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4 poemas de Luciane Lopes

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pirão

alguns diálogos
ainda me estupram 
enfiam sua peixeira 
nas minhas tripas
nunca fui avessa 
aos maus tratos
da minha própria
cabeça
se bem temperados
sou capaz de lamber
os falos




o caminhão de laranjas nunca passou por aqui
eu com ele
eu sem ele
nós por cima
nós por baixo
ando claudicante pela casa
enquanto os outros gozam
pé por pé




um minuto de amuleto

eu sou fraca
eu sou errante
ah meu deus como
oscilo entre o ouvido
e a boca
ah meu deus como
silencio e grito esse
ferrão de abelha
que me fere os tímpanos
eu sou fraca
mais humana que a raiz
do pelo que me encrava
o verso
eu sou fraca mais
exausta que essa língua
rija que te lambe tanto




artesã

fez muito
frio nas
bolinhas 
de terracota 
que eu 
moldei pra ele
por fim
as auréolas
queimaram
rosadas

* * * 



Luciane Lopes é poeta e letrista, nascida em Mirassol, interior de São Paulo, 45. Intimista, simbiótica, sinestésica, raramente passa uma vontade própria e isso se tornou mais intenso, quando perdeu seu pai em 2006. A forma trágica da morte fez com que ela se tornasse uma "amoladora" de palavras. Ano a ano passou aprimorar sua poesia e também a se descobrir através dela e o resultado desta trajetória estará presente em seu primeiro livro publicado pela Editora Patuá. “O miolo do mundo é macio”


QUIROGRAFIA DOS PÉS - poema inédito, cinco desandamentos, de Flavio Caamaña

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I.

quero do homem o paupérrimo do não salvo
do farto dentre as cartilagens
um traduzir dos fios dos glóbulos
e a língua num pânico de bexigas

nada que venha do espasmódico filho
o sexo de água formigando na noite
e o seu nome será multidão entre os nervosos
e os famintos se alimentarão de sua substância

com homem fêmea a queima do idioma
o íngreme dedão tapando o obscuro
um dia de técnicos a coar seus rebanhos
um dia de fusões no estio das torneiras

um homem outro neste carnaval posto
e bem servido para ladrões amadurecidos
quem roubar o fogo venderá só cinzas
quem roubar só cinzas cegará os olhos

homem num trago de sangrias de carneiros
e os cães embriagados do jato morno
de sacrifícios tascados sobre altares de rostos
deus não é daqui e não beberá caldo de ossos

oposto homem perfurado por um facão
nesta voltagem da ilusão dos canos
os dedos de convulsão e alabastro
pancada de esperma sobre algodão

intuições de cervejas numa revolução
um terrorismo evidentemente livresco
um bilhete cortado de corais
e o essencial bebe na gare das cidades

condenado nas fachadas dos hospitais
de simpatias nos amarrados
de trânsito de relíquias e vidraças
alegando patriotismo onde a mão principia

II.

quero do homem a insignificância onde tombar
tragam-no pelos joelhos de baixos telhados
e a responsabilidade de afrontar a multidão
e o suplício de assistir o cadáver na batida

nada que venha de bandeja e prata limpa
nada que venha de edifícios de excitação
liricamente a pomba ignore a estupidez
dos blocos de domingos e o punhal

com homem fêmea a religiosidade dos barbeiros
das costas amantes viradas para o inferno
obscenidades de encomendas piedade de soldados
cagando crimes e amores nos corpos das vítimas

um homem outro num colonialismo de rei
onde o casulo é inteligência e granito
o crisol incorruptível a interior inspiração
um capítulo de arbustos e latência

homem num trago de plinto
longe trincam as labaredas os latidos
os maxilares numa concordância
as sardinhas desenterradas na ralação

oposto homem numa ficção psicológica
e as partes lavadas a colcha
de um sentimento indígena dos mitos
cercados nas praças urinadas

firmeza de um hipotético dentro da cor
da língua moribunda e reconduzida
um apelo de exteriores felizes
paredes ineptas e o julgo desses valores

fotografia de única lucidez
abalo de uma inexperiente verdade
levissimamente um esgotamento de missas
e o fascínio nesta garra de gelo

III.

quero do homem o engraçado aparelho
os modos limitados do aniversário
e acima uma política de hipnotizar
o discurso e as anedotas

quero do homem esse canibal arvoredo
um vazio do que é bonito
do que pode romper-se pela temperatura
da indústria dos similares psiquiátricos

com homem fêmea a dificuldade centrífuga
e a compreensão do medo elétrico
o perdão numa possessão de teatro
antropofagia cultivada no pormenor

com homem fêmea morder o calendário
precipitar-se do desestabilizado
ligar-se a uma possível ressalva
e o rodo filmado em triunfo possível

com inspiração de suicídio do livro
quero do homem o júbilo dos bares
das atmosferas puídas
para que um nó seja alinhado

nada que venha de cratera ou corsa
de pulso amarrotado a duro pincel
de muletas intravenosas
encefalograma fervido de veneno

homem num estudo de combinações
e a tentativa de abocanhar o psicanalista
de injetar cabeça nos consultórios
falar de cavalos e adotar nuvens

ritmo homem numa cerveja religiosa
o bêbado recontando fracassos
de espancar a fuça
e reprimir a palavra

IV.

quero do homem as sacadas dos quartos
e bando de grilos e poeira em círculos
homem com os panos desmanchadamente
espiados de paralisia nova

nada que venha de uma verdade coxeando
contra touros no apelo das cores
pisando a ferida dos aldeões
e novamente isolado e saboreando

com homem fêmea desmanchadamente
a mímica de surpresa cortando a trama
quebram-se os queijos o deslumbre
um exemplar num pacto inumano

um homem outro possível de vencer o chefe
da imobilidade em pausa rápida
do cheiro de um doce trufado
na fieira de riso sensível

homem num trago de vencer focinho
numa reza implantada nas patas
chegadas de tombos de liras
o lugar para vedar os linhos

oposto homem e uma multidão de degraus
guardados nos arrozais a colheita
enrola-se no brilho da lama do alçapão
aberto ao banho e às laranjas deprimidas

camadas e camadas de amarelos na cabeça
emoção na povoação dos becos
na ciência de anjos de exaltar joio
de arrecadar e acumular arremesso

uma espécie no túnel orográfico
nenhuma inteireza de gênio
a vulnerabilidade anexa o fixo
e o refluir dos animais suja a malha

V.

quero do homem a criação sem qualidade
o cotidiano de vestuários pagãos
um objeto no tinto das mãos
um dandismo na pulsão

nada que venha do ganho de fluidos
sem a ocultação dos esmaltes e lógica
uma exposição atribuída e se articulando
no trânsito do raiar dum corpus

cavalos desde a compulsão
o evasivo catalisando a inconstância
um dia a voz imbuída de suas joias
tramará uma almofada no extravio

um homem outro sem indução dos tótemes
mas como fonte de ignorância virgulando
reelaborando o desejo perdido
de contrapartidas e possessões

oposto homem de beber coragem os móveis
tratados a sujos bicos roendo o cerrado
a fórmula do que é perturbante
o que não é dado e correspondido

nesta região secreta
nesta circunstância de pena de corte
a licenciatura da obsessão
coincidir a religião do abutre

a ambiguidade que tresanda nos piqueniques
a figura a fera democrática
a convicção do fruir do ausente
a antologia provocadora

a porta nua e morta pela cabeça
pés novamente errando o curso
de imperfeições enraizadas
no descontrole terminal dos lençóis



Foto do autor por  Peré Muniz

Flavio Caamaña é um trabalhador braçal e poeta nascido em Tamboril, desertão do Ceará. Vivenciou o auge da ditadura, a infâmia e a injustiça. No início dos anos noventa participou como voluntário em campanhas de apoio às vítimas da Aids. Primeiro lugar no XVI Prêmio Literário Ideal Clube De Literatura, participou de coletâneas em livros e revistas literárias virtuais. É autor do livro de poemas Aquedutos (PATUÁ, 2016).

4 poemas de Assionara Souza

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Ilustração: Jerry Uelsmann



Tarot

Vou confessar, querida
Tenho isso de gostar dos loucos
Observo de longe o jeito que eles comem com os olhos
Com você foi assim
Esse esmalte vermelho sempre em dia
Esse passado colado no álbum com cantoneiras e papel vegetal
Quero a receita completa
Desde o suspense antes do desfecho da trama
O disparo, teu olho assustado pra câmera
Por trás da palavra pêssego
corre um rio espesso
Mordo a palavra pêssego
E as comportas desabam — uma cidade inteira vem abaixo
Corremos, corremos para bem longe do set de filmagens
Vida real é um cão dormindo no silêncio da tarde de um domingo



Um breve instante

Tomo um chá enquanto escrevo
O resto de tudo o mais
Dilui-se na ilusão dos dias
Ontem, por exemplo, choveu
E fez frio as horas todas em que não estivemos juntas
Pensei em ti enquanto olhava a mendiga de minha rua
Encolher-se num canto onde o vento machuca menos
Pensei no quanto amo tuas mãos de amarrar nuvens
Quando o moço viciado em crack me apresentou o papel da receita
E pediu que lhe inteirasse o dinheiro para a compra do remédio
Chorei muito e odiei o mundo
Ao ler a notícia da menina encontrada morta
Com marcas de estupro e o coração arrancado
Lembrei do quanto amo teu abraço mar em torno da ilha de minha tristeza
E meu tanto querer voou ao teu encontro
Minha alma valsou feito o violinista de Chagall
à volta de tua figura
Será que você sentiu
Esse meu beijo-pensamento, ontem às seis da tarde?
Ah, deixa-me dizer que isso não é romantismo
Não tenho ilusões de casamentos
Nem grandes festas
Em que todos os presentes esqueçam
Por algumas horas
Que chove e faz frio
Que o vento violenta a mendiga de minha rua
Que o garoto sonha com a química que o destrói
Que pelos caminhos de crianças de dez anos
Rondam homens maus que lhe arrancarão a vida, a alma e o coração
Não mais escrevo poemas, meu bem
Sentir e dizer o que sinto
É tudo o que sei e faço
Com o desejo único de que em algum momento
Meus olhos barcos avistem
Ainda que por um breve instante
Esses teus olhos horizontes
Antes que se feche a noite, o sono e o sonho



