
A chegada dos bárbaros
a Konstantinos Kaváfis
Os bárbaros chegaram de vez às nossas terras, mas não necessariamente vindos de fora. Antes brotaram de nossa má formação, de nossa má educação, de nossa má fé. Sempre estiveram dentro de nós, esperando apenas que permitíssemos (ou mesmo rogássemos) que assim fizessem. Eles são a nossa inconsciência moral, a nossa incúria civil, a nossa inconsistência nacional. Os bárbaros que supostamente chegaram às nossas terras − e que já iniciaram a sua devastação – nos pertencem tanto quanto lhes pertencemos.
In: Desimagens (Clube de Autores, 2019).
Suma pós-filosófica
a Phillip Mainländer
1. Quanto ao homem, resta torcer para que passe.
2. O que ele tem de melhor é a sua ideia de Deus. O que ele tem de pior é ele mesmo.
3. Deus não existe. Se existisse, o mundo seria outro. Não necessariamente melhor, mas outro.
4. O despreparo das pessoas para o convívio mostra que a vida social é um mito.
5. Toda espontaneidade é burra ou desperdiçada em nome de ninharias.
6. Nossa economia diária não se baseia em trocas criativas e sim em conversões previsíveis.
7. O homem não vale a pena. Fora o esforço contumaz de uns poucos, logo destruirá o planeta.
8. Compensamos o nosso vazio com um apego à aparência que é da ordem do vazio.
9. Se a humanidade não se justifica, que seja extinta o quanto antes.
10. Daremos gargalhadas, porém sem tempo para acharmos graça.
11. Sem Deus e sem o homem, o universo se fortalecerá.
12. As demais espécies brincarão e cantarão de alegria.
13. A morte continuará sendo a nossa realidade.
2. O que ele tem de melhor é a sua ideia de Deus. O que ele tem de pior é ele mesmo.
3. Deus não existe. Se existisse, o mundo seria outro. Não necessariamente melhor, mas outro.
4. O despreparo das pessoas para o convívio mostra que a vida social é um mito.
5. Toda espontaneidade é burra ou desperdiçada em nome de ninharias.
6. Nossa economia diária não se baseia em trocas criativas e sim em conversões previsíveis.
7. O homem não vale a pena. Fora o esforço contumaz de uns poucos, logo destruirá o planeta.
8. Compensamos o nosso vazio com um apego à aparência que é da ordem do vazio.
9. Se a humanidade não se justifica, que seja extinta o quanto antes.
10. Daremos gargalhadas, porém sem tempo para acharmos graça.
11. Sem Deus e sem o homem, o universo se fortalecerá.
12. As demais espécies brincarão e cantarão de alegria.
13. A morte continuará sendo a nossa realidade.
In: Desimagens (Clube de Autores, 2019).
Esboço de poema
a George Steiner
Aos poucos
vai-se o bom
e fica o que
não presta
Por ora o
que nos resta
são vazios
e feridas
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
Decomposição
a Emil Cioran
Queria que
a morte
fosse assim:
um fechar
de olhos −
um troar
de alívio −
a vez da
voz na boca
muda da
imensidão
imensidão
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
A jovem família
a Patricia Piccinini
Acordei mais
cedo hoje e
chorei muito
por tudo que
no mundo
hei de passar
In: A grande noite perdida (Clube de Autores, 2019).
Salto no vazio
a Yves Klein
Eis me aqui −
muita coisa
pouca coisa
quase nada
nada
Eis me aqui −
ainda aqui
para a sorte
e o azar da
maioria
In: Véspera do rosto(Clube de Autores, 2019).
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Jorge Lucio de Campos é poeta, ensaísta e professor da ESDI/UERJ. Publicou os ensaios Do simbólico ao virtual (1990), A vertigem da maneira (2002), A travessia difícil (2015), Lembretes filosóficos para jovens sábios (2019), O império do escárnio (2019) e as coletâneas Arcangelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A dor da linguagem (1996), À maneira negra (1997), Prática do azul (2009), Os nomes nômades (2019), Sob a lâmpada de quartzo (2019), Paisagem bárbara (2019), Através (2019), Véspera do rosto (2019), O triunfo dos dias (2019), A grande noite perdida (2019) e Desimagens (2019).