Stefan George (1868-1933), poeta maior do Simbolismo alemão, para além de sua evidente importância no movimento simbolista, foi responsável por uma vasta influência em movimentos vários da arte. Em alguns exemplos, no Dodecafonismo, na música; e na Poesia Moderna europeia (Rainer Maria Rilke, Yeats, entre outros). A imagem do poeta, durante um bom tempo, ficou ligada a um absurdo e inconsequente “proto-fascismo”, derivado, provavelmente, da admiração que Hitler tinha por sua poesia e, bem provavelmente, do curioso fato de que um de seus discípulos, Claus S. Graf von Stauffenberg, aderiu ao nazismo (o poeta se recusou a prestar fidelidade ao Estado Nazista), sendo, posteriormente, responsável pelo mais famoso atentado contra Hitler, conhecido como “Atendado de 20 de Junho”, parte da malfadada “Operação Valquíria”.
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Stefan George em sua maturidade Créditos: Sacrário das Plangências |
Lembremos que, segundo o estudioso francês Roger Bastide, Stefan George fazia parte da tríade sagrada simbolista, ao lado de Stéphane Mallarmé (com quem o poeta alemão conviveu em sua juventude) e de Cruz e Sousa. Dentro de uma perspectiva de influência para além da arte, tanto o alemão quanto o brasileiro conseguiram considerável deságue - vide a representativa imagem que Cruz e Sousa deixou de uma sociedade em que, não obstante a escravidão abolida, os alicerces escravistas ainda estavam evidentes meios culturais, científicos e laborais – e da frustrada tentativa do Nazismo de se ligar ao nome de Stefan George, denunciando, somente, uma postura de unir-se ao que havia, supostamente, de mais “alemão” e “superior” na arte daquele país.
Mesmo praticando um verso aristocrático, muitas vezes sintético, mas sobretudo sugestivo e não raramente fluido, de uma maciez musical curiosa ao alemão, a fama do poeta de “Hyperion" só cresceu com o passar dos anos. Como julgou Eduardo de Campos Valadares, tradutor da atual edição de "Crepúsculo", lançada pela Editora Iluminuras, em 2012, a poesia do maior Simbolista alemão "se destaca por sua atualidade e transcendência, manifestas na escolha de temas universais. Entre outros, cabe mencionar o sentimento de perda e o perigo persistente que ronda a humanidade". Não é, portanto, de se assustar que Stefan George tenha influenciado, assim como Mallarmé, movimentos que em primeira ordem são esteticamente opostos ao que ele produzira.
É bem possível que o mais curioso deságue de sua arte, como já citado anteriormente, ocorrera na música. Poeta melodioso, de rimas e aliterações espalhadas por todos os versos de maneira não regular (clara influência do poeta de Um Lance da Dados), influenciou o compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) a criar o Dodecafonismo - um sistema atonal que, apesar de ter, posteriormente, algumas regras, cultuou, em seu início, o uso livre dos doze semi tons da escala. A obra "Opus XIV/I" nada mais é que o poema "Nem grato a ti devo me curvar" musicado; assim como a "Opus XV"– que é o Livro dos Jardins Suspensos em música.
Eis o Opus XV - Livro dos Jardins Suspensos, de Arnold Schoenberg:
E o longo poema musicado neste “Opus XV”, em tradução de Eduardo de Campos Valadares:
CANÇÕES - Stefan George
I
Onde a folhagem é proteção
E a neve finos flocos de luz -
Soam ecos de lamentação -
A boca de barro do dragão
Cospe raios e a fonte reluz -
Fora o regato agora murmura:
O arbusto arde em inanição -
Projeta na água sua alvura.
II
Neste éden repetido
Mata alterna chão florido
Átrio - muro colorido.
Cegonhas iscas capturam
lago onde peixes cintilam -
Montes de aves como mato
Em cimas dos cimos trinam
E os juncos ao sol murmuram -
Mas meu sonho busca o inato.
III
Como iniciante entrei em teu recinto
Nenhuma surpresa antes tinha tido -
Nenhum desejo até ver-te consinto.
Vê nas mãos jovens as marcas com graça -
Elege-me servo em todo sentido
E serenamente recebe e abraça
Quem tropeça ainda em tal labirinto.
IV
Com meus lábios imóveis a arder
Percebo aonde levou meu ardor:
A um domínio de imenso esplendor.
Talvez sem saber fugas conceber -
E algo através das grades a me espreitar
Pus-me logo de joelhos sem pudor
Como fosse me buscar ou acenar.
V
Dizei-me qual das veredas
Ela hoje irá percorrer -
Para que macias sedas
Na mais rica arca alcance -
Rosa e violeta entrance -
Meu sorriso possa ver -
E também os pés descanse.
VI
Toda obra me causa exaustão.
Invoco-te com a pretensão -
De intuir nova conversação -
O trabalho e o ganho o sim e o não -
Apenas isso é afirmação
E o pranto pois a imagem não se doma -
Que na escuridão mais bela assoma -
Quando o dia claro entra em ação.
