Pouco antes da invasão eu estava feliz. Acontece. Eu tinha uma razão, mas podia não ter. O pessoal começou a correr, bater porta. Subiu poeira de estouro de boiada. Fechei a janela. Ainda vi a Dona Geralda caindo. Não adiantou. A madeira velha não segurou a bala. Meu ombro sim. Eu me recuperei do tiro. A cobra errou o bote. Agora eu abraço a mulher com força. Ela quase não consegue dormir. É que tenho frio, muito medo o tempo todo. Medo da sorte. De não ter mais. Com esse medo já não tenho mesmo mais nada. É que a gente aqui só vive por sorte.
Foto: "The Shower", por Kerry Skarbakka
* * *

Alberto Bresciani é escritor. Nasceu no Rio de Janeiro. Vive em Brasília. Autor de “Incompleto movimento” (Editora José Olympio, 2011), escreve em Nóstres e na zona da palavra.