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7 poemas de Rubens Jardim

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Ilustração; Ben Heine


POEMA DO AVESSO

O que há em mim
é a lenta preparação
do que há em ti
                    sombra segada
                    sangrada
                    e sagrada
                    até nos olhos
dos meninos que nasceram
                 sem olhos

vidência única
(vide o verso)

visão múltipla
(vede o anverso)

e tudo que está do outro lado
do espelho.



TRANSFIGURAÇÃO

Mudas, no papel,
as palavras pronunciadas
                      voam
que nem passarinhos.

Será que elas criam ninhos
... nos teus ouvidos?



BAGAGEM

Na mochila
ou na valise

a fluidez
das fronteiras

é uma ordem

Desobedeça.



MUTAÇÃO

O sol é o mesmo
A água é a mesma
--Eu é que sou a lesma!



ESQUECIMENTO

Esqueci um poema dentro do mar
Ele nasceu das águas, das algas,
dos silêncios e dos murmúrios
de tanto amar. Levou-o os ventos
alísios, as brisas marinhas, as massas
de ar. E agora, dentro de uma concha
quase perdida na areia da praia,
o poema esquecido quer ser ouvido.
Mas o silêncio encobre a voz da palavra



ARTIMANHA

a arte é
manha
de vir

a arte é
manha
de ver

arti-
manha:
viver


Ilustração: Ben Heine


ANIVERSÁRIO

Teu aniversário, no claro
se comemora.

Desculpa de levar-te este poema.

Os poemas são inúteis.
Como uma flor.
Uma abelha.
Ou um ninho de passarinho.

E para ser bem franco,
eu quero mesmo te dar uma coisa inútil.
Afinal, aos oitenta e três anos
o que pode um pai esperar
de um filho:
que o filho tenha alguma utilidade ?

Não meu pai. Eu sei que as coisas
mais importantes para o senhor
estão muito além dessas molduras
que podem enfeitar
paredes
e decorar salas.

Por isso eu fiz questão
de te escrever um poema.
Afinal, o que a gente pode fazer com um poema.
Ou com uma tarde ao entardecer.
(Parece pleonasmo, repetição.
Mas não é. É assim mesmo:
uma tarde ao entardecer.)
E me desculpem os gramáticos,
os dicionaristas.
O que eu quero dizer é exatamente isso:
uma tarde ao entardecer.
Eu quero expressar de fato
e sinceramente essas nuances
que nunca se repetem.

Ou se repetem.
Mas sempre de uma maneira nova.
Única. Singular.
Seja no céu. Na boca. No céu da boca.
Na palavra impronunciável.
Ou no silêncio
que guarda mistérios de cofre
e segredos de porão.

Nunca te pedi a mão
tão pouco enrugada
e macia
para beijar-lhe as veias
-- hoje grossas.
Nem procurei nos olhos gateados
aquelas certezas do teu viver.

Em verdade, as tuas certezas
nada mais foram que a permanência
de tuas dúvidas infantis.
Teu jeito tão próprio
de viver e conviver
não fizeram de você um homem cansado
ou desapontado.
Tua mobilidade é perfeita.
E tua fé resiste a tudo.
Não há gritos --presos ou soltos-- em teu lábio.

Acho que você foi,
desde menino,
aquela brutalidade de encantamento
que habita
o princípio de tudo.

Barro inicial,
argamassa de sonho,
síntese
nunca domesticada.

Talvez Riobaldo.
Talvez Diadorim.

O certo mesmo é que teu coração mistura amores.
Tudo cabe.
Desde a varanda de ver nuvens
até a sorte momentânea.
Mas é pelo tudo contra
--tua aposta mais exaltada--
é que se percebe
que nunca houve regra
de nenhum meio termo.

O senhor sabia que coração
cresce mesmo
é de todo lado.
Polígono, hexágono,
triângulo.
E me passou isso,
passando o proibido:
o dito e o interdito.

Sempre achei
que o espírito é cavalo
que escolhe estrada.

Rumos do porvir. Veredas.

Estreitos caminhos de si mesmo.

Grotão de águas plurais.

Confluências. Convergências.

E a iluminar a gente
a certeza de que um rio é sempre sem antiguidade.
Igual pessoa se desmisturando da nascente,
faceando com as surpresas.
Ficando nova.
Novo pai. Novo filho.

O que fomos nesses tempos todos de teus 83 anos?
No repartir miudinho de cada dia?
No beijar escondido da tua santinha?
Na alegria veemente das praias
e do teu fascínio pelo mar,
pela montanha,
e por tudo aquilo
que se mostrava diante, defronte,
além ou aquém de você mesmo?

Recintos do perdurável.

Instantes de essência.

Pai, impregnaste todos os meus modos de ser
com teu exemplo visceral.

Inesquecíveis são as coisas,
todas as coisas,
quando penetramos nelas
com o desejo original
de revelação.

Nunca neguei ao senhor meus pés, mãos e ouvidos,
nem meus entendimentos
precipitados.
Todos nós fomos feitos
aos trancos
e barrancos.
Nos vãos. Nos desvãos.
Nos desvios.
E no encontro daquilo
--Deus selvagem--
sempre escondido
nas curvas do corpo
e nas sapiências da alma.

Eu mesmo sempre estive indo a meu esmo.
Procurando meu ermo.
Minha solidão.
Minha pedra fincada
no chão.

E meu próprio filho já me disse:
meu pai do chão,
meu pai do céu.
E isto nunca deixará de ser
sabedoria danada. Poetagem.
Meninice desancorada.

Acreditei
e ainda acredito
em dar um jeito
ao suceder.

Ao pensamento quero dar
as direções,
os contágios,
as altas febres.

E as emoções quero dar
um lugar,
seu espaço fundamental,
simples,
sem nenhum aviso.

Meu lema é viver
e deixar viver.




Rubens Jardim, 69 anos, jornalista e poeta. Publicou poemas nas antologias: 4 Novos Poetas na Poesia Nova (1965,SP), Antologia da Catequese Poética (1968,SP), Poesia del Brasile D'oggi (1969,Itália), Vício da Palavra (1977,SP), Fui eu (1998,SP), Poesia para Todos (2000,RJ), Antologia Poética da Geração 60 (2000,SP), Letras de Babel(2001,Uruguai), Paixão por São Paulo(2004,SP), Rayo de Esperanza (2004, Espanha), Congresso Brasileiro de Poesia (2008,RS). É autor de três livros de poemas: Ultimatum (1966), Espelho Riscado (1978) e Cantares da Paixão (2008). Promoveu e organizou o Ano Jorge de Lima , em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Pichia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou Jorge, 80 Anos  - uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento Catequese Poética, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar, o lugar do poema são todos os lugares. Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. No seu blog, www.rubensjardim.com  vem publicando, desde 2011, a série AS MULHERES POETAS...Participa frequentemente de recitais e saraus e foi incluído na coleção poesia viva, do Centro Cultural São Paulo, com a coletânea de poemas Fora da Estante( 2012).

13 POEMAS DE LUANA MUNIZ

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Ele apertou meu fêmur enquanto meu buraco se abria, enquanto se expandia a cratera, enquanto me jorrava do sangue todas as pequenas erosões de Nazca, ele apertava como um tigre aperta a mandíbula em um antílope, essa casca quente, essa febre quartã, espremia com seus dedos e me doíam todas as guerras mundiais, meu fêmur dórico jônico coríntio napolêonico de civilizações caídas, todas as suturas cutâneas, todos os venenos neurotóxicos de todas as víboras e não sei que borbulhante pecado existe, as presas em meu fêmur e me ardiam todas as vezes que dei para ele a Savana sórdida dos meus dias, e o meu rio, as minhas pernas horrivelmente abertas - suas mãos nas minhas omoplatas de mármore gasto da basílica de Aparecida - este rio tão incontornável. A câimbra em meu fêmur, sim, ainda, e ele mandou que eu o chamasse pelo nome, chamei "me come, Mauro". Duas horas depois, deitada em seu peito duro disse-me áspero "meu nome é Marcos”.


*   *   *


Lá em cima
a esfera azul
imunda de vida
                     urrante
no farfalhar
da humana glória
termostatos quebrados
ossos músculos horas
e eu nem sei
(nunca soube, acho)
onde começam os meus
1,60m
de pura perda
nem onde termina
a insônia.
E tudo mais
                em mim
a máscara
o gesto
o quebranto
não passa
de soturna vontade
e escandaloso corpo.


*   *   *


Fita isolante
nos buracos gritantes
não posso olhar o sol de frente
e meu corpo tem anarquismos
que eu nem sei calcular
Ele ordena me chupe
o olhar ácido nas minhas entranhas
sem nenhum rescaldo
respiramos no mesmo beat e ele ordena me chupe
contemplo a pele lânguida
ele manda eu lamber mas eu digo
abre aspas
não posso olhar o sol de frente
fecha aspas
estou embalsamada dele até as células
ele manda eu lamber
a voz acariciando as letras do meu nome
acesso a senha do seu cofre forte
sou feita de milhares de pedaços
de estrelas úmidas e ele está gemendo
feito um Adão caído
estou querendo uma barbaridade
uma hipérbole
bem pontiaguda
com o sal entalado na garganta
o esperma me enche a boca
o esperma que não sai da roupa
nem com água benta
ele fica ordenando me chupe
eu tenho 21 anos e quando ele me entope
dessa vontade espelhada
sei que quero entregar o tutano dos ossos
e ser domada
exterminada
lamber com os olhos
respirar
entreter
fissurar com os olhos
toda a minha sangria absoluta
cheira a vivo
a coisa latejante e viva
9.5 graus na escala Richter
quando ele exige enfático me chupe
sinto a coreografia exaustiva
de todos os anseios
e cuspiria até no santo graal
pra beber todos os seus líquidos medos.


