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Poema do livro “Entre a estrada e a estrela” (2017)
Num estalar de dedos
se estabelece o ritmo do Universo.
E os olhos da Musa se abrem
e os lábios da Musa se abrem
para receber minha língua
que transmite os fluidos da criação.
Foi de um impulso que Eros se fez.
Foi de um simples sopro,
um simples movimento,
que estrondaram as nebulosas
e fez-se a luz e fez-se o som
até chegar a esses rabiscos
que eu chamo de poema:
a mera expressão de um sentimento
que não se contenta em ser
qualquer coisa que já tenha sido
e por isso se busca dizer como algo novo
que ainda não tenha sentido;
e por não ter sentido
é o encontro com o que pode vir a ser
e por isso é tão inquietante e tão bonito.
Num estalar de dedos
encontro impulso para viajar pelo Infinito.
Num beijo, fundo a linguagem
que desperta em mim o desejo do gozo e do atrito.
E dançam minhas células,
estrelas que nascem agora e exibem seu brilho.
Veja, tu e eu, somos estilhaços de astros.
Estamos fadados a dançar
no salão que atravessa os espaços.
Então, vamos, de mãos dadas,
minha companheira invisível,
bailar até nunca mais,
vamos deixar um rastro de alegria
como o da Nona Sinfonia.
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O mote deste lume
é o fogo sem hiato do meu lustre,
colosso da nudez que me arremessa à eternidade.
Monumento e colheita,
sou astro irrequieto a espera de um milagre.
Tenho a gula das cigarras.
Os vinhos são intervalos das minhas partituras.
Nesta vigília hei de ferir o prumo,
dissecando morcegos ávidos por voos kamikazes.
Esta cena é amarga. Todos estão amargos.
Ofereço este purgante
aos olhares oblíquos que me julgam
e ainda dou rasteira em suas muletas,
dissipando toda inveja do Cosmo
para que não reste nenhum elétron de queixa.
O fim deste canto se aligeira
porque agora preciso ascender,
o Infinito me convoca para andar na sua esteira.
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Deitado no terreiro a namorar estrelas,
sonho com os longes das luzes que chegam até aqui.
Apoiado na memória, um vazio calado
me leva por ilhas de luz
e sinto o elo que me liga aos ancestrais.
Caminho junto às estrelas
em busca das metáforas estrangeiras.
Daqui, deste pávido ponto,
grão de poeira a girar na imensidão,
sinto a treva morrer a cada pirilampo
que grita seu brilho, pingo de luz pulsando.
Incansável cavaleiro a vagar por labirintos,
fecho os olhos e distâncias me engolem.
Há trevas e mais trevas.
Assustado, planto um girassol no meu imo
que acende um candeeiro de astros,
um diagrama de pulsares, o prisma do Pink Floyd.
Fecho os olhos e eles ficam bem abertos.
A noite tem uma intimidade
que perpassa e trespassa os abismos.
A noite é uma vaca preta
que oferta o leite da vida aos sentidos.
Sou o cordeiro que veio fundar
uma constelação de signos.
Aboio bárbaro que ecoa no Vale de Josafá,
o arco da minha lira arremessa o girassol
e ele segue pelo Universo, sem medo,
flecha que atravessa o desconhecido.
Danço sobre a chama
e em meus olhos sorri o Infinito.
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO (1968), alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural. Publicou oito livros de poemas, dentre eles livros Pedra Só (2012), Sete (2015) e Entre a estrada e a estrela (2017), além das antologias 50 poemas escolhidos pelo autor (2011) e O galope de Ulisses(2014). Organizou Concerto lírico a quinze vozes – Uma coletânea de novos poetas da Bahia (2004) e Sangue Novo – 21 poetas baianos do século XXI (2011). Publicou também o livrete Luzeiro (2003) e os cds de poemas A casa dos meus quarenta anos(2008) e Pedra Só (2013). Participa de várias antologias no Brasil e no exterior.
Coordenador e curador de vários eventos literários, como a Praça de Poesia e Cordel, na 9ª, 10ª e 11ª Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011, 2013), em Salvador, o Cabaré Literário, na I Feira Literária Ler Amado, em Ilhéus (2012) e a Flipelô – Festa Literária Internacional do Pelourinho (2017), em Salvador, assim como os projetos Poesia na Boca da Noite (2004 a 2007), em Salvador, Travessia das Palavras (2009 e 2010), em Jequié, e Uma Prosa Sobre Versos (desde 2007), na cidade de Maracás, no Vale do Jiquiriçá. Tem poemas traduzidos para os seguintes idiomas: alemão, árabe, espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano.
E-mail: jivmpoeta@gmail.com
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