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3 POEMAS INÉDITOS DE ANDRÉ CARAMURU AUBERT

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cansaço

Depois de “Next”, de Charles Wright

às vezes me sinto tão cansado – com tamanha exaustão – que fico
com vontade de me deitar, no meio de uma praça,
no meio do dia. apenas me deitar. ignorando carros,
passarinhos e pessoas (possivelmente horrorizadas)
de cara feia. eu ficaria deitado, no meio de uma praça,
apenas ouvindo a grama crescer. e olhando, para alto,
para o céu.

a dor passada não redime, a
dor presente não arrefece, a
dor futura ainda não é.



uma montanha


uma folha em branco, uma
caneta. e eu invento uma montanha. com
cores, profundidades e tons.
com nuvens ao fundo, vento e sons.
com pássaros, árvores e mamíferos.
com moscas, também, e aranhas.
uma montanha. uma folha em branco,
uma caneta. com nuvens, vento e tons,
eu inventei uma montanha.


  


tempestade


as nuvens baixas, úmidas, escuras
carregadas de chuva, chegaram muito
rápido, muito.
o mundo ficou cinza. o verde das folhas das árvores,
o que aconteceu com o verde das folhas das árvores?
e eu, encolhido na minha carteira, na sala de aula, queria
— desesperadamente eu queria — ir para casa, e
pensava: como é que eu vou para casa? como?
porque a beleza que há no vento forte, na mudança súbita
de pressão atmosférica e de cores, na chegada de uma tempestade
eu, pequeno, ainda não sabia ver.




*    *    *






André Caramuru Aubert nasceu em São Paulo em 1961. É editor, tradutor e escritor. Já colaborou com publicações como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Atualmente é colunista da revista Trip e colaborador do jornal Rascunho, para o qual mensalmente seleciona e traduz, entre seus preferidos, algum poeta estrangeiro. Publicou, pela editora Patuá, o livro de poemas Outubro/Dezembro e, pela editora Descaminhos, os romances A Vida nas MontanhasA Cultura dos Sambaquis, Cemitérios e, agora em novembro, Só uma estranha luz como pensamento.







Resenha de "Aprendizagem Cinza" de Leandro Rodrigues - Jesse Navarro

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São Paulo a sangue frio na estreia de Leandro Rodrigues


 “Aprendizagem Cinza” (Editora Patuá, 2016) é o livro de estreia do poeta paulista Leandro Rodrigues. Trata-se de um conjunto de poesias que mostram o lado realista e denso da capital de São Paulo. Uma verdadeira viagem sangrenta e real pelos cantos da cidade mais rica do Brasil. O livro já começa com o misterioso título “São Paulo IX”, Concretismo puro.

Em “São Paulo IX”, Leandro Rodrigues roteiriza o que nunca seria dito por um apresentador de programas policialescos, apesar de o assunto ser um crime passional. É mostrada uma visão de quem está atrás das lentes em ritmo de cinema noir.

Em “Astraçã”, vemos um show de vogais que não são apenas vegetativas. São vogais que mostram aquela capital do turista (francês, será?), aquele que usa uma bússola e morre. Em cada verso se faz presente a arquitetura pós-moderna que só São Paulo tem. Prédios triangulares, assimétricos, ruas escuras onde o cotidiano mostra sua face: decomposta, criminosa, real como só o sangue de um poeta pode ser.

É uma São Paulo onde até Bukowski aparece. Ele mesmo, o norte-americano velhaco, o famoso poeta das mil garrafas de Bourbon. Na poesia, o gênio vomita e enfrenta o aço de Sampa. Temos aqui uma linguagem não-linear, onde o cinza do título mancha todas as ruas da cidade em pleno século XXVIII. Vira chumbo, lixo, miséria, uma realidade cinzenta como nem o mais pessimista poderia imaginar. A chacina prossegue em “São Paulo V”: aquele mesmo sangue que os mais velhos espremeram nas antigas páginas do jornal Notícias Populares.  O poeta se indigna diante um crime passional e entrega o que chama de linguagem publicitária. Os números vão crescendo ao mesmo passo do lixo, da miséria, da hecatombe visionária. O poeta insatisfeito aumenta o caráter da letra, dando o efeito visual que desconstrói o sangue reciclado. Os rios Pinheiros e Tietê são desmascarados como desova de defuntos, um cenário onde o velho Buk, o bêbado escritor, certamente pensaria em se jogar, bradando: “preciso resgatar minha garrafa!”.

A poesia que puxa para a antiga forma de Literatura é justamente onde o poeta se enterra: “Soneto à cidade de São Paulo”.  Não satisfeito na condição de morto, ele dança com defuntos numa perigosa valsa que não perdoa nem Mário de Andrade. E quem será o Urubu-Rei que voa entre escombros, farpas e estilhaços? A cidade dos travestis que têm faca entre os dentes, cortando a noite em mil palavras. Então temos mais do que a modernidade, temos os primórdios do século XX em São Paulo de 1937, 1910, 1915 (a melhor peça do livro, que dá voz aos cavalos), até o sangue impiedoso nas roupas do varal de 1918.

Não se trata de obra recomendável para deprimidos: é veneno que escorre pela boca, sangue que esparrama até no poema da tarde, um caleidoscópio onde podemos ver Lorde Byron, Zé do Caixão, Buñuel, todos esqueletos nas ondas do mar. Hilda Hilst aprovaria esse livro, certamente colocaria na sua estante entre os favoritos. Eis uma poesia gótica, misteriosa, profunda, enigmática, sangrenta, terrível. Rara na atual geração.

Até Drummond é revisitado, sempre gauche. O anjo é o próprio poeta que não dá a mão para si mesmo no espelho, apenas franze a testa. Tão surreal quanto o barulho de um jasmineiro que, pasmem, “no seu barulho aponta um cifrão”. Não falta também o lado musical de Leandro: a letra “Memória dissoluta” fez parte da sua passagem por bandas importantes nos anos 90, como Onírico e Redator S/A.

Difícil escolher a melhor poesia, mas certamente “Semiótica” vai além do conceito de Marshall McLuhan. Não temos aqui nem o meio, nem a mensagem. Temos um par de olhos dentro do mais surreal dos copos da Língua Portuguesa.  O livro que ficou na estante passa a assombrar o “homem de papel”. O habitante da bruta capital, perdido em becos, uma hora vai até os rios. E até lá acha a morbidez de mortos afogados que continuam nadando. Há também espaço para pássaros, raras figuras que não sangram em “Aprendizagem Cinza”. O poeta, que é um professor da Língua Portuguesa, mostra habilidade verbal em “Vapor Barato”, título que alude à famosa música de Jards Macalé e Waly Salomão: “Lentas horas / só meu coração / e va po ra”.

“A golpes de martelo” ficou consagrada no programa “Estúdio Blen Blen Entrevista” na internet. Um piano segue o compasso da narração, a poesia concreta se assume no estilo que consagrou os irmãos Campos e Décio Pignatari nos anos 50. “Aprendizagem Cinza”, o livro, é uma estreia pesada, realista, sem gracejos ou romantismos. Além de ser boa leitura, é também uma aula para novos poetas. Que venha o novo.  




Jesse Navarro é jornalista, redator, produtore apresentador de TV.Atuou :Rede TV, Band, Abril, Primeira Hora, Diário da Região, colaborador da Folha de S. Paulo, revistas Trip e Istoé Gente.

