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Arte de Tomasz Alen Kopera |
A missiva perde-se num baú enterrado nos confins do cosmos
Enquanto a eternidade vomita uma gargalhada
Esperando sem pressa o desterro da criatura metralhada
A mensagem é agora de toques e afagos abraços e sustentações
Arrastamentos quedas e revoltas interiores
Amarradas ao silêncio imposto pela negrura do intruso instalado
Na florestação incendiada pela malícia do acaso
Pelo enterro dos corpos e cremação dos sonhos onde o ócio nunca entrou
Pois pela vigília e trabalho forçado se impôs
Enquanto a delinquência das estirpes manipuladoras de almas
Corrói os núcleos sobrepondo-se aos brados numa ditadora voz
Apenas o som dos metais e das gargantas articuladas
Provocam metamorfoses de obras de arte
Idealizadas previamente no ventre das deusas
Que dão e tiram o alimento aos renascidos
Num jogo de sobrevivência sem normas hierarquias valorações
Apenas um estouro abrupto inesperado e curto
Se faz visível na sua majestosa iminência
Então a viagem transforma-se num rodopio sem odores nem sabores
Sem tato agarrado ao mundo magnetizado
Pelas sementes da liderança perene
Da ganância de coração ausente e estouvado
Em qualquer lugar somos invadidos pelo cansaço e solidão
Quando o humano se pinta na tela branca do genuíno
Perante a empatia que ergue movimentos melódicos de envolvimento
Com a fala e a escrita que se evaporam em pisado chão
Pelos domadores de elementos em turbilhão
Permanece o bailado frio das rochas denunciando homicídios
Provocados pela indiferença patológica de quem se agarra
A um único tesouro esmigalhando o cântico dos pássaros
O sussurro do mar a melodia das árvores a terra inteira
E o grito abafado dos que nos pedem socorro
Acudindo à existência humana que parece ter sido arquitetada
Na cabeça de algum autor sádico pois lança os dados
E espera que o jogo termine da pior maneira
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Arte de Amy Judd |
A pele amarrotada impõe-se ao respirar de um términus
Que apenas garante a fração de segundo para um sorriso de abalada
Para outros istmos outras ilhas novas barcaças
Num corpo seco e calejado que faz frente às intempéries
E ao ritmo do trovejar ensurdecedor
Deslisa-se no prolongamento dos desvairos e amarguras
Perante os tímpanos furados na repetição dos gritos e gemidos
Pelos abandonados órfãos do genocídio permitido pelos inertes
Que nem pela revolta se levantam
Nem a liberdade louvam
Nem pela bofetada ripostam
Mirram os órgãos na paragem do voo
Pois os parasitas comemoram a festa da sobrevivência
Dando dentadas afiadas no lacrimejar da miopia esfarelada
Aguardando o laser da incógnita entre o florescer e a vida alagada
A língua recolhe-se à míngua de discursos
Pois só o chilreado dos pássaros é sagrado
As mãos desenham o último gesto de socorro na genealogia inflamada
Enquanto os abutres visionam o alimento putrefato
Arrasando o processo de um só ato
É que a pele deixa de ser a fronteira do corpo
Para se esbater na brisa húmida do oceano
Imiscuir-se nos odores do alto das serranias
Ultrapassar o chão e flutuar num aparente paradoxo
Apenas existente no cérebro do bicho racional
Como se tivesse por passatempo um manicómio virtual
A armadilha do nascer perpetua-se no cadeado enferrujado
Do aprisionar oxidado pelas mandíbulas do corruptível
Onde o pânico do desconhecido cria recreações desencaminhadas
Por entre foles de encher balões fantasiosos e calamidades vazar
Numa pura engrenagem endoudecida pelo ficar estático ou no vazio saltar
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Arte de Zdzislaw Beksinski |
Decesso camaleónico
A morte espaventosa suspendeu atmosferas corrosivas
Sobre as cabeças dos gigantes tricotando cachecóis
Para abafar gargantas no forno dos desertos
Assinou um pacto de limite temporal em neutra paisagem
Para que as folhas de outono se transformassem