Ilustração: Jerry Uelsmann


A mulher de Lot

Um passo atrás
Enquanto a cidade desaba
Todos correndo
Um tumulto dos diabos
O filho, a filha, o marido
A vizinha da frente — com quem o infeliz tem fornicado
Há mais de cinco anos embaixo de seu nariz
Como se ela não soubesse
Como se ela não tivesse visto de tudo nessa vida
Ele perguntando se a camisa vermelha
— Aquela com um só bolso no lado direito?
— Sim. Essa mesma.
Se a camisa vermelha não estava limpa e bem passada
E o filho indo no mesmo caminho
Tratando-a feito lixo
— A mãe não sabe pronunciar a palavra "estultícia". Tenta, mãe!
Estúpidos todos
Até a filha, que ela tanto ensinou
Agora andava com um centurião
Um centurião!
Maior desgosto para uma mãe
E depois dessa correria toda
Quando arrumassem pouso
Adivinhem quem prepararia o jantar!
Não teve a menor dúvida
Mirou a cidade em chamas
Uma sensação incrível
Deixar de ser uma mulher de pedra
Seu corpo inteiro puro sal rebrilhando ao sol



Narcisyou

Então é suficiente olhar o poema na página e pensar:
Que poema estrondoso
Que poema estúpido de louco
De onde vem essa coisa toda que se chama poema?
Ah, talvez daquela rua
Um garoto atravessando
Ele tem um lenço azul no bolso
E fica parecendo o rabo de um gato
Os cabelos esvoaçam
Ele fez isso de propósito
Não! Espera, não é daí que vem
Talvez seja mesmo desse pouco espaço para o coração
De repente ele começa a explodir demais
E ninguém consegue dormir direito
Ou por isso mesmo, dorme-se demais
A cidade sonolenta
Os três correndo feito loucos
E quando ela cansa, põe as mãos nos joelhos e sorri
Jules e Jim também é o seu filme preferido?
É o meu!
Que coincidência
Que coicidência eu ter olhado por um tempo longo
E ter pensado:
Estranho, quanto mais eu olho, mais gosto
Não era só um poema numa página?
Aliás, naquela manhã — já faz tempo
Seu rosto de criança refletido no lago
Todos prontos para partir e você ali
Nesse exato momento: o poema




Assionara Souza. Escritora, nascida em Caicó/RN e radicada em Curitiba/PR. Formada em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná, é pesquisadora da obra de Osman Lins (1924-1978). Publicou os volumes de contos Cecília não é um cachimbo (2005), Amanhã. Com sorvete! (2010), Os hábitos e os monges (2011) e Na rua: a caminho do circo (2014). Sua obra tem sido publicada no México pela editora Calygramma. Participa do coletivo Escritoras Suicidas. Estreou na dramaturgia com a assinatura da peça Das Mulheres de Antes (2016), com a Inominável Companhia de Teatro.

6 poemas de Dinovaldo Gilioli

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Cheio. Ilustração: André Serafim.


tédio
cidade
CHEIA
de prédios


céu azul
borboleta Voa



Há gosto para todos
Há gosto para poucos
Agosto para cachorros loucos


code a history of a new world of possibility. Ilustração: André Serafim.

De mariana
levaram minério e grana

Para o povo
deixaram ferro e lama



casulo

larva gesta
sonho de voar





                       sol fora
dentro
                     poemas
                     jorram


Dinovaldo Gilioli, nasceu em Leópolis/PR e mora em Florianópolis/SC. Como sindicalista e ativista cultural, coordenou concursos de conto e poesia promovidos pelo Sindicato dosEletricitários de Florianópolis - Sinergia. Autor de 6 livros, tem poemas em mais de 20 antologias. Publicou artigos em jornais e revistas de vários estados do Brasil e editou a revista Pantanal, publicada pela Elase, divulgando trabalhos de poetas e contistas brasileiros. Também realizou, com os artistas plásticos Schneider e Marcelo Pagliarim, os projetos Arte e Poesia emMovimento e O Silêncio Arde.



André Serafimé artista visual. Mostras Individuais e semi: 2014| Crimes da Paixão, SESC-Paranaguá, 2000| O Vento a Colina e pequenas histórias de amores possíveis, Casa Monsenhor Celso, Pguá (2007) Vazio Que Dói, Com Beni Moura, Antonio Temporão e Marcel Fernandes, SESC-Pguá.(2006), Virtudes, Com Beni Moura, Memorial de Curitiba. Mostras Coletivas; (2014) Exhibition of Brazilian Art, Saint-Petersburg; Rússia, (2007) Artistas Contemporâneos Brasileiros, Casa do Brasil, Madri, Espanha. (2006) Hiperzoom Mostra Internacional de Fotografia,Antonina (2005), Enigmas, SEEC, Curitiba (2004), Momentos Transição, Moinho Rebouças, Curitiba (2000) Percepção e Sutileza, Museu de Arte do Paraná, Curitiba.



Julia R. - André Rocha

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Ilustração: Matt-Durben


meus sonhos estão sendo velados lá
no cemitério da Ercília
das bundas que comi
bem na curva do tempo
sem amor
e cocaína em motéis xexelentos
espiei olhos vazios
sedentos de tesão
nos carnavais sombrios
até que a corda se apaixonou pelo meu pescoço
me abraçou tão forte
que quase me matou
transformei o sol numa moça morena
que entra sem pedir licença pela janela
e fornica com todo mundo
deus é uma cachorra prenha
com vontade de matar seus filhotes
as vezes o coração encolhe dentro do peito
sabe?
mas cerveja cura tudo
você botou fogo nos seus brinquedos
eu tava com o cu cheio de ácido
mas lembro de você fazendo xixi de porta aberta


ANDRÉ ROCHA

poema de Clara Baccarin

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Eu não ando só,
vou eu e um caminhão existencial.
ando carregada, munida de filosofemas
que floresceram em meus passos.
Eu me (e)levo comigo.

Eu não ando vazia,
vou cheia, pingando, me despejando,
oceanos em riachos.
Dou fácil acesso se for o caso,
entrego minhas dores e alegrias.
Tudinho num instante.
Sou um inteiro transbordante,
transcendendo-se.

Não ando limpinha, sem rastros.
Há nuvens de todas as cores e formatos.
Armazeno experiências em forma de vapor,
para que caibam mais,
para que me chovam
em dias de mormaço. 

Eu não ando só.
Tudo que foi possível me entrou
e tudo o que entra sai
de um jeito ou de outro
da mesma forma
ou transfigurado.



* * * 



Clara Baccarin é escritora, tradutora e redatora. Autora do romance Castelos Tropicais (2015), trabalhando no segundo livro Mesa de Bar. Colunista do site Conti Outra Artes e Afins, da Revista Literária Benfazeja e com publicações em diversos sites. Mestre em Estudos Literários, escreve poemas todos os dias para substituir a falta de açúcar e de pimenta na dieta da vida.  www.clarabaccarin.com

7 poemas de Diego de Moraes

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Foda-se

Foda-se a lei 
O juizado de pequenas causas
O tribunal de contas 
Tudo é perda de tempo 
Tudo é mixaria 
Sou o carro da sucata passando na tua rua comprando cobre, baterias queimadas e panelas de inox velhas
Foda-se o juiz de toga manchada de sangue que patrocina assassinatos na fronteira da Colômbia por gramas de pó
Foda-se
Foda-se
Foda-se
Sou um patife 
Quero levá-la para lugares escuros da periferia
Onde a gramática perdeu as regras
E as sirenes da policia não brilham suas luzes de tortura molestando negros inocentes
Foda-se o Superior Tribunal Federal 
E seus ministros partidários que arrotam retóricas como se tivessem numa ópera-bufa
Foda-se Brasília 
Foda-se a esquerda
Foda-se a direita 
Foda-se todos os militantes com mau-hálito 
Foda-se os poetas que nunca levaram um soco na cara
Foda-se os medíocres que vivem de editais e lei rouanet
Foda-se as olavetes
Os bolsonaristas
Os lulistas
As dilmistas
Os temeristas
Os empresários de FHC
Quero comer teu cu na cracolância e cantar Jards Macalé para mulher do Haddad num hotel de luxo em Higienópolis 
Quero chupar o pau mole do Datena e dizer que o Brasil precisa acabar urgentemente 
Foda-se teu dinheiro 
Tudo é papel picotado 
Tudo é serpentina
O Brasil é carnaval 
Quero voltar no tempo e jogar banco imobiliário com Oscar Niemayer em Cuba
Quero fumar charutos com Maradona 
E confessar meus assassinatos para o Sean Penn
Quero misturar minha porra com petróleo e falir a Petrobras 
Quero cometer os maiores crimes do país e falar para uma repórter da Globo News que sou inocente e tudo não passa de intriga da oposição 
Foda-se 
Foda-se
Foda-se
Sou o homem mais livre do mundo 
Transformei o rio doce em fel 
Não sinto culpa 
Sou um psicopata brasileiro
Agora quero dormir com a cabeça encostada no teu peito 
E dizer que te amo.

