"Psyché et l'Amour endormi", de Peter Paul Rubens |
no dia em que trombamos
demoraram-se as armas, não houve tempo
para habitar as furnas, para a fuga do que
sugerisse nuvens
alguém, pela fratura do vidro, previa
de nosso contato
o retorno risonho da pergunta de Pasternak
“querida, querida, que milênio soa lá fora?”
me abandona pelo cansaço
sem saber que o poeta não pode
desdenhar o olhar-infante sobre o mundo
para que o Éden seja possível como imagem
quando você me disse
“os poemas saturam”
eu estive devastado
o que será que significa este horror ao excesso?
por que será que você não pode
com o total desprezo pela experiência?
isso também pode ser
um novo tipo de escuta
mas me agradam
as formas antigas
querida, querida
será um chamado do tempo?
as Musas diletas
precedem a queda
e assim espero nunca-nunca
perder a voz
nunca mais diga palavra
nunca mais sombra
ou anteparo
Musa venal
te adivinho
na fúria da guerra
na vanguarda operária
enquanto me interessam
Blok
o destino espiritual
da Rússia
se algum dia
você atendesse
à oficialidade
de Musa
se algum dia
chorasse o tempo
sob minha
urna funerária
eu seria
humano
restituído o fluxo
natural das coisas
devolvido à seiva
como se a linguagem
não fugisse
à experiência
como se o poema
merecesse
do amor
a represália
PARAFUSO
nunca mais sombra
ou anteparo
Musa venal
te adivinho
na fúria da guerra
na vanguarda operária
enquanto me interessam
Blok
o destino espiritual
da Rússia
se algum dia
você atendesse
à oficialidade
de Musa
se algum dia
chorasse o tempo
sob minha
urna funerária
eu seria
humano
restituído o fluxo
natural das coisas
devolvido à seiva
como se a linguagem
não fugisse
à experiência
como se o poema
merecesse
do amor
a represália
![]() |
"Dopamine", de Stephen Gibb |
(meia dúzia de estudantes
de língua e literatura
à espera de que eu seja
um palhaço das alturas
procurando em mim
a diferença
sem saber
do sempre ridículo
dos hábitos
sem saber que hoje
foram 7 xícaras de café
e que há duas semanas
só consigo
escutar pós-punk
e goth rock
sem vomitar)
eu sei o meu lugar:
perder o controle
mas afunilar
caixas, mercadorias
anatômicas
à esquerda
direita
à revelia
reconhecidos
o arbitrário do eixo
o inevitável da ferrugem
![]() |
Arte de Jonathan Wolstenholme |
ANO PASSADO EM MARIENBAD
a literatura não basta
ou basta sim
mas como
uma dormência
embrionária
um apelo
do útero
uma festa
nas lentes
vi uma foto da Emmanuelle Riva com 50 anos
veja como o tempo escarrou na cara da Nouvelle Vague
veja como estamos fodidos
a literatura não basta
é como um projeto
de mortes intervalares
sugestões derrogatórias
- quem derrotará os fascistas?
e se fôssemos todos
poetas armados
e não soubéssemos
as coordenadas precisas
na arena de combate
e se na batalha final
fôssemos todos
um exército de poetas
(à espera dos bárbaros)
da Revolução Permanente
quem derrotará os fascistas?
quem vai parir
o concerto
(em trítono)
do cosmos?
![]() |
"Fiery Dance", de Vladimir Kush |
AKHMÁTOVA
todas as amantes são
Fata Morgana
mas são (principalmente) seus nomes
por isso nunca espere a maciez
do que mora além das cadências
necessárias
por isso nunca espere que surjam
ditirambos
de seus narizes aduncos
por isso
se eu digo pausado o nome
da dileta
miro imediato o Cáucaso
se eu digo devagar a - li - ce
o coro responde
alice, alice, por que você tem esse nome?
____________
Alice Vieira nasceu em Guanambi, na Bahia, em 1994. Publicou poemas nas revistas Germina (2016), Em Tese (2018) e Gueto (2018). Formou-se em Letras e fez mestrado com uma dissertação sobre a poesia de Cruz e Sousa. Lança, em outubro, seu primeiro livro de poemas, pela Editora Penalux.