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A Posição de Moacir de Almeida em Nossa Poesia

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Moacir de Almeida (1901-1924), poeta dos importantes Gritos Bárbaros, não obstante as claras raízes, evidentemente não se encaixava, em uma análise primeira e simplória, em estilo algum. Sem dúvida, foi um poeta típico da fase sincretista da poesia brasileira, tendo em sua obra versos Neo-Parnasianos, Pós-Simbolistas, Pós-Românticos, Condoreiros... Mesmo com essa variedade, para Andrade Muricy, por exemplo, a sua poesia não ia além de um “parnasianismo condoreiro”; já no prefácio dos Gritos Bárbarose Outros Poemas,feitopor D. Martins de Oliveira, há a citação da influência que operou a poesia dos simbolistas Gilka Machado e Hermes Fontes sobre a obra de Moacir – e mesmo citando áreas de interesse comum a Moacir e aos Simbolistas, como o encantamento diante da obra de Wagner, de uma aparência etereal dos versos, por meio de uma musicalidade fluida (bem anti-parnasiana, que se diga) e de um alcance imagético que beira o infinito, advindo de uma evidente sede de eternidade -, os termos “simbolismo” ou “símbolo” não foi citado uma vez sequer no prefácio, configurando-se portanto em um grave erro.

Em primeiro ponto, quando se discorre de uma “Fase Sincretista” da poesia brasileira, retomamos ao ponto que Tasso da Silveira, crítico, ensaísta e poeta pós-simbolista defendera, certa vez, para tentar jogar lume ao momento de transição pelo qual vivia a nossa literatura. Mesmo que nós saibamos que 1911 (data de lançamento de Ilusão, de Emiliano Perneta) não foi o ponto-final para o movimento simbolista, como alguns defendem, já àquele momento se produzia, para além da ortodoxia dos primeiros Simbolistas e, principalmente, bem além da afetação formal dos Parnasianos. O Simbolismo, já renovado e com outros nomes – mas ainda com Cruz e Sousa, mesmo falecido, como inquestionável representante maior do movimento - aportavam com algumas revoluções estéticas que, posteriormente, seriam postas em nome do Modernismo; Guerra Duval, que em seu Palavras que o Vento Leva... desenvolveu um verso livre revolucionário para a época, foi um exemplo dessa geração simbolista mais distante das travas bilaquianas. O Parnasianismo resistia como literatura oficial, mas já criava a tendência introspectiva um pouco decadentista, um pouco simbolista e, por vezes, pós-romântica a que observaríamos nas obras póstumas do grupo. Raimundo Correia foi um dos que mais se desprendeu das formalidades cotidianas do estilo, chegando a obter uma poesia a que, realmente, podemos chamar de Simbolista. O Pré-Modernismo, que depois reuniria as grandes mentes da Semana de 1922, também se desenvolvia e ganhava corpo (não sem intensa ajuda do simbolista Freitas Valle, então senador, que viabilizou o pensionato artístico de muitos modernistas na Europa, além de receber escritores do movimento em sua magnífica Villa Kyrial; entre eles, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Oswald de Andrade). E, de mais relevância, havia o Neo-Parnasianismo, movimento em que muitos colocam Raul de Leoni e Moacir de Almeida. Sem dúvida o foram em muitos poemas, mas resumi-los a isso seria levianidade. E é portanto, diante desse longo panorama, que a poesia brasileira, segundo Tasso da Silveira, vivia um “sincretismo” de estilos e literaturas, até desaguar no Modernismo, que, durante muito tempo, não apontava para o rompimento absoluto com as tradições, sendo essa percepção uma leitura posterior, certamente errada, e que custou, por exemplo, um quase total esquecimento da relação dos Modernistas com os Simbolistas e, mais especificamente, com Freitas Valle.

Retrato de Moacir de Almeida: longe do afetamento dos seguidores de Des Esseintes.
Créditos: Antônio Miranda
Dito isso, analisemos a obra de Moacir. Não são raras as vezes em que os seus sonetos se assemelham com os produzidos pelos Simbolistas brasileiros. A arte, para Moacir de Almeida, era uma profissão de fé, a única sobrevivente, afinal, diante da efemeridade de cada ser; a sua percepção ia longe da percepção quase industrial de Bilac; aproximava-se, talvez, de “L'Art” de Théofile Gautier, indo também ao encontro das lancinantes premonições de Cruz e Sousa, para quem o grande poeta é um assinalado, como ele próprio em vida o fora. Vejamos um exemplo:


AMARGURA (em Gritos Bárbaros)

Ah! não ser compreendido é a tortura do Artista!
Ofegante, rompendo os joelhos pelas fragas,
Vê, debalde, fulgir, nas nuvens de ametista,
A miragem do ideal, entre as estrelas magas...

