4 POEMAS DO LIVRO "CASA DAS MÁQUINAS" (2011)
PASSADOS PARA O INGLÊS
POR MARCO ALEXANDRE DE OLIVEIRA,
O GRINGOCARIOCA
switch
the central operation of this writing
guided from general gears, from the complex
control center (in the core, the code)
to the simple accessories of the chassis (from the hard
cover to the pages of some grammage);
clear here, a machinic grammar, box
of words whose concrete engineering fixes some
syntax, or other, reclusive, hidden,
below the physical typography of poems threaded
either to frames of pig iron, or to plates
of stainless steel; take the book within sight,
(reading is a gas), take it since,
in hand, such a device, book (the mystery is
in the brain of neurons, set to a password)
nobody knows, still, for certain, if, at the torque
of the key in the ignition, it will start or not.
interruptor
o funcionamento central desta escrita
guiada desde engrenagens gerais, do complexo
centro decisório (no miolo, o código)
aos simples acessórios do chassi (da capa
dura às páginas d'alguma gramatura);
clara aqui, uma gramática da máquina, caixa
de palavras cuja engenharia concreta fixe alguma
sintaxe, ou outra, esta reclusa, oculta
sob a tipografia física de poemas rosqueados
ora a esquadrias de ferro sujo, ora a chapas
de aço inox; tome o livro ao alcance do olhar,
(a leitura é o combustível), tome-o pois,
à mão, o tal dispositivo, livro (é no cérebro
de neurônios o mistério, à senha), que
ninguém sabe, ainda, ao certo, ao torque
da chave na ignição, se ligará ou não.
1/one lightbulb
old is the light of the electric bulb: there’s a
threadof spiraled ellipses, vacuumsealed
under a thin glass campanula, whose radiance
struggles to decipher the shadow, from the borders
of the gloomy living room to the corners and folds
of the nocturnal chamber. the electric lightbulb
is a complete candle, striating a constant
crepitation like a certain irregular star, which
is yellow; at one end of the oval
capsule (like a fig under the skin or
any other oblong segment lit from
within) there’s an aluminum screw attached
to the socket, almost the same as the single short
stem of a fruit.switched on, the seemingly burning
flame scintillates, seeps through the
unitary crystal of such a delicate dome;
however when the power is off (or disconnected),
it hides, dark under the fragile mask, its flame
sleeps, and disappears: almost f o s s i l i z e s.
1/uma lâmpada
é velha a luz da lâmpada elétrica: há um
filete d’elipses espiraladas, lacrado a vácuo
sob tão fina campânula de vidro, cujo relume
luta pela decifração da sombra, das bordas
do amplo salão nublado aos recônditos e dobras
do cômodo noturno. é uma vela repleta
a lâmpada elétrica, estriando um crepitar
constante de certa estrela irregular, que
é amarela; numa extremidade da cápsula
ovalada (como um figo sob a casca ou
qualquer outro gomo oblongo aceso desde
dentro) há uma rosca d’alumínio acoplada
ao bocal, quase igual ao caule curto duma
fruta, único. ao ligá-la, cintila, vaza a
flama que aparenta a queima através do
cristal unitário da cúpula tão delicada;
entretanto quando é nula (ou cancelada)
a conexão à rede de força, se esconde,
escura sob a máscara frágil, sua chama
dorme, some: quase se f o s s i l i z a.
2/two hard drives
double biconvex dragées,
silver, very cold, hard pastilles
inadvertently unattached
in full spin(discs), from a rattling
drum of liquid hydrogen;
were one of the sides flat
such exact fragmentswould seem
likeautomatic discharges, to which
must be added the fact however that
this apparatus is not a catapult
and it would never pose a risk to operate it
backwards, the notably fatigued mechanism
being of integralprotocolas
since the day of the incident it has been
impossible to derive the cause, perchance
determine the impact of such a lack,
of these two little jewels of logic;
whether it be the critical mismatch inside
a machinic labyrinth, or a factory
defect, whether sudden, human
error, or abusive use: the final
point in the course of physical wear.
