas
com o juiz do destino que a sentenciou a sentir assim
Foi presa por desacato 
Alegou loucura
Outro amor havia acabado





As putas da boate Sayonara
com cubas livres e batons borrados 
já salvaram muitas vidas na rodovia Lindenberg
As putas da boate Sayonara
já foram filhas de uma mãe que não era puta 
e suicidam seus corações todos os dias 
mártires de meia arrastão e cinta-liga 
com seus boquetes sem dentadura

                              


 A transa com o namorado do amigo 
 As moedas roubadas do cofre da minha mãe
 pra comprar cigarro
 O filha da puta que catou meu fósforo
 pra acender o cachimbo de crack
 e ainda elogiou meus peitos 
 O anal com bosta pra todo lado
 e o porre tomado e vomitado na blusa
 da ciclone do meu irmão funkeiro
 O foda-se pensado e dito alto 
 para o vizinho mórmon 
 que me viu masturbar da janela do quarto
 A foto de quatro que vazou na internet
 E me ruboriza o fato
 de escrever poesia
 e não
 sangrar





Cerco ao carrasco do corpo 
Uiva mulher liberta, 
Uiva!
Não mais derrubarão o seu templo;
O carrasco escorregou no lodo vermelho,
 Caiu com a cara putrificada no seu sangue sagrado 
E nunca mais emergiu. 
Uiva mulher liberta 
E galga com sua alma.
Não mais derrubarão o seu templo;
Os espelhos foram todos virados para a parede.




Me faz alvo dos seus olhos tristes 
Que se abrem cortina para as chuvas de março; 
Saúda meu corpo como a um velho amigo.
Te recebo com todas as portas abertas;
Entra sem tirar os sapatos,
Sujos,
Pelas andanças no mundo de uma outra mulher.
Meus mamilos furados
Enrijecidos
Entre os seus dedos neoclássicos.
 Canibal faminto,
Profana minha buceta molhada
Recém-saído de outra cama;
 Lençóis amassados
E canções perdidas.
Te chupo.
Chupo brindando ausência
De um amor em taças trincadas,
E você esporra
Na minha cara falsas promessas
Como quem dá flores para um condenado.


* * * 



Ingrid Carrafa tem 27 anos de idade e vive em Vitória/ES. Uma artista movida pela crise e pela revolta provocada pela postura de falso moralismo em relação á vida, ainda presente nos dias de hoje.
Flerta com o perigo e com os instintos primitivos.
Autora dos livros “Entre Rosas e Abismos” pela editora Penalux – 2015 e “Não joguem pedras na Geni” publicação independente – 2016.

o falus e a lingua gulosa do fauno - 12 poemas para não cantar, de Alberto Lins Caldas

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Imagem: Broken Fingaz Crew



homero

● agora vem homero ●
● esse cego filho da puta ●
● desfazendo pra nada o q a gente fez ●

● tudo q ele faz é assim ●
● como se a gente não tivesse vivido ●
● ele inventa sempre outra coisa ●

● outra carne outros ossos ●
● nem foi assim tão belo e facil ●
● nem foi assim tão terrivel ●

● como é pra ele viver ●
● com lady jane e suas putarias ●
● q é como viver com um tubarão ●

● agora vem homero ●
● esse cego filho da puta cantar ●
● as coisas dele como coisas nossas ●

● porq assim parece q a gente viveu ●
● q navegou o grande e doido mar ●
● se bateu e matou e sangrou e tudo ●

● so pra esse velho baiacu ●
● cantar o q ele delira com lady ●
● jane juntos com essa boca suja ●

● ele e essa lady jane vinda ●
● não se sabe de onde q invade ●
● os sonhos os desejos de todos ●

● agora vem homero ●
● esse cego filho da puta bebado ●
● faminto q so vem pra comer ●

● se não fosse lady jane e aquelas ●
● coxas q parecem as colunas ●
● do templo de atena homero ●

● ja teria morrido de fome ●
● porq so faz inventar mentiras ●
● como se a guerra fosse so dele ●

● como se lady jane fosse so dele ●
● como se a gente so vivesse ●
● pra terminar na lingua dele ●

● agora vem homero ●
● esse cego filho da puta e coxo ●
● mastigando panquecas de alho ●

● sei q ficara aqui com esse bafo ●
● de panquecas de alho e whisky ●
● contando historias q delira ●

● sem saber q o q se vive não se ●
● canta não se conta q o q se ●
● vive se consome some no viver ●

● qualquer dia desses vou dizer ●
● o q lady jane faz enquanto ele ●
● fica na rua cantando bebado ●



baco

● as ruinas as colunas a beira mar ●
● o velho deus baco bebado no pier catando ●
● vieiras ostras camarões crus ele ta farto ●

● ele ta gravido de posseidon gravido demais ●
● depois daquele quarto sempre juntos no porto ●
● posseidon toma conhaque como agua de coco ●

● sei q nascera um tritão bem faminto por uvas ●
● um tritão louco por conhaque negro e vinho ●
● mas baco tão besta não sabe dessa gravidez ●

● tão grande tão volumosa q devem ser 2 ●
● tritões q nadam ali no vinho gravido de baco ●
● olhando apenas gordura nessa barriga baleia ●

● sustentada por essas pernas magras de bode ●
● porisso baco grita q venha !o vinho !o vinho ●
● se baco soubesse o q eu sei ficaria puto ●

● violento de loucura contra mim e posseidon ●
● q ta inocente porq foi baco o sedutor ●
● qualquer hora dessas chega o caso pra mim ●

● como sei tudo e não tremo em espalhar ●
● vou por a culpa em posseidon e sua soberba ●
● violenta descuidada futil e perigosa ●

● depois vejo o q acontece com esses 2 ●
● não é a primeira vez q posseidon devora ●
● minha casa com esse mar idiota e monotono ●

● o bom disso tudo é ouvir toda tarde os meninos ●
● berrando !baco !baco ?quem te emprenhou ●
● !foi o mar !foi o mar !foi o mar q te enganou ●



nereu

● sob as arvores do mangue a sombra ●
● os caranguejos devoram a carne gravida ●
● de ophelia a nossa puta rueira berrou ●

● sozinho da birosca filoctetes bebado ●
● desesperado depois do sonho terror de quem ●
● dorme assim sempre em guerras bem antigas ●

● ophelia nossa rueira repetiu filoctetes ●
● tomando agora alguns goles dessa agua fria ●
● q os caranguejos mijam riu filoctetes em pe ●

● rosnando se não fosse nereu o filho de ophelia ●
● os caranguejos não saberiam a diferença ●
● entre carne de mãe e carne de filho ●

● ophelia e nereu agora sabem o mangue ●
● a sombra a fome louca dos caranguejos depois ●
● das enguias depois da treva nos ossos ●

● anfion precisa ver essa merda toda ophelia ●
● e os caranguejos ophelia na sombra salobra ●
● do manguezal ophelia gravida de nereu ●

● de qualquer maneira restara sempre na praia ●
● os espetinhos de carne de porco de ulysses ●
● nossa ratazana q não se sabe e não se cala ●

● com as cervejas geladas da birosca ●
● se não fosse isso diz filoctetes inda tonto ●
● a morte de ophelia e do filho nereu seria ●

● uma merda daquelas q azeda nossa bebida ●
● arruinando dias e noites sem fim noites cruas ●
● q terminariam sempre na perversa hora ●

● quando anfion chegar e eu disser tudo isso ●
● tamos fudidos tamos lascados e o deserto vira ●
● como se fosse a boa e velha torta de maça ●



leite

● ?quantas vezes as ondas e nada desse mar ●
● isso q bate nas pedras como se batesse na carne ●
● geme aquiles depois de heitor nos meus braços ●

● a coisa nua a coisa toda o resto de sangue ●
● nem bem as xotas borbulham jamais o gozo ●
● so a morte calipso com o velho esquecimento ●

● basta ver ali o templo de dioniso aos pedaços ●
● o marmore podre rodeado pelos sargaços secos ●
● nos ovos de maçarico nenhum futuro calipso ●

● nem os espetinhos de carne de porco de ulisses ●
● nem as cervejas do bebado filoctetes e seu gelo ●
● so o mijo dos caranguejos e a lama do mangue ●

● q comeram ophelia e o filho dela nereu dentro ●
● da idiota puta rueira ophelia q teve com anfion ●
● um quase nada q lhe encheu as fuças de nereu ●

● nem bem os barcos saem de manhã cedo ●
● seguem a merda no rubro fio de mijo ●
● mar adentro como um caminho ●

● pois não ha peixe q não coma dessa merda ●
● q todos os peixes meu senhor tem gosto agora ●
● de merda com cheiro de mijo e so fazem boiar ●

● aqui so nada quem não sabe desse mar ●
● q nos envolve como uma mãe q mata os filhos ●
● com esse leite negro com esse leite amargo ●



cloaca

● é a cloaca meu senhor ●
● o q estraga o mar e a maresia ●
● o q desvia o olhar das carnes de medusa ●

● nem o verde nem o azul nem as ondas ●
● meu senhor so a cloaca q aqui se desata ●
● tão amarga tão fria tão perversa meu senhor ●

● aquela entre os espetinhos de porco ●
● de ulisses a birosca do bebado filoctetes ●
● e o mangue onde ophelia foi devorada ●

● mas saiba meu senhor q as carnes de medusa ●
● continuam as mesmas de seios fartos e a bunda ●
● q é uma ode a todo desejo q penetra e goza ●

