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"ou marcha ou dança", poema de Rafael Tahan

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Arte de Vik Muniz
ou marcha ou dança

a ingênua exatidão dos quadros
postos a ver ora do
côncavo ora do convexo
jamais suporiam a janela
apesar de, nem a depender de suas dimensões,
entre uma e outra repousar, inequivocamente, apenas uma falsa lembrança

-muitos foram os monumentos erguidos da areia
portanto levanta repara os móveis sob medida da sala
o balcão meio escombro meio kitsch
que divide a cozinha do living
                       &
ouve lá:                                                                                                                                                                  
a marcha ligeira soa
conforme o progresso; a ciência e seus homens avulsos, como o estado de coisas que estão sempre, repito, sempre diante do impasse, suspensos sob a tênue percussão da própria marcha, sempre; a plenos pulmões a poesia encontra os liquens do corpo

ouve bem? ram ram
como queira
 ampu
                                 tados paralíticos
coléricos párias
                                                                                                                                              lado a lado detêm-se
apenas um instante e um instante apenas


e se dispersam sem pressa, que a pressa não leva a lugar algum, que apesar da pressa movem-se os vales sob as placas continentais e as monumentais massas de transeuntes, sem destino, sem medo, sem penitência, tranquilos? como o boi e seus quatro estômagos e seu horizonte repisado como a raiz do pasto que se estende por toda uma campina, e mesmo outra

nauseado contudo  imóvel
contorna os móveis
a mesa em tronco matizado e
curva-se conforme a luz fratura na água
conforme a água deposita o detrito de
volta na própria curva.


Não colhe os frutos do
chão. Se houver fruto
 sobre eles ainda esquece
nos pés o já insuportável peso do corpo
ainda que pareça ter encontrado o
destino no húmus da terra no
pânico da vegetação no cárcere da cerâmica
no quadro.

Uma vez diante Deus respira
sentir o vento é resistir ao vento.

Repara, diante da janela
a natureza lá fora parece
menos hostil.  Agora:

os homens em transe
se marcham ou se dançam
                                não sei.

18/03/2018

_____________
Rafael Tahan (1989), Paulistano. Formou-se em Letras na Universidade de São Paulo (USP), onde atualmente estuda lírica contemporânea no mestrado. Publicou Diálogo (2015, Editora Scortecci). É membro da comissão editorial da revista Opiniães, revista da pós-graduação do departamento de literatura brasileira da USP. O poema “ou marcha ou dança” faz parte de um complexo poético desenvolvido em cinco livros – ainda no prelo. 

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