 

 

Maranhão   


A cidade dorme agora 
Minha saudade não 
Teus olhos iluminam o cais inteiro.
A cidade dorme agora 
As linhas tortas do meu poema como pedido de divórcio que mandaste pela internet para o pai dos teus bebês…
Não, esse nunca dorme
Teus filhos que não entenderão nada quando num sábado chegar todo molhado e bêbado e você dirá para o mais novo: “Pedrinho, pega uma toalha pro tio”
A cidade dorme agora
Nem ele e nem eu
Ninguém entende ou entenderá o amor
Jogado na avenida com a perna quebrada e seus dedos no celular pedindo por socorro enquanto o bloco de carnaval descia a ladeira numa Manaus tão perdida quanto minhas tentativas de abandonar às drogas e o crime
A cidade dorme agora 
Encontrei a negra mais linda do mundo que mexe comigo do jeito mais bobo feito adolescente que deixa as pernas tremerem diante do primeiro beijo no rosto dado pela princesinha do ginásio
A cidade dorme agora 
Enquanto escuto The Smiths e vejo nossas fotos abrindo sorrisos de felicidade como piratas que encontram um tesouro no fundo do rio
A cidade dorme agora 
Não meu desejo de envelhecer contigo.


Gilete


Você pode ficar sozinha
Trancada num quarto cheio
De ursinhos de pelúcia 
Você pode ficar sozinha
Escutando Radiohead 
Você pode ficar muda
Brincando de cortar os pulsos com gilete 
Mas lá fora os cães latem meu nome
O amor é um carcereiro que
Prende a gente e joga a chave fora.


Luma


Luma mora sozinha numa casa escura
Luma não gosta de luz
Luma gosta de desenhar prédios e bares no mais absoluto silêncio
Luma só sai de casa para comprar caixas de lápis de cor
Luma não sente mais tesão 
Luma tem uma boceta linda, grande e carnuda
Nenhum pescador ou surfista de Florianopolis soube comer Luma 
Luma virou celibatária aos 29 anos
Luma enfrentou um câncer que devorou o reto e o cu
Luma só toma sopa de ervilhas
Luma não tem celular
Luma não tem e-mail
Luma esqueceu o nome das irmãs e dos pais
Luma gosta de Drummond 
Luma tosse mesmo sem nunca ter tragado 
Luma gosta de imaginar um grande pulmão prostrado numa praça de Minas Gerais 
Luma gosta de visualizar um órgão grande e solidário como se fosse doce em são cosme damião
Luma repete três vezes ao dia “O mineiro só é solidário no câncer”
Luma rasgou todas as fotografias do noivo 
Luma chorou uma única vez
Luma esperando um buquê de rosas na cabeceira da cama da enfermaria
Luma venceu o câncer
Luma venceu a solidão
Luma talvez perdoe o mundo e mergulhe nua no mar.


direitos inalienáveis 


Você me fala dos direitos inalienáveis 
A constituição marcada no artigo que diz ser proibido ferir os limpos 
E o dia lá fora brilhando feito ouro junto com meu desejo de mergulhar sem volta nos teus sonhos como um pombo volteador de longa profundidade 
Você me fala de Vigiar e Punir e da história do sistema carcerário enquanto toco meu peito de barítono prestes a sofrer um infarto no último ato de uma ópera-bufa
As traças comendo os poemas do Neruda na estante como se poemas dessem asas para voar
Você me fala do julgamento de Suzanne Von Hichtofen e do poder da mídia na tentativa de corromper o júri 
É tudo um show, amor. Um show de horrores. 
Teu amor tem sido meu apocalipse
Você me fala que este país está entregue aos golpistas e que todos odeiam a Dilma
Nunca consegui te odiar
Nem mesmo quando o juiz da décima vara do trabalho apareceu na tua vida
E o sol poderoso lá fora castigando miseráveis e bandidos 
Você me fala que é a última chance 
Que as cicatrizes do meu rosto precisam sumir e não terá outro beijo se eu tiver mais uma recaída 
Cães agora correm destrambelhadamente felizes em nosso jardim 
O tempo fecha. O céu de Manaus é uma índia bipolar
Teu amor tem sido meu apocalipse.


 Leme 


Você é a única parte boa que carrego comigo 
Até quando choro sozinho e bebo feito um urso endiabrado 
Teu nome reacende no letreiro do meu peito
Você é o barquinho azulado que atravessa minha tortura de saudades 
Teu condomínio com nome de cemitério indígena
A geografia acidentada onde recolho as cerâmicas de mágoas para remodelar meus poemas entre gozos e abraços às seis da manhã
Você é a única parte boa que carrego comigo 
E não tem defesa, promotoria ou júri que condene meu amor torto de amante implorando por migalhas
A minha autobiografia suja tem sido borrada com teu sorriso 
Como se um bandido pedisse perdão por ter entrado onde não devia
Como se uma presa ferida entrasse numa cova de leões
Você é a única parte boa que carrego comigo
A rosa comprada com míseros reais na choparia e o pedido engasgado de casamento na garganta enquanto as ondas quebravam avermelhadas na praia do Leme
Você me falando de paisagens e samba no Vidigal 
Enquanto meu pensamento vermelho e traído
Percorria teu corpo negro vingado por negros chicoteados em Caxias
Tua boceta dentro de mim junto com estrelas espocando o aniversário de um santo triste numa noite de quinta-feira na presença de amigos que sabotam tuas paixões de Maria Madalena reencarnada em advogada criminalista
Não tem um dia que não acorde buscando cheirar teu pescoço cheirando a jasmins
Meus músculos se contraindo 
O corpo em nado borboleta no vendaval
Você é a última coisa boa que sobrou em mim 
A melhor lembrança depois do maremoto 
As asas de um anjo de chumbo cobrindo a cidade maravilhosa
Nada me ilude mais que o desejo de ser feliz contigo.



Cicatrizes

Perdoamos-nos e os peixinhos do aquário brilham como estrelas
Agora não tem mágoa. As ruas estão banhadas de felicidade 
Perdoamo-nos e as plantas carnívoras abrem sorrisos 
Agora não tem culpa. O que tinha de roxo por dentro virou lilás ou amarelo
Perdoamos-nos e tuas amigas sentam ao meu lado como se eu fosse um Deus que transmitisse sabedoria e sanidade
Agora não tem rancor. As encruzilhadas deixaram de ser traiçoeiras em noites de sexta-feira
Perdoamo-nos e mergulhamos juntos de cabeça na piscina da casa do teu pai 
Agora não tem preocupação com as contas. O amor pagou tudo. Até as piores humilhações
Perdoamo-nos e teu corpo negro deita com as minhas cicatrizes 
Agora não tem acusações. Nossas línguas perdoaram o que havia de mais amargo
Perdoamo-nos e o livro que entregarei na próxima semana tem teu nome
Agora não tem macumba que desfaça que o destino uniu
Perdoamo-nos e a tua respiração refrigera meu peito 
Agora não tem pretérito mais que perfeito 
Tudo é presente como a tua boceta gozando na minha boca todos os dias
Agora não tem ciúmes. Teu sorriso é meu refúgio e fortaleza. 
Perdoamos-nos como irmãos. A chuva corre no asfalto e Romeu e Julieta choram de alegria numa tarde de agosto. 
Agora não tem poesia que descreva o que sinto por dentro 
Amo-te tanto.
Diego Moraes


Galeria: Antoine d'Agata



Diego Moraesé um escritor Manauara. Autor dos livros: “A fotografia do meu antigo amor dançando tango” (2012) e “A solidão é um deus bêbado dando ré num trator” (2013), publicados pela Bartlebee; “Um bar fecha dentro da gente”, pela editora portuguesa Douda Correria; e “Eu já fui aquele cara que comprava vinte fichas e falava ‘eu te amo’ no orelhão”, pela Corsário-satã e o recém-lançado “Meu coração é um bar vazio tocando Belchior.”

desenho e poema de Bruna Mitrano

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procurava pela casa
a filha perdida
criança minha criança
pesada da loucura
sentava ao pé da cama
e dedilhava paredes
então a menina ao seu lado
nunca chorou -
talvez seja o vão
de 1985 até aqui -
dedilhava paredes
e alguma quietude
as abrigava até que o sol.

Instalação - Jane Sprenger Bodnar

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instalação

não importa
quero aberta a janela

perigo não há
já me assaltaram tantos sonhos

leve tudo
deixe apenas a luz do sol

grudada na parede
grafitando
o nome das horas



*
ostra
agora pérola
à mostra



*

o desejo desenha

cascas de laranja
são serpentes

sobre a mesa



*

o chá da xícara de mergulhos acabou
as paredes nuas nos denunciam
nossos olhos não têm mais para onde fugir
me refugio, então, em tuas pupilas
até que um varrer de cílios
recomponha o instante





Jane Sprenger Bodnar nasceu em Curitiba. Formou-se em Comunicação Visual, pela UFPR. Publicações em antologias poéticas, jornais e revistas literárias, tais como: Jornal Nicolau (PR), Jornal A Notícia (SC), Mulheres Emergentes (MG), Revista Textuale (Itália); no ciberespaço, Revista Germina e os sites Cronopinhos e Escritoras Suicidas. Co-autora do objeto-poético Homeopoética (Casulo Provisório Edições). Em 2003, publicou Luísa Cuidadora de Planetas (edição de autor). Integra Dedo de Moça – Uma Antologia das Escritoras Suicidas (Terracota Editora, SP, 2009) e os dois volumes de Hiperconexões: Realidade Expandida (Terracota Editora, SP, 2013 e 2014). Orienta oficinas literárias para o público infantojuvenil.