● é a cloaca meu senhor ●
● mas os negocios vão sempre bem demais ●
● q tudo muda menos o grande lucro ●

● o grande bem meu senhor q vem de medusa ●
● com todas as suas sereias e seus bodes negros ●
● ela inda consegue nos endurecer em pedra ●

● aquiles vive bebado comendo camarões ●
● sempre faminto nas tetas de medeia q aquele ●
● não se sacia nunca nos peitos de medeia ●

● ao mesmo tempo mastigando lulas e camarões ●
● como se o mundo fosse de peitos e camarões ●
● como se o pau de aquiles fosse de fantasia ●

● é a cloaca meu senhor ●
● q vem desde dentro da cidade atraves ●
● da muralha e se despeja no mar como medusa ●

● 1 cerveja meu senhor são 5 duras moedas ●
● 1 cafe com miolos secos 1 ovo e queijo rubro ●
● é bem mais do q uma das sereias de medusa ●

● q leva todo mundo na coleira e faz o q quer ●
● porq todo mundo gosta de ser domado e seguir ●
● os q dizem poder os q mentem os q violentam ●



anfion morto

● de mim pra mim ●
● grito ta todo mundo fudido ●
● todo mundo lascado e muito mal pago ●

● filoctetes ta mais bebado q antes ●
● ulisses não vende mais os espetinhos ●
● de porco com sal do himalaia e alho ●

● a gente aqui feito craca e telha ●
● vendo a agua trazer e bater com gosto ●
● o corpo morto do nosso anfion ●

● do nosso menino pescador q andava ●
● sobre as aguas falando com os peixes ●
● pedindo perdão aos peixes pela morte ●

● isso é uma porra isso é uma merda ●
● agora esse mar q não nos olha e bate ●
● como se fosse mãe como se fosse tolo ●

● esse mar não alimenta sem violencia ●
● agora nem o peixe de anfion morto ●
● ele não sabe q não havera o peixe ●

● de mim pra mim ●
● berro agora é a hora da fome ●
● sem anfion não havera o q alimenta ●

● a loucura contra as ondas ●
● o riso com filoctetes bebado as horas ●
● roubando os espetinhos de porco ●

● correndo de ulisses com a toalha ●
● aberta sobre as vergonhas toradas ●
● nem o choro com a morte de ophelia ●

● com o sem ser de nereu com as linguas ●
● de osiris sim o nosso peixe tostadinho ●
● verduras e folhas e ervas da plantação ●

● de anfion q lutava com tubarões ●
● q tragava a lama q nos invade q ria ●
● como se fosse pai e cuidava de nos ●

● agora como se a gente fosse seus filhos ●
● ele sera sempre lembrado e logo logo ●
● sera como se não tivesse existido ●



baleia

● essas gaivotas tão famintas demais ●
● depois q a baleia encalhou na praia ●
● elas devoram viva a boa carne branca ●

● enquanto ela se debate sonhando abismos ●
● mas temos q convir q as gaivotas q a fome ●
● das gaivotas e essa areia toda é bem menor ●

● q a dor da baleia é menor q todos nos ●
● porisso temos bebido demais nossa cachaça ●
● de milho nosso rum nosso conhaque e tudo ●

● q nos tem caido nas mãos porq ficamos ●
● aqui olhando esses meses todos se debater ●
● a brancura da baleia e a fome das gaivotas ●

● de vez em quando levamos pra baleia ●
● branca nossa cachaça de milho q ela bebe ●
● toneis como se a cachaça fosse agua ●

● assim ela nos tem cantado profundidades ●
● q não podemos compreender mas é bom ●
● quando ela nos canta porq o mar ●

● parece adormecer e nos esquecemos ●
● nos e a baleia branca da cachaça de milho ●
● q é tão dificil fazer nesses tempos ●

● rimos com ela e ela ri ate bem tarde ●
● enquanto as gaivotas dormem de barriga ●
● cheia e o sol não aparece queimando ●

● a pele branca demais da baleia tornando ●
● furiosas no pleno dia as gaivotas e sua fome ●
● sem fim mas as horas acabam e a noite vem ●

● como um descanso pra baleia quase morta ●
● porq restam toneladas de carne ate ela ●
● morrer se bem q muitos acham q ela ●

● não morrera ela ficara assim viva e branca ●
● eternamente com essas gaivotas famintas ●
● bebendo alqueires da nossa cachaça de milho ●

● se for assim precisamos nos acostumar ●
● com a baleia encalhada com a fome ●
● sem fim das gaivotas e com a sede ●

● da baleia por nossa cachaça de milho ●
● isso tudo nos tem tornado bem furiosos ●
● porq não ha trabalho q chegue pra fazer ●

● a tanta e boa cachaça de milho q é preciso ●
● pra saciar a baleia e a cada um de nos ●
● com a fome sem fim dessas gaivotas ●

qualquer dia desses começamos tambem
a comer a carne branca a carne vermelha
dessa baleia como comem as gaivotas

quem sabe assim um dia a gente consegue
acabar logo com essa baleia sem fim
livrando nossa fome e nossa cachaça



marcado

● pelos dentes mastigava tabaco negro ●
● depois cuspia porq os labios tão rachados ●
● a saliva parece o estomago dum ouriço do mar ●

● os cabelos bem ralos caem entre os dedos ●
● nos dedos as unhas tão rachadas por destempero ●
● na cara inda se sente a nausea de todos os dias ●

● faltam as pernas talvez devoradas por tubarões ●
● no peito encontramos bem no lugar do coração ●
● estrelas do mar enroscadas entorpecidas ●

● peixes pequenos comeram a ponta dos dedos ●
● peixes maiores devoraram os olhos o nariz ●
● as orelhas e o sexo q deixou entrar enguias ●

● no braço esquerdo ha uma marca nitida e rubra ●
● q é um coração atravessado por uma flecha ●
● sintoma de mal gosto e duma vida ruim ●

● com certeza era estivador aqui no porto velho ●
● não so pelos musculos mas porq é conhecido ●
● por se meter em arruaças e crimes e tolices ●

● inda não sei o caso mas a idiotice ●
● quer saber como morreu esse caveira ●
● so não sabemos porq a idiotice ●

● se interessa por uma coisa dessas ●
● um sujeito desclassificado q foi devorado ●
● como manda a hora de todos os perdidos ●



ode

pobre filoctetes com aquela perninha
minguada de caranguejo e aquela boquinha
de menina em plena floração e o arco duro

quantos dias perdidos quantas noites inuteis
naquela caverna idiota a beira mar e a fome
agora meu filho são os dias da branquinha

ali vendendo pra quem quer deslembrar cinzas
q toma conta dos arredores e dentro sempre
como uma cobra basta ver a cara de ulisses

basta comer um daqueles espetinhos de carne
de rato pra sentir o q é morrer jogando
as tripas pelo ralo e uma vontade da porra

de morrer ouvindo o filho da puta do ulisses
rindo la fora e o covarde gritando pro mundo
quem não é forte nessa vida se lasca se fode

basta ver os poderes do deus do mar todo dia
aqui mesmo diante dos nossos olhos e tocar
esse poder pra saber quem venceu filoctetes

ou tocar de cada coisa as cinzas q foram
brasas o q tava disposto a ser e não foi nada
porisso meu idiota esquece isso esquece

q esquecer é o melhor esquecer é a vida
quando vc notar nada sera como se queria
e vem a brisa do mar lembrando esse vazio



ariel

é certo q ariel foi morto
q ariel morreu como naufrago
em sua banheira antes da meia noite

quando o imortal e sempre jovem aquiles
arrombou a porta e encontrou ariel
afogado como se tivesse ido pra troia

porq vcs sabem q em troia aquiles o nosso
imortal aquiles não morreu como canta
aquele cego velho maldoso e linguarudo

q o nosso aquiles inda vive entre nos
bebendo sem parar seu conhaque velho
como se a vida fosse infinita e boa

é preciso q se diga q ele jamais
ficou bebado jamais andou como bebado
jamais falou como bebado como filoctetes

esse sim vive bebado como gamba
desses gambas das lorotas idiotas do cego
o mesmo q espalhou q nosso aquiles

sim nosso aquiles era imortal q aquiles
morreu em troia mas isso sim é trolha
burla vergonhosa e deslavada mentira

se não fosse a morte de ariel
na banheira q aquiles esfacelou na rua
como louco ele não saberia o q é sofrer

se bem q ele passou a beber no cranio
aberto de ariel com uma sede sim e sim
essa mais q infinita e bebado aquiles

tem passado seus dias aqui entre nos
numa conversa sem muro com filoctetes
sobre a viscosa metafisica dos mangues



caminhando

● nem as cinzas ●
● digo pra filoctetes bebado ●
● com aquele pe de caranguejo sobre a tartaruga ●

● tambem sempre bebada ●
● pois sabemos q se viciou em conhaque negro ●
● q o safado da pra ela desde q era uma casquinha ●

● depois me curvo com minhas pernas finas de bode ●
● sussurrando pra tartaruga bebada bem serio ●
● nem as cinzas ●

● nem as cinzas ●
● eu berro pra ulisses assando os espetinhos de carne ●
● de porco como se fosse carne fresca de porco ●

● sei q ele me olha com aquele odio de covarde ●
● com aquela inveja de covarde com aquela lingua ●
● impotente de quem nunca levantou o pau ●

● sei q ele sabe mas ele diz apenas são de porco ●
● porco fresco porco do melhor e eu repito ●
● nem as cinzas ●

