Sobre minha casa arde a chama da possibilidade.
O jardim é incerto
e meu cão azul, sem razão, dorme ao pé da porta.
Tudo acontece aqui.
Meu quarto e minha sala estão no mundo.
Sou feliz e a flor da morte curva-se no canto do quintal.
*
As sombras ainda giram,
Na grama,
Em torno das pedras.
O tempo não nos pertence mais.
O amor repousa sobre o fogo dos dias.
Quem era de acordar já caminha
- agora, tudo é sono.
*
dentro de cada máquina escorre o sangue dos empregados.
dentro de cada máquina escorre o sangue das empregadas, das mulheres e das fêmeas.
dentro de cada máquina, escorre o sêmen dos machos.
dentro de cada máquina.
dentro de cada máquina há uma infinidade de pedras.
dentro de cada máquina, há o choro das lâminas.
dentro de cada máquina há o arrepio e o arrependimento.
sempre dentro de cada máquina.
dentro de cada máquina há ruas sem saída.
dentro de cada máquina, há o cheiro dos mendigos.
dentro de cada máquina, cai a neve esperada.
dentro de cada máquina nunca nascerá nenhuma flor.
dentro de cada máquina.
dentro de cada máquina não cabe a lua.
dentro de cada máquina, há divisões, cimento e dormitórios.
dentro de cada máquina há sempre sirenes.
dentro de cada máquina, cabe a noite e o peito devorado.
dentro de cada máquina, o ar é fumaça.
dentro de cada máquina, moribundos dormem sobre a ponta dos alfinetes.
dentro de cada máquina o banquete não sacia a fome de tantas bocas.
dentro de cada máquina não se faz sexo.
dentro de cada máquina sempre haverá uma navalha para cada carne.
dentro de cada máquina não existe a lembrança das coisas.
dentro de cada máquina, há o pó, a pólvora e o fumo.
dentro de cada máquina, sempre dentro de cada máquina,
há insetos decrépitos, agrupados, abandonados e sós.
mas apenas dentro de cada máquina.
*
a Francisco De Matteu
no jardim abandonado
de calmas alvas
camas almas
o passo preto
repousa sobre a neve
o calor a consumir-se
o frio a possuir espaços
vazio virando vozes
terras escavadas
e o túmulo aberto a encher-se da chuva
em San Francisco teus olhos adormecem
o abismo do teu filho em teu colo
e os longos negros pelos dos cavalos
rubro céu seco:
the wind whispers what could have been warm
*
aranhas andando em círculos
de fogo
leões levando lobos
às costas
cascos passos patas
de cavalos
tu nua e teu riso
sob mistério
A HISTÓRIA DE TRÊS ASSASSINATOS
À esquerda, a esquerda.
À direita, a direita.
- Quem? Quem?
Teu filho
No centro
O filho do teu deus.
- Como? Como?
Três mal amados
do amor queimados.
- Onde? Onde?
Sob as pedras
Dentro do osso da loucura
Estará meu nome
*
estoy solo
no hay nadie
y las vulvas pulsantes de las mujeres
de mi família
llenan mis oídos
santa madre de todas las cosas
abandóname el pecho en la oscuridad
róbame la sangre de los ojos
castra mi consciência
ceno con mis doce amigos más fieles
y la jarra roja abriga el vino
y de la luz se hace el pan
no estoy en los peces que pesqué
ni en las piedras que ya no lloran la culpa del hijo
estoy solo
en rotaciones rotas de cabezas
y no tengo hambre no tengo sed ya no amo
soy humano entre el follaje
*
a Waltencir Oliveira
Aceita-te, lembra-te, que és Severino:
Não a terra seca da sina Nordestina,
Mas a mais dura pedra do sertão, menino.
O corpo magro teu a morte te cobiça
E cessa o esfiar do fio - irmão - d'alma:
Sete dias, ave maria, uma missa.
Pois tu que conheces muito bem este chão,
Agreste, de Sevilha, do Capibaribe,
Brotastes dele e dele serás peão.
Não cego, sem sede, livre de não, contente.
Lembra, desmembra, a coisa nova, nada,
Teu corpo, pó, duma Andaluzia ardente.
Recife, tua Espanha retirante,
Da fome vês a morte em nova vida,
Que na pedra o fogo acende o instante.
Brota do fio seco o touro infernal:
Vezes vinte abelhas nos Ramos do sol,
A Rosa na boca, Minas, meu roseiral.
Olé, nem o que a lâmina da faca fia,
Nem o martelo que de notas destranquilas,
Nada responde ao que o pensamento teu cria.
*
Não vivamos, minha Lésbia.
Matemo-nos enquanto
Ainda há tempo!
*
a Constanza De Matteu
vestida de sussurros
a mortalidade da chuva
nascia-lhe do brilho
dos lábios
o corpo disposto pela possibilidade
o suave soar da casa
já nada é o mesmo
torna tudo ao terreno
culmina no rosto
sombras de acalanto
em que tranquilas
deslizas teu passo
meu bem
as nuvens sustentam o mundo
mas que importa?
você me assopra
e eu volto a sorrir
imagem: escultura de Alberto Giacometti
* * *
Ernesto Von Artixzffski (1992) é curitibano.
Cursou por um ano Letras Português-Italiano na UFPR.