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8 POEMAS DE ADRIANO LOBÃO ARAGÃO

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e quando retorna a si a oferenda


e o que saber de teu anseio entregue ao ventre
[e ao seio alheio quando retorna a si
[a oferenda que há pouco somente sêmen seria?
e que força haveria em teu sangue que não vê
[as marcas de teu semblante impressas
[em um outro ser?
e como artífice tenaz empenhas o obstinado
[ofício de reinventar-se em imagem
[e semelhança na fêmea que emprenhas
e eis novamente em teus braços os traços que em ti
[afirmam a perpétua condição de semeador
e como impetuoso autor revisando a própria obra
[chega até si o desejo e a hora
[de descartar o esboço feito outrora
e eis que teu riso e tua mão se estendem apenas
[a um dos irmãos para que corra o risco
[e o destino de existir em vão
e que seja a mão que se ergue em fratricídio
[ a mesma que jaz em suplício e ambas
[as duas palmas de tuas mesmas mãos
e o que saber de teu feito quando retorna a si
[a oferenda que reafirma em teu filho teu genitor?




o que há de sensível


o que há de sensível em meu íntimo não se comunica
ou se desdobra em gesto de inexata comunhão
como parte deste rito dividido entre fome e compaixão

ou quando sozinho diante da própria fronte principia
outro desconhecido rosto sobreposto e bem mais inteiro
no espelho partido ao peso do corpo em apoio
[na pia do banheiro

e não sei se serei eu em cada caco laminado
[ou no sangue em minha mão
ou na face que exponho oposta ao riso
[que guardo na solidão
que encontro nestas poucas paredes em que me perco

pelo óbvio labirinto pulsa na palma o caminho
que meu íntimo não comunica ao que há de sensível




a queda o voo


o que sei dos anjos se caídos ou suspensos
se terríveis ou afáveis o que nem de mim sei
se farei a devida lembrança do nome dos seus
ou se terei os restos da herança do êxtase
de santa teresa para além de toda delícia
e delito que a linguagem atordoa não sei
se no seio de cada ser ressoa o gozo
suspenso no ínfimo instante do voo




os nomes as pedras


deixai aqui nestas pedras o nome e a fábula
daqueles que almejam a revelação
para que o tempo os apague plenamente
em sopro enigma e luz
a mais cega das visões

comei e bebei com satisfação
pelo bem que propiciastes em dias passados
à espera da palavra e seus cavalos
que árduos disparavam
pela imensidão do verso

deixai também este verbo
impresso em talhe na mesma pedra de seus nomes
tu que és tantos e deixas tão pouco
para que o tempo também esqueça entre as pedras
a inútil memória do corpo




as cinzas as palavras


pintada em verbo angústia nenhuma palavra incendeia
decantada a mesma iluminada metáfora escura
seguindo em eterna fuga do discurso que se perca

expressão que inexata deseja toda exatidão
envolta entre sim e não se refaz a dúbia certeza
exatidão toda inexata que deseja expressão

qual verbo abandonado por remota prosa incontida
qual chama irrestrita escrevendo seu ardor devastado
cinza palavra ao vento calado palavra descrita

como que semeando a si espalhando do vento ao gosto
as cinzas em torno de todas as obras a destruir




as odes os signos


estas odes que aqui se erguem como estranhos obeliscos
emanam como desencanto louvando o próprio canto
palavra perdida lançada em busca de alheio signo

este verbo disperso em distante campo de poeira
areia estéril onde não canta tágide nem musa
estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte

nem alegre lembrança vestida de esquecidas ânsias
nem rústico altar profano onde sem música se dança
aquém dos verbos de outrora além dos versos de amanhã

decantados em prosa elegia e hino assim recordam
estas odes aqui erguidas em busca de signo alheio




uns versos


entre linha limpa descanso sutil não se desdobra
claro enigma em superfície inerte paz abandonada
o inexato revelar de obscura possibilidade

ou sem linha alguma talvez planta ou gelo ou chama abstrata
ameno vácuo inscrevendo a simbologia do caos
surdo grito perdido em tinta pelos signos da mão

este estranho arabesco de murmúrio e cinza detém
esta palavra infecunda em lauda congelada em vão
rabisco hieróglifo ideograma eólico beijando o vazio

nem mestre nem discípulo em apagada estrada escura
como palavra reescrita esquecida de acontecer




então


em perene forma permanece em idade e fortuna
tudo que no tempo não muda nem tempos nem vontades
nem mentira nem verdade penetra a forma profunda

somente em mim depositou-se irrelevante mudança
talvez desnecessária dança que o cair das folhas trouxe
talvez inseto da noite que de seu brilho descansa

quem sabe silêncio de outrora agora outra hora propaga
antes de ilusão inata à matéria apurar sua volta
em perene forma precisa mas dispersa inexata

somente em mim depositou-se irrelevante reverso
de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce





imagem: arte de Taylor James






*    *    *





Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, Piauí, em  1977.  Formado em Letras pela UESPI, leciona língua portuguesa e literatura na rede particular de ensino de Teresina. Mestrando em Literatura pela UESPI. Fundador da revista amálgama, publicação dedicada à literatura. Em 1998, através do Concurso Novos Autores, recebeu o Prêmio Cidade de Teresina pelo livro Uns Poemas, publicado no ano seguinte pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2005 publicou Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra, pela Fundac. Seu livro Yone de Safo foi agraciado em 2006 com prêmio Torquato Neto instituído pela Fundação Cultural do Piauí e publicado pela amálgama no ano seguinte. Publicou ainda as cinzas as palavras (amálgama, 2009) e ave eva (dEsEnrEdoS, 2011). Em 2012, lança seu primeiro romance, Os intrépidos andarilhos e outras margens (Nova Aliança). Atualmente, edita o site dEsEnrEdoS e o blog Ágora da Taba.






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