● nem as cinzas ●
● eu digo gritando na cara de aquiles berrando ●
● porq ele se assusta porq ele ta bebado e chora ●

● rodopia sobre os velhos calcanhares mortais ●
● parecendo fugir mas ele para e diz é a vida ●
● se não fosse assim ariel tava vivo e eu tambem ●

● sei q isso é so mais um drama ridiculo do dia ●
● enquanto olham e balançam a cabeça eu digo ●
● nem as cinzas ●

● nem as cinzas ●
● eu digo quase paralisado pra medusa quase nua ●
● com aqueles peitos duros aquelas coxas tudo ●

● q pode matar um fauno mas eu viro os olhos ●
● q essa carne não é pra mim como não é a carne ●
● das sereias de medusa nem o rum nem o vermute ●

● nem o conhaque q ela serve no nosso puteiro ●
● o q brilha a noite todo enquanto eu digo pra mim ●
● nem as cinzas ●



osiris

● é de mim comer linguas ao molho de coco ●
● servido com favas do mar e musgo irlandes ●
● diz osiris sempre bebado chato e violento ●

● lingua de cobra lingua de merluza linguas ●
● de gaivota lingua de lontra com limo de nos ●
● linguas com vinho rubro bem acido e velho ●

● depois dizem q enlouqueço q deliro e não sei ●
● do mundo esse nada essa porra esse engano ●
● a coisa dessa viagem q termina sem se saber ●

● lingua bem cozida q isso vai e vem é o mar ●
● não a terra não o troço q é cheio de gente ●
● vindo do inferno vindo da puta q nos pariu ●

● q se não cortar as linguas e não comer ●
● os ossos estragam a pele apodrece e cai ●
● os olhos não veem as orelhas não escutam ●

● foi porisso q fui pro mar diz osiris bebado ●
● como a tartaruga tonta do bar de filoctetes ●
● fui pro mar porq aqui não ha travessia ●

● fui pro mar fugindo do sangue q fiz correr ●
● do sangue q bebeu o mesmo leite q bebi ●
● terra puta perversa e gravida de servos ●

● foi no mar a alegria de devorar as linguas ●
● linguas de peixe voador linguas de baiacu ●
● linguas de baleia q a vida não da conta ●


● sabemos q osiris mente demais q osiris ri ●
● de todos nos como se osiris fosse o rei ●
● q jamais nos larga pai mercador e violento ●

● porq osiris não brinca osiris sabe o q fez ●
● osiris matou o irmão e comeu a lingua dele ●
● osiris tem essa fome sem fim uma fome ●

● q so deseja linguas so deseja o mar o mar ●
● inteiro o mar e tudo q no mar tem lingua ●
● na terra osiris tambem deseja linguas ●

● mas na terra osiris tem nojo das linguas ●
● bem bebado ele diz toda lingua na terra ●
● tem o gosto da lingua negra do meu irmão ●


● quando acorda estranha o bar de filoctetes ●
● pois é num barco queu devia viver e sai ●
● batendo mesas e cadeiras com tristeza ●

● com furor arte e destreza de iguana ●
● tanto q parece jovem parece outro parece ●
● q vai dançar a qualquer momento e vai ●

● porq de repente osiris começa a dançar ●
● depois fica olhando o mar derramando ●
● lagrimas de crocodilo marinho ele diz ●

● voltando pro bar de filoctetes sedento ●
● do whisky e do conhaque de filoctetes ●
● mas filoctetes sabe q ele depois morre ●

● de tanto contar a historia das linguas ●
● como se tudo se repetisse sempre e so ●
● num circulo de fome diz filoctetes nu ●

● do outro lado do balcão porq o calor ●
● ta de matar o calor ja matou uns 30 ●
● esse ano diz filoctetes mais bebado ●

● q osiris dormindo num conves de sonho ●
● sim ele dorme sonhando com as linguas ●
● na erva malagueta com alface do mar ●

● qualquer hora dessas ele acorda e vai ●
● lamber com aquela lingua de gato ●
● todas as donas daqui ate o porto ●


● um dia osiris disse q comia linguas ●
● porq sabia q um dia comeria a lingua ●
● do senhor q nos torna tolos e servos ●

● a lingua do rei a lingua de deus ●
● porq todas as linguas q tão no mar são ●
● as linguas do rei linguas do senhor ●

● q somos tolos e servos disse osiris ●
● com aquela fome sem fim a colera ●
● o rancor a dor doida de corno ferido ●

● é bem verdade q depois de bebado ●
● tombou com filoctetes os dois desabados ●
● por 3 dias e 3 noites e q silencio ●


● é verdade q nenhum de nos acredita ●
● nem em osiris nem em filoctetes ●
● q cada um de nos fala escondido ●

● pelas costas de osiris velho idiota ●
● velho imbecil velho ridiculo e tonto ●
● vive como se fosse mais do q pode ●

● com isso de comer linguas com isso ●
● de mentir bebendo igual um lacrau ●
● esse merda parece q é dono do mundo ●

● parece q sabe de tudo e mente demais ●
● pra esconder a roupa rasgada a fome ●
● não de linguas não desse mar o mar ●

● sim a fome de quem não é a fome ●
● de quem não tem a lingua de quem ●
● prefere ser assim como fosse morto ●

● isso dizem alguns e toupeiras repetem ●
● q não passa dum bebado so e vazio ●
● por mim vejo escuto e apenas penso ●

● me calo porq não tenho lingua ●
● não tenho porq cortaram porq sim ●
● dizem rindo os q devoraram a lingua ●

● q foi minha a lingua gulosa q não disse ●
● as dores nem chegou aqui onde tamos ●
● perdendo tudo de tudo e essa lingua ●


● q essa terra não sustenta furia e furor ●
● urra la de dentro acordando fulo osiris ●
● saindo do bar todo rubro possesso e acre ●

● q essas linguas são de trapo essas porras ●
● não falam nada não se revoltam so chiam ●
● como rolo de cobras e so bodejam ●

● tudo grosso tudo rabo de cão sarnento ●
● berra osiris agora pela rua se debatendo ●
● todos gordos demais todos ratos de porão ●

● um assobia o outro rosna e ninguem fala ●
● depois osiris na praia esmurra o mar o mar ●
● bate no mar o mar berra e so fazemos olhar ●



________________________________________________________________

Alberto Lins Caldaspublicou os livros de contos “Babel” (Revan, Rio de Janeiro, 2001), “Gorgonas” (CEP, Recife, 2008); o romance “Senhor Krauze” (Revan, Rio de Janeiro, 2009) e os livros de poemas "No Interior da Serpente" (Pindorama, Recife, 1987), “Minos” (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2011), “De Corpo Presente” (Íbis Libris, Rio de Janeiro, 2013), “4x3 - Trílogo in Traduções” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2014) com Tavinho Paes e João José de Melo Franco), “A Perversa Migração das Baleias Azuis” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2015). Blog: www.poemasalbertolinscaldas.blogspot.com.br

Trafikantes de genoma2 - Cátia Cernov

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Todos s dias
Penteio meus cabelos
Perfumo meus seios
E pinto a boca
Praq’eu pareça ter genes limpos

Preciso kopular
Eu korpo tenho fome
É selvagem meu cio
Vim farejar o DNA doutros lobos
Mas só vejo cães domésticos

Vejo o mesmo qens jornais
dentrodsse bar
Bocas limpas/sorrisos artificiais
O Mercado/a guerra contra o korpo
aeugenia/ tantas vírgulas
Tenho medo de psicanálise!

Posso sair sozinha deste bar
Esquecer o sexo
/drepente sair livre d tesão industrial/
/escapar dessa linha dmontagem/
/qe sublime é essa liberdade/

Posso ser dama fatal
Sou curvasarkitetura
Aqiposso tertds esses meninxs
O alfa e o ômega em minha cama estanoite
Podem ser tds meus
Qe brutal é ter tanta beleza
e não se pode tocar
askordasduniverso
dum outro ser

Mais selvagem é meu cio afetivo
Ninguem imagina qanta bondade cabe em mim!

Posso sair sozinha dste bar hoje
Mas saibam
Qe tem um exército de marketeiros lá fora
Esperando eu ficar triste
Pra me receitar drinksalvação&Apirynas Azuis

Karrego comigo konhaqe
solidão
ea logomarca
dostrafikantes de genoma

em meu batom



Catia Cernov, escritora nômade, filósofa orgânica e produtora independente, vaga entre as cidades com seus livros de poesias e também ficção científica.  Autodidata, desertou á Academia, e mora num universo onde “É permitido delirar!” Tem 48 anos, 3 filhos, e mora em Florianopolis SC. Seus textos, ensaios libertários, contos, ficções, poemas, são fragmentos de seu universo em expansão. Ela mesmo escreve, edita e imprime seus livros, pelo seu selo Cernov Produção Independente. Já publicou na Revista Caros Amigos, Edição especial Literatura Marginal; publicou seu primeiro livro Amazônia em Chamas, contos, pelo Selo Povo, do escritor Ferrez, de São Paulo, através da editora Luzes no Asfalto. Publicou seu segundo livro “Sapiens”, ficção científica, pelo seu próprio selo CernovProduçao Independente.  Mantém um blog :Kabaré de Rosa Negra (Catiacernov9@blogspot.com)  e suas poesias estão fragmentadas em páginas de rede social em:

HÉLIOS - JANDIRA ZANCHI

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Ilustração: Linda Bergkvist



segui meus passos de principiante
de terra e água
sonífera madrugada.. ainda as claves em sol e sombra
se arrastando, miúdas,meninas louras sem nenhum desespero

