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5 poemas de Fernanda Fatureto

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   ilustração :The Whole City - Max Ernst

        
Jogo do Tempo
  
I

         São quase 12 horas
         meio termo de vida ou morte.
         
         O peso do ponteiro pousa na
          verdade esquecida -
                     a vida velozmente
         
          Presa ao destino inelutável do tempo
          repassa em verso o tema escolhido.

          Aparado, fabricado, adubado
         
          vivendo
                          muito pouco,
          poucos versos
          repisados de um livro aberto.

          Chegar ao centro
          olhar desconfiado:
          ao redor
          apenas o vazio
          dos ponteiros de um relógio
          eterno.


          II
 
         Nada se torna arbitrário
         com o tempo.
         Nem mesmo o acaso,
         esse Deus atroz.
        

Casa
      
Ela,
sobreviver à casa -
era seu nome.

A casa vazia,
retornar aos irmãos que morreram.
Comunicar-se com eles -
todos em diferentes ângulos,
na casa.

Seres anônimos no mundo,
de onde vem e vão.

O esquecimento torna-se geografia
E os seres dos rios se confundem com barro,
cultivando o lugar do nascimento.

Lá brotariam dos arrozais
à espera
de um nome.

Cultivando o lugar do nascimento,
o lugar da terra:
ali podem ser.


Sentinela

Do vapor do mundo -
a neblina
o líquido espesso do chuveiro elétrico
as cinzas de um cigarro em chamas
não acenderão minha esperança,
não cooptarão meu desejo:

Aguardar, sempre alerta,
sentinela de meus olhos úmidos
diante o pequeno gesto alheio.
  
Repare que a vida segue
ininterrupta
diante o verso,
a página,
o adeus.


Ensaio

I

As mentiras não param de ruir;

céu sobre o teto -
o espectro da realidade avizinhando
outro espectro:

espelho,
ater-se ao visível e não mais recuperar
outro rosto...........................................

as sombras calam.
           
Os fatos todos mortos
álibi sem defesa trêmulo ao sabor ignóbil
da pura tez da verdade.

Tirania datilográfica -
a página seca esmera um crime calculado.


II

Primeiro Ato:

enquanto todos dormem.
 

Réu confesso 

I  

Assassinato na dobra da esquina:
Festim pólvora ardente
Grito à queima roupa
Um golpe eu te amo
Sugado da boca vermelha de um beijo. 

Assim soube, assim será.

Caiu o corpo em poça
Lambeu o chão a água mais fria
Camisa branca arregaçada em punho
Fechado,
Esguio,
No meio fio.

II
  
A chaga da escrita.

Testemunho documental
Do que antes deveras ser,
Hoje não dito mais que meias palavras

Fim da linha.

Ocular,
Salutar
Os que espreitam o crime na dobra da esquina.
Vieram dizer suas queixas.

Recolhe em puro ato confesso –
arma diletante.

Trama sem medida,
Engana!

Anoitece seu canto
No sopro da Musa.


Os poemas são do livro Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014) .
           

Fernanda Fatureto nasceu em Uberaba, Minas Gerais, em 1982. Bacharel em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (São Paulo), morou na capital paulista durante oito anos ininterruptos. Entre 2009 e 2011 trabalhou com jornalismo cultural e hoje dedica-se à pesquisa no campo das artes e à escrita. Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014) é seu livro de poemas e de estreia e foi escrito em um período de cinco anos.


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