Os influxos de um planeta todo verde
por dentro, no sangue.
O sangue circula do coração
aos olhos e alimenta os movimentos
das mãos que escrevem
circulando em torno das palavras
à espera de que, enfim,
não sejam mais necessárias como placebo
para filhos de um planeta muito leve,
muito lento, todo verde e vazio
por dentro.
Tento contornar a solidão
com uma rede de palavras
mas caio atravessando-as e quando me dou conta
dou de cara com o sempre mesmo chão
paradoxalmente duro e inexistente
um chão cortante de esmeraldas pontiagudas
sem solidez.
(De vez em quando a vida manda notícias
com uma lâmina verde na jugular
escrevo para não ver
o que existe e é real:
Nada.
*
Quando se vê por escrito
o leitor reage naturalmente
e se recusa nesse ambiente artificial
de um verde que é mero sonho
arquitetado, onde nada pulsa
quase nada.
Talvez assim a gente entenda
o poeta que preferia não escrever
tomar um rumo
para qualquer lugar
a qualquer momento
para fora das palavras.
*
Caem gota a gota
no meu sangue
quase estrelas muito silenciosas
e muito mórbidas
elas corroem a língua, vampiras
brincam de carrapatos na garganta
ou sanguessugas crescendo por dentro
do cérebro:
e meu corpo explode como um grotesco
pacote de fogos de artifício –
e meu corpo não interessa nessa comédia
a não ser enquanto máquina de expelir letras.
Depois elas tomam o primeiro arame farpado
como andaime
e sobem aos céus, aos planetas
e todos os outros rudes maquinismos
obras de um deus de mau humor
que elas vão alimentar de amor
com o sangue anêmico que me foi roubado
e elas flutuam, como pedaços de carne
penduradas em ganchos
num açougue celestial:
- é a primavera que está chegando?
e elas me deixam falando sozinho.