Projeto Bot (Working in Progress)

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Peça em X atos
“Tristeza automática. Um robot elegíaco”. – Cioran
“‘É preciso estar bêbado ou louco’, dizia Sieyès, ‘para falar nas línguas conhecidas’. É preciso estar bêbado ou louco, eu poderia acrescentar, por se atrever ainda a usar palavras, qualquer palavra”. – Cioran
Personagens: Um homem, uma mulher, terceiro personagem (dentro do rio), o poder econômico, tucunaré morto, os índios krenak.
(SENTADOS NUM PEDAÇO DE GRAMA VERDE, À MARGEM DO RIO DOCE, COBERTO DE LAMA. UM HOMEM E UMA MULHER OBSERVADOS POR ÍNDIOS KRENAC, TAMBÉM SENTADOS NUM PONTO MAIS ALTO. ACIMA PASSA UM TREM CARREGADO DE MINÉRIOS)
H (apontando para o rio): Chega de mensagens não lidas na minha epifania. Mas se verifica uma o corpo avança!
M (balançando a cabeça, tristemente): Nesse país cada vez mais absurdo a única linguagem possível é a surrealista.
H (devaneando): Só a falta que você está atemorizada, está conversando. Que te vendo um cachorro na porta da tristeza, portanto, estive enamorado da série (pausa). O país foi governado por cinco décadas. Nem sempre acompanhada de dentes da parede pende, põe teus sapatos Louboutin e
M: (ríspida, interrompendo): Poe$ia de bolso vazio ainda é a política, no ambiente democrático, requer organização, discussão, segmentação, sujeitos coletivos. Os lobos e
H: (ríspido, interrompendo): Com certeza, pensei que fosse um pássaro (rindo descontroladamente). A rir à Paulista, coletivo pra relaxar. Falta agora somente isso.
TERCEIRO PERSONAGEM (NÃO SE VÊ, VOZ VINDA DO RIO): O poema como o grupo de adolescentes que cruzei no escuro, não, se vocês querem um mandamento? (pausa) Quanto custaria? É de Thomas Piketty, o célebre economista francês, autor de leite (irônico). É belo
H (interrompendo): November or never.
M: La inmensidad del mar o una cáscara de política eu gostaria que algo suceda, disse W.
H: Nada mais nada, y movimientos sociales que nem ônibus e (pausa). Hoje é dia do pecado, pelo esvaziamento do antecessor.
M: A tragédia é preferível à justiça, disse Cioran.
H: Hope deferred maketh the something sick. Who said that?
TERCEIRO PERSONAGEM (NÃO SE VÊ, VOZ VINDA DO RIO, enfático, em tom declamatório): E, depois de 700 km, a lama chegou ao mar.
H: What would I say? About the havens dumb and a few lilies blow.
M: “Assim fala ele chorando, e faz sua frota içar as velas”. TERCEIRO PERSONAGEM (NÃO SE VÊ, VOZ VINDA DO RIO): “A doce mãe gris? O mar verdemuco?”
H (dirigindo-se à platéia, com condescendência): Comentamos sobre o ambiente do Rio Doce (volta-se para trás). Abre a porta (pausa). Entra o poder econômico.
(Levantam-se. Entra o poder econômico)
PODER ECONÔMICO (VESTIDO COM UNIFORME DA SAMARCO, enfático): Nós escolhemos nossas vítimas a dedo.
(Salta do rio um tucunaré morto) TUCUNARÉ MORTO: Salvo pela fé! (Não se mexe). PODER ECONÔMICO (VESTIDO COM UNIFORME DA SAMARCO, sombriamente): La chair est triste, hélas! H e M (juntos): é o momento da cortesia entre companheiros de viagem. Uma árvore cala no centro da derrota... e, assim, da transformação, diz. Tudo de novo/vivo ou morto ao amanhecer do dia.
M (dirigindo-se ao poder econômico, com uma hóstia nas mãos): depois do milagre da mortificação, ele andará sobre a lama.
(O poder econômico ajoelha-se e recebe na boca a hóstia. Todos se benzem. Neste momento ouvem-se tocar todos os sinos de Mariana).
Fim do primeiro ato.

4 poemas de Wanda Monteiro

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no caminho  do meio
à meia boca
há um corpo-senda
o meio é fenda
guardando no breu
a luz de línguas cegas
em
mergulho
abissal
de
desejos



 *
crista-flor
rosácea gana
engana
o músculo em riste
mira o arco
no vão das coxas
abre-lhe rosa cava
rasa cova
de
verga
morte






em grito
fúria
disparo
a língua singra
sangra
fulmina
ávidos lábios
no
cio
cego
silencioso
da
flor 





no oráculo de brancas coxas
a virgemdesvela-se
a castidade
rubra
rosa
pecaminosa
tomba
!

 a espada em silêncio e fé
 verga
e
rende-se

vencida pelo cansaço das veias




Wanda Monteiro, escritora e poeta é uma amazônida, nascida às margens do Rio Amazonas no coração da Amazônia, em Alenquer no Estado do Pará, Brasil, reside há mais de 25 anos no Estado do Rio de Janeiro mas só sente-se em casa quando pisa no leito de seu rio. Advogada e mãe de três filhos, nunca se afastou de sua vocação literária. Além de escrever, exerceu a atividade de revisora e de produtora editorial durante muitos anos. Participou de vários projetos editoriais de pesquisa histórica realizados no Estado do Pará e sempre publicou seus textos literários em revistas literárias, blogs e sites. Nos últimos anos, a escritora tem se dedicado exclusivamente à literatura, com várias obras literárias ainda não publicadas, participa, como colaboradora, de vários movimentos culturais de incentivo à leitura, em várias regiões do Brasil.Publicou dezenas de seus textos poéticos na Antologia Poesia do Brasil do Proyecto Sur Brazil, participando  dos volumes IX, XI, XIII, XV. lançados no Congresso Brasileiro de Poesia no Rio Grande do Sul.  Obras publicadas:O Beijo da Chuva, Editora Amazônia, 2009, Poesia;Anverso, Editora Amazônia, 2011, Poesia;Duas Mulheres Entardecendo, Editora Tempo, 2011, Romance escrito em parceria com a escritora Maria Helena Latini.Aquatempo– Sementes líricas, Editora Literacidade, 2016, Poesia.

As águas da poeta/borboleta - Lançamento virtual de "Gota a Gota" de Chris Herrmann/Ilustrações de Cristina Arruda

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Chris Herrmann já faz parte do cenário poético brasileiro seja como ativista cultural, editora e principalmente poeta. Dela se conhecem bem os haikais, tecidos com o labor de uma abelha/borboleta, editados em  muitos meios digitais e físicos no Brasil e na Alemanha. Pois, Chris Herrmann surpreende, e bem, com o fôlego e a profundidade de sua poesia cursiva, coerente com o estilo curto e astral da autora, percorrendo, porém, inusitadamente, proporções líricas e existenciais. GOTA À GOTA se inicia na batida leve e franca esperada e, já no quarto poema, se anuncia em sábio vigor: Lá bem no fundo/somos todos rasos/diante do mundo/buscando o/pro/fundo.

          A água é o novo meio de propagação dessa incansável ave/borboleta. Mulher de vôos curtos e precisos, Chris investe em meio líquidos, plenos ou rarefeitos, namorados de terra e ou areia, fisicamente contidos nas próprias malhas ou alternados com ar e vento. Não se nega a nenhuma comparação ou distanciamento, antes, envereda pelas teclas, sem formas precisas, das várias águas que, como bem se entende, representam a subjetividade e a emoção.