Arqueja; o vendaval de angústias que o contrista
Vem-lhe aos olhos sangrar em tristezas pressagas...
Alça a vista: arde o céu tão longe! Baixa a vista:
Tão longe os corações a rolar como vagas!

E ele, que tem o azul preso no crânio aflito,
Abre em flores de sangue a treva dos abrolhos,
Ergue constelações de rimas no infinito...

Soluça de aflição no deserto profundo,
Tendo os astros no olhar e a noite sobre os olhos,
Tendo os mundos nas mãos nem nada ter no Mundo!...

Outra característica da poesia de Moacir de Almeida foi a sua desenvolvida musicalidade. Foi, de fato, um grande fã de música que acabou por desaguar as últimas revoluções em seus versos. Porém, tal característica é mais evidente nos Outros Poemas, não organizados pelo poeta, falecido muito cedo devido a um problema cardíaco. Em “Tragédia de Satã” (satã, note-se, é um dos personagens mais corriqueiros de Moacir, como em vasta parte de nosso Simbolismo...), há esse excepcional quarteto:

(…)

Carnes rotas, rojando em ondas, aos rugidos,
Flamejam; temporais bramem, sangrando lavas:
- Como penhas, rolando, os crânios incendidos!
- Como crânios, rangendo, hirtos, as penhas flavas!

(…)

Também em Outros Poemas, há um poema cujas tintas Simbolistas são tão evidentes – musical e tematicamente – que o prefácio de D. Martins de Oliveira só nos parece mais errado, mais acovardado, como uma ocultação por medo de aliar parte da poesia de Moacir aos “nefelibatas”, vítimas de impressionante incompreensão de muitos intelectuais (até hoje!). Ei-lo:

CHAMAS VERDES (emOutros Poemas)

Loucura verde! Chamas verdes da Loucura!
Surgi, na combustão sombria do Mistério,
(Ó terrível aurora, incendiária, impura!)
Como, dentro da noite erma do Cemitério,
Os fogos-fátuos pela Sepultura!

Chamai, verdes cataclismos
Do Sonho! Abri vossas verdes gargantas
Rasgando, em meu olhar, infinitos e abismos,
De cujos verdes e profundos magnetismos
Brotam loucuras como ígneas, sangrentas plantas.

Rugi, verdes incêndios da Esperança!
Rugi, que a vossa voz, na contorção das chamas,
Entre a vertigem da amplidão, em cada
Língua de chama que os céus alcança,
Ergue a Deus o clamor de uma vida inflamada,
Como um sangrento coração ardendo
Na ponta de uma lança!

Ardei, oceanos verdes da Harmonia,
Onde almas, a rugir saudades, raivas, uivos,
E espíritos fantásticos e ruivos,
Vestidos em relâmpagos, se vão,
Numa loucura verde e fria,
Numa raiva fatal de músicas profusas,
Mínimas, semibreves, colcheias, fusas,
Verdes, estranguladas num clarão.

1918


Irmão de Pádua de Almeida, participante do Pós-Simbolismo e autor de uma das clássicas obras sociais de nossa literatura – O Instante Universal, publicado em 1934 –, Moacir também escreveu poemas de cunho político-sociais, aos quais Andrade Muricy denominaria, como já comentado, de “condoreiros”. É parte importante da obra do poeta, mas, se comparado aos líricos voos de alguns de seus sonetos ou até de um “Hino à Febre”, claramente não é a que o fez adentrar na eternidade de nossa Literatura. Vejamos, portanto, o poema mais clássico desse estilo:

OS SUBTERRÂNEOS (em Gritos Bárbaros)

Há um surdo marulhar de almas escravizadas...
Ouve essa voz que sobe das entranhas
Do mundo! Escuta as multidões
Desvairadas,
Caóticas, estranhas,
Rolando em sonhos no trevor profundo
Dos subterrâneos trágicos do mundo!

Oh! Como ruge o mar das almas em tortura!
Que horrível soluçar, que ondas enormes,
Tempestuando de amargura,
E encachoeirando em lágrimas raivosas,
E estrondando em marés de queixas dolorosas,
E espedaçando em vendavais de dores,
Espumejando fel, relampejando horrores!

Tu, que vives à luz da vida,
Entre o fulgor de rosas e de espelhos,
Escuta esse fluir de Amazonas vermelhos,
Oceano de almas, torrentes de agonias!
Escuta as almas sombrias!
Escuta! São os réprobos da Vida!
Nos subterrâneos da Vida,
Nos sete círculos da Vida!


Fui onda desse mar... Queimam-me os olhos
Visões amargas... Ainda a espuma
Das vagas me enche as pálpebras em pranto...
Vim dessa treva, desse caos de bruma,
Desse Hades
De escravos, desses báratros de escolhos,
Dessa geena de espanto,
Desse braseiro de tempestades!