- amargo é o pranto que seca e refaz, como mouro/morada/solvente de crentes
e pios parvos (sempre aparvalhados)  na sinistra e insistente tarefa da meia beata
quase santa de algumas águas – morenas moreiras e massivas manufaturas
dos cordões enviesados dos carmas .... perdão ao sacrilégio de lua e lenda

quase insano o porvir... por aqui em sistemas de fios e facínoras ficamos
fardos e labutas lentamente liquidados – labutados
sem sina e sinalização, apáticos parentes de semideuses desfeitos desfigurados
desmaiados... desnutridos demovidos e quase danificados

ao deus e aos céus cremados que das cinzas é crua e nua a forma
fornida formada de muitos entes

diácono desesperado em sua matilha/morada

é quase bem vindo o novo neo desmistificado

revisão: poente e crente, a mesma lição
o alfabeto dos sudários descorados estendido, novamente, para o pobre (o anjo)

o arco se abre e nutre de pão e hóstia o pequeno círculo de um justo
justa forma de homem ou mulher sem signos, patentes/invenções
só trigo tragado dessas estrelas, que velhas/ainda virgens


há tanto tempo moendo o esperanto e a roda e a fada e a rosa e o sangue
e a dor e o amor e a vítima e o campeão – todos tragados pela luz (fúnebre, uma entropia de outros hélios) hélice eletrizada, brutalizada,

que da pedra e do fogo é feito todo chão.





Jandira Zanchi é poeta e ficcionista. Atuou no magistério no ensino de matemática e física em faculdades, colégios e cursos. No final dos anos 80 foi professora cooperante na Universidade Agostinho Neto - Faculdade de Ciências, Luanda - Angola. Em Curitiba por cerca de dez anos esteve na FAE - Bussiness School. Como poeta publicou Gume de Gueixa (Editora Patuá, 2013), Balão de Ensaio (Editora Protexto, 2007) e o livro virtual A Janela dois Ventos (Emooby, 2012). Tem lançamento para breve de Área de Corte com a  Editora Patuá Integra o conselho editorial de mallarmargens revista de poesia e arte contemporânea

Forasteiro - Artur Ribeiro Cruz

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Ilustração: Katarzyna Napiórkowska



é março, 2001, adentro asfalto do paraíso
sucursal caipira da rua augusta onde
busco planta baixa da casa sagrada família. uma
santa goiana com olhos de são chico e bus-
to de gaudi galopa topos de tegucigalpa. no cu-
bículo etéreo em incenso e pinho sol, cus-
po pó amoníaco com mármore escarrado
das gengivas alvo-amargas. mar de zumbis 
flanam pedras e pederastas à ronda
de filhas da mãe da dig. e o disque dai-me
me abre cânticos do fio preto, cauda-
loso sob afluentes alçados ao palácio
das águas. mas bebo nas patas aracnídeas
repletas de livros e bêbados cívicos. ouça!
o apito que nina o trem ecoa voz olímpica
de júpiter, templo de gatos lambendo louça
e adolescentes a louvar ollies e ungir flips.
quanto choro represado à beira de damas
inclementes, que se perfilam, romanas,
cimentando desejos além-muros. ó são josé, santo de pendão,
despertai em nós o amor por filhos que não são nossos.
livrai-nos das acrobacias em touros de cnossos.
e se faltar oração nutrida e coerente, se o rio
preto for daqui em diante concreto e ameaça
de enchente, possa eu, nuvem de fora, água que passa
pingar, solene, sobre as folhas secas dessas praças.



Artur Ribeiro Cruz nasceu em Sertãozinho, interior de São Paulo, em 1981. Mudou-se para São José do Rio Preto para estudar Tradução na Universidade Estadual Paulista, onde também desenvolveu mestrado em Literaturas de Língua Portuguesa. É professor de linguagem na educação básica e no ensino superior. Dedica-se também ao estudo comparado entre literatura e cinema, área em que desenvolveu pesquisa conjunta, nos anos de 2002 e 2003, intitulada Cinema e literatura brasileira: problemas de transcodificação, interferência e recepção. Em 2009 publicou, em coautoria com Antônio Manoel dos Santos Silva, O cineasta e a margem do rio imaginário (Arte e Ciência Editora), resultado de estudo comparativo entre as obras de Nelson Pereira dos Santos e Guimarães Rosa.  Publicou, em junho de 2015, Semanário do Corpo,  pela Editora Patuá.

Lançamento em Curitiba de "Sob a Ótica de Eros" de Elciana Goedert

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Local: Paço da Liberdade, a partir das 14 hs.



JOGOS VORAZES

Eu te proponho
Sentimento raro
Roçar de corpos
Noites em claro

Eu te proponho
Suor e devaneios
Arrepios e calor
Se perder entre meus seios...

Eu te proponho
Sensações em profusão
Cumplicidade
Desejo e diversão

Eu te proponho
Carinhos sem medida
Orgasmos delirantes
E de brinde uma mordida...

Eu te proponho
Desafios e aposta
E vou avisando
Aceito contraproposta!



VIRTUAL

Olhos fixos na tela
Parece senti-la ali
São dele os dedos nela
Só ela causa tal frenesi

Uma erótica aquarela
Uma pintura de Dali
É dele a flor mais bela
Dele também cada rubi

Numa sucessão de esperas
Não cansa de admirá-la
Como deseja tocá-la!

Ninfa de suas quimeras
Liberta todas suas feras
Mas não o deixa domá-la




Elciana Goedert (Ciça) é natural de Ivaiporã, interior do Paraná, e reside em Curitiba desde 1996. Professora de Biologia (UEPG) com especialização em Tecnologias Educacionais, participa de diversos movimentos literários curitibanos, como o Coletivo Marianas, CuTUCando a Inspiração, grupo Escritibas na Rua e Sarau Popular. Publicou: Eu e a Poesia - Editora Maple (2014)  Participou das Antologias Poéticas: CONCURSO NACIONAL NOVOS POETAS 2012 - Prêmio Sarau Brasil; I Antologia da Confraria da Poesia Informal – 2013,II Antologia da Confraria da Poesia Informal – 2014, Poesias Escolhidas Vol. II: O Melhor de Mim - Ed. Poesias Escolhidas – 2014, Elas São de Marte - Mulheres Sem Censura – 2015,III Antologia da Confraria da Poesia Informal – 2015, Conexão: Feira do Poeta – 2015, Folhetim dos Poetas Malditos – 2015,
<http://elciana-descobrindoquemsou.blogspot.com.br/>

Olimpíadas Poéticas - Paulo Vallim

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POESIA NÃO É ESPORTE

Os esportistas
têm idade limite
de desempenho,
inclusive os jogadores
de xadrez.

Os poetas
continuam escrevendo
após envelhecidos;
não há, pois, motivo
para competições.

Quanto a mim,
só escrevo
por esporte.


       
SEM TÍTULO

acertaram
o calcanhar de aquiles
da Seleção
calcanhar de Sócrates
na Copa de 82.


          *     *     *


gostava tanto
de jogar bola,
que chiou
aos 45
do segundo tempo.

era cedo demais
para o chuveiro,
mas o árbitro
é quem manda ali,
esse filial da mãe.






lá vem
o embaixador
do futebol
com suas
embaixadas.


          *     *     *


na partida
de faltebol,
até o armador
foi parar
no estaleiro.


          *     *     *


O VIGIA NOTURNO

sua única companhia
é o radinho de pilha.

o rádio fala fala fala fala
e não escuta.

quem precisa
de pessoas?


      


calçou
os pés de pato
e fundo
mergulhou.

os patos
na superfície
permanecem.

Deus,
a quem
mergulhar
não sabe,
pés de pato dá.





esses meninos
mal se conhecem
e já brincam
feito velhos amigos.

jogam bocha,
damas, carambola,
biriba, pif-paf,
trilha, víspora,
desafio, dominó.


          *     *     *


O LUTADOR DE MMA

com um joelhaço,
o lutador de MMA
detonou o crânio
do adversário.

não foi punido;
ainda ficou com a vitória
e a grana.

esporte
que não tem falta,
é esporte
que não faz falta.


          *     *     *


não mediram
esforços

quando mediram
suas forças.


          *     *     *


esforço
físico

no banheiro
químico.


          *     *     *


A TOCHA EM CURITIBA

só quiseram
a tocha olímpica
apagar

porque o fogo
no circo
não lograram
fazer pegar.





OLIMPÍADAS CARIOCAS

às vésperas
do início dos jogos,

a definição
de quem será
porta-bandeira
no desfile
de abertura;

nada se falou
sobre o mestre-sala.


          *     *     *


O HISTORIADOR DO PRESENTE

Não fui para o Rio
ver a abertura dos jogos.

Estou sem TV em casa
e nem em casa
eu estava.

Cheguei a tempo
apenas de ouvir
o radialista emocionado
com o que
eu acabara de perder.

Perdi.

Vou coletar
depoimentos,
pesquisar vídeos,
reportagens,
revistas e jornais
da época;

terei de me contentar
com as fontes primárias.



    

O FUTURO DO ESPORTE

Os esportistas
de alto rendimento
fazem insanidades
com seus corpos.

Não há futuro são
para os esportistas
que lutam
por altos rendimentos.

O futuro do esporte
está no esporte
praticado por esporte;

o futuro do esporte
está no esporte
sem futuro.


Esculturas :  Jens Ullrich.     