Boneca de pano

empoeirada na gaveta
não quer ser lavada
não quer ser consertada
atravessou oceanos
anos, décadas
só para trazer de volta
o cheiro da terra
tocar tua infância
nela guardada

a tessitura dela
é que te limpa
e te conserta

        O que mais me agrada em Chris Herrmann é o inconfundível selo de sua personalidade. No poema acima, Boneca de Pano, a poeta expressa a memória carregada de saudades e, às vezes, de dor, da infância, no mesmo tom de bom senso e satisfação que esperamos dessa moça plena de equilíbrio e felicidade. Chris é uma dessas raras mulheres que enveredou para a poesia não para chorar e expressar seus desencantos ou desamores, o voo dessa borboleta sempre foi o da alegria de cobrir o aéreo sonho da natureza, do humano, da forma e das cores. Em Árvores genialógicas: Sorrisos têm a lógica de gênios!/Rodopiam do coração da gente/A razão das nossas enchentes.
       
          A poeta, com a precisão de artífice, consegue em seu discurso lírico trazer  objetivo e  subjetivo entrelaçados, confundidos quase, pois o sonho e a matéria não se distinguem, como pensam os medíocres de olhos e alma, antes, fazem o mesmo curso na travessia humana. Mais puro e completo que essas palavras? com a simplicidades dos poetas natos, em Ar gila: ver a poesia é como tocar a cerâmica/ sentir formas, nuances, cores/vibrar sons, formar novas imagens/realizar todas as viagens/inimagináveis, infinitas.

            A ilustradora, Cristina Arruda, tece poemas junto com a autora, já que a palavra de Cris é uma jangada nua em mar aberto e sequer precisaria de outro motor do que a si mesma. Cristina, tão deitada no berço esplêndido do vôo em águas como a poeta, encanta com imagens tão leves e agraciadas dos ventos da bonomia do existir que seus desenhos são uma continuação e uma outra parte do lirismo da brasileira/alemã. Juntas, as duas parecem santas jangadeiras domadoras de mares e emblemas, com elas todo vento é a favor.

           Depois de nomear os santos, seus paradeiros e seus motores, a autora começa, com doçura e liquidez consciente, a falar de suas dores e saudades e amores. Já que nem tudo pode ser satisfação, planar em águas correntes. Pois, enfim, como nós outros, também palmilha um chão nem sempre muito afeito à tranqüilidade, ao domínio de ser e vontade. Lágrimas descritas com tanta concisão... em Sabiá: já não sabia/se era o canto do sabiá/aquele rio em seus olhos/ou se as saudades dele/o sorria. em ondas curtas: e fiquei ali/numa onda de silêncio/na frequência de menino/sem saber pra onde ir./o mar com seus piratas/e os navios-fantasmas/já podiam me ouvir.

          Cris é floral e faca quando fala de seus amores, de seus tempos, quando constata desistências, encolhimentos. Depois de honrar cada pedaço do existir com seus parâmetros e lírios de suavidade, uma deliciosa mistura de razão e sabedoria zen, segue em um rio de margens seguras quando nos embarca na nau alta e nua dos fatos e finos tratos de seus dissabores. Aí pelas páginas do meio do livro viajamos ou Christaleira: 

é nela
que guardo
meus cacos
vit(r)ais

para juntar
à noite
enlouquecida

embevecida
das nossas
transparências

            Chris Herrmann faz uma prova de força nesse livro, se mostra como pessoa capaz de abrir muitos ângulos, conceitos, novas visões, tudo entremeado de um amadurecimento que não acinzenta ou escorre clichês de bem aventurança, Sua pena é firme como a de um marinheiro experimentado que veste com alegria o leme de capitão, e sob esse comando, totalmente abraçado ao feminino, diríamos então uma marinheira e capitã afeita a uma moldura cristalina, azul e aérea, encontro de  céu e  mar na linha do horizonte. Pois, em Varar-se: costumava pendurar/seus sonhos no varal/mas não os esquecia. E nossa remadora borboleta conduz o barco da poesia como Musa e Sacerdotisa, feliz, aérea, aprofundada da vida e das águas das verdadeiras e sinceras emoções.


Jandira Zanchi



Chris Herrmann (Christina Magalhães Herrmann) é musicista, editora e poeta natural do Rio deJaneiro, residente na Alemanha desde 1996. Estudou literatura na UFRJ; música e piano no CBM-RJ e Webdesign na Uni Carioca. É pós-graduada em Musikgeragogik (educação musical & musicoterapia para idosos, pessoas especiais e pacientes de Alzheimer) pela Universidade de Münster, Alemanha. Participou de diversas publicações de poesia impressas e digitais no Brasil, Espanha e Estados Unidos. Criou as capas, organizou e lançou em parceria com o Congresso  Brasileiro de Poesia em 2006 e 2007, cinco antologias de poemas de suas comunidades virtuais. Publicou a coletânea de 178 haicais „Voos de Borboleta“ prefaciado por Leila Míccolis em 2009 pela editora Protexto, com segunda edição digital pelo TUBAP em 2015. Criou a capa, prefaciou,participou como poeta e foi uma das organizadoras do livro digital „Sobre Lagartas e Borboletas“, TUBAP, 2015. Lançou também em 2015 o livro „Na Rota do Hai y Kai“, uma coletânea de 50 haicais, com traduções para o espanhol e ilustrações do artista chileno Leo Lobos. Foi colunista de Blocos Online. Criou o selo TUBAP em parceria com  Adriana Aneli. É colaboradora da Revista Plural (ed.Scenarium). É uma das editoras de Tempestade Urbana e editora-fundadora de Boca a Penas. www.christinaherrmann.com.


Mineira de Belo Horizonte, Cristina Arruda é artista plástica, formada em ciências biológicas e odontologia pela UFMG. Artista plástica autodidata há mais de 15 anos, vive em Belo Horizonte onde realizou as exposições individuais "Universo Feminino" e "Rebento". Ambas no Centro Cultural Lagoa do Nado, além de exposições coletivas. Participou como cenógrafa e figurinista voluntária do grupo ENCENARTE com indicação para prêmio de melhor cenário no VII Festival de Teatro Estudantil (Festim), promovido pelo teatro da Assembléia do Estado de Minas Gerais. Participou do “Encontro com a Arte“, projeto vinculado à linha de incentivo à cultura da prefeitura de Belo Horizonte, no Centro Cultural de São Bernardo, 2001. Ilustrou diversos livros de poesia, como a antologia "Sobre Lagartase Borboletas", organizada por Adriana Aneli, Adriane Garcia, Chris Herrmann e Maria Balé (ed.TUBAP/Scenarium, 2015) ; "Amor Expresso" de Adriana Aneli (ed. Scenarium, 2015). Participou com ilustrações do livro “Memórias Embaralhadas“ (Vários Autores, ed. Leonel Prata, 2015) Entre os projetos de 2016, estão as ilustrações dos livros de poemas "Gota à Gota" de Chris Herrmann (ed. Scenarium), e "Tudo é beija-flor" de Lázara Papandrea (ed. Penalux). http://christinaarrudaartes.blogspot.com

Lançamento virtual de "Contemporâneas" - organização de Adriane Garcia

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Lançamento virtual: 29/07, 18 hs.


Eis a nave: Contemporâneas. Ela não traz autoras como uma exceção, traz como a regra, e traz em si uma variação. Não é nada diferente do que inúmeras vezes acontece com antologias. É uma variação dentro do que acontece. Entramos na nave. Escrevemos. Antigamente as mulheres eram proibidas de viajar nos navios de conquista, porque a lenda dizia que dávamos azar e púnhamos tudo a perder nas viagens. Inventaram-nos muitas lendas.

Não é uma discussão sobre escrita feminina, não é nem uma discussão. É uma nave ocupada. Uma nave cuja tripulação é de mulheres que escrevem e dão muito bem o seu recado. Como sujeitos atuantes no mundo e na própria vida, destes lugares, colocam suas vozes.