*   *   *


Fala na tua voz acústica
que me acha
corrupta
transviada
víbora
mitológica
diga que eu tenho
tentáculos onde a mão no chega
lamba as minhas
gangrenas cálidas, amor
suave carne oceânica
e toda estrutura
que você não toca
(em mim)
parece um crime
eu me esfrego
até me machucar

Os meus 3 navios
a mercê do teu naufrágio
a minha hipnose
tantas partículas
de hipnose atroz
não sei o que fazer
com a tua lembrança
e eu te amo agora
como um doente
em fase terminal

Entenda a minha fome
entenda o meu grito
de mil línguas
todos os meus líquidos
corporais
escorrendo da fonte
entenda as minhas pupilas
dilatadas
e essa minha noite de
demônios
que eu vesti de tormentos
nunca exorcizados
não me exorcizo nunca
quero triunfar nos pecados
todos
bebo na fonte do éter
desonro alguns deuses
o verbo caber é pequeno
e eu tenho espaço demais
não gosto de convites
tão prosaicos

invada que eu gosto mais

No fundo
eu não passo de uma
pesarosa
masturbatória
metafísica do desejo
e um único desejo me delata:
essa solidão ruidosa.


*   *   *


De repente eu quero dar
sete pulos
sete mergulhos no Jordão
matar minha sede
da gélida água santa
De repente tenho vontade
de ser víbora, traiçoeira
o cavalo de Tróia
que a sua Odisséia particular
glorificou
De repente quero imolar
um cordeiro em teu nome
usar o sangue pra conceber
o assédio que sempre amei
De repente quero ser
a conflituosa fêmea
a inimiga parasita
o bicho sangrador mensal
que te sacraliza os dias
De repente quero desempenhar
os 12 trabalhos hérculeos
apenas porque a inércia
me parece uma lei
demasiado radical
De repente quero ser fantoche
buginganga sua
seu troféu
vestir meias 3/4
ensaiar o palavreado baixo
geniosa
petulante
e dizer que quero ser movida
como a rainha do xadrez
que você joga todo sábado
De repente quero que morda
o meu fruto proibido
e que a minha nódoa
não te saia da camisa
nem com alvejante caro
De repente quero ser paga
para espalhar a decência
pregar o sermão da montanha
num monte ermo do Líbano
sem macular
seu lençol de linho fino
De repente quero implantar
uma cláusula
na constituição federal
e advogar todos os seus danos
(foram muitos)
De repente quero ser agredida
como um judeu
na alemanha nazista
e quero que o meu crime seja
totalmente inafiançável
De repente sinto um complexo
de Vladimir Putin
me dá ganas
de governar o seu país
ser ditadora déspota tirânica
De repente quero ser stripper
virar título de romance
do idiota que me comeu
De repente eu adoraria ser
fuzilada
em praça pública
com requintes de crueldade
só pro seu zoom óptico
focalizar o meu prazer
De repente o diabo
fala comigo
numa língua ébria e barroca
o dialeto molhado dos anjos
a linguagem dos poetas
e eu tenho vontade de
vender a minha alma
em troca de
três, quatro ou cinco
horas
de fluídos com você.


*   *   *


Eu não sou Jesus Cristo

Eu não sou Jesus Cristo
não tenho a resposta
para as suas madrugadas
de choro sentido
Não aceitei
aquela maçã maldita
a polpa suculenta
do pecado original
(e deveria)
Não mandei o dilúvio
assolar a terra
nem mostrei a minha ira
preta rendada libido
cinta-liga
Eu não sou Jesus Cristo
eu não vim com a missão divina
de salvar porra nenhuma
eu vim pra desonrar
pra ser torpe
vexatória
pra ser a Maria Madalena
que o mundo denegriu
Dopamina
reverberando num sistema
Ácido
no vinho sacrossanto
Eu não sou Jesus Cristo, amor
Não me olhe com olhos utópicos
nem com a fé cega
dos que acreditam no céu
Não me venha
com bondade
estandartes
santas ceias
e milagres
Não pense que sou Jesus
e disserte
sobre a sua Perestroika
na minha antiga
ofendida
devastada União Soviética
(fariseu é só um adjetivo)
Não tente me catequizar
Eu não sou Jesus Cristo
não expulso ninguém do paraíso
de preferências ortodoxas
só tenho uma
nem beata nem puta
desdobrável
talvez vulgar
em dias ímpares obsessiva
Não vou me privar de ser
tendenciosa
pretensiosa
espalhafatosa
Eu não sou Jesus Cristo
mas confesso que hoje adoraria ser
o Messias aguardado
só para ser a responsável
pelos royalties do planeta
chegar de túnica branca
(transparente)
sentenciar o apocalipse
com a minha voz às seis oitavas
raios e trovões
alta voltagem
cataclismas mundiais
Hoje eu queria ser o Messias
Jah
Allah
Oxalá
só pra aumentar
a sua pressão arterial
Te dizer que adoro
ser violada
feito uma caixa de Pandora
cheia de ossos
nervos ocos
superego
Freud entende
a minha pulsão sexual
e que o deserto
o deserto está à porta
e eu te peço, amor:
deixe ele entrar.
Ser humana hoje
só para me sentir
uma mosca varejeira
na ambrosia dos deuses
Ser humana apenas para ser nômade
anfitriã do pecado
Mas antes de tudo
urgentemente
ser Jesus Cristo amanhã
pra chegar no Vaticano e ordenar:

- Canonizem
o meu desejo
em todas as galáxias.


*   *   *


Ai que vontade
de escrever um livro erótico,
fazer um filho
com os seus olhos enfezados
só porque a camisinha estourou
praticar um ato
de caridade gratuito
pra você me notar
protesto vandalismo revolução
um curso de culinária tailandesa,
drenagem linfática
uma plástica
no nariz
na vida
no coração
Ai que vontade
de conversar com um idoso
sobre como o mundo é triste
estrelar um curta
plantar hortênsias no quintal
chamar o cachorro
de Tolstói
inventar um poema
ser pecaminosa
Eva
luxuriosa
quebrar todas as costelas
de Adão
fazer uma massagem
nos seus 12 músculos das costas,
cozinhar pra você
aquele doce elaborado
traficar cocaína colombiana
só porque você diz que adora
Que vontade de pichar o Taj Mahal
com tinta escalarte, pichar teu nome
ficar nua
no Afeganistão
Quanta vontade
de injuriar meus ancestrais
depredar
esse seu muro de concreto
e berrar
- berrar que eu te amo
Vontade de chamar cupcake de bolinho
de desligar os aparelhos
do teu coma induzido
pisar no teu calo
agulhar tuas ideias
deixar nus os teus defeitos
só pra te alquebrar, eu não ligo
Ai que vontade
de ser corrupta delinquente marginal
trocar as cortinas cafonas
colocar o nosso retrato em sépia
antiquado
com moldura polaroid
um zoom de 7x no teu rosto
Que vontade de criticar Gustav Klimt
recostada no teu peito
ser tabu
fantasia sexual
intolerante
laica
fissurada
ser o pilar
onde você ancora
o seu mau caratismo de cada dia, amém
Ai que vontade
de entornar o meu desejo
na sua taça dourada de rei troiano
dentro do teu santo graal
conspurcar a sua mente
ofender o seu deus
a sua crença
a sua terra
adentrar os seus desígnios
lançar a praga
no teu território saudável
Vontade de ser queimada
na sua praça pública
condenada por heresia
por bruxaria
por maçonaria
Vontade de
conjugar os seus verbos quentes
na minha pele
(substantivada)
Vontade imensa de evocar espíritos
porque não quero
purificação
Ai que vontade, amor
de te dizer que o meu útero
é do tamanho de um punho
(o seu)
e que por ele vazam
aforismos
impropério
sangue

principalmente constelações mundiais


*   *   *


quero te esgotar a vida te impedir de respirar arrancar teus
cabelos comer rir gozar quero te sufocar a risada e te arranhar o
sorriso te tapar os ouvidos te esvaziar de som te entupir dos
meus fluídos te estripar e dar tuas vísceras aos cães famintos
da rua – que não sobre nenhuma tripa pra corda de lira alguma! -
quero te impedir a rima te trair te desprezar te fazer versos nem
que seja do vidro mordido te dar as costas cuspir no nosso prato
desfazer das nossas juras e pisotear nossas lembranças
incinerar a memória dos nossos vícios - foram muitos - quero te
desfigurar te deslembrar sacanear essa alegria que ainda
reverbera nos meus sentidos quero te voltar pro não
pra quando não
pra nunca 

quero tirar meu corpo do bueiro
e o teu do armário


*   *   *


podes espernear e estrebuchar e inquirir quando vai passar,
marcelo
e me exigir que passe, chorar as lágrimas de mil crocodilos
fossilizados e proclamar que não merece, é bom filho come
todos os legumes não tens nenhuma deficiência de potássio,
que já passou há muito dos limites que sua paciência se
esgotou que suas forças se exauriram que é desumano -
pobrezinho! - que não tem mais a menor graça meu feitiço
meu olho meus buracos intermináveis
que já estas de saco cheio, marcelo. que não aguenta mais
brincar disso, disso que esfola e esquarteja, desse jogo que te
deixa macambúzio que te deixa empertigado que te deixa
cabreiro com a vida,
que assim não é direito, que não vais mais acariciar minhas
víboras, que sou uma mulherzinha baixa, eu e meus paganismos
eu e meus incensos eu e meus rituais atropelados, podes xingar
e esbravejar e se emputecer e clamar aos deuses e a todos os
orixás e pedir manuais e filosofias e verdades absolutas e
acender 7 velas à são cipriano
manda beijos à tua devota mãe por mim, marcelo
podes gritar urrar tomar um porre de autopiedade
estilhaça a vidraça do vizinho bate a cabeça em todos os muros
da sala rala os cotovelos no chapisco aprende culinária tailandesa
choras, benzinho mas choras de olhos abertos
alavanca essas pálpebras choras intempestivo como a pororoca
amazônica choras sem paz encolhido na loucura choras por
mim que valho pouco

choras, marcelo
como as crianças e os suicidas


*   *   *


deus na sua perversidade
nunca me permitiu uma nesga do éden 
roa os ossos de adão, disse deus
meu pássaro na garganta empoleirou-se
encolheu o pezinho e guardou a cabeça na asa
nenhum pio
mas é sempre penoso engolir


*   *   *


A melhor praga que posso lhe rogaré que continues sendo tu mesmo. No fundo cavucando. No fundo mesquinho e tacanho, focinhando carne e ossatura, tentando chegar perto do macio, do fixo, do branco luzidio do osso das coisas. No fundo só posso lhe desejar tu mesmo como maleita. Seco e perdido, jorrando vaziez como os igarapés amazônicos. E isso já basta.