Paulo Roberto Pereira Vallim nasceu em 1962 em Curitiba, onde mora. Somente em 1987, aos 24 anos, começou a arriscar seus primeiros poemas, que rapidamente repercutiriam em alguns concursos. Em 1991, contudo, começava a uma crise criativa que só terminaria em junho de 2014, graças ao incentivo do poeta Geraldo Magela Cardoso. Depois apareceram outros apoiadores, como os poetas Márcio Davie Claudino e Jandira Zanchi.  Foi publicado em antologias de concursos, nos jornais Correio de Notícias, Folha de S. Paulo e RelevO, além desta  quinta participação na revista Mallarmagens.  A partir de agosto de 2015 passou a participar de alguns saraus, o que certamente gerou consequências nos textos. Atualmente está começando a fazer experiências com áudios. 

O lagarto-planta de Wladimir Cazé - poema

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O lagarto-planta

Lagarto leva o dia
tatuado nas costas,
roupa cor da pele.

Tem estilo versátil
durante a tarde toda:
réptil não se repete.

Logo ao sol que esquenta,
as vestes mais não mexe,
fica atrás da folhagem.

Mudo, quieto e terrestre,
passa para quem o vê
por ser parente de plantas.

Camuflado na grama
carcomida de escamas,
é parte da paisagem.

Devagar sai da sombra
para perto da água
se sede tem de onda.

Se mestre se quer
de uma língua contrátil,
finge fome ágil,

fisga num visgo
insetos sem aviso.
Se alimenta de antenas.

Fixa o olho no céu,
comanda o desenho
imprevisto das nuvens

através do deserto,
dirige quando a noite vem
se deitar sobre as pedras,

escorrega nas trevas
(carregado de cores)
para dentro da terra,

onde é guarnecido,
aninhada na cauda
a manhã inicia:

lagarto tem o dia.

***


Wladimir Cazé publicou os livros de poemas Microafetos (2015) e Macromundo (2010) e os folhetos de literatura de cordel A filha do imperador que foi morta em Petrolina (2004) e ABC do Carnaval, 2009.

Ilustração : Gravura de José Francisco Borges


6 poemas de Mari Becker

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O amanhã é um estranho
com as mãos nas minhas pernas.




A tua imagem tinha
Mil quilômetros cansativos e
Rasgados 
Meus dedos foram
Infectados pela cinza 
Do teu esqueleto ressentido
Não seja assim tão estúpido
Existem sementes inchadas
Dentro dessa tua boca
Esperando pela cirurgia confusa
E misteriosa da ignorância
Nas ruas comemoram
Alguma caveira florida
Eu recorro ao silêncio
Eu recorro a oportunidade
Perdida do silêncio
Não há magoa na medula 
Molhada do osso
Eu recorro a carne esquecida
Pelo sono como quem
Não pudesse amar com os
Pulmões sugando cinzas
Estelares poeiras de outros
Cadáveres
Eu recupero o silêncio
De dentro de um liquidificador
Ruminante e asqueroso
Um javali dorme na minha cama
Ronca sonha pensa em 
Absurdos desprovidos de poemas
Como recorrer ao silêncio
De um bicho que dorme.





Imagino deus entediado. Imagino-o acima do peso. Imagino-o no meio de seu ataque cardíaco: toda espécie de flores caindo de suas mãos. Imagino um animal de pupila dilatada - jogando fora poemas. Imagino-o na luminosidade de uma veia rompida: o mundo está aberto - fatiado - como uma ferida entre as pernas de uma mulher - imagino-a sangrando - um animal entediado no alto de sua isquemia.






Tão cansada que os pulsos se afogam aquáticos - o suicídio tem a temperatura do banho no inverno - tão cansada que abraçaria emily durante seu exorcismo - as xamãs respiram palavras boca a boca suas línguas umedecem a raíz de todo homem - tão cansada que o sonho levanta suas paredes em retinas dilatadas e eu mergulho no flash de uma fotografia queimada - suas bordas ainda em chamas iluminam os rostos dos homens acidentados - a água vai embora pelo ralo e eu digo: se puder parta, antes de morrer quero dizer que parti.




Há todo tipo de breguice e todo tipo de álcool
tricotando alucinações acerca de uma 
trepada sem gozo, há todo tipo de fruta podre
caindo dos pés dos poemas, me alimentaram com
ares noturnos de suicídio, azulejos fofoqueiros, 
cápsulas impotentes, durante a noite toda a palavra
é um circuito elétrico atravessando o coração, 
eu não quero tomar banho na tua casa, sair do banho
é sempre estar pronta para morrer, limpa e quente, 
e com o peito cheio de perdão, eu não estava 
no ponto, não estava manchada o suficiente no rosto
esta respiração não é a minha, esta tristeza não é a tua, 
toda história nossa história é cítrica, uma avenida 
sem fim, sem lados, uma avenida ultrapassando 
todo corpo, eu, a menor mulher do mundo, eu, 
a garota mais freak da menor cidade do mundo, 
os cabelos escuros brilhando como faróis num 
acidente, tu me dizia a palavra gentil, tu me dizia 
palavras, depois tu me dizia a palavra violência, 
a cidade era um passarinho inquieto no meu ouvido
esquerdo, no direito a bala reservada para todo tipo
de misericórdia, ou de encenação, já não conheço
a profundidade do teu sono, não meto mais a mão
no teu corpo, se ele dorme, dorme, se acorda, acorda, 
e todo o resto é desconhecido, meu lugar é sempre 
a tristeza de uma noite cujas horas se desmancharam, 
eu estou toda molhada, eu estou embebida em formol,
ou vodka, ou líquidos mágicos, esperando, esperando, 
não estou ainda no ponto de comer do poema assim
tão sem constrangimento, toda fome é uma vergonha.




Teus dedos massacram poesias, 
são apenas esquecimentos, eu mesma
derrubei centenas de florestas das mãos
somente por ter ousado te amar. 

À noite apenas durmo se me contam
histórias mentirosas acerca das abelhas
que mataram uma poeta incendiária,
uma poeta se desfazendo como quem
precisa devolver um alimento indigesto.

E deus também já me viu sentada, e também
já teve inveja da minha incompetência
eu era tão divertida quando sofria, era tão
apaixonada e teus dedos massacravam
o meu futuro de mulher soberba, 
agora eu tenho cólicas, agora tudo se dobra
ao vagalume morto, e tuas borboletas
bêbadas as três da tarde não são mais
tão bonitas vistas do alto dessa confusa
rejeição.

Ainda não cheguei ao centro, 
ainda não cheguei aos piores dos meus dias, 
sequer aos melhores dos meus dias, 
ainda não vomitei todos os vagalumes
que engoli enganada, que engoli quando
a noite era escura demais para o contraste, 
ou para respeitar os mortos, há centenas 
de palavra ruminadas pelas vacas, estas sim, 
deixam os mortos em paz, repetem os poemas, 
as esperanças, se nutrem de se saberem
mentirosas e brilhantes, e quanto a mim, 
bom, deus tem muita inveja da minha 
incompetência, só se ama nessa
condição de topázio destruído, 
ruminação azul, 
revólver azul, 
peito azul, 
os testículos do meu amor
azul.





* * * 



Marieli Adriani Becker nasceu em Passo Fundo, RS, escreve por hobby, ou seja, sobrevivência. Facebook: Mari Becker.

Poemaria - Davi Kinski

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POESIA NA REDE
Projeto Poemarial lança em setembro aplicativo gratuito para smartphone voltado para poesia, no espaço Reserva Cultural, na Av. Paulista

Em tempos de inúmeras possibilidades de o sujeito aparecer na internet, tirar selfies, mostrar o que vai jantar ou o que está pensando, por que não, usar a grande rede como um disseminador de poesia? O ator, diretor e poeta, Davi Kinski, idealizador e realizador do projeto Poemaria, vai realizar um Sarau Poético para promover o lançamento, no dia 13 de setembro, às 20h, no Reserva Cultural, na Avenida Paulista, do App DECLAMAÍ o primeiro aplicativo para smartphones – inteiramente gratuito – no qual o internauta poderá participar ativamente desse mega projeto que envolve várias ações como a realização de um longa-metragem, uma série documental – esse já em andamento -, um livro e um blog.
Logos após o lançamento, nos dias 17 e 24 de setembro, o Poemaria volta ao espaço Reserva Cultural, das 10h às 12h, dessa vez para a ministração de Aula Magna e Master Class. No dia 17 já está confirmada a honrosa presença da poetisa Adélia Prado, para ministrar o Master Class. Essa mineira que dispensa apresentações sobre sua vasta obra em prosa e poesia. Mas fazemos questão de enfatizar mesmo assim: Adélia Prado iniciou suas incursões pelas letras muito cedo. Mas só em 1976 publicou seu primeiro livro de poemas: “Bagagem”. Chancelada por Carlos Drummond de Andrade, que escreveu uma crônica sobre sua verve antes mesmo da noite de lançamento no Rio de Janeiro que, na época, contou com a presença não só dele, como também de nomes como Antônio Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho. Desde então não parou mais de produzir literatura, envolvendo-se também com teatro, intercâmbios interculturais com escritores na Europa (Portugal) e também em América Latina (Cuba).


