Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Três estudos sobre o imaterial, de Ana Paula Arendt

$
0
0








UM ESTUDO SOBRE A ÁGUA



LÍMPIDA, sacia goles, absorve enormes impactos
Cristalino lugar onde a luz mergulha buscando para si reparos.
Jóia de curvas macias, sacia por dentro e recobre a pele
No corpo o brilho lapida, água que outrora também se bebe.

Envoltório e solução da vida, ofertório de nobres altares
Nas taças seus sons vibram, na Terra circunda os mares.
Movimento elástico absoluto, jaculatória que no ar espalha
Gotas sempre de mesmo atributo, reiniciando a vida involuntária.

Se a altura das ondas dizem a largura das margens que lhe limitam
Os seres retornam aos seus olhos, pois sua escassez e falta interditam
Sobre ela apenas flutua o que é muito forte e leve
Cujo fôlego resguardado refresca, circula e ferve.

Reflexo versátil, elíptico, cíclico e maleável
Naágua nos diz o que é puro, suave e desejável.
Em forma de nuvens, garoa, em gelo, neve ou vapor
Suas mãos lisas convidam a lua a querer lhe elevar de amor.

Por que de sal se absorve, mas é doce por cima da terra?
Como é que sobe nos montes, e nos vales contorna as serras?
E guarda em si muitas muitas cores, toma as dores, no rosto escorre
Molha varais, arbustos de flores, quando em excesso no ar cura e chove.

Renova eras em celeste, cobalto, turquesa, safira
Passe que enxuga no corpo o fel, a fadiga e as brigas
Incêndios apaga em ciano, marinho e azul tequelete[1]
A água reflete instantânea, transparece o que o céu repete
Fluindo e flanando fitas, nas fontes, gramados, cachoeiras
Ergue cidades em palafitas, abastece civilizações inteiras.








UM ESTUDO SOBRE O AZUL


TONS dos meus netos, sabor de ares, matiza-me, kyaneos
Voa como folha e pluma; és glaukos, envolve-me suma, depois de Deus. 
Sim, aerius, sim, caeruleus, norte dos magnetismos escuros 
Caesius porque tomba e mesmo o mar diante de ti é mudo. 
Tintura de sangue nobre, cyaneus apenas em água se mistura 
Acero de um apelo inoxidável, cobalto de minha porcelana pura.

Para a dor o purpúreo, para lavar o anil, à oração o celeste 
B
ígaro nas superfícies, índigo no profundo, záfiro que arrefece 
Teus mirtilos alimentam, tua lavanda perfuma, 
Das palissandras esticas a pele 
Valsas recobrem a aura que expeles

Orcela da túnica vestida em canção de Rávena[2] 
Petr
óleo servido e a tinta de Curaçao em uma chávena.

Promessa das buscas turvas
Top
ázio de meu anel, isátis[3] de meu sutiã 
Curvaturas que banham os lagos de náutico,
Contorno da esfera, sumo de estrela, aroma de harmattan[4]

Gradiente da magia, do encanto, da verdadeira prece
Quero te dar o azul que te escapaste, o
éter que tudo engrandece

Ferreus, patmos, lividus, venetus 
Muda o meu caminho, diz para sempre o tempo 
Comteusvieses l
ázulis, com os teus riscados marinhos 
Azul
é a cor do que é sesgo, dos caudais e do meu destino.








UM ESTUDO SOBRE AS ESTRELAS


PROPENSÃO de ter no peito desejos raros
Piscam falando ao mundo que ainda há reparos.
Descanso fundo para os teus olhos fatigados,
Alívio da mente apinhada em dias alvoroçados.
É o tal brilho que desejam as preciosas pedras
Queimam em pontas e acendem à noite as velas.

Perfuram camadas fulgurando num limpo céu letárgico
Celebram nos olhos um acordo entre o real e o mágico
Não aparecem em regiões, não se amontoam, nem se definem
As estrelas participam, criam estações e com luz se imprimem.

Pouta dos sonhadores, resposta aos senhores, são eternos os seus segundos
Dizem futuros, sobrepõem muros, são janelas para outros mundos.

Quando se juntam constelam, formam desenhos, contam histórias
Que viajam por anos sem ventos, e quando nos chegam definem a glória

Quando morrem não desaparecem, mas se dobram em buracos-negros
Rojam tudo até que se explodem, criam de novo sistemas íntegros.

Gigantes vermelhas, cefeidas, supernovas, hipervelozes
Anãs-negras, estrelas-conchas, de ferro, de nêutrons, de bósons.
Há pulsares e quasares, umas menores, outras maiores
Mas nenhuma brilha mais que os olhares do sol em albores. 






_________________________________

Ana Paula Arendt é cientista política, poeta e diplomata brasileira. Publicou diversos livros, dentre eles "O Constituinte", laureado com menção honrosa pela UBE-RJ, e o epitalâmio "As Veneráveis Virtudes do Homem", menção de honra no Prêmio Maraa de Poesia.







[1] Tekeleth, azul judaico de ornamentos sagrados.
[2]Cidade italiana na qual se localiza a Igreja de São Vital, onde foi preservado mosaico de Justiniano I em que aquele imperador veste túnica de cor orcela.
[3]Isatis tinctoria
[4]Névoa branco-azulada nos meses de dezembro e janeiro na costa da África Ocidental.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548