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"Naturaleza Murte Resucitando", de Remedios Varo |
Sob um uivo devasso
onde os deuses não jogam dados – jogam sujo
onde lágrimas ácidas dilaceram línguas palavras esôfagos
onde a vontade da voz se qualifica num imenso grito
onde a caça pode ser qualquer coisa com medo nos olhos
onde o inseto gira suicida atraído pela luz da lâmpada
onde as pálpebras se fecham num largo respiro de comoção
onde a carne é exposta em sonhos confinados
onde o poema incompleto desliga seus sinais (como se possível)
onde a rua sem saída pode ser uma encruzilhada
onde a bondade perniciosa está entre a boa intenção e o narcisismo
onde o sentido único não é este
é outro
é onde
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Colagem de Jorge Chamorro |
A foto
barba branca bem aparada e penteada
olhar firme de quem sabe e explica as coisas
a calvície visando um efeito estético e sedutor
calça, paletó e colete pretos, camisa branca
mão esquerda no bolso da calça com o antebraço puxando
leve e propositadamente o paletó para trás
com o objetivo descarado e arbitrário de exibir o tempo
confinado no bolso do colete em cinquenta minutos
a corrente à mostra desenhando um anzol
da altura do meio da barriga ao bolso
o braço direito em ângulo mais fechado que o esquerdo
entre o dedo indicador e o médio
o charuto
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"The Fall of Troy", de Johann Georg Trautmann |
Atrás dos muros de troia
a pira de pirra
ruiva
tão herói e vingativa
se acende
ascende e pira
atrás dos muros de troia
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Arte de Darío Salzman |
A pele de lua das estátuas não envelhece
enquanto a noite de freitas filho
uivava por um cachorro:
noite de tartaruga, coruja, caracol e outros bichos
publicando o sol, eternizando o tempo
eu fazia 24 anos
em minha frente de OLHOS ABERTOS
me encara, ali
desde quatro de maio de mil novecentos e oitenta e nove,
impresso
e os meus 24 anos?
tateio procurando nesta insônia que
se reflete
no espelho de 7 dez 01
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"Common Ground", de Charles Luna |
Duelo ou felicidade qualquer
as telemercadologias descobriram
o meu número de celular
e eu descobri
o “adicionar à lista de rejeição automática”
e a felicidade boba
com a resposta imediata do celular:
“adicionado à lista de rejeição”
eta a vida anda mais veloz, mas continua besta
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"Golconde", de René Magritte |
Um elefante ensina alguns automóveis a mexerem as trombas
homens de negócio as usam como gravatas
48 alfaiates abriram franquias de guloseimas na periferia
vendem botões customizados e caramelizados
no farol crianças doam seus rins e córneas
a troco de botões customizados e caramelizados
os ônibus fogem do trânsito infernal da madrugada
48 alfaiates abriram franquias de guloseimas na periferia
vendem botões customizados e caramelizados
no farol crianças doam seus rins e córneas
a troco de botões customizados e caramelizados
os ônibus fogem do trânsito infernal da madrugada
escalando altos prédios
os cobradores dizem que sentem vertigem e medo
os cobradores dizem que sentem vertigem e medo
de chegar tão perto das estrelas
a estrela guia da cidade enfeita o natal
a estrela guia da cidade enfeita o natal
as grandes avenidas sofrem com os moradores de rua nessa época do ano
a vida anda tão absurda!
a vida anda tão absurda!
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Deixei o umbigo em casa e saí pra rua na velocidade dos relógios
na velocidade dos atrasos dos relógios empacando a vida
quebrei o silêncio, matei o tempo, morreu o assunto
tentativa ineficaz de se resolver em poema meu desencanto agigantado
é preciso estar sereno e saber que uma sirene pode abrir caminhos
dar o recado e enlouquecer uma pessoa
é preciso saber da ampulheta o movimento
do tempo breve e que o gol da vitória não será o nosso
pode até ser que de repente
cacos
corte faca cicatriz
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Leonel Delalana Júnioré formado em Letras e vive em São Paulo na constante construção e desconstrução do vir-a-ser.
Para contato: ldelalana@yahoo.com.br
Para seguir: http://www.facebook.com/LeonelD.Jr