Sobre o DECLAMAÍ

Voltando a falar do DECLAMAÍ, os vídeos feitos através do aplicativo serão compartilhados nas redes sociais e divulgados no site www.poemaria.com.br, onde abriga boa parte do projeto, que contém várias ações, dentre elas a série documental que já está sendo rodada, além de um longa-metragem, próximo passo do projeto. No dia 13 de setembro o público terá uma pequena mostra, com a exibição do teaser do blog, no qual várias personalidades declamam poesia e falam de sua relação com esse gênero literário.
O AppDECLAMAÍ vai permitir que as pessoas não só escolham um poema para recitar, como também poderão gravar sua imagem, que será dividida com outros internautas mundo afora, através desse projeto que torna a palavra protagonista de nossas vidas, o que nos humaniza, e permite que qualquer pessoa dê seu recado. Melhor dizendo, declame sua poesia. “Queremos inundar a grande rede com poesia, promovendo o primeiro Sarau Virtual em terra Brasilis. Dessa forma, queremos viralizar na internet a importância e pertinência da poesia”, vislumbra Kinski.
Para os entendidos do assunto, poesia é a fina flor da literatura. Mas também é uma ação que atesta a existência humana. Certa vez, a poetisa portuguesa Maria Tereza Horta disse que uma sociedade na qual se produz poesia é uma sociedade capaz de ser salva. De maneira que, para os realizadores do projeto, a poesia não é algo que está enclausurado nos cânones ou nos púlpitos acadêmicos, a poesia é uma possibilidade de comunicação e interação entre as pessoas. Famosos e anônimos. Comunicadores das multidões e pessoas que circulam pelas ruas e que nunca se verão pessoalmente. Porque a poesia é capaz de salvar a todos do marasmo e do anonimato dos dias comuns.


https://www.facebook.com/poemariaofilme/?fref=ts

Projeto Poemaria–
O que? Sarau Poético, lançamento do blog Poemaria e do App DECLAMAÍ
Dia: 13/09:
Hora: 20h
O que?Aula Magna e Master Class com presença confirmada de Adélia Prado
Dias: 17 e 24 –
Hora: 10h às 12h

Onde? Reserva Cultural (Complexo de Cinema, Bistrô e Livraria) - Av. Paulista, 900 - Bela Vista, São Paulo

5 poemas de Ângela Vilma

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Poderia estar em London London,
ou à beira do Rio Sena 
dizendo eu te amo.
Ainda na Itália felinniana
a pousar na Fontana di Trevi
feito Anita Ekberg.

Poderia, mais simples, 
estar em Igatu
numa caverna daquela
esquecida do mundo,
ouvindo o canto dos mosquitos
e das cigarras.

Ou no sul do País,
na Casa de Farinha de meu compadre
Akira. Poderia estar lá lhe abraçando
entre um gole e outro de poesia.

Tudo, tudo onde eu poderia estar agora
seria o ápice, a glória, a leveza.
Mas não estou. Chego a ter certeza
de que a vida é um imbróglio desgraçado

e quem se salva disso está numa melhor.





Um poema pode ser antipático
como um dia de domingo
solitário e ranzinza
Como o bate-estaca
de uma casa em construção.

Um poema pode ser chato,
grande à beça, tal qual aquela festa
cheia de pompas, em que você
mesmo convidado,
se sente um penetra.

Um poema pode ser uma peste,
comichão que dá na gente e nos afasta
de tudo; um poema pode ser 
o dilúvio: água entrando no mundo
e o mundo se acabando.

Um poema, enfim, pode ser ruim.
Indesculpável, imperdoável, insuportável.
Um poeta, portanto, pode ser um monstro
uma miséria, um defunto que não deveria
ter voltado do outro lado.





Estranha a ausência
que a morte borda:
ponto em cruz num pano
branco
todo branco
sem luz.
O desaparecimento
pleno e sem dúvidas.
O suor que não mais habita
as camisas penduradas
no cabide
As cuecas todas limpas.
Que assepsia a morte tem!
Higiênica e louca
Tira toda a marca de alguém
do mundo
com uma vassoura de bruxa.





Imagino que toalhas usarei, 
as iniciais guardadas em baús
fechados
com anáguas de renda
e espartilhos dourados.

Imagino as malas chegando
nas cargas do trem
nós descendo as escadas
de mãos dadas
roubando para sempre a eternidade.

O toque no teu rosto, minhas mãos
sem luvas, meu cabelo sem coque
meus pés sem meias.
Imagino nós dois chegando juntos
nessa estação única

onde talheres de prata nos esperam
numa mesa farta.
A alcova pronta, e num canto
o tempo que nos foi dado:
tantos séculos, passados

todos eles congelados
ali, ao lado, nos olhando:
nós dois, lírica claridade
solares, intensos...
E a música invade.






Tão fácil e tão bom -
lhe garanto -
conjugar a devassidão
comigo:
explorar suas cavernas
seus jazigos

E a ressurreição
de cada delito.



* * * 




Ângela Vilma nasceu em Andaraí-Ba, em 10/11/1967. Publicou, de poesia: Beira-Vida (1990); Poemas escritos na pedra (1994); Poemas para Antonio (2010) e A solidão mais funda (2016). Participou de algumas antologias poéticas, como Concerto lírico a quinze vozes - Panorama dos novos poetas da Bahia (2004).

2 poemas de Wanda Monteiro

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Ilustração: Sarolta Bán

 
quando chega a madrugada
a calma se esvai pelas horas
horas crescem no escuro
pálpebras em sofreguidão
fecham-se  
abrem-se


o cansaço dos músculos
sua recusa ao repouso


demônios acordam
assombram o silêncio


vem o instinto aflorado
de erguer e soerguer a fé


a oração dita
e redita como mantra


o abrir a janela
o desejo de olhar para o céu
a busca de respostas nas estrelas


a lua à espreita

insone
!
o desejo do sonho se contorce na insônia


como dormir
se a noite  é sempre encharcada de dúvidas
?



***


na fumaça dos cigarros 
há uma música triste
tons de cinza
e um aroma de nicotina

na conversa ao gozo do álcool
há um quê de esquecimento
no mofo de cada palavra cuspida no chão

há o peso da voz
línguas afogadas em impropérios
gestos trôpegos
e um salmo de risos cínicos e frouxos
riem
!
como se sorrir fosse enganar a morte

na mesa úmida de histórias
um pratos de pecado
copos de ilusão
doses diárias de anestésicos

o ranger de cadeiras sangra um chão de cinzas
e de palavras
 um colóquio de olhares sela a cumplicidade
de uma fraternidade embriagada
sentada à mesa

para negar a realidade
e vomitar sobre a lucidez

há vermelho e calor
é o escárnio da dor travestida de alegria
 subvertendo e resvalando na madrugada dos homens

é a madrugada dos homens
e o soturno de sua solidão.




Wanda Monteiro, escritora e poeta é uma amazônida, nascida às margens do Rio Amazonas no coração da Amazônia, em Alenquer no Estado do Pará, Brasil, reside há mais de 25 anos no Estado do Rio de Janeiro mas só sente-se em casa quando pisa no leito de seu rio. Publicou dezenas de seus textos poéticos na Antologia Poesia do Brasil do Proyecto Sur Brazil, participando  dos volumes IX, XI, XIII, XV. lançados no Congresso Brasileiro de Poesia no Rio Grande do Sul.  Obras publicadas: O Beijo da Chuva, Editora Amazônia, 2009, Poesia; Anverso, Editora Amazônia, 2011, Poesia; Duas Mulheres Entardecendo, Editora Tempo, 2011, Romance escrito em parceria com a escritora Maria Helena Latini. Aquatempo – Sementes líricas, Editora Literacidade, 2016, Poesia.

6 poemas de Kleber Bordinhão

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Brinque, Luciana Ferreira
Maio

ontem quis escrever uma dor
mas fosse hoje, já não podia
hoje, virou alegria
e quando tocar o papel
será heresia
será escândalo
será poesia,
não há dia que eu não tema
ficar lembrando da vida
sem viver um poema




poema das 7 fadas

quando eu nasci, um anjo
do tipo que quando diz a verdade
quase sempre mente
disse kleber,
você só vira gente
quando nascer
seu último dente
eu, bebê sisudo,
criança descrente
caguei pro anjo
e segui o expediente
hoje com todos os dentes
exceto o siso
(rebelde molar)
sigo indeciso
com um sorriso imprudente,
assuntos pendentes
        e  uma boca sem juízo



fictícias

por ela, já seria dele
os ombros se encaixavam
dormiam juntos e transavam em camas diferentes,
sonhava e chama o dia de insônia
mirou no amor, errou em cheio
tinha esperança, mas sempre acabava dormindo
tirava a aliança pra tomar banho
perdeu a fé dentro do bolso
soltou um sorriso quando a saudade apertou
chorava por hábito, sorria por educação
tinha porta-retratos vazios por toda a casa
o calendário tinha escala 1:1000
tomava sol e vomitava
bebia água benta atrás da igreja
frigia orgasmos
tatuava sorrisos
sem gelo, amor e medo, misturava vodca com água
por horas desejou apenas a mão dele
distorceu os pontos finais até se tornarem vírgulas
chegou em casa, abriu o gás, sentou
penteou todos os cabelos até sobrar nenhum
e as quatro pernas nunca mais voltaram a se encontrar



análise estática

não havia entre nós
a mínima sintaxe,
era como
se o mais importante
faltasse.
eu, puro sexual
e ela toda romântica,
eu morfológico
ela semântica



Eccentricus, Luciana Ferreira


klips

esses lábios
vezes pequenos
vezes grandes
ora únicos
outras vários
sabores úmidos
de prazeres raros
quando se põem
perpendiculares aos meus
numa cruz libertina
de jovens ateus,
tornam essa concha divina
um pecado de deus



poeta de armário

não gostava de poesia,
odiava quem lia
e quem fazia
morreu escondido
nos fundos de uma livraria
no bolso
uma quadrilha,
um poema sujo,
e planos de abrir
uma tabacaria



Kleber Bordinhão nasceu em Ponta Grossa -PR. É autor dos livros: distâncias do mínimo (TODAPALAVRA, 2010), 2010), Ano Neon (Estúdio Texto, 2013) e Fictícias (Estúdio Texto 2014), colaborador das edições do Livro Da Tribo desde 2008. Destaque pra o segundo lugar concurso nacional TOC 140 – Poesia no Twitter, realizado pela Festa Literária Internacional de Pernambuco - FLIPORTO – em 2011. Tem vários poemas musicados. kleberbordinhao@outlook.com https://kleberbordinhao.wordpress.com/

Luciana Ferreira é Artista Plástica e Professora. Formada em Artes Plásticas pela FAP. Especialista em Metodologia do Ensino da Arte pela FAP/Ibepx. Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP. Doutora em Geografia - linha de pesquisa Território, Cultura e Representação, pela UFPR. Atualmente é Professora na UFPR, Setor Litoral. Atua principalmente nos seguintes temas: Arte, Artes Visuais, Arte Contemporânea, Arte Educação.