PASSION - JANDIRA ZANCHI

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virtude vitamina verde (sem qualquer contra-indicação)
verborréia maciça de espanto e espetáculo


aos pés fundido no barro e na bagagem
a poderosa entressafra – minúscula de condimentos
maiúscula de afazeres e afagos/afetos afetados , ainda que tarde,
do turbulento tablóide timoneiro temeroso tombado

vento – ah, essa ventarola ventríloqua e vadia – vomitado
das preces pressão e passion

paramento nesse patíbulo de seres (orquestra olvidada e
onisciente desses pecados mansos metrificados)

enfim, prestos e petrificados os ares
harmoniosos de ondulantes nuvens, que se esgueiram, úmidas
uivantes, docemente castas e castigadas de um pudor, crasso, cassado
de tementes que ainda se esgueiram pelas retas redondas e fáceis
das novidades, talvez pujantes, dessa outra praça

(é visível o retângulo descoberto de alguns mares, sonsas saideiras e
mesmices costumeiras, porém, cada vez mais retificado e agudo é esse
batimento -  firme voraz espasmódico espetáculo – a era que se segue
tropeça os primeiros passos/passarinhos arquitetados varados de ventos

exultantes na gravidade oblíqua do pós redemoinho desse sol).


JANDIRA  ZANCHI 

NO TEU PLANO NÃO CABEM MEUS RELEVOS _ NIL KREMER

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tenho um sorriso de meio dia
que esconde a fome do mundo





quiça assim desatenta eu rompa
a terra úmida e quente
rompa com força e tempestuosa 
como um leviatã rompe o translúcido do amor
ardiloso e incongruente
romper mormente tua boca
uma cereja entre os dentes
retirada da flor
romper,  amor
como rompe- se a fruta na língua 
a rouquidão da última tragada
o silêncio no teu ouvido
romper o fardo 
o abrigo nuclear do teu peito
a preguiça da primeira hora
a aurora estampada no teu corpo
romper com serpentina e maracatu
serpentearmo- nos, tu e eu
nus, duas fênix zeradas
e um sem fim de estrada acenando




das meninas que moram na minha casinha
tem esta ogra
que engole o tato sem mastigar
regurgita flores com espinhos
guarda fome antiga
entoa curativas canções
explode baixinho as ogivas
pra não ativar as ventosas

das meninas que moram na minha casinha
tem a do chocalho
que se refaz na troca de pele
cores nos olhos de quem vê
la loca a deriva
que mastiga chicletes de nuvens e cospe missivas






tenho paixão por mulheres

as que dançam incandescentes
com estrada nos olhos e seiva nos seios

as que embalam revoluções
e tem camas por regaços

as embaraço, prosaicas mulheres
que ferem a lentidão dos homens
e curam vastidão de dores

europeias ou africanas 
filhas de tantos continentes
mães de tantas raças

menores que o abrigo ofertado
imensidão em lastros de luz

deusas que em flor tecem aragem 
e em cadências de carne, sangue e suor 
compõem o ritmo da vida 
e a voragem do prazer





a tentação viaja quilômetros
te pega de susto 
tem gosto de sol a tentação
cabelos negros e a lábia de lobo
em pele de cordeiro

a tentação tem jeito cítrico
e coleciona a agudez do verbo
incita o nonsense em impressões
de um destino ilusório

a tentação bate a sua porta
entra suave e derradeira
hospeda- se num canto do peito
e vez ou outra te abraça com palavras

planta sementes em terreno árido
é insólita a tentação
rega o que não será colhido
alimenta estrelas e colhe super novas 
é prova dos noves
cigarra cortando o silêncio





da pinta entre os seios até o umbigo
universos paralelos 
perigo de desabamento
rota abissal
um muro de Berlim destruído
puído terreno
pele de lagarto
ímã de polos e marcos
ascendências e magnetismos
todo paralelismo faltante
estratosfera 
zonas temperadas





é que nasci pra miar alto
meus diminutivos são multidão
qualquer conformismo foi enfiados goela abaixo
sou TODA em letras garrafais
vendaval, raiz fora do chão
todos os senões e coloquialismos
istmos infindos
uma porção bruma 
em suma, incandescente





e quando cansar da obviedade das ruas
ei de me por nua
disparate em corpo de mulher
ei de uivar para a lua 
com rouquidão e agudez
abraçar a noite
e afoita bebericar estrelas
fartar- me sem ser comedida
tragar o amor, despudor são
crucificado pelos santos de plantão





Conheço o medo que você guarda
embaixo da sobrancelha
o medo telha furada
das goteiras esmagadoras

Sei do armário e suas gavetas
das tretas berçários
em que nina tuas máscaras

Sei do estrago de memórias hostis
das pragas
vis palavras que mandas ao céu
do pastel teu preferido
dos teus idos grudados na epiderme
do inerte no teu peito

Sei do parapeito em que me transformei
pra represar tuas barbáries
daquela cárie que você esconde
na cova rasa do dente

Sei quando uma meia
verdade fede
e antes que você entregue
roubei a bola
marquei o gol





ela quer te ver barquinho a deriva, fio. depois de sambar no teu peito com salto agulha.
não se brinca com coração de uma tormenta. é como andar na beiradinha do precipício. 
não tem flor sem espinho não, flores guardam os espinhos pra machucar na hora certa.
tu pisou descalço em chão com tachinha. fez a moça apostar as ficha num engodo.
tu vai comer o pão do capeta, fio. com pimenta, muita pimenta.
ela vai cuspir fogo no teu bonequinho de vodu
ela vai cuspir fogo.





o que ilumina minhas veias tem mais de nudez
e ruas desertas
rotas, cruas
trôpegas ruas tragando sobriedades
cães que ladram e mordem
tem mais de previsões e arcanos maiores
doses benditas
uma mosca mezzo
soprano que grita, que grita
maldita e afortunada mosca 
obelisco em delicatessen





meu grão é doutra parte
marciano grão com crinas ao vento
costas embebidas em mel
e um carrossel de peixes tatuado
meu grão é doutra parte
tem olhos de chuva e pagã maresia
turva janela de onde se colhe maçãs 
meu grão é doutra parte
cômodos descalços onde se pisa areia
decadente veia
em que o mar tem o som de violinos anunciando tempestade
meu grão é doutra parte
uma catedral em transe
insone catedral com vitrais em chamas




* * * 




Nil Kremer é formada em Letras pela UCS. Nas artes já transitou por várias linguagens. Tem por profissão a arte educação. Tem poemas publicados no livro da Tribo e em revistas digitais e impressas, e já participou de algumas coletâneas de poemas. Cozinha bem pra caramba e é muito modesta. Ah! Lançou recentemente o livro independente e artesanal “Kamikaze”.











4 poemas de Felipe Pauluk

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amor para 48022

saudade é mais do que a palavra "amor" para 48022, 
solidão é mais do que camisinha vencida na carteira 
ou brindar o copo no gargalo da garrafa, 
tem dia que é quase doença. 
gruda no tendão de aquiles, mastiga o rim, 
dá uma pontada no coração, 
dor nas tripas e por aí vai.

o corpo fica uma porcaria. 
e não é porque pisei descalço no chão gelado, 
deixei a janela aberta na madrugada 
ou o peito ficou exposto ao vento, 
basta achar uma foto tua perdida no hd externo,
 ou ver tua confirmação de presença naquela festa bacana, 
de pessoas com sorrisos amarelos e gin & tônica na mão. 

você tem tomado alguns medicamentos 
melhores do que os meus. 
os teus demônios que se parecem comigo dormem. 
preciso voltar a ler os poetas que me receitam bem o esquecimento.



culpa

culpa daquele teu olhar morteiro,
das pernas de grila gorda
& da vontade de esquentar teus pés ásperos nos meus,
da constante troca de calcinhas brancas
& elas serem abandonadas atrás da porta do banheiro.
culpa daqueles teus banhos demorados,
da mania de escutar somente rádio a.m
& ir até a padaria sem sutiã;
buscar um maço & um litro de leite,
voltar dizendo: o padeiro ficou me olhando novamente.
culpa daquele teu rabo de cavalo sugestivo
& às vezes algumas tranças marginais,
culpa da boca carnuda que lambia a colher
& os dentes amarelos que sorriam enquanto você dizia:
"eu ainda não sei se te amo"
é por tudo isto que eu não durmo mais,
que a saudade faz amor com os móveis da minha casa.
volta, baby, não aguento mais assistir sozinho
a venda de tapete persa,
durante as madrugadas.



sino

o sino badala às 18
na torre mais pontiaguda da paróquia
é hora do padre rezar pelos pecadores,
hora do trem passar descompromissado
alavancando o mundo no seu grito
o datena geme raiva
os cães esperam seus donos
o maço de cigarros acaba
a sol desbanda
e a escuridão nos abraça como uma mãe
djavan nunca esteve tão certo
"o pensamento lá em você"
saudades de ti, filha da puta.



madruga

desliguei a tv, 
eram quatro da manhã, 
escutei o telefone da vizinha tocar. 
ela atendeu 
e disse algo que pude ouvir do outro lado da parede: 
"não! já te disse que você não dorme mais aqui, bruno. para o inferno você, sua maldita mulher, este bebê e a gata!". 

escuto as chineladas no chão, 
ela volta para a cama que range na deitada. 
o bruno tem um coração enorme. 
minutos depois a vizinha chora copiosamente no merda do travesseiro.

o coração dela está quebrado, 
pisoteado pelo leão da solidão chamado madrugada.
antes de dormir eu me ajoelho e rezo, 
peço a deus para que proteja minha alma 
de todo mal que assola a humanidade na escuridão. 
bruno deveria fazer o mesmo, 
a vizinha deveria fazer o mesmo. 

deus não existe, 
mas nada melhor do que você fingir 
que alguém te abraça durante a madrugada, 
nada mais solitário do que um telefone que toca 
e uma fronha com lágrimas. 


