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as cruzes dos dias - 8 poemas de Arlene Lopes

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"Animeyed", de Flora Borsi

JUVENTUDE

na segunda
das três fases da erosão
estou cheia de números
acumulados
ao redor dos olhos
e com o viço da pele abarrotado de mundo
excêntrica
às vezes pinto o meu rosto
noutras
de cara limpa
deixo o espelho perplexo
com essa juventude
que carrego
do lado de dentro
estou repleta de vida

"Past. Present. Future", de Anna Razumovskaya
MEDIDA

não fosse nossos abandonos
teríamos permanecido
não fosse nossas ruínas
floresceríamos
não fosse nossos entulhos
nada nos impediria
não fosse essa sombra
nossa miserável escuridão
teríamos a abundância da luz
não fosse o laço de sangue
uma linha tênue de veias desencontradas
roídas e remoídas no tempo
poderíamos reconstruir
o que sequer foi construído
não fosse o meu ateísmo
eu teria rezado
no velório de minha mãe
não fosse o meu tamanho eu caberia no mundo
"The Guard", de Mohamed Riyad Saeed
TURVA

a quietude me atravessa
e eu pareço profundeza
perdida na indiferença do tempo
coberta de névoa
montanha estagnada
minha válvula mitral regurgita
esse cansaço que me cansa
já não colo os meus pedaços
tenho essa existência turva
de beleza inadequada
"Pieces of My Mind", de Flora Borsi
CRIANÇA GOSTA DE DOCE

aos nove anos
não tivesse
ganhado duas balas
a menina
teria se tornado mulher
e hoje
comemoraria
o seu  aniversário
Arte de Leslie G. Hurry
NINGUÉM


ninguém sabe
dos abismos em nós
quando virá a tormenta
da dor no coração de um homem
das saudades que já não habitam as lembranças

ninguém sabe
da aflição da mulher de Lot
do desespero de Orfeu
da onipotência divina
do perigo de olhar para trás

ninguém sabe
quem arrancou a flor de cacto do nosso jardim
porque partimos ou onde chegamos
por qual motivo se apaga uma cidade
com quantas interrogações se indaga uma vida
"Luvenes Dei", de Raceanu Mihai
FADIGA

Sustento um deus
com letras minúsculas
para diminuir o peso da cruz
"Blue Sky of Iroquee", de Wojciech Siudmak
SOMENTE


eu era um meteoro destroçado
sob um céu azul monótono
cercada por dias de tédios
repletos de eternidades
estúpidas e pesadas
feito essa cruz
que não é minha
e que mesmo assim carrego
debaixo do açoite
na indiferença
de uma fuga
que também não é minha
mas que acompanho
desde que em algum porto
deixei o manual da vida
e um livro não publicado
somente as coisas perdidas

__________
Arlene Lopes é baiana, designer de interiores por formação, optou pela caminhada na produção de conteúdos culturais, com textos em teatro, crônicas no livro “Virgem em câncer e outras crônicas”, sendo que a crônica “Virgem em câncer”, de sua autoria, deu título ao livro. Embora não se considere poeta, tem poemas publicados em iniciativas coletivas, tais como Revista Pausa, Germina literatura e arte e nos livros Sete Feminino de Luas e Marés e Outras Carolinas - Mulherio de Letras da Bahia. Ambas antologias poéticas. Também é compositora filiada a UBC (União Brasileira de Compositores) e produtora executiva em projetos culturais.

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