8 poemas de Seirabeira

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Boca cheia, meia-boca

Não dei pra ele no primeiro encontro.
Já tinha me dado por inteiro antes;
em todos os poemas que nos comeram 
com a boca empanturrada de fome.




Por inteiro,
seu corpo.
Na contrapartida:
entremeios, um pouco de nervo,
até osso. 
Receio no porta-retrato
a cara metade
do seu não-rosto.
Por ora
o trato é fino, farto,
um fiapo no fictício 
e já fricciona o gozo.
Depois hora da troca, 
de desligar a partida
e o sentir
caído no poço.




À distância

Mil quilômetros
e nenhuma métrica.
A Via Láctea
no verso livre
já trafega.



Sou tua
de papel amassado
e declarações de rimas.
És meu 
sem testemunha outra,
a não ser o cheiro da tua roupa
ter ido às raias e às núpcias
com minha poesia.



Hoje sonhei com o homem do silêncio.
Ele tem os cabelos e o bigode do Leminski.
É doutor em Artes e conhece o marido de minha tia.
Dei uma volta ao mundo e acordei três vezes de madrugada
para encontrar seu rosto.
Espero que não haja tártaro nos dentes e que sua idade não conte mais de 72. Tampouco 23. Detesto os fedelhos, 
os pouco maturados
com decantação marcada para a próxima década.
Hoje sonhei com o homem do silêncio, mas ontem dei-lhe meus peitos
no tráfego da 18h. Ele tem uma língua de gato.
Uma língua ávida, um vulto que imagino na vulva e em outras vias.
Eu o senti na porta de entrada: a que se abre pra vazar os rios e os mares,
os dentes vorazes, os hematomas- souvenir
mais duradouros que os prazos de uma nova vontade.
Homem do silêncio, fala-me.




É sintoma de hospício
trazer um maço do porvir
para vir
antes mesmo de ter vindo.
É estômago perdido
a boca no copo gástrico
atrás do tempo-taça
ser apenas
surpresa que estilhaça
borda caco de vidro.
É sentinela em coisa escondida
a fogueira alta 
sobre a carne de fumaça futurista
dessa casa-estufa de todos os vermes
nos furacões com epicentro na barriga.
É a hora larga, mas à fórceps encolhida
nos olhos inchados de venda:
essa vista-esquistossomose
do olho que pouco avista.




Ao Pé da Letra

Ao pé da letra,
como faço
para cochichar
em seu coração
batido de plural,
ambivalente, ora canhoto,
ora destro,
de sentido misto, frio depois quente,
quiçá mais outra estação
onde o caminho estreito
pode ser horizonte largo
mar hoje; amanhã sertão?




Tenho pena fora da sentença
quanto a seu tipo poético:
palavra-estelionato
no afã pérfido do golpe,
uma rasteira distraída
e engole-me o calcanhar 
na verve.
Tudo em nome da lírica.
Eu afio na pedra-sabão
a lâmina 
pra cortar a jugular
da larva girina
desse ovo de margarida
que é seu poema-verme.


* * * 



Poeta brasiliense, balzaca quase loba, Seirabeira compõe desde os 13 anos. Começou a publicar nas redes sociais em 2014 (Instagram e Facebook). Escreve desde haicais a textos pornográficos. Idealizadora do sarau “Poelivre-se”, tem textos publicados na Revista Bacanal (2015-ed Nautilus) e na coletânea erótica Poesia Nua (2016). Possui poemas também em língua inglesa.


DANIELLE MAGALHÃES E MAÍRA FERREIRA: DOIS POEMAS EQUESTRES

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Um salto
(Danielle Magalhães)