2/dois discos rígidos
duplas drágeas biconvexas, de
prata, muito frias, pastilhas rígidas
inadvertidamente desprendidas
em pleno giro (discos), de um estrondoso
tambor de hidrogênio líquido;
tivessem um dos lados achatado
dir-se-iam disparos automáticos
estilhaços tão exatos, aos quais
soma-se entretanto o fato não ser
nenhuma catapulta este aparato
e jamais se suporia arriscado operá-lo
ao contrário, de íntegro protocolo
é o mecanismo notadamente fatigado
pois desde o dia do incidente não se
pôde apontar a causa, quiçá precisar
se fatal o resultado de tal falta,
destas duas pequenas jóias da lógica;
se o desencontro crítico no interior
de um labirinto maquínico, ou defeito
de fabricação, se erro humano,
abrupto, ou uso abusivo: o ponto
final no decurso do desgaste físico.
three gears
123
three gears wear out with the
work of engaging each others'
areas; like a leprosy,
when the gearing gags, the shortage
of oil enchases them in the case; three
gears wear out in the contact
with each others'teeth.
123
three gears disengage the
contract between their bearing s : they
bear off; like a lock,
in the contacts where they
engage, they are subtracted to the various other
parts of the clear machinery; rare each
one of its pieces, the casing not so original.
123
three gears wear out until
they stop engaging each others'
areas: they are unlocked, disengaged,
if they are a disaster, it is so that inert
they encounter not that of the classical machine but
this other, counter-clockwise work, alibi
for nothing: mere celibate habit.
três engrenagens
123
três engrenagens se desgastam no
trabalho de engatarem suas áreas: umas
às outras; como uma lepra entre elas,
quando o engate engasga, a escassez
de óleo as engasta no encaixe; três
engrenagens se desgastam no contato
entre seus engates: uns contra os outros.
123
três engrenagens se desengatam do
contrato entre seus encaixe s : se
desencontram; como uma trava entre
elas, nos contatos em que engatam seus
encaixes, subtraem-se às várias outras
partes da clara maquinaria; rara cada
uma das peças, a caixa nada original.
123
três engrenagens se desgastam até que
parem de engatar suas áreas, umas
às outras: se desencaixam, se desengatam,
se são desastre, é para que inertes
encontrem não o da máquina clássica mas
este outro trabalho, anti-horário, álibi
para nada: mero hábito celibatário.
LEIA O "CASA DAS MÁQUINAS"
[PDF ONLINE VIA ISSUU]
* * *
ALGUMAS IMPRESSÕES
"Li o seu livro com muito interesse. Creio que é o livro mais próximo da lição cabralina que li nos últimos anos. É, mesmo, uma espécie de exacerbação do procedimento. A temática é outra, é certo. A fixação na máquina e nas suas partes, que é o foco, é interessante e nova. Mas o procedimento da descrição "a-poética", no sentido da recusa ao lirismo [...] me pareceu algo como levar às últimas consequências as postulações que se podem extrair dos poemas metapoéticos de Cabral. Não tenho dúvida de que se trata de algo muito diferenciado na poesia contemporânea. Não é o meu caminho [...], mas isso não impede que reconheça as qualidades principais do livro, que para mim são o rigor da ordenação e a consistência dos procedimentos." (Paulo Franchetti, poeta e professor da UNICAMP);
*