Homem! Sob os teus pés, há Titãs algemados,
Espectros encadeados,
Chorando enquanto ris, sangrando enquanto gozas...
Mártires cujo pranto cristalizas
Em diamantes,
Mártires cujo sangue extrais em rosas,
- Diamantes e rosas com que tapizas
O leito de tuas amantes...

Sangue e pranto das multidões escravas
Nos infernos sociais!

As rosas desabrocham como lavas...
Os diamantes têm gumes de punhais...


Muito constante foi a adjetivação na poesia de Moacir. Se não ao modo de Cruz e Sousa e de muitos outros Simbolistas – com versos somente com adjetivos -, a expressão poética do autor de Gritos Bárbaros necessitava de definições, não raras vezes que levavam a um aspecto vago, ou simplesmente sem fim (“infinito”, “eternidade”). Este soneto pode exemplificar esse ponto:

DESESPERAÇÃO DE CINZAS (em Gritos Bárbaros)

No martírio das minhas esperanças,
Tive raiva, blasfêmias, desvarios...
E ergui meus braços, hirtos como lanças,
Contra os astros sonâmbulos e frios.

Porque jamais os sóis, em noites mansas,
Rasgassem luz nos meus fatais transvios,
Abri-me em ódios e desesperanças,
Como um vulcão se abre em clarões bravios.

E – cratera de anátemas e assombros -
Tudo queimei em brasas de tormentos...
E, hoje, que o amor despenha em lama e escombros,

- Contra as constelações, a escurecê-las,
Arrojo as cinzas do meu tédio aos ventos
E a fumaça dos sonhos às estrelas...


Segundo o crítico Agripino Grieco, a arte de Moacir de Almeida “era vertical e atirava-se sempre para o alto, não compreendendo o rasteiro, o horizontal”. Uma visão parecida com a de Tasso da Silveira sobre o Simbolismo. Para o filho de Silveira Neto, o hermetismo muitas vezes encontrado nos Simbolistas era uma consequência natural da “sede de infinito e de perfeição” em que viviam os autores do movimento. Moacir de Almeida, se não se aliou ao Simbolismo no sentido de unir-se aos grupos que publicavam no Rio de Janeiro da época, aparentava ter a mesma ânsia anti-positivista dos nefelibatas. O poema introdutório dos Gritos Bárbaros deixa-nos bem claro que, apesar do movimento civilizatório do Rio de Janeiro, das teses cientificistas e deterministas em profusão, de tudo quanto havia de industrial surgindo naquela belle époque à brasileira, a mente do poeta mantinha-se presa ao sonho e à figura de um poder onipresente, atento aos sofredores. Ei-lo:

PRECE (em Gritos Bárbaros)

Deus dos que sofrem! Deus dos que, sentindo
O travo amargo das angústias, vão
Enchendo o mundo de um clamor infindo,
Rebentando num grito o coração.

Deus dos fortes, que vivem repetindo
A tragédia do Cáucaso, e os que são
- Cristos crucificados sobre o Pindo -
Aureolados de sangue e de ilusão.

Deus! Se, no horror desde sofrer medonho,
Hei de vencer, por fim, na ânsia divina,
Bendigo a dor, bendigo o meu sofrer,

Bendigo o sonho que me arrasta ao sonho,
Tendo todos os astros na retina
E todos os abismos no meu ser!


Moacir de Almeida foi um dos grandes poetas da fase entre 1911 e 1922, na qual também Augusto dos Anjos, Raul de Leoni, Da Costa e Silva, Gilka Machado, Hermes Fontes, enfim, inolvidáveis poetas surgiram. Se por um lado a sua poesia de forma alguma pode ser considerada tão somente Simbolista, doutro lado não há um porquê de não citá-lo como autor de poemas simbolistas. Muito curiosa a postura de Andrade Muricy, que o citou no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro somente em contraposição à poesia imagética de Pádua. Ou seja, assim como a poesia de Augusto dos Anjos ficou marcada pela chã avaliação de “não é isso nem é aquilo”, a avaliação acerca da obra de Moacir perambulou também pela perspectiva da esterilidade das influências,ao colocá-lo alheio de suas leituras e admirações, como um autor de obra absolutamente nova, da quintessência da novidade. O posicionamento, em minha percepção, mais correto, seria colocá-lo como um poeta típico dessa época de transição, e que foi isso e também foi aquilo, ou seja, foi Simbolista, e foi Neo-Parnasiano, mas também Condoreiro, configurando-se, talvez, em um espelhamento do magnificente momento de sincretismo da literatura brasileira.


 *leia mais ensaios sobre o simbolismo em mallarmargens





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