Esta antologia traz uma pequeníssima amostra do que há neste tempo, escrito por elas. Outras amostras podem (e que venham!) ser apresentadas. Esta tem a limitação da organizadora, mas buscou-se trazer poetas que publicam atualmente, tanto em livro quanto em plataformas digitais, e que possuem um trabalho constante e preocupado com seu texto. É certo que várias poetas com trabalhos excelentes não estão no que sabemos pequeníssima amostra,
havendo um limite de espaço físico e mesmo a falta daquilo sobre o que meus olhos infelizmente nunca se colocaram.

Foi proposto o tema livre, mas acabamos por encontrar reincidências temáticas deliciosas.

A harmonia coube à escolha de um dos poemas entre três que as poetas me trouxeram. Por grande sorte, tinha no começo e no término (já que escolhi a ordem alfabética por nomes das autoras) poemas que, no meu entender, realmente abriam e fechavam de modo muito acertado esta antologia. Gosto. Considero-a ótimo material de leitura do início ao fim. Convido-os para esta nossa viagem irreversível. Entremos na nave."

Adriane Garcia 
Poeta e organizadora


https://issuu.com/vidasecreta



ADAGIO QUASI LARGHISSIMO - Um conto delicioso de Aloísio Svaiter

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Casa cheia. Daqui enxergo todo mundo. Os que vêm sempre, ar de rotina. Os que não vêm nunca, assustados, buscam o seu lugar. E também os críticos dos jornais. Esses eu conheço, um por um. Todos com ares de autoridade mediúnica. Descem o pau quando a orquestra se perde e quando não se perde também. Acho que eles têm o texto pronto antes de vir. Ninguém aqui em cima liga pra eles. Só o Maestro. Ele fica doente. Analisa as críticas publicadas. Quer entender o porquê. Depois, tenta nos corrigir. Acho que tem medo de perder o emprego.

O Conselho da Fundação é fogo. Os caras não aparecem nunca. Mas leem os jornais.

O babaca do spalla entrou agora. Batem palmas para ele. Por que? Não ouviram nada ainda. E ele agradece. Uma mesura repleta de humildades. Se soubessem da empáfia dele. E como puxa o saco do Maestro para se manter escolhido. Agora tira do violino uma nota esticada e todos fingem afinar os instrumentos com ela.

Eu, aqui, no fundo, estou cercado por quatro tambores. Sou também baterista de um conjunto de jazz. Aqui, tenho um título pomposo. Percussionista. Toco tímpanos. Dou ênfase a trechos graves. Acentuo o caráter da música em alguns momentos. Por vezes, pouquíssimos momentos. Em algumas peças, fico imóvel, quase todo o tempo. Só quando o Maestro me aponta o dedo, eu me levanto, faço ressoar os tambores. O som se propaga na sala. Depois, me sento novamente. Por alguns instantes, sou mais do que os primeiros violinos, os segundos violinos, os violoncelos, as trompas, os fagotes. Eu vejo, no público, a emoção que provoco. Ele fica atento. Arregala olhos. Desperta do embalo da música. Mas não me veem. Estou lá atrás. Quem está na frente é a Marta. Ela fica na segunda fila de violinistas. Ao lado do spalla. À esquerda do Maestro. Olhou para mim, agora há pouco, de relance. Depois, ajeitou a pauta na estante, e, apoiando o violino no colo, distraiu-se com a plateia. Dizem que será o próximo spalla. Correu esse boato. Ela é casada com o violoncelista da última estante, à direita do Maestro. Foi sua aluna. Não me importo com ele. Faz tempo que ela não vem ao meu apartamento. Mas ele não é a causa. Certamente não é. Cometi algum erro. Ou foi desencanto mesmo. Outro dia, depois de insistir para eu largar a percussão e tentar a flauta, ela desabafou. Sua vida artística, disse, tem a rotina de um ascensorista. Só que não sobe. Nunca.

Agora o Maestro entrou. Passos rápidos. Decididos. Aplausos da plateia. Os músicos se empertigam. Ele sobe no pódio e levanta os braços. Eu fico de braços cruzados. Eu sei que ele não gosta. Mas só vou tocar daqui a nove minutos. Uma eternidade. Tenho que ficar com as mãos sobre as pernas, como um faraó egípcio? Marta me olha de esguelha.

O Maestro levanta as mãos. Os violinos começam agora. Depois os sopros. Allegro, é o ritmo. Na terceira fila, está o critico do Diário. Ar de enfado. Aqui na frente, primeira fila, o da Folha da Tarde. Sorriso escapando dos lábios. Os outros estão perdidos por aí. Ocultos, juízes implacáveis. É preciso ter coragem para se exibir em um palco. Ou desprezo por quem não está ali.

Outro movimento. Adágio. A orquestra avança, lentamente. O Maestro embevecido. Os violinos choram a melodia. Eu descruzo os braços. Em três minutos, com a mão esquerda, o Maestro vai sinalizar. São cinco batidas surdas. Ritmadas com a mão dele. A esquerda.

E eu, aqui, pensando. Marta não vem ao meu apartamento faz três semanas. Desculpas bobas. Audácia, imaginar que me engana. Seu violoncelista decrépito não tem ciúmes, nem a prende em casa. Eu não quero ser flautista. Eu não vou ser flautista, ouviu? Não sou ambicioso como você, Marta. Você fará qualquer coisa para ser spalla. Só para ganhar umas palminhas antes da entrada do Maestro. Aliás, outro vaidoso, com um ego maior do que uma catedral, cheio de pretensões do sublime perdidas em um pântano de vulgaridades.

É possível suportar ser medíocre e conviver passivamente com essa ideia. É possível ver, semana após semana, solistas serem aplaudidos, indo e voltando das coxias, três, quatro , cinco vezes, para receber as palmas e os pedidos
de bis e ficar como eu, imóvel diante desses tambores, sabendo que jamais o farão por mim. O que é impossível, Marta, é suportar a razão do seu abandono, que eu vejo agora, clara, escancarada, para quem quiser ver, neste adágio, em que seu violino  toca sozinho porque seus olhos só fitam os do Maestro. E ele só rege para você.

Agora, ele levanta a mão esquerda. É hora. Ainda não se despregou dos seus olhos, Marta. Faz sinal para a primeira batida surda, sem nem olhar para mim.

Eu cruzo os braços. A batida surda não vem. Ele percebe e mira incrédulo. Sinaliza com força a segunda batida. Eu, de braços cruzados. Ele me olha assustado. Marta, pálida, suplica. A orquestra olha para trás. Os críticos levantam a cabeça. O Maestro perde a cadência, parece que quer acabar rápido, cordas e sopros não se entendem.

A orquestra desanda.

Então, lentamente, bem devagar, em um adágio quasi larghissimo, apanho as duas baquetas, olho fixo para Marta e massacro a melodia com um rufar interminável.

Dou então as cinco malditas batidas surdas, largo as baquetas no chão e vou embora.

Sou baterista de um conjunto de jazz.




Aloísio Svaiter, graduado pela Escola Nacional de Engenharia do Rio de Janeiro, desde sempre é leitor voraz. Frequentou recentemente o Ateliê de Criação Literária, com a supervisão de Nelson de Oliveira.

Imagem gentilmente escolhida por Maria Balé. Fotografia:UEM/Divulgação
Orquestra da Universidade Estadual de Maringá

Emenda Psicanalítica Ordinária - Willian Delarte

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Art. 1o.  É vedado ao Ego.

I - Opor-se:

a) ao desejo animal
b) ao alerta racional
c) à conjuminação das alíneas "a" e "b"

II - Entregar-se:

a) só a si mesmo
b) só ao outro

III - Esfacelar-se

IV - Consumir-se

Parágrafo Único: recalcar-se em qualquer hipótese.

