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a dissolução dos dias - poemas de Milton Rezende

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"The Therapeutist Bird Cage Man", de René Magritte

NEL MEZZO DEL CAMIN

À beira de um córrego frio
um habitante fabrica gaiolas:
de pau e arame,
de pau e taquara,
de talo e de cana-do-reino.

Na porteira chega uma visita
e ele está ali na tapera:
fatigado, doente, desanimado,
alinhavando projetos frustrados
e comendo pão com diabo amassado.

A presença que chega o estimula
e ele volta a sonhar com o tempo,
até acordar do seu sonho e vendo
“o teu vulto que desaparece na
extrema curva do caminho extremo”.

“Colorful Houses”, de Tanya Grabkova
EXÍLIO SEM REINO


Caminho pelas ruas de
uma cidade, mas é como
se eu andasse descalço
sobre um depósito de
vidros quebrados.

Pulsava em meu sangue
coágulos de nostalgia
e o desejo ardente do
corpo esbarrava num corpo
que, exaurido, envelhecia.

A calçada é deserta
na extensão da noite,
e no escuro a minha
solidão era a mesma
e se misturava com
a solidão das pedras.

Visito em meu roteiro
sem rumo uma antiga
chácara da morte, e
era como se eu entrasse
num canteiro de obras
ao som de um sino.

Havia, ao lado deste
cenário em que se
morria, um boi que
pastava, ruminando
a nossa sina.

“Abyss”, de George Lockyer
DIAS DE CHUMBO


“escurece e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada”
Drummond

Minha vontade é me dissolver
destruir minha personalidade.
Se houvesse algum ácido ou sal
que eu pudesse ingerir
e que me libertasse,
não do outro que há em mim
(monstro de ternura e culpa e parte
diferente, ainda que irrisória,
do meu processo de embrutecimento).
Mas que me livrasse de mim mesmo,
da vida que tenho levado até aqui,
aniquilando enfim essa coisa amorfa
que não se sustenta nem se suporta e que
no entanto teme a morte ou o esgotamento
da provisão do seu elemento de fuga.

Arte de Pam Toll

VERSOS DILUÍDOS NA ÁGUA

I
O mistério das
águas consiste
em sua líquida
indiferença (e
nós somos
náufragos que
procuram se salvar
agarrando nossos
dedos no limo
frio das águas).

II
O mistério das
profundezas consiste
no tumulto de suas
correntes (e
nós somos
peixes que
pretendem desvendar
o caos e nele se
insere como uma pesca
morta, abatida pelos
rios de água).

______________
Milton Rezendenasceu em Ervália (MG), em 23 de Setembro de 1962. Viveu parte da vida em Juiz de Fora (MG), onde foi estudante de Letras na UFJF. Funcionário público aposentado, atualmente reside em Varginha (MG). Escreve em prosa e poesia e sua obra consiste de onze livros publicados: “O Acaso das Manhãs” (Edicon, 1986), “Areia (À Fragmentação da Pedra)” (Scortecci, 1989), “De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – Uma Introdução” (Templo, 2006), “Uma Escada que Deságua no Silêncio” (Multifoco, 2009), “A Sentinela em Fuga e Outras Ausências” (Multifoco, 2011), “Inventário de Sombras” (Multifoco, 2012), “Textos e Ensaios” (Multifoco, 2012), “O Jardim Simultâneo” (Penalux, 2013), “A Magia e a Arte dos Cemitérios” (Penalux, 2014), “Um Andarilho Dentro de Casa" (Penalux, 2017) e “Mais Uma Xícara de Café” (Penalux, 2017). Contato: milton.rezende@yahoo.com.br

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