*   *   *


quando o seu duro 
entra no meu mole, marcelo
choro como judas chorou o santo remorso
como soluçou sua boca amorfa vazia
de dentes
engulo o corpo de deus porque acredito
nem por isso compreendo
gosto dessa lisa mucosa de que é feita a vertigem
e meu molhado no teu 
áspero, marcelo
nem por isso nos amaldiçoo menos


*   *   *


Tenho essa boca enorme, inconveniente como
o pulsar de um coágulo, amor
quisera ser menos Eva e menos arrependida
a fratura exposta na costela de Adão. essa culpa bíblica.
nada mudou.
ardem os olhos agora, como ardiam antes
da batalha de Waterloo
180 é o número dos meus grilhões diários
em qual local da casa é melhor
para meter uma bala na cabeça
em qual local da casa, amor
na escuridão mais translúcida
que é a mais traiçoeira das escuridões
ou usando o seu faqueiro tramontina preferido?
nas minhas mãos é verão todos os dias
quero sonhar cavalos
muitos cavalos
maligna e meio lépida, 
certa vez
botei arsênico no scotch de Alberto
sua mão inteira em minha vagina
Ele preparando as malas,
me contando que vai morar com
uma prostituta chamada Suzana
muito melhor na cama do que eu
com quem dorme
e chora encostado nos crisântemos
há mais de 2 anos
A sabedoria – quando chega, amor
A sabedoria quase nunca serve pra nada.



Imagem: colagem de Mariana Liberali 



*    *    *



Luana Munizé mineira-come-quieto, nascida em Belo Horizonte, em 1992. É estudante de Letras da UFMG, onde tem uma preferência hiperclitórica e pouco ortodoxa pelos temas eróticos. Escreve uns saltos quânticos (nunca soube o que é um salto quântico, que perigo!) no blog Cronisias e outros poemas avulsos na internet.


4 POEMAS DE SUSANNA BUSATO

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“Leitura”


cutuco a carne do poema
escancaro
mostro os dentes
lanço a cuspe 
a sibilância 
a fricativa chispa 
a indiscreta chama 

vagabunda 
a carne se 
poema




"À paisana" 


Eles eram muitos. Eles eram fortes. Eles eram belos. 
Carregavam na ponta do fuzil das línguas a morte. 
Guardavam balas na boca e cuspiam
sonhos que afogavam na terra 
com uma pisada de pé 
sujo de terra. 
Era para reprimir a vida, diziam. Para a dispersão do mundo. Para a mordaz vingança. Engatilhavam a foice negra do tempo real como uma arma serena. 
Eles eram o inferno. Eles eram o centro. Eles eram 
o seu próprio intento. 
Sua astúcia e repúdio: lance de guerra. 
Contra si mesmos os dados 
rolavam dos copos. 

Aquilo bulia
aquilatava
aqui lá 
aquilo
calava.




“Mudez”


part
ida

à espera e à deriva
como um lenço ao longe 
a cena assina 

sino úmido 
lusco-fusco
som pregueado no branco
punho abrupto de pedra

réstia de tempo
que se engole
sem pressa







“A cidade desejante”


As lojas estão fechadas
Os passos sumiram das escadas
Os carros desalojaram as ruas
Não se respira no caule das torres envidraçadas

(A poesia pura
perpendicula
nos varais e fios de alta tensão
A poesia grita
na pausa dos postes
sussurra 
ouvido colado ao chão )

Corpos desejantes na cidade muda
assistem à lenta morte como um arrebol
Emulam a gama de gritos e cores
como se deles fossem
as gargantas decepadas dos dias

A cidade grifa grafa grava
n o s m u r o s 
seu desejo de fêmea:
que a última
foda venha
queira 
seja 
a posse do 
p o e m a




Imagens: arte de Fábio Magalhães


*    *    *




Susanna Busato, autora do livro Corpos em cena, é uma gaivota paulistana. Filha dos anos 60, meio hippie nos anos 80, virou professora universitária nos anos 90 com a poesia na rota da vida. Durante os voos virou Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP) e  Doutora em Letras (UNESP/São José do Rio Preto), onde fincou o bico como professora de Poesia Brasileira, e onde tem um grupo de estudos de poesia, o GEP/CNPq. Hoje se dedica a devorar nos lírios as serpentes que habitam seu corpo. Por isso traça roteiros pra tudo. Viaja dormindo, sonha acordada e realiza os desejos em voo rasante. Deixou seus rastros e pensamentos em várias revistas literárias e acadêmicas. Num dos voos, ganhou o Prêmio Mapa Cultural Paulista na fase estadual, Categoria Poesia, em 2010. O livro Corpos em cena integra a Coleção Patuscada, premiada com o ProAC - Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. O livro Corpos em cena foi finalista do Prêmio Jabuti 2014.





À beira-luz

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Foto do inglês Darren Moore



À beira-luz 

Quando caminhávamos
juntos
sem pisar em culpas,
e a força do sol
queimava costas e nucas,
e o mar
era um rebanho líquido
acalentando
barcos sem rumo,
e o vento jogava os seus cabelos
um palmo acima dos ombros,
e as pedras,
sim, as pedras diziam
infâmias à nossa deriva,
e parecia que talvez
nuvens listrassem o céu
mais tarde
para que escrevêssemos
pequenas frases sem ritmo,
o fio da conversa
era o fulgor da alegria
que escorria como girafa cega
no seu sorriso tão solto
que inundava o mar.


José Antônio Cavalcanti - poeta, contista, ensaísta, ex-professor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.  Autor dos livros Anarquipélago (Ibis Libris, 2013), Palavra desmedida: a prosa ficcional de Hilda Hilst (Annablume, 2014 e Fora de forma & outros contos (Ibis Libris, 2015)). Mantém os blogs Poemas da página que falta e Poemargens. 


A interioridade em expansão de um corpo-paisagem - Marcelo Ariel resenha Adri Aleixo

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Falo de uma voz que parece ter nascido da paisagem e se expandido no corpo como um poema-emanação.  Versos que brotaram como continuidade de rios e vales,  e que naturais e vivos, revelam nossa incompletude, fugacidade, desamparo e sublimação.
A concisão e aparente leveza conduzem muitos poemas deste livro. Para um lugar onde flores, água e astros se convertem em símbolos e palavras a partir de uma experiências humana forte e reveladora.

“ Hera/O pior da dor/ são os tentáculos.”

Uma folha que cai, ou um rio que corre: cenas cravadas intensamente na alma e no ethos, escrevem a força do corpo entranhado no mundo como delicadeza e incompletude.
“As pedras/que deixei pelo caminho/desenharam a curva do rio.

É de fato uma poesia que se nutre do dialógico e das possibilidades de imanência, palavra tão em voga e tão pouco compreendida. A mulher,ser privilegiado por viver mais intensamente no corpo este campo de ressonâncias com a natureza,  vagueia por essas páginas em suas diversas faces sinérgicas.  “É preciso ser mais forte do que si para abordar a escrita”. É preciso ter os pés plantados e descalços para se permitir tal voo.

“Os pés cansados/ cadafalso, candelabro/ pisar minúcias.”

É preciso estar atento a pistas, degustar imagens,emergir sensações, permitir-se o desamparo e a desconexão. É preciso grandeza para se chegar ao mínimo, ao rastro, às sutilezas.
 A voz que caminha nas paisagens parece ter crescido entre frinchas e frestas.  Telúrica, ela revela que a resiliência pode vir de uma aparente fraqueza. E que o viço nem sempre está no brilho da pétala, mas em sua queda rumo ao chão aportando o solo, oxigenando-o.

 Os poemas deste livro são emanações desta expansão da memória para paisagens através de versos epigramáticos ou sutilmente confessionais capazes de construir  esse intercâmbio entre ser e natureza.
Não é a perplexidade drummondiana aqui a única força interna a traçar rotas para o poema, existe também algo de reconstrução de uma certa memória do mundo.

 Em seu segundo livro de poemas, uma produção artesanal , a autora mantém seu ritmo e erotismo característicos. Este livro com acabamento ecológico em bambu,suscita as mais diversas sinestesias, mas oriento: aqui nada é mensurável ou definido. Cabe ao leitor des.caminhar,ir além das imagens.

Sendo a concisão  eletiva e esmerada, cada um dos poemas do livro pede um outro  tipo de relação com o tempo e exigirá mais de uma leitura justamente por causa da nitidez e aparente simplicidade e não simplificação do eu- lírico que aqui intervém como um corpo-para-a-paisagem sempre nascendo, sempre morrendo.

Marcelo Ariel



Conheça alguns poemas do livro;

Clepsidra

É boa a rasura da cama
aquela torneira aberta na sala
encharca
e quase mata
entre  letras e luas
é mais fácil controlar
a goteira
do quarto.


Suave Mari Magno

Anseio
a sutileza do pouso

rodopio
voos interrompidos

abutres
se refestelam.

Trituram-me o crânio.


Poética
Com Manuel Bandeira

O que sabemos das palavras?
nada sabemos.
Palavras justificam
uma coisa mais funda
Um crispar
Um estalo
Um gesto.

Sabemos de suas combinações
sintaxe
coerência
coesão
tudo programado pra fazer sentido

mas não conhecemos
palavra
apenas suas breves incandescências.

É que elas se acendem no outro
um corpo fora do corpo


*
Palavra é um risco consequente
Risco
Consequente.

