DESFECHO
Deveríamos saber de um sentido maior
que justificasse o que somos
feito o vento
ou uma canção reincidente
a trazer-nos luz.
Mais do que esperado,
aceito.
Dádiva consentida
pelas mãos do que supomos
seja a verdade
ou o derradeiro
desfecho
de um itinerário
inconcluso.
Porém mais do que
perfeito.
LUGARES VAZIOS
Há lugares vazios em que habitamos
por escolha ou decisões alheias.
Lugares vazios onde não há flores
sejam de plástico ou verdadeiras.
Triste jardim de sementes malsãs
onde cultivamos equívocos
provisórios
ou definitivos.
O que nos faz humanos
em nossa perfeição vã.
NOTURNO
As razões de quem ama
não são argumentos.
Estratagemas para sentimentos
no amor não se pode tê-los.
As evidências de quem ama
são fatos secundários
como as alamedas
no mês de maio.
Os amantes sabem
do improviso
– flor casual do destino.
É possível que o amor seja
mesmo sem a convicção dos teoremas.
Leve – como no sono se propaga
o sonho em Marta.WITTGENSTEIN
Saber-se de antemão mudo
e no entanto dizer
à quem se dispõe ouvir
o que não pode ser dito
FINIS
O homem morre sem ainda saber quem é.
Murilo Mendes
Nada convém à espera
da última justificação.
Tudo é limite.
DOIS POEMAS PARA CRIANÇAS
O PARDAL
Sobre os prédios e fios elétricos,
árvores, casas e parques,
o pardal faz da cidade
seu habitat.
Passarinho cinza
sob o céu nublado
seu canto alegra os namorados.
Em praças e avenidas,
ruas cheias ou vazias,
tudo é morada
para sua ninhada.
Pardal.
Passarinho cinza
sob o céu urbano
seu acalanto nos faz mais humanos.
O MAR E SUAS ONDAS
O mar e suas ondas
conchas e mais conchas
arrastam para as areias.
O mar e suas ondas
envolto em sereias.
O mar e suas ondas
barcos e pescadores
embalam sob o céu de gaivotas
O mar e suas ondas
em ilhas ignotas.
EPIGRAMAS
(4)
Semeiam as vagas a inconstância e o porvir.
Pranteiam as flores o efêmero jardim.
Porém, com vagos e remotos sonhos,
celebram, os insanos, a glória de serem humanos.
(11)
Ao poeta Rommel Werneck
Há uma luz para poucos,
como o trigo em colheita escassa.
Mas sua essência perdura
aos eleitos de obra rara.
(13)
Ao poeta Jorge Elias Neto
Do que se faz ou do que se espera,
da verdade dita e não ouvida,
fica a mentira
em que cada um habita.
*
AFORISMOS: MARGENS
“Para todas as formas de amor há sempre uma maneira de se compartilhar a solidão.” (nº 6)
“Não raro, atrás de pequenas alegrias ocultam-se calamidades intermitentes.” (nº 108)
*
“No sentimento de vingança toda cumplicidade faz-se manifesta, sobretudo àqueles que se arvoram ao posto de vítimas.” (nº 183)
*
“Os maiores crimes são cometidos com sutilezas que mais parecem pequenos gestos de inocência.” (nº 235)
imagem: Sarolta Bán
* * *
Hilton Deives Valeriano nasceu em 78 na cidade de Osasco, São Paulo. É formado em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Edita o blog "Poesia Diversa". Está no prelo seu livro de aforismos "Margens", enquanto trabalha já no próximo, também de aforismos, "Exéquias".