"Meu caro Alexandre: confesso-lhe que, apesar da leitura aturada, não consegui metabolizar nem o sentido nem o funcionamento de suas "máquinas", muito embora o poema seja em si também uma máquina. Louvo-lhe, todavia, a experiência com a linguagem e outros recursos (aliterações, paronomásias, símiles etc.) próprios da expressão poética. Alguns de meus mais caros amigos (Mauro Gama e Álvaro Mendes, os quais já prefaciei) figuram em seu livro, e talvez o tenham entendido de forma distinta. Na verdade, pareceu-me que essas "máquinas" estão mais a serviço delas próprias do que da poesia, pelo menos como a entendo. E entenda: sou apenas um leitor, com as limitações naturais de qualquer leitor. Abraço afetuoso do seu Ivan Junqueira." (Ivan Junqueira (1934-2014), imortal da Academia Brasileira de Letras, foi um jornalista, poeta e crítico literário brasileiro [por carta, dez/2011])
*
"Tenho estado a ler os teus poemas [...]. Agradam-me bastante. Alguns deles fazem-me pensar um pouco num grande poeta francês de que gosto muito, Francis Ponge. Tal como ele (não diminuindo a tua originalidade) consegues tirar uma grande intensidade poética, a partir de uma linguagem descritiva, exacta, quase técnica–cientifica", dos objectos e das coisas. Para além disso agrada-me o ritmo rápido e encadeado, e o uso recorrente, bem-sucedido, da aliteração ( alguns exemplos: "se fatal o resultado de tal falta"; "quando o engate engasga, a escassez"; "pedra à perda"; "alpendre prenda. nem essa pedra") o que dá uma bela musicalidade e grande originalidade aos poemas. [...] Podemos dizer que a poesia de Guarnieri é uma poesia do objecto. Por meio de uma descrição exacta, linguagem objectiva, quase cientifica, dos objectos, [...] leva-nos a descobrir intensidade poética em lugares que nos parecem, ao primeiro olhar, despidos de poesia. O poema é neste caso uma identidade própria, uma construção, um corpo de palavras que ocupam um espaço e um lugar, o poema é um ser tão real como uma árvore, um rio ou uma pedra. Ele não imita, mas antes revela-nos uma realidade de que, à primeira vista, não nos apercebemos. Para além da linguagem precisa (por vezes podemos pensar em Francis Ponge, Williams Carlos Williams, ou João Cabral de Melo Neto) esta poesia destaca-se igualmente por meio do seu ritmo rápido, encadeado e onde predomina a aliteração, o que lhe dá uma grande expressividade musical." (Luís Costa, poeta)
*
"Caro Professor Alexandre Guarnieri, li o seu CASA DAS MÁQUINAS e senti um impacto muito grande, como há muito tempo não sentia: "impacto"é uma palavra pobre, que só diz uma pequena parte da surpreza e do prazer duma verdadeira descoberta - a dum verdadeiro poeta. Tenho já uma idade avançada para - pensava eu, erradamente - essas novas descobertas, no plano da poesia, da forma poética e da sua música, da maneira de usar as palavras como peças duma maquinaria (verbal e sonora), de tal modo que cada poema é um "mecanismo", um bloco de peças que "funciona", vivo à maneira duma pequena máquina, com seu chiados, guinchos, tiquetaques. Isso COM PALAVRAS, escolhidas pela sua valência própria, "engrenadas" umas às (nas) outras, dando a nítida - e assustadora - sensação de mecanismos em cego funcionamento, independente do fator humano, descartável ou aleatório. Lindo!" (Frei Bruno Palma, tradutor, dentre outros, das obra dos poetas Saint-John Perse e François Cheng, filósofo e teólogo dominicano)
*
"Rapaz, grande libroooo. fueda. o meu preferido: mineração. mas tudo foda. ouvi o ranger da máquina. arrojo da porra. [...] joão cabral ficaria orgulhoso [...]" (Xico Sá, jornalista e escritor)
* * *
Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online AQUI (via ISSUU). Seu mais recente livro é Corpo de Festim (Confraria do Vento, 2014 [livro ganhador do 57o Jabuti]).
Da América do Norte ao Sul, o gringocarioca é uma figura anônima, híbrida e ilusivisionária, alter-ego de Marco Alexandre de Oliveira, escritor, tradutor, e professor radica(liza)do na metrópole pre-pós-moderna do Rio de Janeiro, ex-capital do Brasil. Email.