Sonhamos resquícios de palavra
e sua breve ladradura.
Qual seria a combinação planetária
para escrever
pa
la
vra

Corpo chaga nascente?


Poemas de “Pés”  (Livros Marianas)
Ilustração: Arquivo pessoal de Adri Aleixo
Nota : uma outra versão dessa resenha foi publicada no "Suplemento literário de Minas Gerais" (SLMG).



Adri Aleixo,  mineira de Conselheiro Lafaiete, vive em Belo Horizonte onde atua como Professora e Consultora em Linguagens. Edita o blog www.petalas-poeticas.blogspot.com  e  possui textos publicados em sites e revistas literárias. Escreve também contos e literatura infantil. Publicou em 2014, Des.caminhos, pela editora Patuá e em maio de  2015  o livro ecológico Pés, ambos de poesia.




Marcelo Ariel, autor do livro Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio nasceu em Santos, em 1968 e vive em Cubatão. Poeta, performer e dramaturgo, é também autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008); Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010); O Céu no fundo do mar (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (Edições Caiçaras, 2012) entre outros.

3 POEMAS DE MAURÍCIO CAVALHEIRO

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INSÔNIA

O silêncio era tumular
não havia
um pio de vento
na madrugada


De repente
o coração armou o maior barraco
no morro da saudade.



DESADORMECIMENTO

O cheiro das manhãs
tardes e noites
contava maravilhanças

o cuco
abandonou o ofício britânico

ser submisso a relógios
era um atraso
de vida



CORRENTE

Para o chefe do chefe do chefe do chefe
Para o chefe do chefe do chefe
Para o chefe do chefe
Para o chefe

Nas repartições públicas
há repartições sigilosas




Imagem: O projeto “Luz nas vielas”, do coletivo espanhol de arte urbana Boa Mistura, 
deixou cores e palavras de motivação nas paredes de pequenas ruas
da Vila Brasilândia, uma das maiores favelas de São Paulo (2012).


*    *    *



Maurício Cavalheiroé filho de Pindamonhangaba, cidade do Estado de São Paulo. Membro da Academia Pindamonhangabense de Letras é autor dos livros: “Lágrimas de amor” – poesia, “O sapinho jogador de futebol” – infantil, “O estuprador de velhinhas & outros casos” – contos, “Histórias de uma índia puri” – infanto-juvenil, “O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte” – cordel, “Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda” – cordel, entre outros. Possui blog

Formage de Natalie Quintane - Tradução de Clarissa Comin

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Ilustração: Jon/deviantART


A velocidade é o ritmo de aceleração do coração. Podemos senti-lo bater em qualquer lugar do corpo. Sentimos ainda mais um coração que bate rápido. Neste momento, não sinto meu coração bater nem meu sangue circular – se amanhã alguém me disser que Harvey se enganou e que o sangue é uma poça (imóvel), não contradirei ninguém, e meu sangue estável tomará depressinha o lugar do sangue agitado.
***

O problema é a lentidão. Há um jeito de se sentir sanguíneo: ir rápido ou ultrapassar os perigos (o motocross acumula ambos em sua fase supercross).
Às vezes, um esporte só pode ultrapassar a si mesmo impulsionando seus atletas a bater recordes.
Às vezes, basta reconfigurá-lo (indoor) ou misturá-lo a outros (coreografias mecânicas, saltos de esqui, ginástica sobre moto): os paraquedistas se valem disto para desenharem uma flor no céu, dando-se as mãos. A patinadora some sobre o gelo, brincando com um laço.
Talvez não ele, o quem-que não visa tanto à intensificação, mas à simples coleção – ou registro – da velocidade. Há mais habilidade em uma 30 cilindradas tentando virar numa ruelinha a pequenas marchas ré sucessivas que no duplo supermanseatgrab do motocrossista.
Não é nas tevês de múltiplas visões montadas ao ar livre (uma atrás da outra, como tiro ao alvo) que se encontra a justificativa da velocidade, mas no pequeno desvio para a beira do caminho, evitando uma pedra.
***

Paremos com o cão amarelo para que as referências venham aos montes. Ele está em plena velocidade numa clareira, num desses Renault-Trafic, copiado por todos os fabricantes: vala na qual o Trafic se arrebenta e o arremessa. Não é um acidente, a queda do Trafic se deu muito rápido (realidade da vala a princípio: a estrada um pouco mais elevada que ela, os lados da lataria) e então, ele intacto. Desta vez, o objeto dentro do qual ele estava foi mais rápido que ele e a aterrissagem se deu como a de um gato lançado nas mãos de um amigo. Agora ele imagina que poderia ser em um barco – o point, o Bazenne’s bar, por sua localização, destruindo o ancoradouro no porto de Dunquerque – um avião em um porta-aviões arriando as pilhas no fim da pista antes de cair no mar – um foguete: os astronautas têm sempre um jeito particularmente lento, cheios de roupas. Sim, mas ele é um foguete.
***

Há ainda uma outra maneira: confundir vivo com ao vivo. Ele atende o telefone, ouve as primeiras palavras, diz sim sim, coloca no gancho, depois deixa a velocidade do outro circular em gotículas de saliva na sala perto do sofá enquanto ele se mantém ocupado. Eu teria feito a faxina, mas podemos muito bem arrumar os papéis, trocar de agasalho, tomar banho. Cão amarelo não tem tempo de tomar banho, os livros se acumulam no escritório, os W.C estão entupidos, ele se muda antes de ter pensado em registrar seu aviso prévio. Oito dias depois ele se muda novamente para a rua adjacente: passamos seus móveis pela janela.
***

Se quisermos, podemos muito bem ficar alguns segundos sobre a mesma palavra, reler uma frase, reler esta frase – a leitura do romance não se dá sem esforço físico. Temos tempo de concluir estas 350 páginas enquanto temos de escrever, por exemplo, uma carta? Encontrar o limiar entre leitura profissional e leitura privada. Não se trata de chegar “ao fim de todos esses romances”. A chave está na folheação. Tudo é folheável e um olho treinado seleciona o melhor – que ele reinjetará, ou não, na sua carta, de uma forma semelhante. Assim sendo, ler de pé, nos corredores das livrarias, apoiado nas prateleiras das bibliotecas municipais, sentado no carpete das lojas, na sua casa, na sua cama, os pés no chão colados no piso, um dos livros da mesa de cabeceira, a toda velocidade. A literatura só é matéria para aquele que nela persiste. Todos sabem que um erudito pode ser estúpido e que lhe bastaria ler O cão amarelo, de Simenon, para compreender a alma (humana).

Trechos de "Formage" (P.O.L).


Nathalie Quintane nasceu em Paris, em 1964, e atualmente vive em Digne-les-Bains.  Publicou dezenas de volumes, romances e coletâneas de poemas,dentre eles  Chaussure (1997), Jeanne Darc (1998),Début (1999), Formage(2003), Un embarras de pensée (2008) e, o mais recente,Les années 10 (2014). No Brasil publicou Começo (2005), com tradução de Paula Glenadel, pela editora Cosac Naify. Além disso, a autora costuma realizar leituras performáticas de seus textos, trabalhando com vídeo e poesia sonora, colaborando também com outros artistas, como Stéphane Bérard e Xavier Boussiron.




Clarissa Comin nasceu em Fortaleza e atualmente mora em Curitiba. É mestre em Literatura Brasileira (UFPR), Estudos Lusófonos (Université Lumière Lyon 2) e professora de língua francesa. Atualmente cursa doutorado na UFPR e pesquisa literatura brasileira de invenção no século XX. Tem traduções e textos publicados em revistas digitais como Qorpos, Mallarmagens e Raimundo. Escreve periodicamente em  https://totemepagu.wordpress.com.

MATHEUS ARCARO LANÇA O ROMANCE "O LADO IMÓVEL DO TEMPO"

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Após a boa receptividade crítica da sua primeira obra, o livro de contos “Violeta velha e outras flores”, publicado em 2014 pela editora Patuá (SP), o ribeirão-pretano Matheus Arcaro (32) lança seu segundo livro, desta vez um romance.

“O lado imóvel do tempo” tem como protagonista Salvador dos Santos, um bancário aposentado, poeta frustrado que, ao completar 70 anos, entra numa crise existencial. Ele percebe que a morte se aproxima e o medo de ser esquecido leva-o a cogitar inúmeras possiblidades para reverter isso até que chega à conclusão de que a única chance que tem para que seu nome seja cravado na história é tornar-se assassino em série.

Matheus espera que seu romance de estreia tenha o mesmo êxito do livro de contos. “Em menos de um ano e meio do lançamento, chegamos a 800 exemplares vendidos. Esse número é muito significativo, ainda mais eu sendo o livro de estreia de um autor do interior de São Paulo. Além disso, por todo o Brasil, saíram muitas resenhas e notas positivas sobre o livro. ”

Se depender das indicações, o sucesso virá novamente. A obra já nasce com o aval de nomes de peso da literatura nacional. O posfácio é de Whisner Fraga. A quarta capa é assinada por Nelson de Oliveira. O prefácio ficou por conta de Ronaldo Cagiano. Já a orelha conta com dois premiados no Jabuti de 2015: Maria Valéria Rezende e João Carrascoza. A primeira escreveu sobre a obra:

Em "O lado imóvel do tempo", há tudo o que um leitor arguto espera da literatura contemporânea: renúncia à linearidade artificial, flutuação entre vários tempos da ação, fluxo de consciência, diferentes vozes narradoras, nenhuma delas confiável, o sujeito em crise, incerto de sua existência real se não for delineada pelo olhar do outro, de muitos outros, de todos. E metáforas originais, surpreendentes, que, uma vez lidas, se revelam indispensáveis, sem jamais derrapar para a literatice e dando ao texto uma necessária pátina de humor.

Já Carrascoza afirmou:

"O lado imóvel do tempo"é uma obra vigorosa, com personalidade, que reafirma o talento de Matheus Arcaro como ficcionista.






