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três poemas de Eber Inácio, do livro "sangue nos olhos"

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mão planta

inocente indecente inocente indecente
por isso é preciso enfiar as mãos na garganta e arrancar com as unhas o esmalte da palavra amor
agir o amor
mesmo eu sendo planta
eu sou planta
eu sou verde
O meu peito é verde. O meu pau é verde. A minha casca é verde.
mas estou indo pro baile que arde
recarregue meu Riocard
deixa de ser covarde
e vá lavar este Tupperware direito
e venha sonhar comigo
a vida tá foda, Johnny
quem é o inimigo, Johnny?
não digite o código de barras, Johnny
saia do XVideos, do Grindr, do Chaturbate
e bate uma pra mim
é só uma planta que está crescendo aqui
verde
verde
choveu, eu desisti   
fez sol, eu derreti   
mas deixe o ventilador ligado e venha gozar
não! Não venha querer tirar esta mancha com Vanish
são apenas vestidos, perucas e plumas
me deixa ir pra casa
sozinho e mal acompanhado
sem peruca, sem vestido e sem plumas
despeluncas
deixa ser quem eu sou:
um comediante torto
verde
planta
tá afundando, Johnny
vou segurar tua asa
não me pergunte nada
o meu nome
como estou
e como eu matei os meus filhos
a cova já está aberta para os amantes da liberdade
tira o pé da terraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
aceite o meu amor
Mas tira este palito nojento da boca seu rato
enfia o Facebook no rabo
estou falando contigo
saia do Instagram me olha
te darei abrigo
lá fora há uma guerra que está envenenando nossas almas
os canhões estão famintos
mas eu sou vitória-régia
não sou de mi mi mi que meme
o amor não medirá o número dos seus seguidores
você ainda quer prova?
aqui está ela
a minha mão a minha planta a minha mão planta
Ela está livre. Livre e limpa.


* * *

O bem-estar diante de uma catástrofe natural. Uma coragem subterrânea assola meus vírus. Dizer a eles: estou empossado do mais puro sangue animal. Incorporado por anjos e por um halo precioso de tão bom. Minha alma cheira a hortelã fresca. Meu sorriso e meu corpo não me abastardam. Meu corpo tem uma verdadeira e perplexa admiração por mim.


* * *


peixaria

VAMOS FAZER UM FREELANCER
LANCHE DE BALCÃO
QUERO O APREÇO DO TEU
NESTE MOMENTO
TENHO PESSOA PELA METADE
A KILO
MEIA-ÁGUA  
PUXADINHO DO OUTRO
PERTO E LONGE DE PESSOA
PESSOA/ ELA TODA/ COM TODAS AS LETRAS QUE A PALAVRA TODA PREENCHE
ME TORNARIA TORNADO/ MUNDIAL VÉSPERA DE NATAL
O PESO FRICCIONA O AMOR PARA DENTRO DE MIM
ABRE O JOGO
O LEGO
O AQUAPLAY
O QUAL É A COR DO SEU NAMORADO
MAS TEM QUE SER AGORA
O LIMO DAS HORAS ME AMOLA E PRODUZ CORTE
É QUE PRECISO DE VOCÊ AGORA
MESMO QUE ESSE AGORA SEJA EM MINÚSCULO OU EM SEPARAÇÃO DE SÍLABAS
PORQUE VOCÊ APARECEU NO MEIO
AO CORTE E COSTURA AO DESALINHAR MINHA VESTE
FITA MÉTRIQUE-ME
É QUE SOU DADO A PESSOA QUE ME ALARGA
EM CUMPRIMENTO NA METRAGEM
TUA FORMAÇÃO DE FRASES PAUSAS E EXCLAMAÇÕES FOMENTOU FONEMAS
ME RASPOU
PESCOU-ME
POR ISSO QUERO TEMPERAR CONTIGO
ESCAMAR OS PEIXES
A SEPARAÇÃO DOS ESPINHOS
E O ESCAPE
TUA PEIXARIA ESTAVA ABERTA E EU, SEMANA SANTA, ENTREI







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Eber Inácioé poeta, ator, dramaturgo, palhaço e arte educador. Nasceu em 1967 em Volta Redonda (RJ). Em 1990 muda se para o Rio de Janeiro. Um dos criadores do Buraco da Lacraia show e do grupo de palhaços Roda Gigante que atua em hospitais. Escreveu dezenas de peça para teatro. Como poeta participou ativamente do CEP 20000 e do Fala Palavra. Publicou a cartonera Preces e o jornal Relâmpagos.


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