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"Cigarro inaceso à mão"

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Transcendendo o cinza

Cinco almas rumo ao pôr-do-sol
a 180 por hora.
A possante pica de metal
penetrando vento e rodovia
com freios ABS, ar-condicionado, rodas de liga leve, trava e vidro elétrico, airbags, teto conversível, direção hidráulica e pintura perolada

voou do viaduto
em chamas crepusculares,

uma estrela cadente.


Poema de mote judaico
ou ato 4 dos dramas do mundo

Por que o espanto do vazio
do fosso de Beemote, aquário de Leviatã, gaiola de Ziz
civilizações pisoteadas
o mar revolto, sol coberto
o mundo racha ao meio
pra fazer um omelete.

Entre o correr e assistir basbaque
multidões se revezam
ao longe e só,
se vê Jó, de joelhos,
rindo da própria desgraça.


Canção de experiência

Toi qui sur le néant en sais plus que les morts.
Mallarmé

Ela
que sofreu pra acostumar
a se prostrar diante
de um senhor de ares
presidenciais
e pele verde-dólar

de quem a idade tirou os dentes
mas aumentou o preço do boquete

que em camas vermelho ferrugem tocou
os segredos tortos de mil rostos
ocultos
na meia luz

ri discretamente
dos orgasmos que as carnes
mais frescas
fingem

e no que enraizou-se o velho hábito
real de fato se fez o que sente.



Poema pingado

Na rodoviária do Hades
uma alma encosta ao balcão
e pede um pingado.

Cigarro inaceso à mão,
o tédio no terno impecável, frigidez
cruzando as pernas, o pé
equilibrando o salto.

Sombra de um café
servido frio igual
memória de outros tantos cafés
brejos de leite
teta vegetal pó descafeinado
os mesmos augúrios de sempre
nas borras.

Os dias que correram
em comerciais onde todos vivem alucinadamente
o permanente domingo dos séculos
tuas horas crepusculares à espera do momento
postergado

Como um elevador, música suave
conversa amena,
despencando no meio do caminho.

Menos uma colherada na mesura dos dias
há meia hora já você mexe esse café.

Garganta e olhos domados à base da catarse
do inexistente, os gritos
todos guardados
de uma só vez violariam
agora o silêncio do lugar

não fosse esse silêncio inviolável.

Mais ônibus chegam e partem
o pingado desce a goela, a máquina não para
os ponteiros do relógio
apontam à eternidade.


 
*palavra: poemas de Adriano Sacandolara. recitados pelo autor, durante o 1° Mallarencontro - VOX URBE de 15/01/13 (Wonka Bar, Curitiba).

*imagem: Hopeless Romantic - Colette Calascione


*mais poemas de Adriano Scandolara em mallarmargens: aqui e aqui





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