Matheus Arcaro nasceu em 1984 em Ribeirão Preto, onde vive atualmente. Graduado em Comunicação Social e também em Filosofia. Pós-graduado em História da Arte. Atua como professor de Filosofia e Sociologia, artista plástico e palestrante. Desde 2006 tem artigos, crônicas, contos e poemas publicados em veículos regionais e nacionais. Seu livro de contos Violeta velha e outras flores, publicado em 2014 pela Patuá, vem recebendo ótima crítica em âmbito nacional.  Seu romance O lado imóvel do tempo também é publicado pela Patuá.









Lançamento em Ribeirão Preto: 14/04/2016, quinta-feira, às 19:30, no Sesc.

Lançamento em São Paulo: 21/05/2016, sábado, às 19:30 no Patuscada Bar.




CONTO INÉDITO DE ROBERTO DUTRA JR.

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SETENTA DIAS PARA O FUTURO


         Ela se foi, as duas se foram. O apartamento desabitado reverbera silêncio e estranhamento. O corpo inteiro estalava, o sofá deixava sua marca em cada vértebra. Agora era descobrir uma nova rotina. Não precisava ter sido abrupto. Não precisava ter levado a menina e o cachorro, não precisava mudar o telefone. As pessoas parecem tão motivadas por gestos de efeito, derradeiros, definitivos; as segundas chances são parte de discursos humanitários em editoriais, na vida real as pessoas são vingativas, precisam sentir o sangue do outro para redenção própria.

           Foi um final de manhã de poucas considerações, comiseração, caso prefira. Todo cachorro lambe as feridas antes de seguir abanando o rabo pela calçada. Se não se resolveu ainda, paciência, que o tempo não para.

DIA UM

            Arrastei-me pela manhã. Maldito sofá. Eu devia ter trocado quando ela pediu. Leite morno e o último pedaço da torta de aniversário. Porra, aniversário da Tita. Ela se recupera.
            Dormi o resto do dia. O telefone não tocou.

DIA DOIS
           
Nada de repetir a preguiça de ontem. Farei uma lista, um diário. Eu vi isso na televisão. Ajuda a expurgar os ressentimentos.
Varri a casa. Coloquei os móveis em ordem. Dormi o resto do dia.
Sopa desidratada de noite. Gosto amargo na boca. Lua nova.

DIA TRÊS

            Acordei cedo, não fui trabalhar. Há dias não ligo o computador. Percebi hoje como os vizinhos gritam. Quanta fúria apenas porque alguém colocou açúcar demais no refresco. Percebi que o silêncio era como um relógio parado.
            Fui ao mercado. Não consegui cozinhar sem elas por perto. Comi no botequim do Xico. Cozido, muita pimenta.
Dormi.
            Acordei no meio da noite.

DIA QUATRO

            Caguei a manhã inteira. Gordura, condimento e ressentimento privada abaixo. A cólica foi tão forte que me deitei no chão do banheiro, exausto.
O prédio em silêncio.
No meio da tarde a buzina do vendedor de pães e sua bicicleta. Não percebi que abri a porta de cueca. Estou desatento. Vou melhorar isso. Desgosto passa. O tempo é um remédio pródigo, ou isso ou purgativo.
Acordei no meio da noite.
Vontade de fumar. Não fumo, não tenho cigarros, não quero sair.

DIA CINCO

            Cozido, arroz, farofa, pimenta.
Eu não fumo.
Acordei de novo. Tropecei num brinquedo. Como foi que varri e não vi o brinquedo?
Barulhos estranhos pela parede. À noite o prédio estala como se tivesse falanges nos dedos. Agora eu sabia, é assustador. Não vou mais deixar a Tita sozinha quando ela acordar de noite. Não vou mais...

DIA SEIS

Minha avó passou aqui para me ver. Cozinhei para ela, que trouxe um pudim.
Não conversamos sobre elas. Minha avó não fingiu alegria e disse que me mantivesse, a vida continua.

DIA SETE

Os estalos na parede do corredor aumentaram.
Vontade de fumar que nunca tive.

DIA OITO

Ela deixou Tita me ligar. Eu ouvia ela repetir pra menina que se eu me importasse eu teria ligado. Eu não tenho o número, droga. Não sei onde estão. Mantenho a calma, aproveito o momento.
Agora estou aqui, sentado, andei uns cinco quarteirões atrás de uma banca onde houvesse cigarros. Apenas eu, panelas, luz da cozinha piscando e o maço de cigarros.
Nunca fumei.

DIA NOVE

Ignorei todos no trabalho. Não tenho respostas, nunca me incomodei e não entendo por que perguntam.
Costela, agrião, batata, mais pimenta, não resisto mais.
Acho que os estalos são a tubulação. Agora eu ouço tudo, mesmo com a televisão ligada.

DIA ONZE

 Voltamos juntos, Digo trouxe cerveja.
Nova ligação da Tita quando cheguei. Ela não vai deixar a menina ligar pro meu celular, sei disso. Ouvi o cachorro latindo pelo fone. Digo respira fundo e dá de ombros, diz que volta amanhã.

DIA TREZE

Rotina. Percebi que voltei a conversar normalmente com umas cervejas e a companhia de Digo. Assistimos o noticiário. Ele me diz que o prédio é velho e barulhos são normais.
Eu não sei a idade do prédio.

DIA VINTE

As ligações agora tem os minutos contados e Tita chora. Digo a ela que tudo ficará bem. Parece que o cachorro ficou doente.
Não tenho certeza se os estalos agora são no banheiro. Talvez eu deva tomar algo para me ajudar a dormir.

DIA VINTE E SEIS

Ressaca. Mereço. Esqueci como é passar da conta. Com cerveja, pimenta e bar, eu imagino que esteja um típico homem separado.
Não quero escrever sobre isso.

DIA VINTE E SETE

– Digo.
– Fala, meu chapa!
– Conhece algum encanador?
– Esses barulhos, não são apenas de noite?
– São.
– Ah, não se preocupe, não vai arrumar obra agora, vai?
– Tá esquisito, só isso.

DIA VINTE E NOVE

Uma e trinta e oito da madrugada. Abri o maço de cigarros. Nem tossi na primeira tragada. Não foi estranho, mas eu não fumo, fumava...
Um certo alívio, fumando no escuro.

DIA TRINTA

Vovó percebeu que abri o maço. Trouxe outro, disse que não tinha problema. Às vezes a vida era sábia de modo errado.

DIA TRINTA E SETE

Há cinco noites fumo no banheiro. Os estalos agora parecem acontecer apenas aqui. Certas vezes a torneira cospe água como uma criança tossindo. Depois é a água do vaso, agitada como se houvessem carpas buscando migalhas.

DIA TRINTA E OITO

É apenas isso? A vida segue para todos e ninguém conhece ao menos os ruídos que os próprios apartamentos fazem?

DIA QUARENTA E UM

Eu a vi pela primeira vez.

DIA QUARENTA E TRÊS

Seu rosto de formou ontem. Eu sei que sim. Estou perplexo, mas repito a experiência e obtenho o mesmo resultado.

DIA QUARENTA E QUATRO

São três da manhã. Já fumei metade do maço de cigarros. Acendo outro e começo. Exalo a fumaça no espelho e seu rosto fica mais nítido. Pouco a pouco se fixa. Ela sorri e a imagem se completa. O espelho parece uma janela.
Não tenho medo.
Conversamos.

DIA QUARENTA E CINCO

Tita ligou, inconsolável, soluçando. O cachorro morreu. Ouço a mãe dela do outro lado da linha, nervosa, falando alto. Só posso ouvir a voz de Tita por quinze minutos e não consigo confortá-la. Será que ela apanha? Mataram o cachorro? Deliberadamente? Não ajuda ficar remoendo essas ideias assim. Afasto isso da mente.

DIA QUARENTA E OITO

Agora entendo melhor. Coloquei um banco no banheiro e conversamos na frente do espelho por horas. Ela diz que estuda a conexão, não quer perder tempo em explicar corretamente a natureza do fenômeno.  Por hora, o espelho permite que conversemos, isso me basta. Começamos a partilhar nossas histórias, isso estabiliza as imagens.

DIA QUARENTA E NOVE

Não consigo explicar pro Digo o que há comigo.

DIA CINQUENTA

De madrugada falamos sobre o que perdemos, conversamos sobre filmes. Disse que gostava de desenhos até hoje e começou a fazer uma lista. Eu disse que a Tita, minha filha, sabia tudo aquilo de cor. Ela ficou lívida, mais ainda, pois a imagem no espelho já era fraca.
– Eu sou Tita. Só meu pai me chamava assim.
Ela colocou a mão no espelho.
Era verdade.
Ela disse que deixava os cabelos abaixo do ombro porque o pai disse a ela que cresceriam, enquanto ela ficava impaciente com a cara de criança e seus cabelos de palha.
Lá estava ela, crescida, no futuro.
Era verdade. Ambos passamos a acreditar e minha mão também a encontrou no espelho.

DIA CINQUENTA E SETE

Eu sei que é possível.

DIA CINQUENTA E OITO

Sabemos que é possível.

DIA SESSENTA

Conversamos. Ela diz que pareço cansado. Não sei há quanto tempo não saio do apartamento. Eu apenas quero que funcione.
– Acho que vai funcionar.
Ela colocou a mão no espelho e pela primeira vez, eu senti seu calor. Tita segurou meu pulso e me retraí, assustado.
– Calma.
– Foi um reflexo, um reflexo. Eu vou me acalmar. Estou nervoso, só isso. Eu quero que dê certo.
– Vai dar, pai. Apenas calma que a passagem se abre delicadamente. Se apressarmos o processo, alguém pode se machucar.

DIA SESSENTA E TRÊS

Nós nos abraçamos pela primeira vez.
Ela me explica que estuda as passagens há anos, a fumaça era uma facilitadora do meio e que o laço emocional estabilizava o espelho.
Eu sei que é possível.

