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astronautas pedem uma pizza e dois pathos com gelo - poemas de

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Detalhe da matéria sobre Cripta Djan Ivson na capa do caderno Ilustrada, Folha de São Paulo









I.

Me botaram tanta coisa ruim
na cabeça, ou melhor dizendo
no mês passado uma camaçada
de hiatos. E eu que só queria ouvir

a minha voz. Ainda incomoda um guarda-
chuva no canto do olho.O ruído que fez
quando empurraram a chuva pra cima de mim
uma vassoura que esfregava a calçada

um tal de barco, de ladainha
de coisas sem âncoras

quando resolvi ficar
uma fatia de pizza foi a minha ancora.
Acontece que a primeira mordida
veio bem passional
aí eu lembrei daquele poema:

de tudo fica um pouco
do cimento nos dentes
do gosto de azul
do cheiro dos sonhos no travesseiro
da ilha
do cigarro no oco dos tijolos
da fina superfície de cinza
no pôster da minha derrocada

do susto na foto da ausência
da cara que ficou quando engoli
da pizza sabor especial
(veneno)

me botaram cada palavra ruim no estômago
e hoje a noite era aquele primeiro domingo do mês
de mal-estar de mãos suando antes da ceia.

Quando li as palavras na caixa de pizza
e ouvia os passos do cavalo de estimação
em cima do apartamento na hora do jantar
não há na forma urdida de organizar as sessões
de um livreiro: linha, gancho ou cardápio.

É a postura de fome, a vontade de descer na avenida
de bater nos três vasos de planta e devolver a chave
com a cabeça. Essa descrição medíocre de três meses
do percurso da sua barba na investida de um quadril
de homem de lavanderia de seis anos

em algumas religiões costuma-se
encontrar um homem lendo caixas de pizzas
como se fosse a Bíblia alucinada dos que riem
mancando no tempo (não que isso combine)
com qualquer corredor da transgressão.










II.

Não existe no meu rosto sinal algum
Das inúmeras vezes em que
Colidi com teu nome.
E mesmo assim, eu
e mais

sete
pessoas
arrombamos

as cinco letras e a expressão:
“catarse religiosa” não era a espinha dorsal
do epíteto
           
mar

Não havia nenhum resíduo de porra
do choque entre a minha língua
e o teu nome

entro no sonho
teu nome
me chupa
a pontapé










III.

Uma multidão invade em câmera lenta o meu lado da rua
Repórteres, metalúrgicos, professoras,
Pessoas comuns.
Sou nervos e tecidos enquanto caminho sobre a calçada.
Ouço um tipo matinal de mantra nos fones de ouvido
Confundo apertamentos com apartamentos
Quando olho para as janelas.

A paisagem urbanizada
Me faz lembrar da palavra:
“Criança”
E “estudante adolescente”.
Sem lembrar da sua relação direta
Também penso na palavra pai
(Waldecir)
E daquela palavra mãe
(Maria).

Só me exibo para o prédio de onze andares
Rua Presidente Carlos Cavalcanti

Noite anterior
Fazíamos desafios.
O meu,
era chegar ao trabalho
O deles,
montar o mapa.

Quando a palavra criança surgiu, perguntei:
“haviam tanques de guerra cruzando a esquina? ”
A palavra estudante adolescente perguntou para a palavra pai:
“existe um tanque de guerra apontado para o meu lado da rua? “
A palavra mãe confirmou em voz baixa:
“Há um tanque de guerra apontado para dentro de mim!”

A minha nuvem acompanha enquanto atravesso a rua
Ela é o meu animal
Meu guia
Meu protetor.

Enquanto a multidão não chega,
Penso em mais quatro palavras:
Daniel. Perna. Elison. Cabeça.

Colisão 

A pedra resiste
a qualquer onda do mar








IV.

Ainda se é jovem na casa
deles

são dois

a torneira vomitou uma onda de sangue
até o quarto
a minha porrada veio sem força
quando acertou o ruído do teu anjo
no documentário que passava na sala.

acordo em três cabeças diferentes
nas manhãs de quartas-feiras

há vestígio de urro
e de masturbação
fora dos telhados

e um cobertor fedendo a mijo
sobre os ombros dos teus vinte anos










V.

H.H. 398
Um verso único
Num golpe nítido:
Isso não será recíproco










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Raul K. Souza nasceu em Curitiba (PR) em 1991, formado em Filosofia pela PUCPR é livreiro e desenvolve seu primeiro projeto: astronautas pedem uma pizza e dois pathos com gelo.


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