Ilustrações: Hossein Zaire



Felipe Pauluké um curitibano residente em Londrina, jogou na loteria da vida e, numa quina fodida, tirou o menor prêmio, a literatura. Tentou se enforcar lançando seu primeiro livro, Meu Tempo de Carne e Osso(2011). Depois vieram algumas contas à pagar e saiu Hit The Road, Jack (2012). Em 2015, foi detido nas redondezas da ala mais perigosa da cidade portando Town. De frente com os homens da lei, ele negou, no entanto, foi provado que se tratava de mais um romance. Pauluk coleciona passagens por poesia-breve, fragmentos e roteiros de clipe. em 2016 a vida não foi diferente, ainda dentro do submundo da literatura cumpriu pena pelo lançamento do comida di butequim (2016), um pocket livro de bolso, considerado uma arma branca de lirismo. Está aí o elemento.

Lançamento em Portugal da "Tlön" - Revista Literária Independente

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. Edição | 2016





          A Tlöné uma revista literária independente, de periodicidade semestral. Concebida e editada por Luiza Nilo Nunes, publica textos nos gêneros da poesia e do conto, com foco também sobre as áreas da fotografia e da ilustração. Enquanto projeto essencialmente literário, predispõe-se a difundir linguagens que rejeitam os sistemas mercantilistas da arte e transcendem as formas padronizadas de criar literatura e de a fazer comunicar a um público.

 No seu aspeto material, Tlön é um objeto gráfico diferenciado, herdeiro do espírito underground e da estética Do It Yourself. Posicionado à margem por opção, veicula portanto a expansão das possibilidades de expressão criativa e é espelho da fratura, do sonho, do ruído.  



       
    O primeiro número, lançado em Julho de 2016 sob o tópico do sonho, conta com a participação dos autores: Ana Paula Inácio, Nuno Mangas-Viegas, Luiza Nilo Nunes, Andreia C. Faria, Fátima Vale, Rubens Zárate,  Renato Filipe Cardoso, Viktor Schuldtt, Lisa Alves, Andreia Carvalho, Elsa Oliveira, Bruna Mitrano, Josefa de Maltezinho, João Fitas, Júlio Oliveira, Cristina Oliveira, Teresa A. e Carina Constantino. 

    O poético editorial que inaugura este primeiro número permite entrever as suas linhas basilares:


“Objeto arqueológico produzido por sugestão. Simultaneamente secular e inaudito.

Uma espécie indefinida de artefacto, como uma máscara dourada ou o apodrecido torso de um rei, encontrados sob as águas sepulcrais de um rio imaginário. 

Revista que é tão-somente uma casa, coberta de estrelas e de gritos. 

Lugar arquitetado pelo sonho e pela urgência de exercer mais livremente a poesia – a matéria oblíqua, a fulguração das vozes, o bater dos idiomas indecifráveis.

De forma inequívoca, rejeita os ossos das linguagens fossilizadas e o seu odor a plástico, predispondo-se a percorrer outros trajetos: delirantes, caleidoscópicos, marginais, e a escutar, como quem respira, a pulsação de um coração subterrâneo.

O nome, roubado a Borges entre os espelhos inquietos, é uma porta (daquelas sem chave nem ferrolho de que falava Pellegrini).

Tlön. Urdida por homens, mas também por anjos - todos eles conturbados.”





Para aquisições enviar e-mail para tlon.revistaliteraria@outlook.pt ou consultar a página Tlön [https://www.facebook.com/revistaliterariatlon/?fref=ts]. Encontra-se também disponível nos seguintes espaços culturais do Porto: Livraria Poetria, Livraria Utopia, Gato Vadio e Piranha.

prosa poética de Vivian Pizzinga

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[Ren Hang]


é o aço do fracasso o que entope a goela nua. tusso. é erro crasso tentar. continuar. vilipendio minha sola do pé toda vez que ando. raspo a pegada do chão ralo. cuspo meu passo e manco. engulo o choro rascante ácido. paro. olhos bordejam o fato. pulmões inférteis sem ar.

***

a gramática do fracasso estava ali mesmo enroscada no pão com ovo que a esquina oferecia generosa. perambulava por ela como se vírgulas não causassem tropeço, como se pontos não causassem engasgos. era apenas isso que almejava: uma gramática sem finalidade. um pão murcho que só se come na esquina.

***



Vivian Pizzinga lançou os livros de contos Dias Roucos e Vontades Absurdas (2013, Oito e meio) e A primavera entra pelos pés (2015, Oito e meio).


6 poemas de Bruno Bandido

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Sobre os corpos descobertos

A casca de tinta
das paredes velhas
camufla o último grito
de criança louca
- uma nuvem
entre os que aguardam
na selvagem descoberta
e o que vai chegar
para sempre
indefinido.
Jamais houve romance
nos olhos
de alguém.



Discurso ao funeral do meu pai

Houve no mar
- meu pai disse -
um princípio de som

(sereias
porque era belo)

Dias depois
não muito antes do porto
um dos soldados
pediu atenção
e mijou no mar

- meu pai disse -
nunca viu
mijo mais longo




Hotel Europa

O hotel não fede a cigarros
mas poderia
também não faz frio lá fora

(prostitutas tomam banho
de sol
enquanto os filhos
nadam em piscina natural)

a bunda da camareira
ao dobrar os lençóis
(dentro de um livro
da Yoko Ogawa)
                              
sempre gostei da
imagem : camareiras fumando
entre um quarto e outro

acendi um cigarro
ela abanou
suas mãos -
saia longa
infinitas
melenas

tive vontade
mostrar o meu pau

evangélicas chupam paus
como gordos em dieta
comem escondidos de si mesmos

como adolescentes fumam
longe dos pais
e fingem que eles
não sabem
                       
é o mesmo princípio
só que com Deus.



Amigo                     
  
o cachorro sem olhos
que minha filha tirou da rua

as mordidas carinhosas
em meu calcanhar

se até ele sabe
que toda carne é sensível

se até ele
ataca com a suavidade
da garoa

por que meus sonhos
são a natureza de um
testamento antigo?

socos que machucam
a mão de dentro


Unhas Negras

Unhas Negras fede a
morte e a lascívia
na porta da boate,
canta sua melodia
nova e velha
com seu rosto novo
e velho
(voz de medusa
no chuveiro).
Unhas Negras frágil
feroz
como se Miguel
abusasse outro anjo
e nascessem os
demônios
mais belos
- que são as flores
mortas
e o mar durante
a noite.


Amanhã

Amanhã você morre
o síndico da morte                                    
espera. Ele que ergue
nossos pecados, ele
que lambe seus
pezinhos pretos de
atriz de teatro.
A te chamar pelo nome
pelo rádio relógio.

Amanhã você acorda
o senhor do abismo
não sonha. Ele que rasga
nossos bilhetes, ele
que come o dentro
dos ossos.
Amanhã você engole

algodão de rímel
cabelo de ralo

pra que o senhor do
delírio, que pune
nossos fetiches,
jogue conhaque
em seu vestidinho
curto
de funeral.


Galeria: Daniel Fama




Bruno Bandido nasceu em 1990, na fronteira com o Uruguai, passou pro Porto Alegre, Salvador e hoje mora em São Paulo com sua mulher e mais dois vira-latas. Em 2014, lançou o livro de contos Tem um palhaço agressivo e um hooligan triste em algum lugar aqui dentro pela editora Bartlebee. Este ano, seu conto Fonte do Boi foi publicado pela Bar Editora. Também prepara um livro de poemas chamado Histórios de Gólgota. Escreve no blog brunobandido.wordpress.com.


Ana Maria Lopes - 5 poemas

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ENXURRADA

E de repente
essa súbita vontade
de chorar a vida inteira
em uma única lágrima.


O DESPERTAR

Quando você chegou
não pensou na partida.
O adeus foi esquecido no tempo

Dentro de mim, uivando em febre,
dormiam mil mulheres.
Despertaram. Despertei

como Joana, a louca de Espanha
andando com seu coração
por terras castelhanas

como Erzsébet, a condessa sangrenta,
bebendo a juventude, recusando a cova
no sangue de gente nova

como Maria I, piedosa e louca
espalhando pelo solo sua desdita,
pregão e pranto: “não corram tanto”

como Ana da Inglaterra, rainha por mil dias,
trancada na Torre de Londres
de onde não mais sairia

como Inês de Castro, coroada morta,
após chorar no Mondego
sua fonte de lágrimas

como a aragonesa Yzabel,
rainha santa, Clarissa sem votos
e dona da paz

como a rainha mãe Frigga
dona dos destinos dos seres
e dos mistérios do sangue

E ao não pensar na partida
você acordou todas elas
e me fiz santa, louca, guerreira,
sangrenta e morta

E todas lhe tornarão verbo
sonho e pesadelo
desespero e razão
Imagem cruel de Sísifo
e o retrato da extinção.


CORPUS CHRISTI

Bem aventurados os que choram
e maldita sejas como todas as mulheres

Maldito o amor por ti amado
e a dor que teu corpo sofreu

Maldito o rasgo de teu útero
encharcado de sanha e fúria

Maldita a injúria sofrida
que nem a prostração terminou

Maldita menina pelo teu gênero
por receberes as penas e as pedras

Maldito o reino que um dia será teu
onde não aplacarás as dores
nem as lembranças da maldita matilha
que tua alma corrompeu


E OS CAVALOS

A luz ficou guardada
trancada dentro deles
enquanto a noite
se fazia labirinto

Para sair era necessário
navalhar as horas
e jogar os cortes
no fundo do mar

Mas o mar perdera o fundo
e eles perceberam
que não bastava vida

Era preciso mastigar sombras
entregar almas
lavar os cavalos
polir a prata

Outros precisaram guardar os olhos
tecer mantas e perguntar
quem inventou o criador

Na escuridão, a certeza
de que Joyce gritara
que cavalos selvagens
não hão de arrancar isso de nós.