hoje de manhã ouvi alguém dizer 
enquanto eu caminhava 
ouvi alguém comentando com outra pessoa 
alguém que está acompanhando os jogos
ouvi dizer muitos cavalos
desviaram ou foram de encontro 
com os obstáculos nos percursos
das provas de hipismo 
provocando a queda ou quase
muitos cavaleiros caíram 
ou quase caíram se desequilibrando 
perdendo o ritmo e o tempo e às vezes não concluindo 
o percurso 
alguns cavalos também caíram
ao irem de encontro com o obstáculo
alguns cavalos caíram feio 
um deles tropeçou 
e caiu com o pescoço torcido 
o outro caiu por cima das patas e em cima 
do cavaleiro eu achei que os dois fossem sair
muito mal mas o cara saiu andando 
e o cavalo nem parece que tinha caído
alguns cavalos foram de encontro 
com o obstáculo enquanto eu caminhava hoje de manhã 
alguém comentava com outra pessoa 
alguns cavaleiros caíram feio 
ou quase caíram 
mas eles levantaram 
e saíram andando 
parece que não se machucaram 
mas ficaram de fora
da prova perderam o percurso 
enquanto eu caminhava 
enquanto eu continuava 
a caminhada eu fiquei pensando
nas vezes em que se entra errado num salto
na hora do salto 
o casco do cavalo pode bater na vara 
antes do salto o cara pode errar a mão na rédea
pode desequilibrar pode mexer demais a mão 
na rédea atrapalhando a direção puxando
a boca do cavalo machucando a boca do cavalo 
entrando errado no salto antes do salto
um pouco antes do salto dando a batida
errada do salto antes do salto
entre um salto e outro um obstáculo e outro
a distância pode ser curta demais 
pode ter uma ligeira curva uma ligeira 
manobra que dificulta tudo um espaço
curto para o cavalo esticar um espaço 
insuficiente para você deixar o cavalo esticar
o mínimo necessário para saltar 
entre um obstáculo e outro
muitos obstáculos existem no percurso 
obstáculos previsíveis que se tornam na hora
impassíveis obstáculos imprevisíveis que na hora
são contornados mas às vezes não 
obstáculos imprevisíveis como a vontade
de não saltar como a vontade do cavalo
de não saltar como o impulso de parar
na frente do obstáculo logo antes do salto 
o impulso imprevisível muitas vezes por um erro 
do cavaleiro ou da amazona mas nem sempre
às vezes pela simples imprevisibilidade 
do animal pela simples constatação
de que um animal é um animal 
de que o cavalo pode saltar
mas também na hora H pode não 
saltar e aí não existe isso de governar 
de comandar de estar no controle
não há chicote que adiante 
há dor se você quiser 
muita dor 
mas não há estar em cima
de um animal se você não sabe 
que nisso não há nada 
de controle se você não sabe 
que montar é ser montado
por ele também é ser montado
pela imprevisibilidade dele também
e não há dor que adiante 
para impor uma vontade simplesmente
há momentos em que ele escolhe
parar ele escolhe recuar ele escolhe não
saltar ele escolhe desviar do obstáculo
logo antes do salto de cara pro obstáculo
quase no salto na hora do salto logo antes 
da batida do salto de cara pro obstáculo ele escolhe
não saltar 
e tudo bem 
eu fiquei pensando 
tomara que esses cavalos simplesmente tenham desistido de saltar
bem na hora em que deveriam saltar
tomara que eles não tenham se machucado
tomara até que nem os cavaleiros tenham se machucado
eles costumam saber cair 
geralmente eles sabem cair
e usam proteção
para o corpo 
colete capacete e outros acessórios 
mas às vezes nem isso dá conta 
às vezes eles se arrebentam mesmo 
e a queda é feia 
mas esses caras geralmente sabem o que fazem 
tomara que os cavalos 
não tenham se machucado 
tomara que tenham desistido 
esses caras também podiam 
desistir 
logo antes do salto
mas isso nunca acontece você sabe
a maioria dos envolvidos nesse percurso
simplesmente continua
antes ou depois
da queda 
no colapso na colisão no choque 
levantam e saem 
andando como se nada tivesse acontecido
sabe como é
saltar o obstáculo olhando por cima da linha
do horizonte saltar o obstáculo olhando por cima 
do obstáculo manter o olhar alto
em direção ao céu saltar com o olhar fixo 
num objeto distante saltar
com as mãos nas rédeas os pés bem firmes 
nos estribos com os calcanhares para baixo 
realizar o salto e saltar de novo e o próximo
com o olhar fixo acima do obstáculo
saltar todos os obstáculos 
em cima de um cavalo 
olhando por cima do obstáculo
fazer o cavalo saltar
eu nunca entendi muito bem o que é gostar
de competição 
eu já tentei gostar de competição
mas eu sempre fui muito ruim nisso
e hoje eu simplesmente decidi desistir 
de achar que eu tenho que gostar de competir 
eu fico pensando na desistência
dos cavalos e na insistência 
de quem está no controle
das bocas deles
eles se levantam logo em seguida
é bom que tenham proteção
porque os cavalos podem desistir 
logo em cima eles podem resistir 
e simplesmente não 
e é como se nada tivesse acontecido
e tudo bem
simplesmente 
são tão frágeis 
são capazes de morrer
de cólica 
são tão frágeis que se incomodam 
quando sentem cosquinha 
sim eles sentem cosquinha 
os cavaleiros parece que ficaram bem 
depois da queda 
é bom que tenham proteção
antes da queda ainda 
gosto da ideia de os cavalos desistirem 
de saltar os percursos nas olimpíadas 
desistirem de saltar 
os obstáculos das olimpíadas 
desistirem dessas olimpíadas 
hoje aqui no rio de janeiro 
de hoje desistir de saltar os obstáculos 
e se deparar cara a cara com eles 
e na hora H desviar 
recuar não saltar
deixando-os ali
por um breve momento
objetos intransponíveis
cara a cara com eles 
depois da caminhada 
eu voltei pro jóquei 
o livro da matilde campilho 
mas antes de reler eu quis rever 
os vídeos dela e há um que se chama 
não é cair: é voar com estilo
eu ainda não tinha visto
esse ficou de fora do jóquei
e eu fui procurar 
o poema por escrito
mas não achei 
nem sei se há
então só fiquei ouvindo 
e ouvindo o título 
e pensando na queda 
e pensando em muitas quedas
e em muitas formas de cair 
há os que caem com estilo
talvez a matilde não caia 
com estilo
talvez ela voe
talvez não haja salto 
no jóquei
talvez seja voo
acho que salto queda e voo 
podem ser três coisas diferentes 
mas às vezes a diferença é tão sutil
às vezes é tão sutil como a passagem
de um estágio para o outro
às vezes nem é passagem
não é cair: é voar com estilo
seria um voo que ficou de fora dos saltos
do jóquei eu me pergunto 
ou os saltos no jóquei
não poderiam ser voos
os voos no jóquei 
não poderiam ser 
uma espécie de queda 
eu me pergunto se os saltos
enquanto caminho eu me pergunto 
se os saltos 
quando são bonitos assim
são voos e não quedas 
eu fico pensando nas quedas
enquanto caminho 
nos jogos hoje
há os que caem com estilo
levantam e saem andando normalmente
geralmente eles sabem cair
e têm alguma proteção
não há cair sem estilo
no jóquei 
melhor é a suspensão
um plainar haveria um voar
com estilo não sei 
se com estilo não sei
não sei se o antes do salto 
não poderia ser uma espécie de plainar
também um momento em suspensão 
sem estilo o espanto bem na hora do salto
o coração sobressaltado 
logo antes do salto o cavalo recua e 
olha você de repente no chão
bem na iminência do salto 
logo antes do salto um recuo brusco 
de repente uma queda 
na terra na iminência do salto e você então 
demora um pouco 
a entender 
e sem entender
ainda sob o efeito do susto 
ainda espantado ainda sem saber
se está tudo bem se todas as partes do corpo estão inteiras
antes de continuar você continua um pouco sem entender
você se vê de repente no chão 
depois da queda antes de continuar 
você para um pouco 
e o olha de longe e o deixa até que ele volte
até que ele queira voltar e enquanto isso
há suas mãos e seus pés e suas costas 
suas costelas e seus braços e seus dedos e sua coluna
e seus cotovelos podem estar arranhados e seus antebraços
podem ter ficado sujos de terra e até o seu rosto
pode ter ficado um pouco sujo de terra
e você pode ter inclusive comido um pouco de terra 
seus ombros podem estar um pouco doloridos
e seus joelhos podem ter ficado um pouco machucados
os olhos um pouco embaçados e o coração meio sobressaltado do susto e os pulmões um pouco sem fôlego a respiração meio irregular
e nesse momento suas mãos fora dele
estão fazendo festa no pescoço dele
as mãos que escolheram ficar 
suspensas nesse momento fora do pescoço
dele estão fazendo festa no pescoço dele 
a suspensão das mãos em festa
nele as mãos que não estão 
estão fazendo festa
nele e nessa hora por um breve momento
o céu se lança 
em queda livre 
escuta
esse é o maior salto
que uma queda poderia manter 
como um voo
enquanto eles olham em direção ao céu
eles caem com estilo
o olhar alto fixo em um objeto distante 
os saltos no jóquei ensaiam voos
sem estilo ensaiam a queda
no jóquei e fora do jóquei
também em não é cair: é voar com estilo 
não há voar com estilo e há cair 
dentro e fora do jóquei os saltos 
ensaiam a festa a queda os voos
ensaiam a queda
sem o olhar fixo escuta
eu não sei
mas eu acho que esse é o maior salto
antes do salto um movimento de parar
um movimento de mover 
o maior salto
que uma queda poderia manter
como um voo
sem estilo

  




Ode ao salto
(Maíra Ferreira)


quando os cavalos mergulhadores são obrigados
a mergulhar eu li
que para que eles não fujam e não desistam
na hora h
o chão lá de cima se abre sozinho
de forma que não há outra saída
a não ser descer e entrar de cabeça
na água lá embaixo
e é só assim que os cavalos mergulhadores não
desistem nem recuam nem mudam de ideia
porque na verdade eles não sabem
que estão prestes a cair
eles não sabem que serão jogados de tão alto
encurralados em uma situação onde
não existe retorno não existe
plano b exceto abraçar a queda agora
já que ela está aqui e exige
ser experimentada
e eu pensei que se eu fosse um cavalo
e fizessem isso comigo da próxima vez eu
é que não subiria as escadas
eu é que não pisaria lá em cima de novo
sabendo que mais uma vez o chão
poderia se abrir e eu mais uma vez
seria obrigado a saltar
talvez os cavalos sejam inocentes e não
pensem que se um homem fez uma coisa uma vez
ele vai fazer outras vezes também talvez os cavalos
sejam benevolentes e queiram dar novas
chances aos homens ainda que eles não mereçam
e continuem jogando os pobres cavalos
lá de cima
para boca do mar
na verdade pensando bem eu também
não sei se eu li isso ou se imaginei quando
vi a fotografia de um cavalo saltando
e concluí que não haveria motivo pra um cavalo
saltar de bom grado espontaneamente
os cavalos não são suicidas como nós somos
os cavalos têm algo incrível chamado
instinto de preservação
então a não ser que fossem obrigados não saltariam
os cavalos mergulhadores querem ser só cavalos
foi o que eu pensei
eles querem ser só cavalos
no chão onde podem segurar a vida com os cascos
potentes e exercer suas habilidades de galopar em alta velocidade
mas talvez eu é que não entenda nada
de cavalos e de saltos
e talvez haja saltos que não são suicidas
talvez os cavalos entendam alguma coisa
lá em cima e saltem mesmo porque querem
porque o chão não é o bastante para os seus
cascos potentes e suas habilidades de galopar em alta velocidade
talvez eu devesse ser mais como os cavalos
mergulhadores e me lançar de alturas inconciliáveis
para tentar entender
alguma coisa
que o chão não permite
que eu entenda








*    *    *




Danielle Magalhães nasceu em 1990 e vive no Rio de Janeiro. Tem graduação em História (UFF), mestrado em Teoria Literária (UFRJ) e atualmente cursa o doutorado (Teoria Literária/UFRJ), dedicando-se ao estudo sobre poesia brasileira contemporânea. Publicou recentemente o livro de poemas Quando o céu cair (megamíni/7Letras; 2016). Edita, com Maíra Ferreira, a revista Oceânica.











Maíra Ferreira nasceu em 1990, no Rio de Janeiro. Graduanda em Letras pela UFRJ, onde pesquisa a poesia contemporânea produzida por mulheres, publicou seu primeiro livro de poemas, A primeira morte, em 2014, pela Oficina Raquel. Já colaborou com o Jornal Plástico Bolha, revista Parênteses, Polichinello, Cronópios, entre outras, e edita, com Danielle Magalhãesa revista Oceânica.







desninar - dois poemas & estreia de Beatriz Ribeirão

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Imagem: screenshot de "many happy returns", Marjut Rimminen, 1997




madeira


já não me suporta o berço que costumava balançar
abaixo dos meus pés
enquanto ousava dançar na escuridão 
para que ninguém assistisse todas as voltas duras 
e felizes
que se apagaram quando você acendeu a luz
do meu quarto

não me encanta a rotina
de não saber o que fica 
ou o que vai deixar de estar
amanhã ou depois
às dez da noite




sete horas, o sepulcro


no pequeno espaço triste, as crianças
que por muito não pertenciam
corriam com olhares e pernas
pelos rostos desconhecidos,
lágrimas pisadas
e fôlegos
dos que sucumbiam à sua forma

vai, e deixa o nome no mármore ao lado
de quem esvaziou corações na primeira partida
dia em que uma criança não correu
[o que há, que chora tanto?
é que perdeu alguém, diz a menina do grupo dos acalantos]
e passou a viver também.







Estudante de psicologia, amante das palavras e da fotografia, Beatriz Ribeirão encontrou na arte uma maneira de compreender um pouco mais o caos da sua psique. 
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