entre a cor do dia e a nuvem parada dentro dessa sala, existe um perfume antigo como o tempo, encardido como lua de céu nublado e um barco encalhado no corredor que não deixa eu chegar na cozinha. o medo se multiplica com o cinza dessa nuvem. temo que a chuva não seja suficiente para pôr o navio em alto ar pelo quintal. as cores seriam outras se tudo isso não fosse junho e meu dinheiro fosse muito, o suficiente ao menos para me mudar. já vi até outro lugar, ali no fundo da garganta daquele moço de voz grave e dente desafiador. mas meu dinheiro é curto e qualquer palavra dita de sincero dito eu já me entrego e digo que nasci assim fácil pro amor. problema grave de quem absorve tudo que vê, nuvem, vapor, navio, barco encalhado no corredor, até achei uma fênix raivosa presa no bolso do meu avental roxo, indignada por ter que ficar ali morrendo em peça tão sem valor. mas digo que se acaso o sonho dessa noite não virar por teimosia mais uma história minha de cabeça pra baixo, juro que desfaço esse ímã de jogar tudo que acho pro abraço e redecoro a casa em cozinha com parede de mar pra que todo e qualquer barco possa flutuar desapegado dessa sina de querer tudo dentro de um só lugar.
*
tuas cores são fortes como a ponta dos teus dedos engatilhados na minha nuca.
roendo meus cabelos. rangendo os dentes para a vizinha.
um foda-se em letras garrafais é publicado em nossa mais nova avenida.
estou tonta de vontade iniciando novas aventuras invertidas.
roendo meus cabelos. rangendo os dentes para a vizinha.
um foda-se em letras garrafais é publicado em nossa mais nova avenida.
estou tonta de vontade iniciando novas aventuras invertidas.
*
a violência explode nas mãos de meninos de algodão
vira faísca
chuvisca campos de cometas em chamas na cidade desiludida.
indignados se espalham em trovão
destroem o comando, o cotidiano
os panos da enganação.
estado de graça do que ameaça e vai fazer
pequenos carrosséis de sangue entre os dedos histéricos.
vira faísca
chuvisca campos de cometas em chamas na cidade desiludida.
indignados se espalham em trovão
destroem o comando, o cotidiano
os panos da enganação.
estado de graça do que ameaça e vai fazer
pequenos carrosséis de sangue entre os dedos histéricos.
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Poema sobre a liberdade
quero beber até esquecer toda essa poesia de vida
esquecer essa falta do que queria e não tem.
um vazio abriga o meu peito, tão cheio, tão cheio...
estou caindo nas esquinas, invisível, graças a deus.
esquecer essa falta do que queria e não tem.
um vazio abriga o meu peito, tão cheio, tão cheio...
estou caindo nas esquinas, invisível, graças a deus.
Significa renascida
a palavra encravada na pele
aquela falha em boca
transloucada no seio
essa palavra feito calor
suor da cidade defeito
a palavra sem sílaba
cheia de ardor e medo
essa palavra é a fera
que não me deixa inteira
fera sem rosto
pura sombra no beco
essa palavra carnívora
que nunca teve receio
essa se fez em meu corpo
como se já fosse inteiro
fez o que sou
sem que eu soubesse direito
decretou pra mim
a palavra sem fim
o eterno recomeço
essa palavra feito calor
suor da cidade defeito
a palavra sem sílaba
cheia de ardor e medo
essa palavra é a fera
que não me deixa inteira
fera sem rosto
pura sombra no beco
essa palavra carnívora
que nunca teve receio
essa se fez em meu corpo
como se já fosse inteiro
fez o que sou
sem que eu soubesse direito
decretou pra mim
a palavra sem fim
o eterno recomeço
foto: Renata Flávia
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Renata Flávia. "Carne e céu de Teresina". Fotógrafa amadora. Historiadora pela UESPI. Também estuda filosofia. Tem o blog lustre de carne e a promessa de um livro.