ilustração :The Whole City - Max Ernst
Jogo do Tempo
I
São quase 12 horas
meio termo de vida ou morte.
O peso do ponteiro pousa na
verdade esquecida -
a vida velozmente
Presa ao destino inelutável do tempo
repassa em verso o tema escolhido.
Aparado, fabricado, adubado
vivendo
muito pouco,
poucos versos
repisados de um livro aberto.
Chegar ao centro
olhar desconfiado:
ao redor
apenas o vazio
dos ponteiros de um relógio
eterno.
II
Nada se torna arbitrário
com o tempo.
Nem mesmo o acaso,
esse Deus atroz.
Ela,
sobreviver à casa -
era seu nome.
A casa vazia,
retornar aos irmãos que morreram.
Comunicar-se com eles -
todos em diferentes ângulos,
na casa.
Seres anônimos no mundo,
de onde vem e vão.
O esquecimento torna-se geografia
E os seres dos rios se confundem com barro,
cultivando o lugar do nascimento.
Lá brotariam dos arrozais
à espera
de um nome.
Cultivando o lugar do nascimento,
o lugar da terra:
ali podem ser.
Sentinela
Do vapor do mundo -
a neblina
o líquido espesso do chuveiro elétrico
as cinzas de um cigarro em chamas
não acenderão minha esperança,
não cooptarão meu desejo:
Aguardar, sempre alerta,
sentinela de meus olhos úmidos
diante o pequeno gesto alheio.
Repare que a vida segue
ininterrupta
diante o verso,
a página,
o adeus.
Ensaio
I
As mentiras não param de ruir;
céu sobre o teto -
o espectro da realidade avizinhando
outro espectro:
espelho,
ater-se ao visível e não mais recuperar
outro rosto...........................................
as sombras calam.
Os fatos todos mortos
álibi sem defesa trêmulo ao sabor ignóbil
da pura tez da verdade.
Tirania datilográfica -
a página seca esmera um crime calculado.
II
Primeiro Ato:
enquanto todos dormem.
Réu confesso
I
Assassinato na dobra da esquina:
Festim pólvora ardente
Grito à queima roupa
Um golpe eu te amo
Sugado da boca vermelha de um beijo.
Assim soube, assim será.
Caiu o corpo em poça
Lambeu o chão a água mais fria
Camisa branca arregaçada em punho
Fechado,
Esguio,
No meio fio.
II
A chaga da escrita.
Testemunho documental
Do que antes deveras ser,
Hoje não dito mais que meias palavras
Fim da linha.
Ocular,
Salutar
Os que espreitam o crime na dobra da esquina.
Vieram dizer suas queixas.
Recolhe em puro ato confesso –
arma diletante.
Trama sem medida,
Engana!
Anoitece seu canto
No sopro da Musa.
Os poemas são do livro Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014) .
Fernanda Fatureto nasceu em Uberaba, Minas Gerais, em 1982. Bacharel em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (São Paulo), morou na capital paulista durante oito anos ininterruptos. Entre 2009 e 2011 trabalhou com jornalismo cultural e hoje dedica-se à pesquisa no campo das artes e à escrita. Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014) é seu livro de poemas e de estreia e foi escrito em um período de cinco anos.