BARDO

Wikepediamente falando
nasci em 1620
Séculos depois
a vida nos fez encontro
você carne, eu, ossos

Por amor
reconstruí meu esqueleto
com argila, areia, carne e sal

Ele é o exército que preciso
para guerrear com os tempos

Nesse espaço de eras
assisto, pasma,
minha forma humana
recitar versos
para meus fantasmas.







Ana Maria Lopes é poeta e jornalista. Nasceu no Rio de Janeiro mas adotou Brasília como sua cidade do coração. Possui alguns prêmios literários como a 1ª colocação no concurso promovido pela Embaixada de Portugal, Jornal O Globo e Livraria El Ateneo e em concurso patrocinado pela Bloch Editora e a Baume&Mercier. Tem dois livros publicados - Conversa com Verso (LGE) e Risco (Verbis) - e poemas em blogs e jornais brasileiros e portugueses. Escreve no blog Poesia no Fim do Túnel onde publica poemas de autores brasileiros contemporâneos.

Ilustração : Melk Z Da

1 conto de Eugène Ionesco traduzido por Dirce Waltrick do Amarante

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Gueixas de outono no. 5,  Kristiane  Foltran.

CONTO N. 5

(JOSETE FILOSOFA)


Josete se tornou uma mocinha. Quase uma velha. Logo completou cinco anos. Eu a levei para ver os monumentos de Paris. Chegamos a NotreDame.
Josete pára diante de um confessionário, encantada. Josete pergunta:
“É um elevador para ir para o céu?”
Papai responde:
“Hum, de certa forma, é.”
Josete pergunta:
“Quem é que vai para o céu? A gente vai para o céu com as nossas roupas?”
Papai responde:
“Não, é somente a alma.”
Josete:
“O que é que é a alma?”
Papai (impaciente).
“A alma, (responde portanto) a alma é você,  é a sua mãe, sou eu, mas sem as roupas, sem os braços, sem as pernas, sem o corpo. A alma é você, sou eu.”
Josete:
“Então é o quê? Ela sai pela boca, faz xixi, cocô?”
Papai:
“Não, porque ela não come e não bebe.”
Josete:
“Então como é que é?”
Papai:
“É como um sopro, ela sai do pulmão.”
Josete:
“É como quando a gente tosse, isso dá dor de garganta?”
Papai:
“Não, ela não precisa do pulmão, nem de garganta para respirar, ela nunca tosse”.
Josete:
“Então, como é que é?”
Papai responde cada vez mais embaraçado:
“Ela não tem forma”.
Josete ainda pergunta:
“E isso voa?”
Papai:
“Sim, isso voa, mas isso não tem asas”.
Josete:
“Então me diz, como é que é?”
Papai:
“Não é um pássaro, não é um anjo, não é uma asa, se movimenta como quer e a gente não pode fotografá-la”.
Josete reflete e encontra a explicação que seu pai não pode encontrar. É Josette quem encontra a resposta.
Josete:
“Já sei. É o nada que vê e que entende”.
“É isso” (diz o papai para si mesmo), “é isso que eu responderia para os teólogos e filósofos se me perguntassem o que é a alma. A Josete foi quem me explicou, agora eu sei”. (E papai anota a resposta numa caderneta para não esquecer).
Josete:
“Mas” (refletindo em voz alta).
“Os cachorros e os gatos têm alma?”
Papai:
“Têm, porque nos países que ficam muito distantes, muito distantes daqui, na Coréia por exemplo, se fazem orações pela alma dos animais”.
Josete:
“Então meu cachorrinho tem uma alma?”
Papai:
“Tem, e as pedras também, e as árvores também, e as flores também”.
(E em seguida Josete pensa em outra coisa)
Papai:
“As pedras (...) são as almas que dormem”.
Josete:
“Têm papais, têm mamães, têm vovôs e têm vovós”.
Papai:
“Têm, mas as criancinhas crescem, os papais e as mamães envelhecem, os vovôs e as vovós morrem”.
Josete:
“Como é que eles morrem?”
Papai:
“Eles adormecem, por muito tempo, muito tempo, eles não vêem mais, eles não sentem mais, eles não entendem mais. E depois, muito depois, muito depois, quando todo mundo já tiver morrido, Jesus Cristo virá acordá-los. Ele acordará também as flores, as árvores e as pedras”.
(Josete não está contente)
Josete:
“Todo mundo vai morrer? Eu pensei que todo mundo seria para sempre criança que não muda, mamães e papais que não mudam, vovôs e vovós que não mudam. Eu pensei que todo mundo fosse sempre papai, mamãe, crianças, e vovôs e vovós para sempre”.
Papai:
“Você também, você também mudou, antes você era bebê, agora você é um pouco maior e depois você será velha”.
Josete:
“Eu vou ficar velha e também vou morrer? Então não vale a pena nascer, já que todo mundo vai morrer. Por que é assim?”
Papai:
“Não sei, porque (depois de uma reflexão madura), porque as pessoas e as flores e as pedras, quando ressuscitarem, serão mais bonitas que antes. É Papai do Céu quem diz isso”.
Josete:
“Ele poderia nos fazer mais bonitos logo”.
Papai:
“Não. É como o pintor que faz primeiro um desenho e depois, após o desenho, um quadro mais bonito que o desenho. É como João, o Seu João, que é escultor, ele faz um rascunho ou então um esboço e depois desse desenho e desse esboço, ele faz uma bela estátua, então eu e você, nós seremos estátuas que se movimentam e que respiram. Agora somos somente desenhos”.
Josete:
“É engraçado tudo isso. No lugar do Papai do Céu, eu já faria todo mundo bonito”.
Papai:
“O que você quer, é assim, é o trabalho do Papai do Céu”.
Josete:
“E os leitõezinhos que têm a cabeça cortada?”
Papai:
“As cabeças serão novamente coladas”.
 (Josete caminha, pensativa, segurando a mão de seu papai).
(O papai coloca a mão de Josete no bolso de seu sobretudo).
(E Josete muda seu pensamento de repente).
Josete:
“Papai, o que quer dizer ‘com’”.
Papai:
“‘Com’ quer dizer junto”.
Josete:
“Junto com quem, papai?”
Papai (não sabe dar uma explicação):
“Você perguntará isso à sua mãe. Ela é mais sábia do que eu”.

 E, na rua, papai se lembra quando Josete tinha três anos, sua amiguinha, que também se chamava Josette e que também tinha três anos, pressentiu algo com um ar muito altivo, dizendo “meu irmãozinho, você sabe, ele morreu”.
Tivemos, de fato, um vizinhozinho, de um ano, que morreu de meningite, e papai se lembra que Josete se lançou sobre a outra pequena Josete, ela lhe arranhou o rosto e disse furiosa: “Bochechuda, o que é que é a morte?” A bochechuda responde: “Ela está na terra” e Josete disse a Josete: “Não é verdade, você está mentindo”.
Papai relembra isso a Josete. Que se recorda. Aos três anos Josete já estava escandalizada com a morte, que ela acharia absurda, caso ela tivesse conhecido essa morte.
Aliás, como o Louvre não fica longe de NotreDame, papai levou Josete ao Louvre.
Papai:
“É para ver os quadros”.
 (Josete sabe o que é um quadro.) (Papai faz muitos deles, estão presos na parede com percevejos, por toda a casa).   
 (Josete está um pouco cansada).
Josete:
“De lá a gente vai direto para casa”.
Papai:
“No Louvre, eles são muito mais bonitos. São feitos por verdadeiros artistas”.
(Papai e Josete chegam no Louvre) Eles entram. Josete vê uma mulher sem braço, uma mulher com asas e sem cabeça.
Josete:
“Não é uma alma, só a sua cabeça é uma alma, já que a gente não a vê”.
 (E depois eles vão de galeria em galeria e vêem quadros e mais quadros e estátuas e Josete não pára de olhar. Papai está cansado. Eles saem do Louvre e papai, que agora tem um emprego melhor, pega um táxi para irem para casa. Chegam em casa).
Papai (para a mamãe):
“Fomos a NotreDame e depois ao museu do Louvre”.
Mamãe (para Josete):
“O que é que você viu no Louvre?”
Josete (resume tudo em três ou quatro palavras):
“Só mulheres nuas e Papai do Céu”.
(Depois para o seu papai)
“Papai, me diz o que é que é um artista?”
Papai:
“Estou cansado, pergunte à sua mamãe”.
Mamãe:
“São pessoas que fazem estátuas e quadros. E os verdadeiros artistas são aqueles que fazem quadros bonitos e os outros, são aqueles que não fazem quadros bonitos”.
Josete:
“Então o papai é um verdadeiro artista, os quadros que ele faz são ainda mais bonitos do que aqueles do Louvre”.
Gueixas de Outono no. 8, Kristiane Foltran.
SOBRE EUGÈNE IONESCO
EugenIonescu (EugèneIonesco, como o conhecemos) nasceu em Slatina, Romênia, em 26 de novembro de 1909 (ele dizia que seu ano de nascimento era 1912, pois queria que pensassem que ele era mais novo. Ionesco criou uma confusão tão grande que até hoje não se sabe ao certo quando ele nasceu). Seu pai era romeno e também se chamava EugenIonescu. Sua mãe, ThérèseIpcar, era francesa. EugèneIonesco teve mais dois irmãos, Marilina e Mircea.
Quando o pequeno Ionesco tinha cerca de dois anos, sua família se mudou para Paris. Depois de cinco anos na França, seu pai voltou sozinho para a Romênia, deixando para trás a mulher e os filhos.
EugèneIonesco teve uma infância difícil. Aos treze anos, ele, sua mãe e irmãos retornaram para a Romênia. Lá, seu pai recuperou a guarda dos filhos, que passaram a viver com ele e a madrasta, que os detestava!
Não demorou muito para EugèneIonesco deixar a casa paterna e se mudar para a casa de uma tia, fazendo, no entanto, as refeições na casa de sua mãe.
Em 1934, Ionesco se formou na faculdade de letras de Bucareste, obteve sua licenciatura em francês. Dois anos depois, casou-se com RodicaBurileanu, uma estudante de filosofia, e em 1938, o casal foi morar em França. Sua única filha, Marie-France, nasceu em Marseille, em 1944.
De 1930 a 1945, Ionesco escreveu, em romeno, vários artigos sobre arte e literatura para diferentes revistas editadas na sua terra natal. Em 1950, sua primeira peça, escrita em francês, “A Cantora Careca” foi encenada. Com “A Cantora Careca”, Ionesco ajudou a inaugurar, com outros dramaturgos da época (o irlandês Samuel Beckett, por exemplo), um gênero teatral chamado “Teatro do Absurdo”.
A obra de Ionesco é imensa. O dramaturgo tornou-se famoso em vida, chegando a ocupar uma cadeira na Academia Francesa de Letras. Foi em Paris, cidade que escolheu para viver, que Ionesco morreu, no ano de 1994.

