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6 POEMAS DE LUIZA DUARTE

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O Entardecer e o Retrocesso



Comprarei memórias 
e as arremessarei contra janela
para que um dia possam ser certificadas
como garantia da eternidade
pelo céu da madrugada



O Desassossego das Horas e outras Solidões


O véu do acorrentamento 
desnuda-se ao bel (des)prazer 
de duas guesas enquanto
sussurram clamores entorpecidos 
por nuvens de gás carbono e a imagem 
de impropérios descartáveis  & flores murchas
permanece a apagar si mesma pelas cortinas despretensiosas do tempo

Nos céus, a intervenção poética
invade o fim de tarde e
enverniza as línguas imortalizadas
em brasas com seus codinomes ininteligíveis
que acendem e assistem marcos triviais
na história de um dia de Agosto-fantasma — 
era uma vez um forasteiro vagando
em meio às avenidas inexpressivas das metrópoles 
abandonadas pelas circunstâncias entre os postes
desalumiados e os necrotérios da madrugada
O pássaro da ressurreição fantasmagórica
despenca do céu pós-vespertino e padece desnorteado

A revirada da transgressão
enraíza-se nas vestes sórdidas de sua indigência sagrada
a minha tênue criação regurgitada quando os faróis
iluminam-se por cerca de segundos e o resplendor atinge
os hemisférios mais profundos da minha exposição fingida
        exprimir
exprimo por meio de uma ressonância fúnebre
meu uivo solitário, meu uivo silencioso
que em fúteis aparências exclama entre os viés delicados a euforia
sucinta das dores insulares nos mundos
onde galgava sonolenta e sem ritmo
 
Febril como um tenaz navio naufragado
em mares taciturnos tictactictac
tictactictac
a clepsidra
ultraja os pseudo-prantos impróprios para o enredo
de uma realidade palpitante, no entanto
Mercúrio ainda rege as jovens tripulações 
e dos ancoradouros partem às diluviais esferas herméticas
despidos, rastros ocultos de um cosmo delirante
ressurgem em meio à rebelião das substâncias químicas
e envenenam-se pela inquietação das brisas veranenses
quando o orbe angelical desaparece por trás
das nuvens intoxicadas 




Desenredo Empoeirado


Obrigações rotineiras ornamentam
o carrossel de cores intransigíveis
que reiteram meu andrógino centeio maquinando
o truculento fósforo andaluz, o lírio-lirismo
o simplório gargarejo manuseado
por maquinarias omnipresentes
contadores fosforescentes enquadram meus olhos
no ponto mais alto do viaduto dos pensamentos caóticos
estou cansada, estou cansada

Em algum lugar a vida corre
em crônicas mal acabadas e fitas destripadas
poli osmose transcendental de objetos asneiros
vagueiam entre os vagalhões empoeirados
das minhas veias necróticas e
se erubescem na rosácea secular que floresce
entre os minuciosos alicerces do meu corpo

Caricaturas plásticas inviabilizam a romaria dourado-aprisionada
superior aos reflexos permeados
em meio à devassidão do céu de Agosto graças à repressão
do meu auto sacrifício relembrado em versos sutis
onde imensidões saltitavam à beira de solavancos desvencilhados
e mares inertes

Mas passaram-se meses e
a matéria pútrida nos orbes eternizados pelas cordilheiras fictícias
desintegrou-se antes da última contemplação
terna e vívida dos ponteiros monótonos
que observava no relógio de pulso (doentio?)
já agora não mais caminho rés do inventário antecedente à perdição

Roteiros envelhecidos de uma existência múltipla
codificada em símbolos burlescos
eu retrocedo no devaneio quase que inadequado
para instantes públicos e a minha voz
falha nos tons mais aparentes
eu retrocedo na poesia que assoberba meus pulmões de ar
entre as mansardas sombrias da minha mente e as estrelas
que balbuciavam clandestinos desatinos
eu retrocedo na conspiração em exasperar as
entrelinhas do pretérito, do estardalhaço
e enalteço o retrocesso tardio 