Art. 2o. Será facultativo o uso de:

I - Ritos transcendentais

II - Psicoativos

III- Perscrutação filosófica

IV - Desvios:

a) líricos
b) cósmicos
c) mundanos

Art. 3o. Poderá a prática da sublimação ter o seu uso indiscriminado para quaisquer fins que lhe sejam necessários, sendo obrigatória  para os casos de:

a) nós na garganta ou em setores indeterminados da alma
b) rancor crônico
c) ressentimento cômico
d) mágoa congênita

Art. 4o. Entenda-se por "alma" tudo o que não se entende e que, por força desta lei, passa a compor indivisivelmente a materialidade simbólica do Ego.

Art.5o. Este poema entra em vigor na data de sua leitura, tendo efeitos ultra ativos desde a sua composição.



Willian Delarte é autor dos livros Sentimento do Fim do Mundo (poesia, 2011) e Cravos da Noite (contos, 2014), ambos pela Editora Patuá (SP) e O Alien da Linha Azul (Edições Incendiárias, 2016). Premiado no II e III Festival de Literatura da Faculdade de Letras (FFLCH) e finalista da 15ª edição do “Projeto Nascente”, todos da USP. Tem publicações em diversas revistas e antologias. Foi co-editor da revista Rebosteio Digital.

enquanto os bem-te-vis assobiavam os fios de alta tensão.

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imagem Ingrid Tussel


acirrava-lhe as patas, as unhas, as dobradiças, as ruínas os vestígios de encefalinas e de outras proteínas na corrente sanguínea naquela tarde de cinza. acirrava-lhe a porta, com vestígios de comida, a orla carioca, e os fogos que estouravam lá fora. acirrava-lhe a desmedida, tão pura, entre uma anfetamina e outra em desmesura, entre a melíflua uva com tapioca amanhecida. 

pensava na coisa boa, que é bem de se perder o prumo, o ato, o asco, e o rumo, o jeito em decepar (pelo desuso) com foices as pontas de seres que apontam feito gralhas, bicho-de-conta e araras. 

acirrava-lhe os conectores, de dois ou três pontos, de se ligar motores de resistências falidas. e, enquanto a casa caia, pensava em seu amor, naquela cidade longínqua, e do mesmo tom  de cinza em diapasão.


 enquanto os bem-te-vis assobiavam os fios de alta tensão,
meu amor.








adriana zapparolié escritora e tradutora.

3 POEMAS INÉDITOS DE MAÍRA FERREIRA

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você fala em fazer amor
adocicado como uma laranja artificial
penso em te contar que a minha
língua é tão áspera quanto a dos gatos
eu sou um terreno tesliano
onde a invenção é quem move as peças e as regras do jogo
não estou aqui para ser o seu lençol de seda
meu interesse é na abertura
dos ângulos
no rasgo das fitas que selam o fim
das corridas
onde a gente pode romper
com o circuito
e continuar correndo pelos campos
da desobediência


xxx


faço coreografias complexas
no mapa das suas coxas
enroscando pelos até que pareçam
as nuvens espiraladas de van gogh
planto bananeiras dou estrelas
plié passé pas de deux
convite que inunda a boca e transborda
entre azuis e amarelos que não enxergo
mas pressinto nas dobras reclusas
do seu corpo
já deixei meus olhos caírem
no chão há tempos
e agora é você quem me guia por todos
os labirintos inventando buracos
negros de passagem para outra
dimensão
enquanto a sua língua em mim se debate
ainda
como quem tenta alcançar
o animal invisível
dentro da jaula


xxx


o éden é um deserto infinito
com relógios sem ponteiros
minha urgência arranha o topo da tua
garganta enquanto nos engolimos
como cobras a devorarem o próprio rabo
muito em breve vou estar aberta
e entre meus olhos vai nascer
um novo olho
enquanto nos beijamos enquanto você
me mastiga com a mesma paciência
com que mastigaria um polvo e seus tentáculos
calmo
e reticente
meus olhos lacrados a sete chaves
meus olhos afundados na névoa de um útero
mas meu novo olho te olha
te ouve em gemidos trêmulos
de menino que acabou de entender
o final misterioso de um filme



*    *    *





Maíra Ferreira nasceu em 1990, no Rio de Janeiro, onde mora até hoje. Graduanda em Letras pela UFRJ, publicou seu primeiro livro de poemas, A primeira morte, em 2014, pela Oficina Raquel. Colabora com algumas revistas e, recentemente, deu início à Oceânica, revista voltada para a literatura produzida por mulheres (facebook.com/revistaoceanica). 














3 minicontos de Rafael F. Carvalho

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Ilustração: Ben Heine


            Uso folhas de louro para cozinhar, para pôr no feijão. Para temperar a carne e a macarronada que tanto aprecio. Já não como sozinho, tenho companhia e assunto durante a refeição. Cozinho para outras pessoas além de mim. Por isso lanço mão desse tempero, para que vejam claramente o que usei. Mal sabem que o louro e eu temos uma união, através dele coloco-me naquilo que cozinho. Comungamos minha pessoa, que pouco tem a oferecer. Pouco, porém temperado.

***


            Ela sentou-se do meu lado para dar telefonemas, estávamos trabalhando. Aí estendi-lhe um bilhete no meio de suas ligações; ela olhou para mim e disse com rispidez que não era o momento daquilo. Atropelando o bom-senso do ambiente de trabalho, atrapalhando o serviço, desconcentrando, ele não se manifesta de outra forma: meu afeto por você são bois perambulando pelo escritório.

***

            Liguei-me a você como a uma tomada. Onde liga a força de um autorama. A força do sonho, da projeção do futuro. Nosso amor é brincar de autorama, nós dois. Essa inocência, conservada, é o que temos para nós. Meu amor, por ti, é amar com gosto. Como na infância.


  
 
Rafael F. Carvalho, formado em Letras pela USP e autor dos livros de contos A Estante Deslocada, A Cor do Sal e Terceiro Livro. Foi publicado em jornais e revistas literárias, e desde 2015 mora em Belo Horizonte.

Joelho de Porco - André Rocha

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Berço Ordinário.   

janelas continuam sempre nos mesmos lugares
de vidro e aço
me oferecendo um céu
banquetes de cores premeditadas por um deus voyer
para ver seu corpo liso 
se enroscando no meu
bate punhetas apocalípticas 
e goza por uma deusa negra yorubá 
cicatrizes são espelhos refletindo o passado
na pele 
seu instinto
seu sexo de bicho
sangrando me procura
no cio 
no tapete da sala
na cama
não me ama
nem nunca me amará 
quem castigou as crianças deficientes?
espere madrugadas falantes
dançando seminua na melhor sombra do meu quarto
com a janela fechada pra te esconder de deus
                                         Larissa.



Joelho de Porco.

tinha um quilo da purinha
uns troco pra receber do corre de crack no centro
duas gata estressada afim de me dar
uns polícia na maldade de me grampear
festa no desmanche do Cigano
papo de haxixe, cerveja e boceta
um cano berrado no porta-luvas do carro
de bermuda e chinelo
com os moleque do 157
amizade de pivete
uma loira mandada atrás de problema
- no pelo não
dando uns puxo
boquete dentro do passat
a lua é uma vagabunda nua
lá no céu
nenhuma madrugada é santa
desabafa na esquina
nas brigas de bar ou de torcida
na camisa suja de sangue
dando boa noite pros mendigo
o asfalto é cruel
a peça na cintura não faz parte da fantasia
sem precisar de cristo
nem dos semáforos
filho de santo
crente que o Orixá protege
a bandidagem se reconhece
rendido aos pés de uma morena celestial
descobri o amor
malandro nenhum me avisou
mas na palma de sua mão sofri mais do que na mão dos cana



Tio Rui.   

garota preta que alisa o cabelo
divindade se olhando no espelho
nua não me mostra tudo
há sempre uma curva escondida
você é como uma toalha de mesa com estampa florida estendida no varal
tão bonita de se vê
sem disfarçar sua beleza
cavalga e agoniza
de pele negra
carne dura
sombras multiplicadas
ardida
psicopata 
me ameaça
feito um homem bomba em estado de graça
não chora de pirraça
sua matéria prima ilumina
beijos longos em tardes pequenas
sedenta
me atenta
de mini-saia
decotes
pedaço por pedaço do teu corpo escuro
fornica com meu futuro
você é uma bonita alegoria no altar dos santos negros





Tio DidI.  