SOBRE OS CONTOS PARA CRIANÇAS DE EUGÈNE IONESCO
Em 1969, quando já era conhecido internacionalmente, Ionesco escreveu seu primeiro conto para crianças: Conto n. 1. No ano seguinte, escreveu mais três contos: Conto n. 2, Conto n. 3 e Conto n. 4. Seu quinto e último conto foi escrito somente em 1982, a pedido de um seu amigo, Paul Verdier, que tinha acabado de adaptar seus contos para o teatro.
A protagonista de todos esses contos é a menina Josete, personagem inspirada em Marie-France, filha de Ionesco.             Josete é uma menina curiosa e seus pais, principalmente seu pai, estimulam a sua curiosidade. O pai de Josete conta estórias para ela, essas não são, porém, estórias comuns. Nas estórias do pai de Josete as palavras ganham vida, criam um mundo novo. 
No quinto e último conto, Josete, já uma mocinha de cinco anos, passeia pela cidade de Paris com seu pai. Eles falam sobre religião e arte. Josete ouve atentamente o seu pai, mas parece que é ele quem aprende com a menina.  O último conto de Ionesco, que oferecemos aqui, recebeu sub-título, que não tinha no original.



Dirce Waltrick do Amaranteé escritora, ensaísta, tradutora e professora da UFSC. Escreveu livros sobre literatura infantil e juvenil, sobre teatro e sobre a obra de James Joyce. Traduziu obras de James Joyce Joyce, Gertrude Stein e Edward Lear. Colabora em jornais como "O Estado de São Paulo" e "O Globo

 

Kristiane Foltran (Curitiba,1978) é artista visual e designer gráfica.Sua trajetória artística conta com mostras em Curitiba, no Instituto de Engenharia do Paraná (PR), Marés (2014)Galeria Portfolio | Biblioteca Pública do Paraná, Gueixas de Outono (2013)Espaço de Arte | Livrarias Curitiba Shopping Estação | Galeria Airez,; Domínio | interferências fotográficas (2013)Pipi Gallery,  IN_VERSOS (2012) Espaço de Arte | Livrarias Curitiba Shopping Estação. Em outros estados: Salão Nacional de Fotografia Persio Galembeck (SP), Viva Casa Galeria – Blumenau.Internacionais: IN_VERSOS (2014)Portfolio selecionado na Convocatória do Festival Internacional de Fotografia de Cabo Verde – Cabo Verde, África; Sem fronteiras para sem licença (2014) Galeria Sem Licença - Centro de Arte Contemporáneo CAC – Quito, Equador; Sem licença para liberdade (2012)Galeria sem Licença – Lisboa, Portugal; Imagem da Palavra (2012) – Intervenções de Rua – Lisboa Jardins Fotográficos (2012)– Intervenções de Rua – Lisboa.

dois pontos pescoço _ Carla Diacov

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:
dor de garganta
é também sintoma de medo
pois tenho medo
dos milagres acontecendo 
dos olhos gordos sobre os milagres
tenho medo dos milagres testemunhados
mais ainda dos milagres correndo bocas escovadas
alvejadas azulejadas
dentes ajuizados
amídalas cheias de vida e de xarope do pólen mais vivo que abelha viva
pescoços esticadinhos
vou morrer de dor de garganta porque tenho medo demais
me sinto pervertida hoje
e como me dói a garganta
sinto nos pés o gosto da passagem do palavrão que não sai
não tem onde ir 
tenho medo e não tenho bolas para 
relocar o pescoço
a garganta
e admito:
preciso morrer dessa dor 



:
quem vê
o mergulho suicida
da gaivota na rocha com busto e pescoço de mulher
quem vê a nudez no regaço vestido de vento
quem vê as linhas de arrasto triste triste nas nuvens rasgadas
quem vê o precipício entre o mergulho e as garrafas no estômago 
da baleia que por ali jaze dois filhotes e meio
quem vê o abrigo que faz o horrendo vestido
da menina dos mariscos
quem vê abrigo qualquer no desenho do vestido
ora quem
vê o mergulho suicida da gaivota
a quem não vê não é permitida a mancha vermelha no busto no pescoço
ora lá quem não vê não tem pérolas para o toque do tempo
ora quem não leva a mão ao busto ao pescoço
ora ora
quem não usa o colar dessas horas inacabadas
ora quem não vê



:
o pescoço segura
o queixo segura
o pente
as mãos juntam os cabelos
o queixo deixa o pescoço
quem larga o pente?
não importa
lá fora tem mais disso
pessoas delegam ao pescoço 
pessoas delegam ao queixo
pessoas delegam ao mundo toda distância
entre a língua e o pirulito

meu pescoço segura um braço
meu queixo segura um braço
as mãos juntam os cacos
antes de furar os olhos de um anjo barroco demais



:
estico o pescoço para fora da janela
mesmo correndo o risco de ser 
atropelada e ter os olhos furados por um pardal
estico o pescoço para dentro da geladeira
mesmo correndo o risco de ser
degolada pela porta e com uma cenoura entalada
no verbo
estico o pescoço para além da linha da calçada
mesmo correndo o risco estico o pescoço
para dentro do livro mesmo correndo
estico o pescoço para lamber um envelope
estico o pescoço para alcançar os olhos no fundo da bolsa
corro os riscos porque é preciso um quase 
de morte para guarnecer o sono
estico o pescoço para além do pôr do sol
mesmo correndo o risco que mais gosto 
de morrer esticada presa pela mandíbula
mordida àquela maçaneta em penny lane



:
sobe a cortina:
um pescoço invertido no fundo da colher
sopa pela metade
o casal que não se fala mas que tanto é salteado pelo
cenário:
o saleiro:
ENCONTREI MEUS DEDOS DEBAIXO DOS OLHOS DO MEU GAROTO
três janelas embaçadas: uma janela
o cão acelera a noite
faz existência mundana debaixo da mesa
uma duas três quatro cinco seis sete pernas
a montanha baça fura um lençol de nuvens
linhas dum fiat: ele que sabe o carro pela luz na cortina
dois sanatórios entre o casal uma cidade adiante o museu:
um só lustre cangaceiro cauterizando gráficos abertos 
nos pescoços
um invertido no fundo:
ela que sabe a pele a casa pelas luzes de fora:
TOMBE O SALEIRO MOLHE O PÃO ENCONTRE-ME ONDE A AFRONTA 
alguém à porta
alguém à porta para sempre à porta

colher sobre colher sobre louça suja de abóbora
dorme o cão
dorme a chave na gargantilha 
dorme a planta a marcação a deixa dorme o cenário 
dorme o garoto que trouxe uma santa para o jantar



:
no coração do milagre 
estará o bonde para levar os olhos
encharcados até outra dimensão
assim será com todos os milagres
todos com a óbvia 
exceção dos milagres acontecidos ao pescoço
a esses milagres não é apontado o coração do milagre
nem o bonde
os olhos ficam e ficam secos
aconselha-se dar banho
uma colher de mel com espinhos
deitar orelhas sobre o assunto sem tocar pianos sobre a dor
e trocar os curativos de 40 em 40 pulsares
no coração da desgraça

um colar indiano pode fazer tudo isso e muito mais
que minhas pegadas sigam o rumo da descrença
menino jesus



* * * 



Carla Diacov (são bernardo do campo, 1975)
formada em teatro, estreia em livro com AMANHÃ ALGUÉM MORRE NO SAMBA (Douda Correria – Portugal, 2015). em 2016, também pela Douda Correria, lançará NINGUÉM VAI PODER DIZER QUE EU NÃO DISSE. ainda em 2016, pelas Edições Macondo, lança  A METÁFORA MAIS GENTIL DO MUNDO GENTIL.



A salvação de Bernardo - Matheus Arcaro

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Ilustração; korithegreat/deviantART



       Bete arrasta as sandálias como se precisasse desgrudar uma verdade da calçada. Verdade diferente daquela entranhada nos ensinamentos frescos de dona Elvira. O sol, como num incesto, penetra pelos cabelos ruivos da menina e, no avesso de sua cabeça, dilata as palavras da catequista. Deus não pode querer isso.

          Passos pontiagudos, respiração ofegante, cenho vincado. Deus fala nos ouvidos dela? Ela conhece as coisas da Bíblia, cita e recita de cor. Gênesis, capítulo oito, versículo sete. Mateus, capítulo quatorze. Paulo, João, Jeremias. Ela arremessa as palavras como se a Bíblia entrasse pelos dedos, corresse pelas veias e saltasse pela língua. Sua boca, uma metralhadora de Deus.