DIA SESSENTA E CINCO

Digo e minha avó passaram o dia comigo. Ela acha que não devia ter largado o emprego. Digo acha que é assim que se faz. É sinal de vida nova, que devo olhar pra frente e que novidades são sempre oportunidades.
Ao se despedir, vovó me segurou pelo antebraço e sentimos uma pontada de eletricidade estática. Ela não me largou, então disse, levemente sombria:
– Você tem um bom amigo. Sei que você está se cuidando, mas não sei como é o futuro. Posso assegurar a você que agora, no presente, Tita está muito bem.
– Obrigado, vó.
Na escada, ela ainda se virou e completou:
– Eu não tive coragem, mas você tem. Tudo é possível no futuro.
Senti um aperto na barriga.

DIA SETENTA

A conexão é forte. Tita está convicta como uma cientista. Talvez ela seja uma cientista e eu não saiba. Já fumei um maço inteiro, a fumaça inicia a passagem, magnetiza o espelho. Ela segura forte meu braço.

– Estou pronto.
– Segure meu braço, eu te guio.
– Antes de atravessar, escuta Tita: eu sou grato pelo seu esforço.
Ela compreende minha apreensão.
– Vai dar certo, apenas não se distraia, assim a passagem não se quebra.

Tita segurou firme em seu braço. Aos poucos ele foi se erguendo e atravessando o espelho. Estava realmente acontecendo. Antes de passar as pernas, sentiu um corte no seu lado esquerdo. Por um instante a passagem desestabilizou, partido, o espelho rasga sua pele. Ele atravessou sangrando, assustado, quase entrando em choque.
Ansiosa, mas sem perder o controle da entrada, Tita apoiou o pai e o levou ao chão do banheiro dela, cuidado agora. A primeira passagem temporal da sua vida trouxe de volta o pai que julgava perdido na infância. Pegou o material de primeiros socorros no banheiro e estancou o sangramento do corte.
– Eu não sei como vou me adaptar.
– Vai se adaptar. Não se assuste agora. O corpo precisa compensar.
– Sangrei muito.
– Já parou, mas deve haver sangue na sua pia, ficarão assustados por lá.
– Sabe Tita, nem sempre podemos explicar tudo. Às vezes fazemos os outros sofrerem sem motivo.
Uma pausa e respiram fundo, os dois aliviados.
– Bem vindo de volta à minha vida.
Riem. Uma luz se acende fora do banheiro. Na porta, um garoto de oito anos, talvez menos, cabelos de palha, como a mãe naquela idade. O menino arregala os olhos e dispara:
– Você conseguiu!
– Pai, esse é o Tito, seu neto. Ele é meu apoiador, estuda comigo, e quer muito conhecer você, vovô. Venha, levante-se. Devagar. Vamos fazer algo pra comer, juntos.





*    *    *



Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro  e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.

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A polinização do maracujá é ateia.
A teia da aranha é sagrada.
O pôr-do-sol que se põe morno é ateu.
O odor do pão com a cevada é sagrado.
A chuva pusilânime, mas que fecunda, é ateia.
A aleia ao redor do boleeiro é sagrada.
A escarificação das plantas pelas crianças é ateia.
A multiplicação dos peixes na mesa é sagrada.
Os milagres nos corpos são ateus.
Os deuses abismados nos detalhes são sagrados.
As diatribes da sombra refrescante são ateias.
As deturpações das cores na retina são sagradas.
A mística cotidiana é ateia.
Os catadores de lixo na mística cotidiana são sagrados.
A biopolítica animal é ateia.
Os cabelos compridos na cama são sagrados.
O sagrado das emancipações populares é ateu.
O ateísmo das frutas doces é sagrado.

[Foto retirada do Google]

LIÇÃO EM DOIS TEMPOS: O PAVÃO

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I

 

O que há de parvo é um pavão.

 
Basta atentar para a arrogância
presuntiva de que ao seu redor o mundo
- qual mundo? é  pergunta que jamais ele se faz –
existe para aguardar o leque de sua cauda
numa epifania zoológica de jardim.
 
Basta perceber

         - é só uma galinha de superprodução
         um peru com efeitos especiais –
 
que de fato ele supõe
o fim último de tudo o que existe
seja a abertura de seu leque
 
                   por exemplo

ao contemplar-se num zoo
diante dos visitantes.
 
E ele está certo.

 

II

 

A razão do parvoíce do pavão
está definitivamente respaldada pelos que o
contemplamos.
 
Embebecidos.   Aparvorados.

Outra coisa é o pavão de Sosígenes.
Outro é o pavão de Fellini.

O pavão na neve em AMARCORD, de Fellini

JORGE ELIAS NETO LANÇA LIVRO 26/04, EM SP

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A Editora Patuá e a Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura convidam a todos para o lançamento do livro
Breve dicionário (poético) do boxe, novo livro de Jorge Elias Neto
e bate-papo entre o autor e os escritores
Marco Aqueiva, Carlos Felipe Moisés e Felipe Stefani.

O evento será realizado dia 26/04 (terça-feira) a partir das 19h

na Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura,
Av. Paulista, 37 - São Paulo - SP

ATENÇÃO: A entrada para o evento é gratuita


LEIA AQUI UMA RESENHA


Olhos para o Vertical, vídeo poema de Francisco Gomes

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Francisco Gomes, outrora Cleyson Gomes, (cor)rompeu a existência em 1982 no arcaico município de Campo Maior (PI), mas fixou raízes na provinciana Teresina (PI), onde habita desde os sete anos de idade. Iniciou as faculdades de História e Letras/português, abandonou ambas. Publicou os livros Poemas Cuaze Sobre Poezias (FCMC - 2011), Aos Ossos do Ofício o Ócio (Penalux - 2014) e Face a Face ao Combate de Dentro (Kazuá - 2016). Tem poemas publicados em revistas, coletâneas, jornais, blogs, sites, muros etc. Admira a carência orgulhosa dos gatos e a tranquilidade dos jabutis. Adora fígado acebolado.

6 poemas de Alex Franco

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Ilustração: Ben Heine


a extensão d'um poema curto
é diretamente proporcional
à expansão d'um cérebro
mudo


ruminando repassando cada verso
,o leitor espalha pela mente
curso d'ideias feitas
com curvas serpente

o bote de cada vírgula traça
o fim doloroso d'expectativa;
às vezes um verso é só um verso

e uma vida é só uma ida


*
morada d'incertezas
:passos leves sobr'a
gramadrugada
,que, num trago
,já tapete

(versos no canino sorridente do menino)

– venha, vai ser divertido!
(caminhar no precipício!)


*
contornado:
dado inquieto procura por número
                                               (sem tê-lo)
.resultado sem zelo
.
lança-se das mãos e as vê
supostas donas de seu destino
(faz do além um traço fino)


*
projeto num bloco laranja
:rabiscados versos não utilizados
,renegados
,fardos dessassossegados
esquecidos
.

revisita d'um amigo distante
,mãe ressuscitada
,paz d'alma
:à estrofe, antologia
,sinceros berros d'alegria

já não doem mais as vírgulas ou acentos
:são só palavras, só momentos




Alex Francoé graduado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, revisor de textos, editor-chefe do site Curitiba Cult, colaborador da seção de entretenimento do jornal Folha do Batel, DJ e produtor de eventos, além de ter sido selecionado no concurso Novos Autores Curitibanos, promovido pelo Litercultura, com o conto "Eternidade".

5 minicontos de Paulo Eduardo Gonçalves

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Ilustração:Alejandra Osorio



Vestido para matar

Foi amassado, beijado, lambido, chupado e gozado. O silicone,
vestido de mulher.



Fetiche

- Seu guarda, tenho cinco gramas de bosta na calcinha. Não
quer se enfiar no meu cu ver se acha o resto?



Zóios, espêios d'alma

- E esses seus zóios tão grandes?

- Bem, certamente incha-lhes a cobiça pelas carnes firmes que de momento encontram-se-me às mãos, mas é certo entretanto que o tamanho avantajado traz também benefícios quando se trata de garantir que índoles ingênuas não desacreditem de minhas doces palavras. Em verdade, é reconhecido artifício biológico que tem por função assegurar que me tomem por inofensivo ao reconhecerem em mim características de mamíferos lactentes. Por outro lado, a amplificação do reflexo do próprio interlocutor tende a torná-lo vaidoso ao julgar encontrar em outrem a equivalência de seus próprios anseios, desarmando-o quando de seu inevitável afogamento em meu mar de devassidão. Há que se considerar também o desvio de atenção da boca, que se discreta em relação à conformação anatômica do todo, é por certo gigante na voracidade e urgência com que se presta a trinchar e devorar sucessivos corações de galinha...

- Ai que lindooooooooooo!



Ilustração: Alejandra Osorio


Erotismo vulgar

               É sempre uma mulher. Vizinha, colega de trabalho, as vezes parente. Olhando sempre, um dia acaba vendo. Coxa, seio, bunda... alguma coisa vê. Sempre vê. Tem que ver pra ter como rolar.
               E um dia rola, né? Tem que rolar, pois se trata de uma história erótica. E agarra, e aperta e enfia os dedos, a língua, e a boca. E os dedos na língua, e a língua na boca e todos os acompanhamentos tradicionais.
               E no auge do pico do cume, ela conta. Conta que fez por querer, que mostrou e mostrará de novo, e mostraria mesmo que não desse em nada.Vagabunda! Cadela vadia e puta!
               E: - Me fode! Me rasga!
               E picas flamejantes e grutinhas molhadinhas até pela porta dos fundos...



Cagada!

               E eu naquela época andava triste, chorumelento e cabisbaixo, sem que a maioria entendesse o porquê.
               Amigo Victor, prestativo e inocente, ao saber que se tratava de desilusão amorosa, recomendou: - Cara, lembre que ela também caga.
               Por pouco a centenária esquina não presencia a tragédia da morte de mais uma amizade. O filho da puta deveria saber que a última coisa que eu precisava no momento era ficar excitado...