Larissa tem o suingue no olhar
e beija minha boca torta sem culpa
tetas esparramadas postas pra fora
sem pudores
insinua
sinuosa extrapola
negra enfeitada de cores primárias
comove meus vizinhos rebolando na calçada
Larissa celebra toda a sua indecência sexual
e trepa menstruada
frenética
exagera na cachaça
blefa com o céu
nos semáforos
com os sonhos
mas te amar pode ser indigesto
deixe meu dedo no seu reto
sorrindo e admitindo que eu não presto
decifrando minha fala
Larissa é um prisma colorido
boneca de porcelana pintada de marrom
no fim de tarde o sol se esconde atrás dos teus olhos



Pedro&Dora.   

vi brilhar seu corpo vulgar
sob o edredom vermelho
sonhei um sonho derradeiro
como eu queria cheirar seus pelos
nas carícias que o tempo te fez
nas suas dobras
no seu tesão
manchando sua calcinha
o mel sagrado pelas suas coxas maduras
azedo tamarindo
escorre
me beija
mas não me deixa
em paz
sei da estrela tatuada bem perto do seu sexo festeiro
e reina soberana
de sandália ou de salto alto
seios de porcelana
mete o dedo na minha ferida
e sorri enquanto me castiga
guardo aquela foto tua com um turbante
sou o mesmo moleque vadio de antes
que bebe e trama
que sofre e também ama
compondo teus beiços sem rimas
sem ritmo
apenas poesias que te faço
de sonhos que tenho
exatamente igual quando passeávamos pelos bares
sem pressa de ir embora
procurando lugares escuros para mijar
esperando uma morte violenta ao teu lado
dentro de um táxi





André Rocha, 28 anos. Depois de ser fichado inúmeras vezes pela polícia,  o autor entrega sua hostilidade para a literatura marginal e publica o seu primeiro livro de poemas Suzana sem calcinha na calçada de paralelepípedos, pelo Editora Carrancas, 2015. André tem textos publicados no jornal Elefante de Menta, Germina e mallarmargens e escreve no blog: http://andrerocha171.blogspot.com.br e escuta samba aos domingos.


4 poemas inéditos de Luci Collin

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DEVERAS

o poeta finge
e enquanto isso
cigarras estouram
pontes caem
azaleias claudicam
édipos ressonam
vacinas vencem
a bolsa quebra e
o poeta finge
e enquanto isso
vagalhões explodem
o pão adoece
astros desviam-se
manadas inteiras se perdem
a noite range
o vento derruba ninhos e
o poeta finge
e enquanto isso
vozes racham
veias entopem
galeões afundam
medeias abatem crias
turvam-se as corredeiras
o sapato aperta e
o poeta finge
que as mãos cheias de súbitos
não são as suas



TULE

moça de enorme chapéu
comete danças estapafúrdias
sendo o menor desafio
inaugura a temporada do pasmo
e de algum meteoro
cobre os campos de tanto amarelo
que os gafanhotos regurgitam

diz frases enigmáticas
nem isso nem som
as frases se escondem
no branco ardoroso

são os grãos do silo
as palavras que se alcançam
são o esquecimento das figuras
que descem degraus na pressa
do inédito
e deixam um rastro de aragem

a lua assiste também a essa fita
e a tela é a mesma e imensa
os dedilhados nas cordas soam tão antigos
que os pássaros entendem
e migram sem nem engendrar o que são
longes

moça de luvas longuíssimas
é desperdício escavar a tristeza
na sua cantilena
que ela embala há milênios
todos os seus filhos de choros e esgares
revogados

no lento trânsito das sentenças
para consolo se encontra
uma orquídea que desistiu de acompanhar
a madrugada e sabe que
se estilhaçaria agora
se não repousasse

assim aqui não se traceja perguntas
que os passos da dança são um jorro
as falas são manjar e reeditam
o script que a vida assina




ÁLBUM

como são enormes
as ossadas de animais no museu nacional
(“Não se diz ‘ossos’”, advertiu a tia solteirona
formada em filosofia pura)

quando descobri o imenso livro de anatomia
de crustáceos e moluscos
sob impulso científico enclausurei
insetos nos vidrinhos de remédio
da bisavó

a bisavó chorava à toa, aliás,
e zanzava pela casa ralhando (em vêneto)
com fantasmas que a haviam
abandonado
bem ali

como são enormes
as lembranças
quando meu pai me perdeu no mar
quando minha mãe me perdeu na saída do cinema
deve ter durado trinta segundos
e até hoje

quando o carrilhão dá cinco
(que era a hora do bolinho de polvilho)
sento-me pro chá solitário
e folheio um atlas de imagens decorridas
que se debatem como insetos
e o gole tem um gosto desabitado e ermo
porque perdi o código
com que se argumenta
com os fantasmas



ESTÉTICA DA CENA

o que meu olho imagina
entre migalha e galáxia
é o deslumbramento daquilo que
inaugura adornos
e que ocupa a boca florescida um
sorriso

o que meu olho cogita
entre estilhaço e elipse
é o reconhecimento da voz
sempre pincel
uma dobradura e seus compassos
um refresco
e duas vozes são muitas
a partitura esculpida
entre a saliva e o sopro
aquele sem esforço da mão
que toca a fruta

é meu olhar que monta a cena
e o gosto
é meu olhar que usa a pele
para ler o espaço
e resultar o espaço
e converter o dia em pulso

é meu olhar que descobre a casca
e o aceno
e os nomes escorrem
molusco e infinito
o texto uma palafita

e o olho engendra
uma alforria que se funda
em ler-se em si o rascunho
do próprio olhar


Poemas de A PALAVRA ALGO (Ed. Iluminuras, 2016
lustrações: Thomaz Barbey



LUCI COLLIN, poeta e ficcionista curitibana, tem dezesseis livros publicados entre os quais A árvore todas (contos), Querer falar (poesia) e Nossa Senhora D’Aqui (romance). Participou de antologias nacionais (como Geração 90 – os transgressores e 25 Mulheres que estão fazendo a literatura brasileira), e internacionais (nos EUA, Alemanha, França, Uruguai, Argentina, Peru e México). Leciona Literaturas de Língua Inglesa na UFPR.  

TREMER EM SÉRIE - Poemas de Adriane Garcia

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TREMER EM SÉRIE
Adriane Garcia


I


Uma semente que nunca
Arrebentará a casca
Bomba inócua
Mina terrestre inoperante
Guardando o aborto das flores
Frio é feito para se encolher.


II


Nos primeiros dias não
Dormi
Depois passei a
Hibernar
(Encolhimentos de cobertor)
Demônios fingindo que eram
Você
Se aproveitavam dos espaços nos sonhos.


III


Subo até esta última folha
Verde broto a mais tenra a mais perto
Do Sol
Subo ao meu gigante esperado
De um sonho antigo
Subo
Esta queda será enorme
Subo
Será a maior queda de todas
Subo
Por algum imperativo
Que sempre quis estraçalhar-me.


