NÃO TRAJE DE POEMA O DESABAFO
Eu queria estar
além dessa bundamolice
de ferida, sal & cachaça;
ser além do verso pobre
da persona tosca de babosa sonata,
desse complexo tumblr
em tons pastéis & o arominha cu do almíscar.
Queria estar fora
do sentido filantrópico dos provérbios orientais,
da formatação linear humana
de síndromes capitais,
bolor de egos & dores mesquinhas.
Todo o aglomerado de insignificações
essa falta de tesão
essa falta de tudo
que é o que nos compõe.
Que não haja floreio no que me rasga
não desejo poesia nenhuma
não quero vidro-fumê na minha retina
construções piegas
ou roteiro de verve britânica,
não existe nada de essencial
foda boa não se faz em seda branca.
Não me dê beleza,
para mim é graça
sabiá preso em arame farpado,
poetas contemplatistas
precisam morrer
com seus consolos de estimação,
tenha certeza da minha galocha de cera
sou de estrutura frágil
ridículo, engajado numa serenidade andina
carcomido de âmago
de estradas traçadas em sonho
e que invisíveis
foram talhadas por minha cartilagem;
Eu não existo
estou paralelo a você
feito de plumas & vontades
que nos devoram num falso-azul
pois a vida é falso-azul
e a linha que vejo em sua mão
não me diz nada.
Queria existir
homem místico & forte
reencarnação de um índio charrua,
mas sou ausente
do que é nobre & rígido,
sou em suma e em contra-tempo
essa ameba de quarentena.
Ridículo
no palco de falecidas brumas.
Não me fale das canções de Caetano
relações assim são clichês
como todo letreiro,
não há arte nisso tudo
em diálogos
em ficções & molduras
nessas palavras.
O ritmo das artérias
o desencanto das tripas
frente aos enredos
a toda história
ao cotidiano
todas as figuras
que fazem do meu viver um desacato.
Eu não suporto
só me agrada
o desenho que fazem as cortiças,
a minha amada
e o que os taoístas veneram
que é em toda sua grandeza
o nada.
POEMETO TOSCO SOBRE MEU THEATRUM-MUNDI
Pode acontecer d’eu ter a dramaticidade
de um viciado em metadona
& querer outra vez enumerar tuas pintas
& garimpar da tua boca de ninfa
uma flor de amoníaco
& você
prostrada na cabeceira
com os biquinhos em riste
achará graça na minha mania
de deitar no tapete para contar as tábuas do teto
& morrer
CAVALO VALGO II
Eu poderia ser melhor
mas não consigo
despachar o corpo do terraço.
Não há mais, dona
como suprir essa patente de outsider.
Saca, é de enxergar
meus desencontros
nessa tentativa regrada
de ser espirituoso
soberbo,
homem de alavancar os meios;
pois minha beleza humana
é planejada
se deforma & se caleja no tempo
como os trejeitos das gueixas.
E acontece que meu grito
só nasce de lonjuras
& se dilui no hálito do atlântico
& se forma num cool jazz broxa
de alma inválida
sussurradora de gruta.
Eu posso ansiar o sereno
mas é preciso falar de geopolítica
é preciso salvar as tartarugas
alimentar cyber-informações & o desespero.
Eu poderia apenas morar
na maresia dos teus lábios maiores & menores
ser um artefato alojado no teu útero
carbono de tuas partes;
mas é preciso invadir o presente
e dar bom brandy aos órgãos,
é preciso não morrer
e por a pureza no fogo
saudar o retrocesso.
Eu poderia ser melhor,
mas um bom poeta me disse
que minha dicção do eu
é convencional-romântica.
Então não há mais, dona
como tecer cartas para nós dois
nesses poemas
tenho a mão orgulhosa
& não sei fazer sonetos.
DA TRANSA & DOS TRÓPICOS
I
Na meia luz do quarto
arrisco fazer lira em teus cabelos
II
De você: eu, a mariposa amante
III
[umidade-de-nebulosa]
IV
A língua anima os átomos
V
Ainda é difícil sorver da ferida
a imagem
de nós
feito vermes embriagados em carne quente
VI
Passado liberto
agora as montanhas de dorso macio
VII
Braços & fagulhas
VIII
Borramos silhuetas no abstrato
IX
Mais um passo:
desmembra-se o corpo
o universo
amontoado & fractante
já nos basta
X
[Apocalipse-derme]
O culto da noite
nos abduz
XI
Eu renasço
Você renasce
XII
Coração de Ícaro
que se solve
sobre o Monte de Vênus
XIII
O amor descansa
e ecoa a pele
XIV
Corações esmolam sangue na biqueira
retomam-se
XV
As vias abertas
aos poucos
…
se fecham
XVI
Nossos corpos se refazem
XVII
Mas nossas quimeras ainda dançam no espelho.
XAMÂNICA DO POETA MENOR
Eu ainda choro
assistindo casais de acrobatas
hereges-cadentes
quebrando leis no ar.
E acho, ainda hoje,
que na galeria púrpura da noite
quando grogue
não há coisa mais seduzente
que a luminosa da Coca-Cola.
Eu ainda me exilo em roxo dos meus confrades
se a poesia se enciuma
com seus artifícios e silêncios.
Quem sabe o que me mantêm
é esse abraço curto
na sua plástica
de singelo-divino
como harpa & querubim.
Eu, ainda morro em gotas
sentinela-da-soleira-do-mundo
com minha melopéia mal escrita
e minhas dores mal acabadas.
Querendo inventar
uma palavra-pura
forte e presente
feito uma prece
à Virgem de Guadalupe/
capaz de mover um país
[dínamo-lírico
trem-fonético]
explosão dos tímpanos parindo neo-luas.
Eu, ainda amargo
corto nu a face da lembrança
como se para fazer souvenirs
com colagem de revistas velhas
e me envaideço
com meus rancores
como uma árvore
em sua solitude anciã
se envaidece de seus frutos.
[Shiva zunindo em minhas paixões]
Eu ainda sou
essencial surrealista
montando maré-alta
para corpos à vela.
A espuma dos versos
produzindo colírios
na ótica poética
para visionários-de-rapina.
Canções da Província
à um poeta menor
com seus pecados
providos de caprichos,
nas mesmas temporadas
pervagando o destino
sobre as serpentinas
que brotam do olho.
Eu, frágil
ainda humano
enquanto a vida palmilha
entre o espaço
e o coração.
Igor Moroski sente que já é vazio o bastante e se sentiria arrogante metendo uma biografia