Paulo Eduardo Gonçalves, 37 anos, paranaense de Ponta Grossa. Pequenas premiações e participações em antologias locais. Ativo na internet desde 2002, com um livro de poesias auto-publicado e um e-book que chegou a estar entre quatro mais baixados da Amazon Brasil na categoria poesia geral

A menina dos pássaros - Fernanda Fazzio

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Ilustração; Kaia/deviantART



A menina dos pássaros

Passarim me contou 
A moça carregava pássaros
no cabelo.
Ninguém desconfiava,
a cantoria parecia de outras paragens
Os cabelos não esvoaçavam,
guardavam música e segredos.
A moça e os cabelos floreavam pela vida....
Soube assim mesmo 
sem ver...
João Jonas


            O vento um dia coloriu-se. Tons grudaram-se em formas de mechas no cabelo de uma menina sentada embaixo da árvore de troncos retorcidos. Ela gostava daquela sombra úmida com chão coberto de folhas secas, lugar em que as palavras demoram para voltar e sempre chegam atrasadas. Ela não contava tempo por ponteiros, acreditava que os tempos pudessem ser cheios, minguantes ou tempos-novos, como as fases da Lua. Quando as esperas eram completas, vivia em tempos-cheios. Chamava de minguantes as suas esperas penduradas, que ainda teciam-se incertas, como as meias-esperas. Mas as esperas mais ansiadas eram as novas, porque se renovam em outras esperas.
            E entre esperas, em um dos galhos mais altos, com uma disfarçada quietude de existir, um passarinho transpôs a casca que o aprisionava. Tempo, tempo, tempo. Na ânsia do primeiro impulso, mostrou seu bico e seu desgarre. Tempo, tempo, tempo. Afincou-se no mundo. Melado e enlaçado, só escutava uma melodia de contradições.Com asa para sonhar, mas sem penas para voar, encontrava-se miúdo em uma dimensão de infinitos.
            Sem ver nem saber, mal saído da casca quebrada do seu ovo-morada, o passarinho escorregou pelos galhos perdendo-se em uma visão turva de luz e sombras. E, no seu descuido adiantado, descia, caía e rolava rumo ao desconhecido.
            Repousou, então, em linhas emaranhadas, de cores e comprimentos dispersos. Foi a primeira vez que abriu os olhos. Ainda não via completamente, seu mundo parecia refletido por espelhos em suspensão. Entranhado em fios, o seu pouso pendurado denunciava uma vertigem de ecos atravessados. Dentro e fora se mesclavam em um ritmo de esperas duvidosas. Um calor gostoso de aconchego saía dali e, assim, decidiu fazer daqueles fios a sua morada. Quentinho e com um cheiro de espera prolongada, o passarinho firmou seus pés em nós e, com seu bico, foi fiando fios coloridos. Tempo, tempo, tempo. 
            A menina nem tanto reagiu às primeiras puxadas de cabelo, mas incomodou-se com a estranheza de uma coceira que dava no pescoço e subia para o couro cabeludo. E, ao atravessar a ponte de volta para a cidade, buscou as respostas na sua imagem refletida em um lago. Foi então que viu uma asa saindo dos seus cabelos. Soube assim mesmo, sem ver. 
             Um enigma, um futuro sem gravidade, lugar dos piados cantados. Encanto da contradição que só o silêncios e os sentidos sabem de ondem vem e para onde vão. 

            No dia seguinte, escutou um canto tímido. Não sabia se era dentro ou fora da sua cabeça, estava ainda no estado de semi-sono acalantado. Foi então que se lembrou do dia anterior: entre esperas, um filhote de passarinho fez um ninho no seu cabelo.




Pia-na-mente


            Em segredo, na excitação entre a música e o sentido, um emaranhado de fios enlaçados cresciam na cabeça da menina. Sem cessar, o passarinho de coração pequenino e cabeça confusa cerzia um ninho inventado. Com suas patinhas miúdas, pendurava-se e aprendia a equilibrar-se no finos fios. E sem se perder, ia e vinha dos seus cabelos da menina, sem ninguém perceber.
            Era primavera, Rosaura florescia em gracejo, desaflorava, como diziam. Teve certeza de que o passarinho não era um beija-flor, continuava na sua graça de esconder para se mostrar na sua sina de sanhaço cinza. O passarinho se mostrava por intuições: pistas, traços, penas e um bico por vezes escapavam. Ela bem sabia que um rastro azul invadia as outras penas cinzas, em uma marca de ser e não se perder no colorido dos ventos.
            Quando vinham jovens apaixonados lhe falar, Rosaura nada dizia, apenas brincava com seus cabelos e costurava eternos sonhos de asas. Gozava seus pecados sem pagar por eles. Verdade era que não sabia pedir, lhe restava somente o repetir. Por pouco responder, e muito querer, costurava nós com as pontas do seu cabelo.
            Um dia fez tranças, mas foi só porque o passarinho tinha sumido. Em desespero de encontro, avançou entre os mistérios do cabelo,sentindo-se aliviada quando encontrou o bico entre os labirintos de fios.Um dedo furado foi o preço pela implacável procura. Foi só um susto para a menina, mas um sinal mal lido para outros. Na cidade em que as vozes de dentro se calam, diziam que era metida, avoada e autocentrada: não tirava as mãos do cabelo.
            Machucada por dentro, as unhas começavam a crescer mais duras, na razão de ser com direção certa. Para a menina, a loucura estava nas extremidades, mas não era tão fácil dizer essas coisas. Por isso, preferia acreditar que o sanhaço cinza não passava de um “sonhaço” muito estranho. Mas as unhas sempre cresciam. E por isso, menina e pássaro faziam parte da mesma verdade. Entre penas, peles e o sangue, grudavam-se em uma zona incerta de ser.
            No infinito da escuridão, jurava que um passarinho piava em seu ouvido. Um piado manso, sutil, como se o sanhaço piamente piasse para ser chocado mais um pouco. Nascido no susto, estava a crescer sem obedecer aos seus instintos de liberdade.
            A menina nunca o vira por inteiro, mas tinha um medo danado de seu desejo de menina-pássaro ser alcançado. O conhecia mais na sua qualidade de ser, do que nas distorções da imagem incompleta. Deixava, assim, que o piado do sanhaço pairasse sobre si. Formava engasgo piado para não gastar as palavras.
            Parecia mais dócil do que era, menina comportada, bem educada: falava somente o necessário, sem aborrecer os ouvidos já cansados com o excesso das palavras. Entre dito e não-dito, no seu pouco piar, descobriu que no silêncio também se cria música, sem precisar ser canção acabada. A menina desafiou a todos com seu bico e resolveu resguardar-se, não queria que seu piado pousasse em qualquer lugar.Assim como o passarinho, a menina também conhecia a elegância sóbria das reticências. À deriva como as nuvens suspensas, suas memórias pousavam na beleza da vida antes de suas palavras. 
            As unhas avançavam, as lixava com voracidade para esconder sua vontade de rasgar. Tempo, tempo, tempo. Sangrava, mas logo cicatrizava. Tempo, tempo, tempo. As cortava, mas pouco adiantava.  Eram como lembranças de uma vida nunca vivida. As paredes do quarto da menina bem sabiam: as asas faziam semblante em ruínas que deveriam ser mas não foram. Morria menina no efêmero-engano, no escorregar da realidade que se marca no corpo.
            Uma pena saiu das suas costas, as feridas abertas no seu pescoço imprimiam marcas de outra. E nesse desespero desconjuntado, a menina  acordou entre penas pretas sobre os lençóis brancos. As palavras escaparam, as penas se espalharam e um piado avançou por todos os silêncios.
            Em anseio desaforado, bicando isso ou aquilo entre ligeiros delírios, estranhou o tamanho do seu quarto. Era tempo novo intuído. E o ruído a sua entrega: alguém mais escutava o bocadinho de memória viva que pia na mente?

E as unhas continuavam a crescer.





Fernanda Fazzio se tornou Psicóloga pela PUC-SP e Bacharel em Teatro pela Escola Superior de Artes Célia Helena (ESCH). Buscando aperfeiçoar a sua escuta clínica, especializou-se em Semiótica Psicanalítica: Clínica da Cultura (PUC-SP) e realizou a sua formação em Psicanálise com Crianças pelo Instituto Sedes Sapientiae. Autora de A Inquietante Beleza do Feio (Patuá, 2014).

http://www.fernandafazzio.com.br/

Aprendizagem cinza - Leandro Rodrigues

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Ilustração: zbigniew




ASTRACÃ


I

É estrangeiro
o olhar
aqui ou em
qualquer lugar
E se perde sem
bússolas
por ruas estreitas
disformes
desprendidas teias
Naquele beco,
naquela conversão
à beira do nada
desvio
a decomposição
da palavra
E o corpo
- estrangeiro em essên-
cia -
traça suas tortas linhas
assimétricas
antirreflexo
estruturas desiguais.

II


É estrangeiro
o mover-se
a passos largos
vielas frias
filme barroco
experimental
agonia
semi-aparente
desprezo
ou poesia.




SÃO PAULO XXVIII


entre ruas mortas
tortas
sombras esquálidas
revestidas de fuligem

entre corpos entorpecidos
o cinza
estátuas que se movem
à beira de um esgoto
que toma toda cidade

o gosto de chumbo
está em tudo, em todos
em cada mórbida expressão
em cada palavra ausente
cáustico silêncio

e no lixo que se sobrepõe
horizonte enlameado
frutas podres que boiam
catadas por mãos
ainda mais cinzas vorazes.


Ilustração: zbigniew



EXPERIMENTOS 


Experimento o gosto
amargo do poema
e ele traz todos os
mortos que atravessam
nosso tempo -
suas vísceras, misérias, 
...................esta agonia,
seus resíduos, nosso ódio
liberdades, tragédias
- cadáveres expostos.

................................

E o pássaro com suas asas
para dentro
Voa cético por sobre
ondas de chumbo
...........e fuligens diversas

.................................

Este rio podre
é nossa alma corroída
à exaustão
Todas as chacinas, todos
os voos abortados
são nossos risos de sangue -




ESCOMBROS


Nos poucos versos que escrevo
há farpas, gritos, trincheiras
restos de um país
........................em escombros

......................................................