IV


Agora de sentir frio eu quero
Aprender as variações do branco
Acostumar-me com cem nomes para gelo
A ponto de não estranhar
Minha própria temperatura
Quando eu novamente
Morrer.


V


De imaginar sua ausência
A noite tornou-se polar:
O frio das lâminas que cortam
Os cordões umbilicais.


VI


Depois que você morreu
Eu decepei o jardim
Fechei as cortinas
E vim morrer de frio
Se havia vida lá fora
Não vi.


VII


Esqueci tudo o que eu sabia
E passei a apregoar as boas-novas
Achava-me discípula da
Verdade
Quando na verdade
Não passava de uma
Discípula da esperança
Na minha terra se dizia que
Eu cantara de galo:
O cano frio do metal a
Dois centímetros da nuca
Eu nem senti.

***


Imagem: escultura de cabeça Kumik

POEMA INÉDITO DE ALEXANDRE GUARNIERI

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USAIN BOLT


imune à desistência e ao desvio,
o velocista singra, desliza na pista,
usando calçados sob medida,
mas no último sprint, o alvitre
da vitória inunda-lhe a carne,
da adrenalina um súbito litro

                    (quilha cortando o mar do argonauta,
                           não o do fracasso, água do náufrago);

se eleva enquanto sobe ao pódio,
mas pesa-lhe no pescoço, áurea,
a medalha (batido o recorde,
se abre,       em retrospecto,
uma plataforma autônoma,
mas tributária... ao ilimitado)


*    *    *



Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online AQUI (via ISSUU).  Seu mais recente livro é Corpo de Festim [livro ganhador do 57o Jabuti/ 2a Edição pela Penalux].

RELANÇAMENTO "CORPO DE FESTIM": RJ | 09/08 | CASA PORTO

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CONHEÇA O LIVRO POR:














*    *    *



Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online AQUI (via ISSUU).  Seu mais recente livro é Corpo de Festim [livro ganhador do 57o Jabuti/ 2a Edição pela Penalux].

Tremer em série, de Adriane Garcia

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TREMER EM SÉRIE
Adriane Garcia


I

Uma semente que nunca
Arrebentará a casca
Bomba inócua
Mina terrestre inoperante
Guardando o aborto das flores:
Frio é feito para se encolher.


II

Nos primeiros dias não
Dormi
Depois passei a
Hibernar
(Encolhimentos de cobertor)
Demônios fingindo que eram
Você
Se aproveitavam dos espaços nos sonhos.


III

Subo
Até esta última folha
Verde broto a mais tenra a mais perto
Do Sol
Subo
Ao meu gigante esperado
Subo
Esta queda será enorme
Subo
Será a maior queda de todas
Subo
Por algum imperativo
Que sempre quis estraçalhar-me.


IV

Agora de sentir frio eu quero
Aprender as variações do branco
Acostumar-me com cem nomes para gelo
A ponto de não estranhar
Minha própria temperatura
Quando eu novamente
Morrer.


V

De imaginar sua ausência
A noite tornou-se polar
O frio das lâminas que cortam
Os cordões umbilicais.


VI

Depois que você morreu
Eu decepei o jardim
Fechei as cortinas
E vim morrer de frio
Se havia vida lá fora
Não vi.


VII

Esqueci tudo o que eu sabia
E passei a apregoar as boas-novas
Achava-me discípula da
Verdade
Quando na verdade
Não passava de uma
Discípula da esperança
Na minha terra se dizia que
Eu cantara de galo:
O cano frio do metal a
Dois centímetros da nuca
Eu nem senti.

***

Imagem de ilustração: escultura Kumik (cabeça de boneca)




2 poemas de Bruno Marafigo

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Ilustração: Bruno Marafigo


Humor Vítreo

Seus olhos se abrem
Você pode não gostar do que vai ver.
Todos usam vendas.
Mas ninguém sabe que é cego.

Não vão te ouvir.
É confortável se deixar levar pelas ondas
e assim os oceanos se enchem de corpos.

Não tem mais retorno para você.
A não ser que lhe queimem as retinas.

Não existe uma escolha real.
E ninguém é poupado.



Meia-vida

Acordou com os gritos dos bebês do dilúvio.
Olho pela janela do quarto, o mundo dormia.
Em uma janela de sua mente viu o passado:
Um garoto saboreando o sol tentando atrasar o dia em que ele se apagaria.
Viu a tevê ligada,
a cama arrumada.
Sentiu como se pudesse atravessar a janela,
mas o instante se foi.
Assim como este se vai.

O mundo acabou para ele em novembro de dois mil e onze.
Acordou em um mundo estranho esperando que os corvos lhe arrancassem os olhos,
esperando que homens sem coração viessem arrancar suas tripas com dentes pontiagudos.
Nada aconteceu.

A vida segue, esse é o ponto.
É anticlimático.

Olhou através de um vidro para a vida que segue sem ter existido.
Pessoas caminhando os mesmo cinco metros quadrados.
"Ali dentro sou um fantasma", pensou.
"Uma coisa morta que se recusa a ser enterrada"

Nos olhos deles o medo de algo alienígena
que no fundo eram os seus próprios reflexos.
Do lado de dentro só a desconfiança mórbida de que as paredes são finas
e os corpos vazios.
Mentes fechadas,
ouvidos abertos
e línguas afiadas.
Fazendo tudo o que te dizem para não fazer.
Um filhote abortado de Orwell.
Deformado, real e vivo.

E ele imerso no crime de simplesmente existir.
Por aqueles que nasceram dentro de prisões nas quais ninguém presta atenção...
Por todas as coisas não ditas...
Na falta de uma tragédia eles criam uma.
Inventam rumores sob os olhos cegos de Deus.




Bruno Marafigo é um artista plástico e escritor curitibano, publica quadrinhos na internet desde 2011.

11 poemas transfixados a Max Martins

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Apresento aqui uma pequena e insuficiente seleção da obra poética de Max Martins, uma vez que recolho praticamente um poema de cada um dos seus livros, ainda que na firme intenção de que o leitor vá expandindo essa leitura, ao verificar certos aspectos das virtudes da feitiçaria do poeta. Justamente agora que não se pode ter mais aquela atitude “fim de mundo” do capitão Nemo em relação à obra acidentada e remota do poeta. A Editora da Universidade Federal do Pará, ed.ufpa, está reeditando em volumes independentes a poesia completa de Max. E já estão disponíveis, com distribuição nacional, os seguintes títulos: O estranho, Caminho de Marahu, Colmando a lacuna, Risco Subscrito e Para ter onde ir. Finalmente a poesia de Max Martins se desvia da rota comum dos naufrágios de tantos outros grandes projetos artísticos na Amazônia, e, ao que parece, não ficará submersa pelas águas barrentas e agitadas de Marahu. Ou, para usar uma metáfora atribuída a Borges, ao se buscar pela obra do poeta não precisaremos mais recorrer a um sobrenatural alfarrabista de Tlön ou Uqbar. A poesia com frequência dá passos, sem avisar com antecedência.

Ney Ferraz Paiva






Uma estrela trêmula

                               Tuas antenas trêmulas
0 som
         (subterrâneo)
                            que o teu silêncio chama
A palavra nenhuma que trazes para o almoço. Pães e peixes
                                                                               Para quem?
E o poema redemoinha no sono que rasgas.
                           Como rasgas esta noite enrolada em si mesma.
É entre centelhas que plantas o teu jorro.
É entre espinhos e pedras virgens que celebras essa estrela. Todos os astros.

