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“Akhenaten”, por Emma Watkinson |
A palavra
Você não viu
o arsenal das cores
mover no horizonte
como a deusa
de matrizes,
ânfora nos meados,
nas coisas escondidas,
na água que roreja
e mergulha
no meio do mato?
o arsenal das cores
mover no horizonte
como a deusa
de matrizes,
ânfora nos meados,
nas coisas escondidas,
na água que roreja
e mergulha
no meio do mato?
Ânfora e útero
são a cerâmica
onde fiz meu quarto
e aconchego,
a moringa que mata
minha sede,
minha rede de histórias.
são a cerâmica
onde fiz meu quarto
e aconchego,
a moringa que mata
minha sede,
minha rede de histórias.
Você não me viu
desistir da vida?
Você não viu eu?
desistir da vida?
Você não viu eu?
Meu colo é afeito
ao solo e aceito
a navegação,
a ordenha,
os olhos líquidos,
a cesura do luar,
aceito com uma condição
ao solo e aceito
a navegação,
a ordenha,
os olhos líquidos,
a cesura do luar,
aceito com uma condição
todo significado não há de ser grafado.
Quando meu filho diz,
uma palavra não cabe
mais no dia.
uma palavra não cabe
mais no dia.
Quando meu filho diz,
abrando o voo
porque ele aprendeu
o que nos é de África
continente,
o que nos contém.
abrando o voo
porque ele aprendeu
o que nos é de África
continente,
o que nos contém.
Sonoramente.
Quando meu filho diz,
eu sei que é preciso
acontecer o sol de novo
porque tudo se torna antigo,
porque tudo se torna belo,
porque a amora
envelhece no costado
da colina
e meu filho sabe dizer
tão grande
sem ser poeta.
eu sei que é preciso
acontecer o sol de novo
porque tudo se torna antigo,
porque tudo se torna belo,
porque a amora
envelhece no costado
da colina
e meu filho sabe dizer
tão grande
sem ser poeta.
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"Fast Forward", por Jake Amazon |
O Futuro
Eu seguro um laço numa ponta do mundo.
Pulo colinas, alço montanhas.
Me atiro em janelas abertas
pra brisa entrar,
admiro a paisagem triste das marés,
as veredas do espaço,
a obra insignificante de deus.
Pulo colinas, alço montanhas.
Me atiro em janelas abertas
pra brisa entrar,
admiro a paisagem triste das marés,
as veredas do espaço,
a obra insignificante de deus.
Hoje encontrei um verso
na pedra onde costumávamos
esperar o fim do terço,
o fim da chuva,
o fim do reclamo dos bêbados
na madrugada.
na pedra onde costumávamos
esperar o fim do terço,
o fim da chuva,
o fim do reclamo dos bêbados
na madrugada.
Não à épica.
Uma só heroína grita dos confins
e norte são suas facas de castrar
o sangue venoso da injustiça,
sua canção ímpar de oceano
e o atlas tão feminino
que ergueu a terra
num sopro, num sussurro,
num acorde de lira.
Uma só heroína grita dos confins
e norte são suas facas de castrar
o sangue venoso da injustiça,
sua canção ímpar de oceano
e o atlas tão feminino
que ergueu a terra
num sopro, num sussurro,
num acorde de lira.
Uma só heroína nos campos de trigo,
nas sombras serenas do baobá,
nos caminhos das línguas dos griots.
Eu me tatuo de África.
nas sombras serenas do baobá,
nos caminhos das línguas dos griots.
Eu me tatuo de África.
Será de fato minha melhor e última lembrança.
Itapetininga e outras gerações,
cidades inteiras e a lâmina pendular,
tudo é um dia além, uma semana além,
um ano além, décadas depois.
Milênios.
cidades inteiras e a lâmina pendular,
tudo é um dia além, uma semana além,
um ano além, décadas depois.
Milênios.
Igual uma vela, um pavio,
acendi minha dor no futuro.
Algo me diz que o ser humano
não sobreviveu.
acendi minha dor no futuro.
Algo me diz que o ser humano
não sobreviveu.
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Fiori Esaú Ferrari nasceu em Itapetininga/SP. É professor de Literatura pela Uneafro e professor efetivo de Língua Portuguesa pelo município de São Paulo. Em 2016, lançou seu primeiro livro, "Tensão Superficial da Poesia", pela Editora Penalux. No ano seguinte, lançou o livro "Meu Campo", pela mesma editora.
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