Cortantes sombras que se movem
sob viadutos obscuros, destroçados
Tortos semblantes gauches
- entre ratos e
quase nenhuma palavra.




Ilustração: zbigniew



1937


Sob uma incerta crueza, dorme-se ao relento,
escondem-se os espelhos cortados sob o
travesseiro de penas de galinha. Adornam-se
os ódios ressurgidos na ponta da língua, entre
grades de um ferro carcomido, enferrujado.
Presta-se continência às trágicas sombras
infiltradas que transpassam o vidro escuro-
estilhaçado-embaçado na ampla fuligem
imemorial que nos amortece.
Uma linda garota de olhos azuis bebe todo
o veneno para ratos.
Por um punhado de sobras, restos de janta
atirados no lixo, delata-se ao novo órgão
repressor.
Na chuva, os homens se mostram em suas
certezas, contraditórias asperezas vãs.
Demarcadas pegadas nas poças de lama.



Poemas do livro Aprendizagem cinza (Editora Patuá). .




Leandro Rodrigues, nasceu em 06/01/1976 em Osasco -SP, onde reside com a esposa Lúcia A. Lins e o filho João Gabriel. Formado em Letras - Pós-Graduado em Literatura Contemporânea, é Professor de Literatura Brasileira e Língua Portuguesa. Aprendizagem Cinza, lançado em abril de 2016 pela Editora Patuá, é seu livro de estreia. Também é autor do blog poético nauseaconcreta.blogspot.com.br,  e um dos autores da Revista Zona Da Palavra. Possui alguns poemas em diversos sites e revistas literárias como:  Zunái, Germina, Mallamargens, Cult, Antônio Miranda Portal de Poesia Iberoamericana, Musa Rara, Portal Vermelho, Cronópios, Banquete Poético, SérieAlfa (com traduções do poeta catalão Joan Navarro), Revista Alagunas, Diversos e Afins, O Novelo etc.

dos corpos no corpo, em vossa hora - Marcelo Ariel

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Vagamente ao modo de Miss E. D. e para  N.B. que me pediu que escrevesse sobre o tema

“ Entrando
en silencio
aceitados
lentamente
unos em outro”
Severo  Sarduy

O que existe
na Terra
canta
o Salmo do corpo
o raio de Sol
cantando sem palavras
é como um braço
estendido, sempre
nos alcançando
fogo é oxigênio
se mudando
para rios de sangue
que sobem
até galáxias
na abóbada
do crânio
por isso
há metáforas
nas nuvens
e segue determinado
o mar
no orvalho
a ancestralidade
da lágrima
se expandindo
por obra
da gravidade
continua
se movendo
música humana
onde um
corpo infinito
se disfarça
e escondido
na menor parte
arde
no êxtase
dos amantes
reunindo
para uma conversa amigável
a gravidade e a graça
antigas amigas
como a luz e a treva
tal conversa
prossegue até bem tarde
e mil vezes
se repete sem alarde
até que de repente
o regente
silêncio
do não-humano
diga que é
chegada a hora
do s corpos
no corpo
irem embora


Marcelo Ariel, poema do livro inédito VEM, MAITREYA, VEM !  

"A MÁQUINA DO IMUNDO" (OU) "O CU DO MUNDO" - VOLUME DOIS

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( * )


  O CU E A BUNDA NA POESIA
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

(*) VOLUME DOIS (*)

LEIA AQUI O "VOLUME UM"


SELETA DE POEMAS




THIAGO E








ADRIANO LOBÃO ARAGÃO


ENTRE AS FORMAS RECLINADA


assim deitada
teu perfil revela
não a púbis encoberta
pelo corpo pelas costas
entre as formas reclinada

mas pelas curvas de tuas ancas
abre-se em ponto e ânsia
a flor que dança em teus quadris
no momento ainda que descansas

quem sabe das ânsias 
que reclama o corpo
quando em perfil procuras
a chave que propões guardar






MARIEL REIS

SONETO LUXURIOSO OU QUASE

Para Aretino


Oh, MUSA pode haver algum mal
Se este teu amante quiser o gozo,
E neste supremo apelo amoroso
Quiser cobri-la com o imenso pau?

Se porventura representar ofensa,
Não me acuse de falso pudor, acaso
Meu furor não modificar o que pensas
Quando me decidires pelo belo rabo...


Oh, arremetê-lo com toda luxúria
Escrever meu nome pela Eternidade,
Se ao poema acusar certa incúria

Não terá sido nenhuma maldade.
Oh, MUSA aceita meu apelo amoroso,
Dentro do cu me concedes o gozo?



FINA BOTÂNICA


Excêntrica flor, 
Ao final da coluna,
Aberta em mímica
-Sobre a língua -,
Tomada por impura.






CESAR CARDOSO


O CU DA POESIA (OU A POESIA DO CU)  


1.

sigo às escuras

até onde a mão alcança & a vista turva


meus dedos descobrem 

a fenda de tanta lenda


mergulho no vale abaulado 

onde brotam teus gemidos  



2.

me conta histórias

de monarcas bem debochados


brincando atrás do muro

com valetes de pau duro


tira lá do fundo 

meu desejo mais abismal


enquanto minha bunda encontra o teu pau



6.

bem no cu da madrugada

estive com o cu na mão 

não era o da mãe joana

muito menos o do judas 

apenas um cu de bêbado 

que também quer ter seu dono 






DIMITRI BR


TUCUPI-GUARANI

bacurau bacurituba
bacurubu baiacu
brecambucu caacupê
caculé cuia cuité
cupim cupuaçu
curió curumari
curupira cutia
cutiaia erepecu
gaibicuara itapicuru
jacuba jacu jacuí
macuco maracujá
micuim mucura pacu
pirarucu sucuri
tucunaré tucupi
ucuuba urucu

cunhatã tem
curumim também
e tu?


DÁDIVA

I.
deus deu o cu
o homem deu
a culpa

II.
deus me
deu o cu

deus te
deu o cu

deus nos
deu o cu

e todas as outras
mucosas

amém


[dois poemas inéditos do livro OCUPA (2016, Ed. 7Letras – no prelo)]






JON MOREIRA


O BEIJO


– do excesso de batom

no papel jogado –

tem forma de cu

nas pregas do lábio

no círculo aberto,

vermelho, ágil.





VICTOR COLONNA


NOITE FELIZ

A noite já ia alta
A lua já ia cheia
Passava das onze e meia
E eu passando pela praça
Vi um bando de homens nus.

Ai Jesus! Ai Jesus!

Eram machos musculosos
Braços fortes, pernas grossas
Tão bonitos, tão gostosos
Balançando seus pirus.

Ai Jesus! Ai Jesus!

Em duplas eles roçavam
Em grupos se amontoavam
Dúzias deles davam os cus.

Ai Jesus! Ai Jesus!

Se uma nuvem aparecia
E a lua escurecia
Dos buracos de seus corpos
Vazavam fachos de luz.

Ai Jesus! Ai Jesus!

O desejo me rasgando
Bandeei-me para o  bando
E, de chofre, assim, propus.

Nem sequer pensei direito
Só pedi pra ser aceito
Só rezei: não venha o dia
Noite, seja eterna orgia!
Ai meu Deus! Virgem Maria!

Ai Jesus! Ai Jesus!





RICARDO SÉRGIO DE ALBUQUERQUE


CUspe


o cuspe
tem um quê de cus,
um SP da paulista,
um é na atitude.

o cuspe
detrás prá frente, 
tem um EP,
um suco vanguardista,
em sua plenitude.

é na real,
tem local,
é prá foder.
passivo, ativista,
o país posta nudes.

(dês) cuspe
em frente à TV,
na sala,
tortura viva se vê:
um beijo prá família,
saliva nada doce,
militarista,
rude.

não é beijo,
só desejo,
cuspe na cara,
é prá doer, arder
quem sabe,
acorda conformista,
algo mude.

o cuspe no cu,
é prá gemer,
sentir prazer,
esfíncter não é cérebro,
sabe que é golpe,
lubrifica-se, realista.
não se ilude.



Brioco


no cu do mundo
o crespúsculo
dilata o músculo
jura que não irá doer

inócuo e fundo
o pau maiúsculo
do membro másculo
procura posição prá ter

curtição com cuidado e
se acostumar
com a textura fina
do látex com sabor 
de cupuaçu

dedos bem treinados
descosturar
pregas na surdina
isca se formou
pro pirarucu

prá pirar o cu.


*    *    *


LUIS TURIBA & LUCA ANDRADE


[Poema do livro artes(anal) INOCENTES ERÓTICOS, de Luis Turiba e Luca Andrade
Livreto redigido e feito a quatro mãos, todo em papel reciclado artesanal. Edição de apenas 35 exemplares]


*   *   *


MANUEL BANDEIRA







































[Manuscrito do poema A CÓPULA de Manoel Bandeira, publicado na revista BRIC-A-BRAC em 1987, Brasília]


A CÓPULA


Depois de lhe beijar meticulosamente 
o cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce, 
o moço exibe à moça a bagagem que trouxe: 
culhões e membro, um membro enorme e turgescente. 

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinenti, 
Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se. 
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se 
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente 

Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!" 
Grita para o rapaz que aceso como um diabo, 
arde em cio e tesão na amorosa gangorra 

E titilando-a nos mamilos e no rabo 
(que depois irá ter sua ração de porra), 
lhe enfia cona adentro o mangalho até o cabo.



Fotos: Waclaw Wantuch (Polônia)


Valéry sobre política

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Dois extratos de Paul Valéry (o verdadeiro e único) traduzidos por mim:

"A atitude da indignação habitual, sinal de uma grande pobreza de espírito.
A 'política' aí constrange seus apoiadores. Vemos seu espírito se empobrecer dia após dia, de justa cólera a justa cólera.
Cada partido tem seu programa de indignação, seus reflexos convencionais.
***
Todo partido profetiza. Toda a política seria alterada se o fato único de prometer e de predizer fosse por todo o mundo considerado como insuportável e inconveniente."
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