Em fungos berrantes nos recônditos obscuros da floresta virgem
O passamento abraçou a dor dos enfermos e prometeu
Que a prole sobreviveria às garras do bicho homem no inferno
Permanecendo enlouquecido e afundado em milhões de cérebros
Implodindo numa chuva de caruncho em noite gelada e húmida de inverno
A morte trajou-se de mansinho e instalou-se
Perto dos andarilhos estáticos sobranceiros ao declive
Onde os fósseis dos dinossauros selaram as galerias dos defuntos
Suspensas dos penhascos ancestrais
Antes da esperteza delinquente e manhosa
Ser coroada pelos povos acabrunhados e ignorantes
Cobardes cabisbaixos e rastejantes
Enfeitou-se o óbito de pechisbeque e tilintou por entre os canais
Batendo sonoro nas paredes lar de ratos dançarinos
Que desvendam outras extensões diversos corredores
Provocando com golpes pantomineiros
Os sobreviventes da contaminação que ascendem soberbos
De destrutores borlistas a galhofeiros roedores
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Arte de Zdzislaw Beksinski |
Redes de penúria
Procuram as lagartixas refúgio debaixo das pedras
Enquanto os homens se sujeitam a primatas
Imbecis sem pudor alarves da manipulação e chantagem
Assentando arraiais no despudor da pérfida aragem
Que a brisa se inverta na garganta estreita
Estrangulando os chantagistas que em desequilíbrio
Deslizam por entre manchas de óleo rodopiando nas barragens
Dejetos de cruzeiros pomposos promíscuos de empobrecidas linhagens
A temperatura mortal dos fornos enlouquece
Os touros revoltados na lezíria transfigurada
Que provoca a corrida em debandada afincando os cornos
O sol abrasador tece redes de penúria
E vozes que se escondem nos rios secos da amargura
Quando as raposas deixarem de vir comer à mão de assassinos
E mostrarem os dentes afiados
Talvez então os ostentadores de topázios se engasguem com eles
E asfixiem num gemido de último prazer
Engolindo o que tanto anseiam e guardando
As pedras resplandecentes no ventre abaulado do ócio e do saque
Enquanto os ditadores se pavoneiam impunes de fraque
Perante os fura-vidas que alastram os tentáculos
Pelo odor cativante do poder e dinheiro
E os serventes não têm como encher o mealheiro
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“Life Long Gone”, de Gary Heller |
Escrevo no pó
O pó acumula-se indolente na formatação dos utensílios
Ultrapassados pelo bolor dos séculos
Enquanto criaturas se esbatem por entre as incisuras de um tempo selado
Que venham as lavas e os fogos para reduzirem a cinza
A estranheza dos artifícios plastificados
Na toada desagregada dos não perdoados onde tudo é névoa
Pois já não distingo os caminhos nem os ninhos
Entre o cereal comestível e a daninha erva
O aperto no estômago explode em lança perdida
No centro da esquizofrenia humana
Que não se apazigua mas dilacera perfura apodrece e engana
A dor lancinante na cabeça pressiona o olhar sem roupagem nem lar
Comprimindo o ouvido provocando o bloqueamento do maxilar
Mesmo num ténue e disfarçado gemido
Um murro obscuro onde se destrinçam estrelas
Inicia a desintegração sincopada das articulações
Abertas em desintegração total sem balizas nem portões
Tornei-me intolerante aos desperdícios e à sujeira
À desarrumação sem justificação sem eira nem beira
Às lixeiras flutuantes aos excrementos ambulantes
À venda de carne humana
O refúgio violado sem repouso nem sustento
Ao jogo macabro de interesses de gente sacana
Onde nem a diversificação de cenários me anima o consentido isolamento
Protela-se a fuga aguardando-se mais um pouco
Depois das tarraxas selarem as vértebras
Estilhaçadas em derramamento o seu conteúdo
Pelo corpo de duração limitada enquanto ainda há vida
Mesmo num conforto inventado em cornadura calcificada
Revolta e debandada!
Desaparecer para longe desta existência açambarcada!
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Ana Maria Rodrigues Oliveira, licenciada em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.