Figurantes & Estrelários

A pálpebra industrializada se fecha diante das caravelas cegas 
calafrios reverberados como numa contração de parto
dedos alados dissociando miríades de sensações
entalhes aclamados em referência ao espetáculo circense
faces envernizadas tangenciando arquétipos
gaudérios titubeando fados num dominó fulgurante
ondas correndo do mar em direção aos elevados congestionados
páginas alvoroçadas beijando os alvos dorsos das nuvens

                              Estagna-se: o cenário sucumbiu, algozes vigilantes da realidade supersônica 
                                          às convulsões que sucedem ante ao tempo, retorno 
                                      epilepsia eclode fulgores rasteiros de emancipação
                                   deforma a ternura maltrapilha de dois olhos: 
                               ao meio partem os segundos pardos no escuro incandescente
                           flamas esverdeadas, eu contemplo as barreiras metálicas 
                        respirando a fumaça tóxica característica de trens solares
                 que se esbaldam ao entreter-se com clarins e espirais
             e findam no vazio depositado em versos 

Ciência baseada no olhar pacífico dos passadistas roucos
que salteiam pelas superfícies consagradas
onde há tiroteio ressentido em toda alvorada
o olhar engloba o mundo em fragmentos
e especifica malfeitos eternos e enaltecidos por desvario errante
alicerce pré-erguido nos ossos da mão anestesiada: transcender
monumental paisagem de céu prateado que beira ao caos e
enquadra pretéritos

Destruo as raízes num gaguejo ingênuo 
luminescência ao fulgor intrínseco 
palpita os acessórios lúdicos 
em montes de nebulosas  
inconstantes precipitações 
desaguam na rua dos delfins miraculosos 
veículos em contrapartida arranham os tecidos nervosos das estrelas 
artilharia de concreto incendeia quando em contato 
com as saciadas palavras dos que partem
o pouso da mariposa — tempo! tempo! tempo! tempo que chora 
escrevo e em vão vocifero: a sobriedade jaz alienada na razão



Por não querer clamar — clamando—  rebento soberbos na vidraça quebrada
Por não querer partir — partindo — supremacia marginal nos gêneros-nódoas 
certifico as encruzilhadas das estátuas-vivas  
bordo e desdobro o papel de parede
coberto por lodo & partículas incolores
e me apetece os estirpes
enquanto minha articulação literária arde em fogo 
pois, passiva, a paisagem hermética
jamais me cegará



No viés do espetáculo há a escapatória

Escrever é uma doença
que suscita ainda quando no ventre engloba
comunhão de fetos fétidos
moléstia interminável das artérias cegas
que explodem estrelas primogênitas de dramas eternos
à mercê de uma madrugada desperdiçada

Escrever é uma doença letal, profetizada perfeição!
que se alastra impiedosamente entre os órgãos
mesmo que presuma-se a existência de um tumor benigno
encrustado entre as tênues e plásticas partes do corpo
quando tudo não passa da letargia momentânea da poesia vívida
que enfatiza o disfarce dos enfermos dos últimos dias

Escrever é o câncer da alma
em sua mais pungente condição
que anestesia os sentido ainda que sinta-se nocivo
tempos sucedem em difusão no organismo de qualquer um que escreva
e quando então, não há mais escapatória
clamam por um vício sonegado à previsível e misantropa sina

passam os anos, enfim
e entre o suor e a agonia das noites inquietas
fada-se o atestado de óbito
eis a linha cronológica dos poetas
de toda uma existência que antecede a Vida
desde sempre mortos, precursores da essência fingida
pois a verdadeira guarda-se para o fim em seu lapso de eternidade

Há quem diga que ao morrerem
nasce, de fato, a legítima alma de sua poesia. 




Intravenoso



1
A palavra corrompida
fere as tênues veias
que correm nos rios intoxicados
do meu pulso 

2
Jaz a mácula que 
como um invólucro resistente
nos trôpegos movimentos do riso
se avulta ao passar
do tempo

3
Minha relutância  
em silenciar a ofegante arfada
submersa à quietação
entropilha os glóbulos intravasculares 
e é arremessada 
em direção aos versos
da eternidade


Foto: Heather Landis


*    *    *


Luiza Duarte (1997) nasceu em São Luís - MA, escreve desde que se entende por gente, pretende cursar Letras. Mantém o blog "lodo poético".


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