Colmando a lacuna, 2001


No lugar do medo

Todos os dias aqui tu te observas
E ainda está oculta (aqui) a tua semente
Comum será a tua raiz
                                     comum
ao olor da fêmea que atua no teu leito
Sê criativo o dia todo
Te empenha o dia todo cauteloso
                                                   voa
mesmo hesitante sobre o teu malogro
Quer sigas o fogo, quer sigas a água
sê só do fogo ou só da água
(pois que não há caminho
e a lei
é o inesperado)
Ainda oculta (aqui) a tua semente
                                                    está

Para ter onde ir, 1992


Saltimbanco

O não mais espumoso vinho dos abismos
O cauterizado testemunho de um instante de beleza:
O ritmo do oceano
O palco
e a metade da cama para o falso poema
                                                      O saltimbanco
                                                      Ou o sangramento
da perda de um deus a cada assalto
                                                      O cadafalso
O semidestroçado frêmito de um destino cego de antemão
O não mais aceito rito do ofício O ofício:
esta rasura do corpo sendo esquecido
                                                      O esquecimento
O desabitado segredo das palavras

Marahu Poemas, 1991


Túmulo de Carmencita, 1985

Este não é o túmulo, é o poema. Aquele
outrora erguido à sombra, ao sono
de teu nome-carmen, Carmencita
Arévolo
            de Vilacis, tua árvore
tua raiz, teu ventre ponderoso
                                            pátria
(a que descubro minha
versão de não traído, não
assenhoreado)
                               canto
                                    chão
                                              jazigo
                                                       terra
que ainda aqui agora amo: abro
Tua palavra-caixa atro-vazia, muda
desistidamente muda
                                Soledad

60/35, 1985


Teu poema
                                  
Sonha-me! que te sonho: tenho esta viagem
que tua estrela crespa, Margaret, das axilas sopra
o herzoguiano barco (au fond
                                 des golfes bruns)
se debatendo, bêbado
                                nesta garganta
                                                        Barco
que arrasto e sirgo selva adentro
                                                 (águas
caídas, ecos
da palavra madura, esperma, água sombrada)
                                                     e o meu Poema indo
                                                     ao léu das febres, ao
que almejo em ti a Outra Margem

Caminho de Marahu, 1983


2
                                  
                       E nós dois, dois
fálus críticos, acariciando esta cripta
que doura em sentidos, caverna
de grades negras, selva
de pura escrita, rubrica indecifrada:
                        (poesia)
teu nome é Não em cio e som farpados
cilício escrito, escrita ardendo (dentro,
se revendo), fera
do silêncio úmido, se lambendo, lábil
labiríntima                                    E esta língua
de pura estria ávida se desfraldando
                                                       lâmina
e se ferindo, se punindo:

A fala entre parêntesis, renga com Age de Carvalho, 1982


Où sont, Villon?
                                  
ou sombra onde as neves sonho o som sem nome
sem nome ou sombra neves sonho o som
o som sem nome ou sombra onde as neves do sonho
do sonho sem ou sombra (nome): as neves
as neves do sonho som sem nome ou sombra onde
                              neves
                              sem sombra
                              ou
         do sonho onde o som são neves
                              onde
                              o som
                              as neves
                              sem nome
                              do sonho
                              ou sombra?
          onde as neves do sonho
          o som sem nome ou sombra?

O risco subscrito, 1980


O olho novo vê do ovo

se
   fora do foco
   do ovo           o olho
                        do ovo

é cego

fora dos fogos
do olho             o ovo
                         do olho
é oco

                                          como

do fundo  do olho
extirpar o vago
escuro
          e ser o ovo vendo?

no centro do ovo
fabricar a gala
clara
       e ver o olho sendo?
– é como (ver) em mira
   amorosa
                        o olho
                                       rever (ter) um giro
                                       geratriz
                                                         o ovo

ou
nos interstícios do ventre
(claro-escuro da página)
in
vol          ver
o
ovo

obviar o olho
– indo e vindo –

ovante

(olho e ovo
raiz e velo
a um valo
paralelos)

para lê-los
cortar a língua-linha do discurso homem
e seu novelo

o nó por si
se descascando

por si se desvelando
o elo V do ovo

o dito e feito
fito
vero símil

abolido o entrante
se entre-abre
O
O) LH (O
O
V
O

entre
VÊS
XX
a vida
uni
VÊS
o

mundo

O Ovo Filosófico, 1976


Koan

A pá nas minhas mãos vazias
Não a pá de ser
mas a de estar, sendo pá
lavra no vento
nuvem-poema
arco
busco-te-em-mim dentro dum lago
max
eKOÃdo
e a face ex-garça-se verdemusgo
muda
(Quem com ferro fere
o canto-chão
infere o
silen
cioso
poço?)
pá!
Cavo esta terra busco num fosso
FODO-A
agudo osso
oco
flauta de barro
sôo?
Silentes os sulcos se fecham
espelhos turvam-se
e cavo sou
a pá nas minhas mãos vazias

H’éra, 1971


1926 / 1959

Já então é tudo pedra
os dias, os desenganos.
Rios secaram neste rosto, casca
de barro, areia causticante.
E onde outrora o mar
os olhos búzios esburacados.
E tudo é duro e seco e oco,
o sexo enlouquecido
0 osso agudo
coberto de pó e de silêncios.
Havia uma ferida, a primavera
que já não arde nem desfibra seca
a flor amarela escura
anêmica impura
rato no deserto
caveira de pássaro
exposta na planura

Anti-Retrato, 1960


Estranho

Não entenderás o meu dialeto
nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.

O Estranho, 1952








Max  Martins (1926 - 2009) foi um poeta brasileiro.
Representou a renovação da literatura no século XX e colocou o Pará numa posição de destaque na literatura nacional, embora sua obra ainda seja pouco conhecida.
Max Martins dedicou-se à poesia por toda a vida, tendo transitado entre modernismo, concretismo e experimentalismos. Autodidata, seguiu seu percurso temporal próprio. Ao receber aposentadoria como servidor público, incorporou outra: a de escritor, transformando-se no primeiro caso de escritor que se aposenta e recebe benefícios por ter exercido, por mais de trinta anos, a poesia.
Obras: 
  • O Estranho (1952)
  • Anti-Retrato (1960)
  • H'Era (1971)
  • O Ovo Filosófico (1976)
  • O Risco Subscrito (1980)
  • A Fala entre Parêntesis (com Age de Carvalho, à moda da renga, 1982)
  • Caminho de Marahu (1983)
  • 60/35 (1985)
  • Poema-cartaz Casa da Linguagem (1991)
  • 3 Poemas - folder com desenho, colagem (1991)
  • Marahu Poemas (1985)
  • Não para Consolar - poesia completa (1992)
  • Para ter Onde Ir (1992)






2 poemas de Lázara Papandrea

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Amo absurdamente
O chão sobre a casa
O telhado dos dias escassos
Enterrado a sete palmos 
Rasos.
Quando encero meus olhos
Ainda ouço passos.
Os fantasmas agora me amam
Também absurdamente.
E me chamam.
E me chamo sarcasmo.







crise hídrica:

seco
o corpo
o copo
o vento
o medo
a rua
o alento.
secura de não dar enredo
de não poder poesia
de não saber candura.
seco
feito placa dura
de cimento num esquecimento
de séculos.
seco, e nossos dedos
rígidos de pecado e dádivas.




*  *  * 






Lázara Papandrea nasceu em Pouso Alegre MG, vive atualmente em Juiz de Fora. Formada em História e pós graduada em Teoria Literária. Publicou em 2016 pela Penalux o livro de poesia "Tudo é Beija - Flor ". Escreve no blog www.vestesdepalavras.blogspot.com 

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