Pintura de L'École de Blois. Séc XVI
VI
Abro mão de mansão, & pomar, & jardim,
dos lavorados vasos de artesão condigno
e, como certo Cisne, ao canto me resigno
à margem Meandrina, exéquias de meu fim.
Deslindei todo o curso do destino, enfim,
de tudo o que vivi, tornei meu nome digno,
voa ao céu minha pluma a fim de ser um signo
para além do ardiloso e mundano festim.
Feliz quem não nasceu, ainda mais feliz
quem esquece o que foi, mais ainda se diz
de quem se tornou anjo próximo a Jesus
deixando apodrecer esta veste mortal
despido de fortuna & destino fatal
e então, livre do corpo, ser somente luz.
VI
Il faut laisser maisons & vergers & jardins,
vaisselles & vaisseaux que l’artisan burine,
et chanter son obseque en la façon du Cygne,
qui chante son trespas sur les bors Maeandrins.
C’est fait j’ay devidé le cours de mes destins,
j’ay vescu j’ai rendu mon nom assez insigne,
ma plume vole au ciel pour estre quelque signe
loins des appas mondains qui trompent les plus fins.
Heureux qui ne fut onc, plus heureux qui retourne
en rien comme il estoit, plus hereux qui sejourne
d’homme fait nouvel ange aupres de Jesuchrist,
laissant pourrir ça bas sa despouillle de boüe
dont le sort, la fortune, & le destin se joüe
franc des liens du corps pour n’estre qu’un esprit.
O fim (Trecho de Oração fúnebre sobre a morte do Senhor Ronsard, pronunciada na capela de Boncourt, ano de 1586, dia da festa Sainct Matthias, pelo Senhor Du Perron, quando bispo d’Evreux, atual Cardeal, Acebispo de Sens e Grande Capelão da França, então na idade de 27 anos.)
“Tão logo retornou à Vendomois, começou a “desesperar de toda sua saúde”: pois padecia as excessivas dores decorrentes da violência ordinária de sua doença, que além dos trabalhos que ainda acumulava, impedia-no de qualquer hora de repouso, o que o conduziu a um grande enfraquecimento do estômago, e a uma espantosa diminuição do calor natural E, enfim, vendo que tinha sempre seus olhos abertos, a alma desperta e sensível aos pontos de sua dor, buscou, a fim de aplacar a crueldade de seu mal, ainda recorrer a um sono artificial, e se pôs a beber o suco da papoula, o qual, em lugar de lhe aliviar, enregelou-lhe ainda mais o sangue e os humores a ponto de cair em atrofia e crise digestiva. Então, ele perdeu o domínio de todas as partes de seus membros, exceto da língua, que lhe restava a ditar à pena dos outros: e, então, as extremidades de seus membros sem mais nada receber de vida e de alimento, encontrando-se tomadas por humores viciosos, começaram a se despojar e a descarnar; de modo que, tê-lo diante dos olhos era um espetáculo muito lastimável e não haveria alma tão segura que não se arrepiasse e tremesse diante desta ocasião. A dele, nada a menos que entre todos esses tormentos, aparentava determinação em não ceder ao rigor de seu mal, pelo contrário, renovava, dia a dia, as forças para combater sua dor, não mais tocando a terra ao modo de Anteu, mas aproximando-se do céu, tocando-o com esperança e desejo. De tal modo que somente quando se viu, entre as lágrimas de seus amigos e de seus parentes, como se ele estivesse ao trespasse e na ante-sala da morte, teve seu rosto todo em água, com lenços molhados e encharcados de suor; compôs, no entanto, ainda no auge deste combate, os mais belos Poemas Espirituais que seriam possíveis, e os declamou com uma fala tão firme e tão segura que não parecia ser a voz mortal que falasse, mas alguma divindade que se servia de sua boca para oferecer os seus oráculos, tanto havia nele uma coragem invencível e uma alma verdadeira e essencialmente Poética.
( In: ROUBAUD, Jacques (org). Soleil du soleil – Anthologie du sonnet français de Marot à Malherbe. Paris. Gallimard :1990 )