         Não! A voz de Bete excita os músculos da perna, ela precisa encurtar os metros que a separam de casa, abraçar Bernardo, dizer que sempre o amará. Eu vou te encontrar, sim, não importa o que ela disse hoje. Os olhos, num duelo com os cabelos dançantes; as mãos, nas alças da mochila que trepida nas costas, como se esmagassem as injustiças do mundo. Um quarteirão de esperança. Um longo quarteirão. Mas quando vê, do outro lado da rua, o menino com o cachorro, as perninhas de onze anos não suportam o peso do desespero. Ela desaba na mureta, arranca a mochila e pega a Bíblia, onde está a passagem? Onde está? Os dedos rebeldes às ordens do cérebro. As lágrimas embaralham as sílabas e, pela primeira vez, um palavrão vaza dos lábios salgados.

     No peito, lateja a frase da catequista. Não, Elizabeth, os cachorros não vão pro céu; somente nós humanos, que somos imagem e semelhança de Deus, temos alma. Somente nós temos livre-arbítrio. Somente nós podemos escolher o caminho da salvação. Deus não era cheio de bondade? Mamãe sempre fala isso, dona Elvira, Dom Arnaldo, todos na igreja pedem e retribuem e entregam suas almas pra Ele, eu rezo pai nosso, ave maria, creio em deus pai, canto os salmos, saio em procissão na páscoa, no natal desde o ano retrasado, não como carne na quaresma, não olho pros garotos muito menos pras garotas, não respondo pra mamãe não não não. O menino e o cachorro do outro lado da rua. Ela quer ser o menino. Precisa ser o menino.

        Sara entrou na creche carregando um embrulho de pano. Filha, aqui está o que prometi. E revelou aquela bolinha de pelos brancos que sequer sabia abrir os olhos. Bete logo arrancou o cachorro do colo da mãe. Bernardo! Os irmãos têm nomes que começam com a mesma letra, não é? Sara, sem pronunciar palavra, disse que o cachorro estava batizado. Você já tem quatro anos, vai saber tomar conta do Bernardo. Tem que cuidar dele igual a mamãe cuida de você. Mas ele não é meu filho! Bete, há quase um ano, pedia por um irmão. Sara jamais se permitiria outro filho. Resolveu o problema com duas visitas ao pet shop.
         Bete atravessa a rua, quer abraçar o cão que abraça o menino. Como assim os cachorros não vão pro céu? Bernardo nunca fez mal a ninguém, nunca roubou a comida de outro cachorro, nunca fez coco fora do jornal, nunca mordeu uma criança, nem mesmo a Carol que puxa seu rabo ou o Murilo que joga água no seu focinho. Nunca.

      A porta que fronteiriçava a sala de espera e o ambulatório era de madeira, mas, para Bete, era a porta de um frigorífico. Seus olhos e a porta: ímãs opostos. A mãe segurava em sua mão, tentativa vã de transfusão de esperança. Mais de quarenta minutos, a porta se abriu e, dela, saiu o proprietário do seu futuro. Silêncio espesso. Dona Sara, podemos falar em particular? Não, doutor, pode falar na minha frente. Tenho onze anos, já sei como são as coisas da vida. E sou eu quem cuida do Bernardo. O veterinário tragou o vácuo deixado pelas palavras, olhou para a mãe, que mexeu suavemente a cabeça para cima e para baixo. Bernardo está muito doente. Por isso tem vomitado sangue nos últimos dias. Vai direto ao ponto, doutor! Tudo bem. Ele está com câncer no estômago. Não há muito o que fazer. Tem poucos meses de vida. Dois, no máximo três. Mas doutor, na internet sai notícia a toda hora sobre curas, a medicina está megaevoluída. Não existe um remédio pra salvar Bernardo? Operação, talvez!

       Bete se aproxima do cachorro e do menino. Não, meu Bernardo não será salvo. Nem pelo médico, nem pela dona Elvira. Dona Elvira descumpriu a palavra de Deus. A Bíblia descumpriu a palavra de Deus. Deus descumpriu a palavra de Deus. Qual é o nome dele? O menino, com a voz mastigada pela timidez, diz que é Pudim. Posso passar a mão? Como uma imperatriz, ela coloca a mochila na calçada e o cachorro responde deitando-se: a barriga a pedir por afago. Muito parecido com o jeito de Bernardo. Naquele momento, Pudim é Bernardo. Ele, então, passeia pelas lembranças da menina. Desde o momento em que ela pegou a bolinha de pelo no colo, a vida começou a tecer os laços que a prenderiam ao cão. E quanto mais o tempo se estendia, mais grossos os laços ficavam. Cabos de aço. Bete era Bernardo. Voltava correndo da escola para brincar com ele, levava-o ao balé, jantavam ao mesmo tempo. Quando ela teve vontade de beijar Lucas, Bernardo foi o primeiro a saber. E escutou com a fidelidade peculiar que os milênios cunharam em seus genes. Bete e Bernardo eram espécies siamesas, seres que desprecisam de palavras para se comunicar.
       A menina pensa em interpelar Deus novamente. Mas, enquanto acaricia os pelos de Pudim, fica confusamente claro que não há palavras que deem conta da ausência. Ela vislumbra vagamente que Deus não pode vencer o tempo e que a dor humana talvez seja divina demais para Ele. Percebe que suas lembranças nunca desaparecerão. Percebe que pode usar a memória para suplantar a falta de esperança de encontrar Bernardo no céu. E percebe que, lá do céu, velhinha, ela poderá lembrar do seu irmão. Bete, então, perdoa o veterinário. Perda dona Elvira. E perdoa os pecados de Deus.




Matheus Arcaro nasceu em 1984 em Ribeirão Preto, onde vive atualmente. Graduado em Comunicação Social e também em Filosofia. Pós-graduado em História da Arte. Atua como professor de Filosofia e Sociologia, artista plástico e palestrante. Desde 2006 tem artigos, crônicas, contos e poemas publicados em veículos regionais e nacionais. Seu livro de contos Violeta velha e outras flores, publicado em 2014 pela Patuá, vem recebendo ótima crítica em âmbito nacional. Seu romance O lado imóvel do tempo também saiu pela Patuá em abril de 2016.


LANÇAMENTO DE CARLA DIACOV + 2 POEMAS

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As Edições Macondo e a poeta convidam para o lançamento do quinto número da coleção Guilhotina

A metáfora mais gentil do mundo gentil de Carla Diacov



LANÇAMENTO:

Dia 25/09 a partir das 22h

Eco - Performances poéticas | Café Muzik
Rua Espírito Santo, 1081 - Juiz de Fora, MG



























SOBRE O LIVRO:

Uma das poetas mais instigantes da nova geração chega às Edições Macondo trazendo uma "poética dos banheiros". A metáfora mais gentil do mundo gentil, primeiro livro de Carla Diacov editado no Brasil, é um apanhado íntimo de situações e registros de uma voz espantada e eufórica, que corre linhas como se deixasse aberta a porta do banheiro público e chamasse os leitores ao redor.

Ilustração da Capa: Anna Mancini
Revisão: Anelise Freitas
Número de páginas: 40
ISBN: 978-85-921140-2-2


SOBRE A AUTORA:

Carla Diacov é uma poeta brasileira nascida em São Bernardo do Campo em 1975. É formada em Teatro e possui poemas publicados em diversas revistas no Brasil e em Portugal. Amanhã alguém morre no samba, seu livro de estreia, foi publicado em Portugal, em 2015, pela Douda Correria. Ainda esse ano lançará Ninguém vai dizer que eu não disse pela mesma editora.


LEIA 2 POEMAS DO LIVRO:



COMUM

quantas vezes rezei para que
o banheiro da igreja fosse
uma armadilha
o fim da missa
me trancava na palavra latrina
pensavapensava cantava o meu confessionário
plotava barulho de asas nas laterais e
barulho de passos pela frente
balançava as perninhas
pode um homem tratar um pecado como um
pecado o homem dentro e fora do pecado
pregava os olhos na lua minguando à porta
e disse Mateus
tudo em rumo rush rush olha rush
da imortalidade uns avanços meus
pecado sentar ali e dirigir quilômetros e nessa velocidade
intratáveis iluminados
rushrushrush
guerreiro o menino quebrado do mau vinho
no mármore intratável iluminado
cerne dos segredos caixa inteiriçada
comum seria o mármore do banheiro
fazer altar com banheiro comunitário
e não é assim?
armadilha que eu fazia
fugir dos sinos senta ajoelha agacha
lambe a mão do pai do filho
então os desenlaces para toda
a futura geração
cabe onde bem no meio de nós?
comungou direitinho?
especialmente hoje
papa
minha especialidade
fui só inteiriça e confissões



A OUTRA HISTÓRIA

a humanidade
esfomeada por tempestades
esquece de dar descargas
rematar discursos óbvios
é no banheiro que o tento do homem
mais pertinente
se dá por varonil
a humanidade desaquece desacelera
desvanece se não frequenta o banheiro para assuntos que não
intestinais
o banheiro é para muito
fomos ensinados que na acústica intimidade está
o mais formoso diamante do organismo pensamento
também fomos ensinados a esquecer
a história afastou o banheiro do juízo
expulsaram a filosofia do banheiro como
fizeram na bíblia com aqueles irmãozinhos que
ousaram conhecer o íntimo do íntimo
o ouro entre os pelos cabelos unhas
cá é isso agora de não dar descargas
de não pôr para fora para caber do mais
pouco tempo passamos no banheiro
e se é maior que sonhar
lhes digo
é no banheiro que te quero
acaso meu acaso
de terno curto rabo sujo barba e fundamentos por fazer


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