VII
Esperança e medo em mim se alternam -
Minha voz se transforma em gemido -
Uma saudade tal qual prurido
Que me deixa insone na agonia
Que em meu leito lágrimas se internam
Que recuso qualquer alegria
Que nenhum consolo me alivia.
VIII
Se hoje teu corpo eu não tocar
Romperá o frio de minh'alma
Como nervo distendido.
Carícia é a fúnebre flor
Deste que sofre por ti no amor.
A injusta pena manda sustar -
Brisa a minha febre alta acalma
Pois deliro aqui estendido.
IX
Duro e frágil nosso amor -
Que vale um beijo ligeiro?
Uma gota do aguaceiro
No deserto abrasador
Que a engole com abastança -
Alívio tão sorrateiro
E ante o brio novo avança.
X
O belo canteiro vislumbro mudo -
Cercado de espinho púrpura-escuro
Vê-se ali o botão de esporo obscuro
Pendem plantas com plumas de veludo
E arredondadas tufas verde-água
Dentro das alvas campânulas-sorriso -
Súbito as bocas impregnadas d'água
São os doces frutos do paraíso.
XI
Quando por trás do portão florido
Sentindo apenas nosso pulsar
A paz tão almejada alcançamos?
Como um par de juncos desvalido
Mudos começamos a tremer
Ao leve acariciar
Nosso olhar a se perder -
Assim por muito tempo ficamos.
XII
Se na relva alta imersos em paz
Nossa fronte entrelaçamos nas mãos -
Sublima a veneração a vontade:
Não pensem a sombra vil e vivaz
Disforme ao se projetar nos vãos -
E a guarda que iriam nos separar
Nem toda areia que afronta a cidade
Faria nossa paixão aplacar.
XIII
Atrás tens a relva em encantamento
Na margem - o leque de pontas duras
Coroa-te o rosto com luzes puras
E em voltas brincas com teu ornamento.
Já no barco a abóbada das folhagens
Atesta a tua recusa em subir...
Vejo a alga que fundo tende a ir
E dispersas n'água flores selvagens.
XIV
Não mencione
A folhagem -
Leva a aragem -
E as facetas
A cilada -
E a chegada
Da dor fria
Tarde no ano.
E no ar
Borboletas
Ao troar
A luz-viva
Brilho insone
É insano.
XV
Povoamos os noturnos breus
Folhas - trilho - horizontes e jardim
Os risos seus os sussurros meus -
Agora sim eis enfim o fim.
Flores empalecem ou fenecem -
Treme a face do lago pálido
Piso em falso no prado esquálido -
Os dedos com espinho intumescem.
A arfante folhagem ressecada
Golpeia com mão invisível
Acima o céu não é mais visível.
A noite está nublada e abafada.
Deter-me-ei de comentários acerca da obra de Schoenberg, pois o foco, afinal, é a poesia e sua influência. Essas “Canções” são evidentemente ricas em variação musical, seja por meio da métrica ou do posicionamento das rimas (que também são internas), e demonstram um domínio do engenho poético admirável. Nas quinze estâncias as imagens formam-se de maneiras confessas, semi-descritivas, e de tom um contemplativo, à maneira neo-romântica dos Simbolistas. Mas que se faça uma observação: na última estância, a aparente descrição é rapidamente anulada por uma sugestividade tensionada pela interrupção do clima amoroso, destacando uma das principais características da poesia Stefan George: um mundo guiado pela relação entre os seres e as sensações (amorosas, místicas, etc..), causando, muitas vezes, ao aspecto externo, a perpétua volúpia da instabilidade e das aparências.
O Simbolismo, não obstante o seu aspecto muitas vezes formal, precedeu grande parte das revoluções literárias e artísticas do Século XX: do Concretismo, com Um Lance de Dados, de Mallarmé, ao Dodecafonismo, com a estranha musicalidade da poesia de Stefan George (além da Poesia Visual, já praticada por Hermes Fontes, Adolpho Werneck, Da Costa e Silva, entre outros). Se, por exemplo, na pintura o Simbolismo literário assemelha-se muito mais com “impressão fugaz” dos Impressionistas do que propriamente das pinturas dos Simbolistas – mais condizentes ao espírito Decadentista francês -, é evidente que certa simbologia do abstrato e da livre-associação das imagens já haviam sido trabalhados no Simbolismo (Rimbaud, talvez, seja o exemplo mais caro); e já é de conhecimento geral que o Surrealismo - não como arte psicológica, mas como arte supra-consciente, claramente metafísica e anti-positivista - já havia sido precedida por alguns pós-simbolistas. E é diante desse aspecto, para além da belíssima qualidade de sua poética, que a obra de Stefan George tem de ser lida e apreciada nos contemporâneos dias, já que ela, embora ostente ouros aparentemente antigos, tornou-se mais um espelhamento do que muito de bom foi produzido em arte contemporânea.